Palavras iniciais
À luz dos indicativos europeus, um processo de reestruturação em longo prazo foi ativado na Itália, nos níveis local, regional e nacional. Por uma década (de 68 a 77), houve a aprovação de vários princípios que reorganizaram as legislações educacional e social italianas, dentre elas, que a Pré-Escola será financiada pelo governo estatal (nacional).
As atualizações normativas, como a dos Serviços Educacionais para a Primeira Infância, tiveram várias inovações, como a Lei n. 22 (2000), na qual se confirma a gestão de serviços como: Municipais, Estaduais e Privados [Comunali, Statali e Privati]. Ainda sobre essa mesma lei (tradução nossa),1 constatamos sua relevância quanto à continuidade educativa nas escolas, de modo que, segundo a Lei n. 22/2000,
a Educação Infantil durante três anos contribui para a educação e o desenvolvimento afetivo, psicomotor, cognitivo, moral, religioso e social de crianças, promovendo seu potencial de relacionamento, autonomia, criatividade, aprendizado e igualdade efetiva de oportunidades educacionais; respeitando a responsabilidade educativa primária dos pais, contribuindo para a formação integral das crianças e em sua autonomia e unidade educacional e pedagógica.
Essa lei retrata o quanto é importante propor, na primeira infância, serviços educacionais que oportunizem o real crescimento das crianças nas diferentes áreas do desenvolvimento e inclui as famílias nesse compromisso, não deixando somente para o Estado essa responsabilidade. Pelo que se entende, nos últimos trinta anos, a Itália vem se destacando nos serviços de atendimento à infância, procurando fortalecer os direitos das crianças e fazendo com que possam usufruir desses direitos, por meio da oferta de uma educação de qualidade e consistente por parte de quem a desenvolve. As mudanças econômicas e demográficas da última década, naquele país, contribuíram e incentivaram a definição de uma nova orientação para o atendimento às infâncias. O investimento em políticas e ações de educação de crianças pequenas implica benefícios no que diz respeito à adaptação social, deliberando aos serviços educacionais a representação de contextos reais para a educação das crianças e o acolhimento de suas famílias.
As leis regionais definem padrões e requisitos mínimos a serem respeitados, porém, isoladamente, não garantem a qualidade dos serviços. Assim, destacamos a cidade de Pistoia, através do sistema municipal de educação para a primeira infância, o qual dedica especial atenção às necessidades das crianças e de suas famílias. Nos últimos 40 anos, o sistema tem implementado um conjunto de princípios filosófico-pedagógicos sobre o trabalho com crianças pequenas e suas famílias, que surge em um contexto histórico, cultural e político bastante particular. Essa pedagogia é defendida na Carta dei Servici Educativi del Comume di Pistoia2 de 2004. O projeto educativo de Pistoia ancora-se na imagem da criança ativa, capaz de interagir com a realidade que a rodeia, criança que deseja aprender, descobrir o mundo e dar sua interpretação do percebido e vivido. Para tanto, Gallardini)3 afirma que “nossa pedagogia não coloca a criança, única e esquematicamente, como objeto de uma programação adulta, mas parte da escuta, dos desejos, das fantasias e das ideias das crianças” (2003, p. 94, tradução nossa).
Discutimos esses e outros aspectos a partir de um recorte parcial da videoconferência apresentada no Congresso Internacional sobre Educar nas Infâncias,4 por Anna Lia Galardini.5 Compreendemos que a qualidade educativa requer adoção de escolhas da identidade institucional, manifestando preferências educacionais, pedagógicas e culturais, bem como o compromisso dos profissionais que atuam nas escolas. Além disso, acompanhar o desenvolvimento das crianças nos espaços físicos adequados e intencionais contribui para alargar suas experiências educativas.
Em suma, diante dessas questões, este artigo discute especificidades dos serviços italianos no atendimento a crianças pequenas, considerando três elementos para a qualidade desses serviços: a atuação do coordenador pedagógico; a formação do educador; e a potencialização do espaço.
Contextualizando os serviços educacionais italianos: a escola, o coordenador e o educador
A Convenção Internacional dos Direitos para as Crianças (ONU, 1989) reconhece a possibilidade de cada criança ser, hoje, identificada como uma criança. Dito de outra forma, cada criança existe na sua individualidade, mas o caminho foi longo para chegarmos nesse estágio, em que podemos falar da infância, que é vista como categoria social com necessidades próprias.
