INTRODUÇÃO
A Ginástica para Todos (GPT), antes conhecida como Ginástica Geral (GG), é uma prática gímnica em grupo com crescente interesse no âmbito nacional, e uma consolidada produção acadêmica (CARBINATTO et al., 2016). No campo específico da Educação Física, e considerando as diversas possibilidades da ginástica (SOUZA, 1997), incluindo aquelas reconhecidas pela Federação Internacional de Ginástica (FIG) (BORTOLETO, 2012), a produção de conhecimento sobre a GPT é essencialmente voltada para os aspectos pedagógicos de seu desenvolvimento (CARBINATTO et al., 2016).
Amplamente reconhecida pela sua vertente não competitiva, a GPT se manifesta prioritariamente por meio de apresentações de composições coreográficas, que permitem seu desenvolvimento em diferentes contextos, tornando-a em geral acessível e flexível na medida em que se mostra heterogênea quanto ao perfil de seus praticantes, quanto aos níveis de habilidade e conhecimento gímnico e corporal (PAOLIELLO et al., 2014).
Algumas dessas características foram analisadas e possuem diferentes registros na literatura especializada. Seu potencial pedagógico, visto a possibilidade de desenvolvê-la no ambiente escolar, por exemplo, foi objeto de estudo de muitos pesquisadores desde o final da década de 1990 (SOUZA, 1997; AYOUB, 1998; BORTOLETO, 2012; LIMA et al., 2015; LOPES et al., 2015; SANTOS et al., 2018). Da mesma forma, seu potencial criativo, relacionado às coreografias e aos festivais ginásticos emergem como tema central de uma série produções científicas mais recentes (BUENO, 2004; ARTUSI, 2008; ALMEIDA; SOARES; BORTOLETO, 2016; PATRÍCIO; BORTOLETO, 2015; SCARABELIM; TOLEDO, 2016; ALMEIDA, 2016).
Uma de suas características que, de maneira geral, é entendida como um fundamento para a prática da GPT é o seu caráter coletivo. Ao tomar contato com a literatura mencionada anteriormente, foi possível notar, com grande frequência, apontamentos sobre os benefícios do trabalho em grupo e como essa característica ressalta a importância da cooperação, da socialização e da promoção da interação social entre os praticantes de GPT (MENEGALDO; BORTOLETO, 2018). No entanto, poucas produções aprofundam as discussões sobre esse tema, de modo que esse potencial coletivo da GPT parece, em ocasiões, ser similar ao experimentado em outras práticas gímnicas, incluindo as práticas competitivas.
Por considerar essa particularidade da GPT um dos aspectos fundamentais de sua lógica interna, em termos de Parlebas (2001), e tendo em vista a produção consolidada acerca de outros elementos dessa prática comentada acima, desenvolvemos o presente estudo de revisão visitando produções acadêmicas, em sua grande maioria nacionais (artigos, monografias, dissertações e teses), com intuito de averiguar como o caráter coletivo é abordado e discutido nas produções científicas sobre GPT.
MÉTODOS
Realizamos uma revisão bibliográfica sistematizada (LAVILLE; DIONNE, 2008; MARCONI; LAKATOS, 2008), por meio da consultada à sete bases de dados: Sistema de Bibliotecas da Unicamp (SBU), Periódicos Capes, SCOPUS, Scielo, ERIC, SportDiscus e Google Scholar.
As palavras-chave utilizadas foram “Gymnastics for All” e “General Gymnastics”. Em casos de resultados escassos ou nenhum resultado, utilizamos o termo “Gymnastics” com intuito de ampliar os resultados uma vez que sabemos que as denominações anteriores não são descritores DeCS. Foram selecionados apenas artigos de periódicos, monografias, dissertações e teses de doutorado. Além disso, vale ressaltar que a consulta nas bases foi realizada no mês de junho de 2016 e que não houve critérios temporais, considerando todos os resultados exibidos até esse momento. Após a aplicação desses critérios, foram realizadas leituras flutuantes analisando títulos, resumos e palavras-chave dos trabalhos encontrados com o intuito de averiguar pertinência1 com o objeto desse estudo (GPT). No caso de distanciamento do tema, o documento foi descartado.
Para complementar os resultados obtidos por meio da revisão nas bases de dados, incluímos nesse estudo os artigos publicados na edição especial da Revista Conexões (periódico da Faculdade de Educação Física da UNICAMP) dos anos de 2016 e 2018, edições publicadas em parceria com o Fórum Internacional de Ginástica para Todos (FIGPT), evento de grande importância para o desenvolvimento e divulgação da GPT no cenário nacional, não apenas no que tange sua vertente pedagógica e artística, mas também e principalmente em sua vertente científica (CARVALHO et al., 2018).
As duas últimas edições do FIGPT resultaram na publicação de 14 artigos, sendo 5 na edição de 2018 e 9 na edição de 2016 da revista Conexões. A seleção apenas das edições de 2016 e 2018, e não de edições anteriores, se justifica pelo fato de ambas terem sido publicadas após a finalização da revisão na base de dados, o que evitou a repetição do material analisado.
Desse modo, um total de 4 teses, 9 dissertações, 8 monografias e 51 artigos de periódicos fizeram parte do estudo. As produções em formato de artigo foram classificadas como GA e todas as produções em formato de teses, dissertações e monografias foram classificas como GT, conforme os Quadros 1 e 2.
Código | Título |
---|---|
GA1 | System of General Gymnastics in the Czech association in Sport for All |
GA2 | Participation of the Pan-American gymnastics union in the 2011 World Gymnaestrada |
GA3 | Ginástica Geral na Escola: uma proposta metodológica |
GA4 | A prática pedagógica da Ginástica Geral nas escolas públicas de Barra do Garças (MT) |
GA5 | Diversity versus Unity: a Comparative Analysis of the Complex Roots of the World Gymnaestrada |
GA6 | Commitment, expertise and mutual recognition: oscillating sports tourism experiences of performing and watching at the World Gymnaestrada |
GA7 | A experiência da composição coreográfica em festivais de Ginástica para Todos com alunos do ensino superior: a percepção dos coreógrafos |
GA8 | A Ginástica Geral e seus tempos-espaços-objetos lúdicos: reflexões introdutórias sobre os espaços da cultura lúdica infantil na escola |
GA9 | A Ginástica Geral no ensino fundamental na cidade de Rio Claro-SP: a perspectiva dos alunos |
GA10 | A ginástica no programa segundo tempo: desafios e possibilidades da prática em programas sociais |
GA11 | A prática da ginástica geral para jovens e adultos com deficiência intelectual: a experiência do LAEFA/UFES |
GA12 | A importância da Ginástica geral na escola e seus benefícios para as crianças e adolescentes |
GA13 | Abordagem crítico-superadora: apontes para o trato com a ginástica geral na educação física escolar |
GA14 | Auto eficácia como componente mediador de aprendizagem de elementos acrobáticos na ginástica para todos e na capoeira |
GA15 | Experiencia pedagógica: escuela, familia y gimnasia general |
GA16 | Festivais de ginástica no mundo e no Brasil: reflexões gerais |
GA17 | Festival nacional de ginástica do Japão: panorama geral e tipologia das composições coreográficas |
GA18 | Formação inicial em educação física na cidade de Maringá: a ginástica geral em questão |
GA19 | A Ginástica geral na intervenção do PIBID de Educação física numa perspectiva de formação cultural e inclusão social |
GA20 | Ginástica geral e educação física escolar: uma possibilidade de intervenção pautada na diversidade cultural |
GA21 | Ginástica para todos: perspectivas no contexto do lazer |
GA22 | Grupo ginástico Unicamp: 22 anos de ginástica geral |
GA23 | O estado da arte da ginástica nos anais do Fórum Internacional de Ginástica Geral de 2001 a 2012 |
GA24 | O perfil da delegação brasileira na World Gymnaestrada de lausanne/suíça - 2011 |
GA25 | Participating in the World Gymnaestrada: an expression and experience of community |