A Região da Toscana labutou, assiduamente, para a criação de uma rede que envolvesse os setores público e privado no compartilhamento da cultura de infância, refletida na ação educacional dos serviços, tanto que, na regulamentação, são identificados aspectos qualitativos nos âmbitos pedagógico, técnico estrutural e organizacional, a fim de garantir a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Citamos o Decreto Legislativo Nacional n. 65, de 13 de abril de 2017, que define, pela primeira vez, o conceito de Sistema Integrado de Educação, do nascimento aos 6 anos, o que prevê uma nova ideia de criança nessa faixa etária, ou seja, a criança como sujeito desde o nascimento, portadora de direitos específicos, sendo-lhes garantidos pelas instituições possibilidades, relacionamentos, assistência, educação e brincadeiras.
Nessa perspectiva, pensar na educação escolar de uma criança pequena significa abrir espaço para a comunidade (famílias, contextos próximos e instituições). A construção da convivência social é intrínseca ao processo educacional, pois resulta não apenas de troca, mas, sobretudo, está presente nos bens relacionais entre as pessoas, na vida cotidiana (DONATI, 2000). Por isso, a ação pedagógica para essa etapa de escolarização acontece por meio de práticas pedagógicas significativas.
Nas últimas décadas, com base em novas visões da educação, os serviços italianos vêm oferecendo qualidade educacional para a primeira infância, isto é, renovam a pedagogia como prática educacional que ganhou relevância. O cotidiano, numa escola italiana, é constituído por disposição espaçotemporal organizada e provocativa, a fim de construir sentidos aos que nela vivem. Esses sentidos suscitam reflexões a serem tratadas neste artigo pelas questões que o norteiam: Que espaços de qualidade podemosoportunizar nas escolas que atendem a crianças pequenas? É facultado aos pequenos a liberdade para explorar, escolher, questionar? Será que estamos escutando o conhecimento que crianças trazem todos os dias às escolas? Embora haja diferenças entre as regiões italianas, há realidades que encontraram soluções organizacionais e pedagógicas mais pertinentes para o desenvolvimento das potencialidades das crianças.
Assim, entendemos que a qualidade referida está presente em aspectos que destacam a preocupação concernente à formação integral da criança. A busca pela qualidade no ambiente escolar refere-se, neste texto, ao lugar, à realidade vivenciada pelas crianças nos programas educacionais públicos ou privados da Itália, mas também permeia práticas pedagógicas nos serviços de atendimento, na importância atribuída ao brincar, nas relações e nas interações existentes entre crianças e entre crianças e adultos, na integração entre práticas de cuidado e educacionais, na implementação do projeto pedagógico, nas relações, e no envolvimento com as famílias. Bujes (2001, p. 21) alerta-nos que a experiência para as crianças é muito mais qualificada quando se incluem acolhimento, segurança, emoção e gosto para o desenvolvimento da sensibilidade. Contempla, ainda, a promoção de habilidades sociais, o domínio do espaço e do corpo e das modalidades expressivas, a promoção da curiosidade, o desafio e a oportunidade de investigação.
Antes de qualquer ação, o que podemos oferecer às crianças no ambiente escolar? Elas necessitam, primeiramente, de bem-estar, de cuidado, da possibilidade de brincar e de compartilhar experiências com seus colegas; precisam de apoio para desenvolver suas competências cognitivas. Por isso, algumas palavras-chave definem, concretamente, as instituições que prestam serviços a crianças pequenas: bem-estar, cuidado, brincadeira, aprendizagem.
Vejamos, mais concretamente, essa premissa sobre o perfil da qualidade educacional dos serviços para a primeira infância. De modo geral, o sistema educacional italiano está empenhado em acolher as peculiaridades das infâncias, isto é, reconhece aquelas que são as maneiras por meio das quais uma criança aprende: a relação entre o brincar e o aprender; a importância de terem vivências para compartilhar entre si; e a necessidade de serem expostas a situações reais que fomentem o prazer do aprender. A cidade de Pistoia destaca-se por diversos elementos, dentre eles, a ideia de pluralidade da infância,6 o reconhecimento de se tornar uma cidade educadora, amiga das crianças, a cidade dos jogos, o pleno direito à cidadania (caminhos seguros perto da escola, as lojas, o Ludobus), enfim são modos singulares de perceber e acompanhar o desenvolvimento das crianças, promovendo ações para que elas experimentem novos percursos formadores.
Outro aspecto a salientar, nos serviços de atendimento a crianças pequenas é o cuidado. Cuidado não somente com o trabalho pedagógico de ações com o contexto, mas a importância da relação com a criança, de se aproximar das mesmas, a fim de tentar compreender seus pensamentos e emoções, sem simplificar suas vivências. Falar de cuidado não quer dizer acentuar a fragilidade da criança; antes, é reforçar a relevância da aproximação do adulto com empatia, respeito e acolhimento. Implica estar próximos dela transmitir-lhe a confiança que o adulto deposita nas capacidades infantis, possibilitando a cada uma sentir-se respeitada e olhada com atenção. O modo como a escola e os adultos percebem e agem com esses meninos e meninas pode, ou não, reforçar sua identidade, e os encorajar a ter o desejo de explorar o lugar onde estão, de se aproximar com confiança do entorno e, em síntese, de estar-e-agir no seu mundo. O cuidado e a educação são indissociáveis no processo de formação, na faixa etária que vai de 0 a 6 anos, mas, sem dúvida, também estão presentes nas idades subsequentes.