GA26 | Proposal of analytical records for choreographic compositions in gymnastics for all |
GA27 | Proposta de criação de uma ficha analítica de composições coreográficas na ginástica para todos: primeiros ensaios |
GA28 | Quando o lazer encontra a ginástica geral: provocando espaços dialógicos de formação e participação cultural |
GA29 | The World Gymnaestrada: a non-competitive event |
GA30 | Uma proposta de Ginástica Geral para deficientes físicos |
GA31 | Vivenciando a ginástica: analisando as preferências gímnicas na disciplina ginástica geral do curso de educação física da universidade federal do Ceará |
GA32 | A ginástica para todos na formação inicial: do contexto histórico à produção de conhecimento |
GA33 | A ginástica para todos na sua relação com as atividades físicas orientadas para o lazer |
GA34 | Effect of developing coordination abilities on improving performance level for gymnastics for all shows players |
GA35 | Ginástica para todos e literatura: realidade, possibilidades e criação |
GA36 | La lógica pedagógica de la gimnasia: entre la ciencia y el arte |
GA37 | Festivais ginásticos: princípios formativos na visão de especialistas |
GA38 | Ginástica na escola: por onde ela anda professor? |
GA39 | Grupo Ginástica Unesp: contribuições da ginástica para todos na formação de seus praticantes |
GA40 | A produção de conhecimento em ginástica para todos: uma análise de teses e dissertações de 1980 a 2012 |
GA41 | Extensão universitária e ginástica para todos: contribuições à formação profissional |
GA42 | Ginástica para todos na extensão universitária |
GA43 | Ginástica para Todos no Ceará: a história da modalidade no estado |
GA44 | Possibilidades de inserção da cultura popular da região norte do brasil em coreografias de Ginástica para Todos |
GA45 | Ginástica para Todos no Rio Grande do Sul: desafios e perspectivas |
GA46 | A experiência de implantação da proposta multicultural (Ginástica para Todos com orientação pedagógica) |
GA47 | Influências da prática da Ginástica Para Todos para a saúde na velhice: percepções dos praticantes |
GA48 | A Ginástica Para Todos nas aulas de educação física: um estudo de caso |
GA49 | A constituição e o processo coletivo de criação do Grupo Ginástico Unicamp pelas vozes de seus coordenadores |
GA50 | A divulgação científica no Fórum Internacional de Ginástica Para Todos |
GA51 | Desmitificando a cultura cerratense por meio da Ginástica para Todos: um estudo de caso do grupo de ginástica Cignus |
Fonte: autoria própria
Código | Título | Tipo |
---|---|---|
GT1 | A Ginástica geral na sociedade contemporânea: perspectivas para a educação física escolar | T/UNICAMP |
GT2 | Ginástica Gera na escola: uma proposta pedagógica desenvolvida na rede estadual de ensino | D/UNICAMP |
GT3 | Desvelando os significados da vivência da ginástica geral para adolescentes de uma instituição salesiana de proteção à criança e ao adolescente | D/UNICAMP |
GT4 | Qualidade de vida e ginástica geral: possíveis aproximações | D/UNICAMP |
GT5 | Ginástica geral na educação não formal: uma experiência no clube municipal Roberto Ângelo Barbosa | TCC/UNICAMP |
GT6 | Formação humana e ginástica geral na educação física | T/UNICAMP |
GT7 | Composição coreográfica em ginástica geral tendo como elemento principal a ginástica acrobática: a dificuldade na elaboração de transições de uma figura para outra | TCC/UNICAMP |
GT8 | Grupo ápeiron: uma ginástica entre o esporte e a arte | TCC/UNICAMP |
GT9 | Contribuindo para a formação humana dos adolescentes da FEBEM por meio da ginástica geral | D/UNICAMP |
GT10 | Ginástica geral: uma área do conhecimento da educação física | T/UNICAMP |
GT11 | A importância da ginastica geral na escola e seus benefícios para crianças e adolescentes | TCC/FAJ |
GT12 | Grupo ginástico Unesp: contribuições da ginástica para todos na formação de seus participantes | TCC/UNESP |
GT13 | Sports tourism participation at the world Gymnaestrada: an expression and experience of community and identity | T/BRIGHTON |
GT14 | Ginástica para todos na formação inicial em educação física na grande Florianópolis-sc: o conhecimento dos docentes | D/UFSC |
GT15 | A ginástica geral como conteúdo da educação física escolar: possíveis benefícios | TCC/UFG |
GT16 | Ginástica para idosos: relato de experiência sobre programa desenvolvido na Dinamarca | TCC/UNESP |
GT17 | Ginástica e ética na escola: uma proposta pedagógica | D/UFRN |
GT18 | Ginástica geral: resistência ao processo de esportivização | TCC/UNICAMP |
GT19 | Composição coreográfica coletiva e tematização como estratégias pedagógicas para o ensino aprendizado da acrobacia coletiva | D/UNICAMP |
GT20 | Panorama da Ginástica para Todos no Brasil: um estudo sobre a invisibilidade | D/UNICAMP |
GT21 | Diagnóstico dos principais eventos de ginástica geral do Brasil | D/USJT |
Fonte: autoria própria.
Após a seleção do material para análise, com o intuito de cumprir com a proposta de visitar essas produções buscando as diferentes abordagens à discussão da coletividade da prática da GPT, o processo de leitura aprofundada e análise dos textos foi realizado com base na proposta analítica de Bardin (2011). As etapas do processo analítico constituíram-se, basicamente, na a) leitura inicial, seguida da b) seleção das unidades de significado e c) sistematização e quantificação das informações.
Importante ressaltar que a busca por unidades de significado que remetessem ao potencial coletivo/social da GPT foi realizada considerando o termo principal, “coletividade”, mas também considerando termos e expressões afins como “interação social”, “trabalho em grupo” e “cooperação”. Os trechos que, de alguma forma, faziam referência a essas questões, foram incluídos na sistematização e quantificação mencionadas anteriormente.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Dentre os 51 artigos, 24 apresentaram ao menos uma “unidade de significado” sobre o caráter coletivo da GPT. Dentre as outras 21 produções, apenas uma não faz referência a esse aspecto. No entanto, na maioria dos casos a abordagem é realizada de maneira indireta, isto é, por meio da utilização ou citação de outras produções acadêmicas que fazem referência ao tema.
Em geral, a coletividade é abordada com o intuito de evidenciar a ideia de trabalho em grupo como uma característica estrutural dessa prática, não avançando teoricamente acerca da potencialidade que ela representa no sentido do fomento das relações humanas ou, como discute Sennet (2012) do desenvolvimento do sentido da cooperação profunda. Além disso, notamos a ausência de reflexões teóricas acerca das particularidades da GPT que a tornam uma prática atrativa do ponto de vista social.
Diferentes produções consideram a ideia de coletivo ou de trabalho em grupo um aspecto relevante da prática, referenciando outros autores sobre a possibilidade de contribuir para a promoção interação e socialização dos participantes, como vemos nos trechos a seguir:
[g]inástica para todos como [...] ferramenta pedagógica que por conta de suas características, como a inclusão, a socialização, seu caráter recreativo, participativo e não competitivo, se mostra uma estratégia interessante no trabalho de interação e socialização [...], comunicação e diálogo (VILASSANTE, 2012, p.8).
[...] modalidade Ginástica Para Todos (GPT), que permite a participação de pessoas de todas as idades, a promoção da saúde, o aumento da interação social entre outros objetivos que interessam a uma variedade de instituições e profissionais. (PATRÍCIO; BORTOLETO; CARBINATTO, 2016, p.8).