A qualidade na educação voltada ao acolhimento, ao bem-estar da criança e à aprendizagem está associada a um elemento decisivo: o profissionalismo dos coordenadores pedagógicos e dos educadores nos serviços educacionais. Na Itália, conquistas recentes exigem formação universitária específica para todos os educadores que trabalham com a infância, seja com crianças de 0 a 3 anos, seja de 4 e 5 anos. O sistema educacional italiano entende a necessidade de formação diferenciada e específica para atender a cada grupo de crianças. Essa formação básica, contudo, não é suficiente, de modo que é fundamental a formação continuada, inserida na atividade profissional.
Essa obrigatoriedade de formação contínua, no sistema educacional italiano, prevê a atualização profissional daquele que se dedica às crianças. A formação continuada auxilia a colocar em prática as condições organizacionais e pedagógicas que respondam às demandas educacionais do serviço, no caso, as necessidades das crianças. Entendemos que o educador de crianças pequenas é um profissional com habilidades fundamentais nos âmbitos cultural, psicopedagógico e técnico-profissional, bem como competências metodológicas e didáticas e capacidade de estabelecer relações e de ser reflexivo. Dito de outro modo, a formação em serviço é condição para a qualidade da educação.
Desde os anos 80, os gestores administrativos, auxiliados pelos coordenadores pedagógicos, têm promovido a reorganização dos serviços existentes e a abertura de novos, seguindo uma linha voltada à criação de serviços de qualidade para crianças. Nesse sentido, a coordenação pedagógica assume papel decisivo e função importante no sistema educacional, apoiando o atendimento e monitorado processos relativos aos serviços em geral, desde os relacionados à promoção, ao planejamento global, ao planejamento de experiências com crianças e famílias e à supervisão do grupo de trabalho. Bondioli (2006, p. 99, tradução nossa)7 especifica que o coordenador pedagógico é uma figura que lida com diversos serviços e, com atenção especial, ao sistema como um todo e aos problemas que o sistema de governo impõe, como a detecção das necessidades, o gerenciamento e a identificação de recursos, a proteção e o controle de qualidade. Ou seja, a configuração dada ao coordenador pedagógico, no ambiente escolar, é determinante na promoção da qualidade dos serviços e na verificação e constatação do trabalho que está sendo realizado nas escolas.
Na ação de coordenação dos serviços educativos, está presente o sentimento de pertencimento, de paixão pela profissão e de preocupação relativa a como desenvolver experiências nos projetos educativos com crianças, dando significado ao ato de educar e de conhecer. Enfim, mostra a preocupação não apenas com a visão cultural, filosófica e pedagógica necessária à gestão educacional, mas também com potenciais que englobam essa demanda, no caso, as crianças.
Nesse sentido, ao assumir esse trabalho administrativo, o coordenador pedagógico tem a responsabilidade de garantir a qualidade dos serviços; discutir avanços na teoria e na prática, em relação aos acontecimentos políticos; atentar para problemas relacionados às redes de serviços infantis; realizar uma contínua troca de informações sobre as escolas; contribuir com as funções executivas e gerenciais, de modo a transformar a escola num espaço de aprendizagens significativas.
Malaguzzi (2010), em diversas publicações, é precursor ao pensar no direito à infância. Assegura alguns princípios como o valor dado à educação; o desejo de superar ambivalências (entre educação e instrução, entre imaginação e realidade); e a consciência de que o conhecimento do educador vai além do conhecimento psicopedagógico. Nas escolas da infância, o educador desenvolve, primeiramente, uma atividade pública, com ênfase nas diferentes linguagens da criança, da escola, da comunidade e da cultura. O crescimento profissional acontece pelo esforço individual e se enriquece na gestão participativa e ativa que envolve crianças, professores e a família das crianças.
Galardini (2016, tradução nossa) 8 também reforça que o educador não é somente intérprete ou aquele que realiza, mas é alguém que pensa. A afirmação sinaliza a necessidade de ter, na escola, educadores que correspondam às diversificadas e variadas situações escolares e que não sejam meros repetidores de ações sem sentido, mas produtores. Ou seja, compete a eles alargar os conhecimentos sobre as próprias ações de educar nos contextos onde se situam (escolas, sistemas de ensino, sociedade).