[...] uma área da ginástica caracterizada por apresentações coletivas [...] representa um importante espaço de vivência de valores humanos, possibilitando, a partir da apropriação dos distintos elementos da cultura corporal, o aumento da interação social (SOARES et al., 2015, p.129).
[é] uma atividade educativa, com objetivo de dar oportunidade para diferentes idades e ambos os sexos. [...] é uma escolha para a saúde, a recreação, a felicidade e as relações humanas entre grupos e uma possibilidade para a inovação e a criatividade dentro dos limites [da ginástica de competição] (ESSA, 2016, p.2).
[o] mais importante é que as pessoas participem da GPT em grande número, priorizando o prazer de praticar, de fazer parte de um grupo, possuindo experiências que propiciem a vivência de valores humanos e a sensação de pertencer a um grupo (MORENO; TSUKAMOTO, 2018, p.471).
Alguns poucos trabalhos exploram com mais propriedade o caráter coletivo da GPT, alegando que “a Ginástica Geral pode ser o símbolo da cooperação” (BERTOLINI, 2005, p.82), que se trata de uma prática que possibilita o surgimento de uma “identidade coletiva” (GANELIE, 2009, p.27) e, finalmente, que o coletivo é caracterizado como “trabalho em grupo e pelo grupo em relação às composições que são apresentadas, evidenciando uma ação cooperativa” (AYOUB, 1998, p.90). De modo indireto, algumas produções associam a GPT a um espaço de prática propício para o desenvolvimento de amizades, como é o caso de Carvalho et al (2016, p.7) quando indicam que “[o] foco desta modalidade é a diversão, o lazer e a amizade envolvida”.
Chaparim (2003), a partir da concepção de GPT do Grupo Ginástico Unicamp (PAOLIELLO et al., 2014), discorre sobre os valores humanos que permeiam essa prática, quando dizem:
[...] a cooperação, responsabilidade, autoestima, respeito por si e pelo outro e predisposição. [...] faz-se necessário que os praticantes participem dando suas opiniões, façam suas observações e discutam, vivenciando, desse modo, a prática da democracia [...]. Na composição coreográfica os praticantes contribuem com sua criatividade, visão de belo, valores e cultura, dando sugestões que são discutidas, experimentadas e podem ser modificadas pelo grupo, se esse achar conveniente. Nesse processo, a composição torna-se um todo, permitindo que cada um possa verificar a importância de sua contribuição. Desse modo, há o aumento de integração do grupo e todos são valorizados, independentemente de suas características e capacidades físicas, aprendem a valorizar a si mesmo e aos outros, e vivenciam a união em busca de algo comum (CHAPARIM, 2003, p.24).
Observamos ademais, a busca de um entendimento sobre como a GPT pode fomentar a coletividade apontando algumas estratégias e dinâmicas que podem viabilizar o trabalho coletivo. Em outras palavras,
Acredito nesta prática quando ela é focada no participante, não individualmente, mas como parte do todo, possuindo a mesma voz, sem hierarquias. Uma ginástica de um coletivo participante e atuante, que busque manter o foco de sua ação pedagógica no praticante (DESIDÉRIO, 2009, p.30).
A mesma autora comenta que “[a]rriscamo-nos a dizer que a GG pode ser a parte realmente social da ginástica, pois pode possibilitar que os indivíduos se constituam nas relações criadas” (DESIDÉRIO, 2009, p.30). Nesse sentido, Souza (1997, p.95) discutiu, mais de uma década antes, o importante papel das intituladas “demonstrações” como uma ação que “consolida o trabalho grupal refletindo o esforço coletivo, e reforçando a sensação de pertencer a um grupo que, ao mostrar-se, busca o reconhecimento de seus pares”. Do mesmo modo, “[a] apresentação do grupo é, ao mesmo tempo, um cenário em que os limites são transcendidos e as diferenças tornam-se desfocadas”, sendo assim uma produção que impacta o grupo todo (WICHMANN, 2015a, p.164, tradução nossa).
Uma significativa quantidade dos trabalhos (35 artigos e 20 teses, dissertações e monografias) faz uso da proposta de GPT do Grupo Ginástico Unicamp (GGU)/Grupo de Pesquisa em Ginástica (GPG)2, especialmente quando elas debatem aspectos educativos e pedagógicos da prática. De fato, os trabalhos de Pérez Gallardo e Souza (1995), Souza (1997), Ayoub (1998) e Paoliello, Toledo, Ayoub, Bortoleto e Graner (2014) constituem um referencial recorrente nas produções analisadas, embora outras publicações sejam mencionadas (ARTUSI, 2008; KAUFFMAN et al., 2016; CARBINATTO; SOARES, BORTOLETO, 2016).
Em geral, essas produções mencionam redundantemente princípios fundamentais da concepção do GGU/GPG, oriundos da proposta de “Formação Humana e a Capacitação” elaborada por Maturana e Rezepka (2000). A apropriação desses conceitos no debate da GPT no Brasil se deve principalmente a duas publicações: Pérez Gallardo e Souza (1995) e Souza (1997). No que tange à formação humana busca-se “o desenvolvimento [...] como pessoa capaz de ser co-criadora com outros de um espaço humano de convivência social desejável” (MATURANA; REZEPKA, 2000). Desse modo, o princípio da formação humana, destaca o processo de socialização (SOUZA, 1997) e passa a ser citado recorrentemente pela maioria dos trabalhos analisados (ALMEIDA, 2016; ARTUSI, 2008; CHAPARIM, 2003; DESIDÉRIO, 2009; GALLARDO et al., 2016; GAMA, 2009; PALOMARES; FELIX, 2015; PIZANI; SERON; RINALDI, 2009; SCARABELIM; TOLEDO, 2015; SARÔA, 2017; SILVA, 2015). Poucas são as discussões que questionam, aprofundam ou operacionalizam a aplicação desse princípio na prática da GPT. De fato, Gutierrez (2008) apresenta uma interessante aproximação entre a GPT e o princípio proposto por Maturana e Rezepka (2000):
[u]ma das melhores formas de desenvolver a formação humana, especificamente nas aulas de Educação Física escolar, é através de conteúdos e atividades que permitam a interação e inter-relação sócio afetiva entre os participantes, para que juntos construam propostas e soluções à problemas sócio e psicomotrizes, estabelecendo um diálogo corporal entre eles e seu entorno. Nesse ponto é importante lembrar que para melhor efetivar esse objetivo é necessário criar um meio ambiente matrístico, o que significa diminuir ou eliminar as figuras de poder e hierarquia, respeitando o outro como legitimo outro (MATURANA, 2000). O contrário do ambiente matristico é o ambiente autoritário no qual o conteúdo é imposto pelo professor, não permitindo a livre expressão de emoções [...]. Um desses conteúdos é a GG (GUTIERREZ, 2008, pp.114-115).
Olhando mais cuidadosamente a proposta do GGU/GPG, vemos que Souza (1997) discute a “Socialização e Sociabilização como paradigma da EF”, e como essa proposição pode influenciar no convívio de um grupo de GPT. A autora afirma que a
[s]ocialização/Sociabilização e a sua principal contribuição é a ênfase na formação humana, tendo a capacitação (processo de aquisição de habilidades motoras) como meio. O termo Socialização é aqui considerado como o processo de aquisição de normas e regras de convívio social dentro do grupo familiar e Sociabilização como a adequação do indivíduo às regras de convívio social numa esfera mais abrangente (SOUZA, 1997, pp.81-82).
Parece-nos que os princípios de “Capacitação e Formação Humana”, bem como o “paradigma da Socialização/Sociabilização”, ambos presentes em Souza (1997), representam as bases teóricas da maioria dos trabalhos que indicam, mesmo que superficialmente, a convivência em grupo e a possibilidade de estabelecer e fomentar relações sociais por meio da prática da GPT. Como já foi dito, o referencial da proposta do GGU/GPG (PAOLIELLO et al., 2014) também é frequentemente citado nas produções, embora as citações não possuam aprofundamento ou diálogo com outros autores e referenciais. Esse cenário aponta, portanto, para a reprodução do discurso já existente e ausência de novos debates e pesquisas acerca do caráter coletivo e social da GPT.
Nossas buscas revelaram, por fim, um baixo número de produções internacionais, isto é, produzidas por pesquisadores de outros países: apenas 9 das 72 selecionadas. Destacamos o trabalho de Mechbach e Waneberg (2011), que analise a World Gymnaestrada3 a partir de uma perspectiva histórica, indicando que a GPT é uma prática capaz de construir “pontes” entre as pessoas, fomentando um movimento de aprendizagem “uns com os outros”. Essas colocações são complementadas por uma citação de Trangbæk (1987), alegando que “[a] prática coletiva da ginástica promovia saúde, controle e precisão, enquanto o esporte visava desenvolver o individualismo”.
Por fim, merece destaque a produção da pesquisadora alemã Angela Wichmann, cujas reflexões revelam o sentido coletivo da prática da GPT quando analisa a participação na World Gymnaestrada (WICHMANN, 2014; 2015a; 2015b; WICHMANN; JARVIS, 2015). De fato, é por meio das produções dessa autora que encontramos algumas novas e interessantes aproximações com a sociologia, que poderão no futuro contribuir com o aprofundamento das discussões sobre a coletividade na GPT.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que as produções analisadas mencionam, em sua maioria, o caráter coletivo/social da GPT e como ele pode resultar em benefícios e efeitos positivos no caso da realização dessa prática em contextos que priorizam sua vertente educativa/pedagógica. No entanto, o entendimento sobre a coletividade é instrumental, isto é, restringe-se à ideia de trabalho desenvolvido em grupo e que por consequência resulta no incremento interação social e da cooperação entre os praticantes.
A ação coletiva dos praticantes de GPT é reconhecida e citada pelas produções, com recorrentes indicativos de que as relações sociais construídas por meio da prática da GPT representam uma das suas principais contribuições, especialmente quando há participação ativa dos integrantes do grupo. Do mesmo modo, a heterogeneidade dos grupos, a diversidade de possibilidades parece potencializar a inclusão e também a intensificar os vínculos sociais entre os participantes (GRANER; PAOLIELLO; BORTOLETO, 2018). Não obstante, essas positividades que podem ser atribuídas à natureza coletiva da GPT carecem de estudos específicos e rigorosos.
Da maneira como é abordado em várias produções, o caráter coletivo da GPT se assemelha ao das diferentes práticas corporais realizadas em grupo, inclusive às gímnicas, como a Ginástica Acrobática, Aeróbica ou Rítmica. Atuar em grupo, ou numa lógica sociomotriz, como argumenta Parlebas (2001), pode até ser uma característica comum entre a GPT e as modalidades gímnicas antes indicadas. No entanto, parece-nos, como defende Menegaldo e Bortoleto (2018), que a coletividade na GPT requer uma compreensão específica, entendimento que as produções analisadas não permitem, em sua maioria - pelo fato de não apresentarem fundamentação teórica propícia ou evidências concretas fruto de estudos específicos sobre o tema.
Por fim, vemos que muitas pesquisas enfatizam a importância da construção coletiva (SARÔA, 2017), ou seja, a participação ativa de todos os membros do grupo, para que a GPT seja de modo mais efetivo uma prática coletiva. Propostas pedagógicas como a do GGU/GPG, defendem essa concepção em prol do desenvolvimento humano e, portanto, de uma contribuição educativa da GPT. Por essa razão, parece-nos preciso extrapolar as entrelinhas e adensar os estudos visando compreender esse potencial para que professores e pesquisadores identifiquem na GPT não apenas uma opção para o fomento da interação social, mas de forma mais profunda, um contraponto para as tendências individuais da sociedade contemporânea (BAUMAN, 2009).