A sensibilidade e o olhar atento das educadoras ao grupo de crianças estão presentes nos serviços, pois cada criança tem seu lugar e pode revelar seu protagonismo, aprimorando sua expressão e seu desenvolvimento. De fato, é necessário que o planejamento das intervenções nasça das necessidades expressas pelas crianças, para que haja correspondência entre as ações oferecidas e suas necessidades de desenvolvimento. A organização dos espaços, nesse caso, é pensada na sua totalidade, respondendo a uma escolha compartilhada coletivamente, por todo o grupo de trabalho educativo, tendo como requisito o atendimento às necessidades das crianças. A Figura 1 expressa um momento de atenção especial dado pela educadora às crianças, a partir de objetos para brincar de medir.
O envolvimento das crianças na brincadeira é mostrado nas imagens, revelando imaginação, ludicidade e aprendizagem que estão presentes no cotidiano educativo. Ao conhecer as peculiaridades do brincar, o educador implementa estratégias adequadas para enriquecê-lo, atribuindo-lhe um objetivo peculiar na educação da primeira infância. A criação de um ambiente provocativo às crianças oportuniza-lhes que se desenvolvam pela brincadeira. Brincar, nesse caso, possibilita à criança expressar-se, e essa expressão deve ser escutada pelo adulto, para que ele possa planejar o ambiente educacional.
À medida que o educador modifica e pensa na melhor perspectiva para sua prática docente, está refletindo e transformando a realidade. O professor reflexivo pensa na ação e compreende o sentido, como também reflete sobre o que está implícito em sua ação, emergindo, criticando, reestruturando se for necessário. Nesse sentido, haverá crescimento, transformação para o aprimoramento da sua prática. Outro aspecto importante, nesse contexto, é a rotina das crianças, ou seja, o tempo disponibilizado para brincar, observando como os grupos se organizam, as brincadeiras criadas, as preferências, os conflitos, enfim momentos de observação da rotina infantil. Uma das coordenadoras pedagógicas9 da cidade de Pistoia explica que o profissional que permanece com as crianças “é uma pessoa com grande dever e respeito aos seus pares”.
A articulação do ambiente educativo é atribuição do coordenador pedagógico, de modo que ele oportuniza ao grupo refletir sobre ações educativas, apoia os educadores e a mediação entre diversidades individuais, relaciona-se com as famílias, cria iniciativas de apoio à parentalidade e promove programas de treinamento pedagógico. Também está atento às reais necessidades dos educadores, cuida de aspectos gerenciais, combinando questões organizacional-administrativas com pedagógicas e serelaciona com o coordenador pedagógico do Município. É uma figura fundamental na Educação Infantil, introduzida na Carta do Sistema Integrado de Serviços Educativos da Primeira Infância da Cidade de Pistoia, que, além de ser um elemento fundamental para a qualidade dos serviços, precisa ter competência profissional.10 Os gestores dos serviços público e privado possuem um coordenador que é profissional da qualidade do serviço, aquele que garante a consistência e a continuidade das intervenções no nível educacional, bem como a homogeneidade e a eficiência na prestação de serviços.
Portanto, observar como vem sendo oferecido o trabalho nos serviços educativos implica perceber escolhas e desafios que surgem nas escolas àqueles que as coordenam, assim como aos educadores que realizam o trabalho prático com as crianças. Enfim, promover a qualidade demanda profissionais (coordenadores e educadores) competentes, não apenas para oferecer processos de regulação e de controle do sistema de serviços, mas também para orientar o desenvolvimento de políticas, promover a melhoria contínua das experiências vividas no cotidiano infantil, bem como garantir potencial de crescimento e de desenvolvimento a partir do contexto e das vivências oportunizados.
Espaço de qualidade na educação de crianças pequenas
Falar sobre os lugares, no ambiente educativo, não é uma questão simples, pois a linguagem espacial vai além de uma sala de aula vazia, asséptica e anônima (GALARDINI, 2012, p. 67-81). O espaço se comunica com a arquitetura e com as artes visuais. Malaguzzi (2010, p. 65-80) define-o como “terceiro educador”. Os dois autores reafirmam que os espaços onde crianças e adultos vivem precisam de cuidado, planejamento, organização e estética. A arquitetura do ambiente cria um diálogo entre essa estrutura e as linguagens da pedagogia; nesse sentido, significa privilegiar as relações, as aprendizagens e o bem-estar das crianças que vivem nesse ambiente.
Os ambientes internos assumem diferentes configurações, dependendo do grupo que o habita e se torna elemento fundamental no cotidiano escolar, por meio do qual a competência relacional e a aprendizagem podem ser expressadas e compreendidas. O ambiente introduz mudanças e inovações no trabalho pedagógico, porque as crianças edificam relacionamentos perceptivos e emocionais, por meio dos quais fortalecem seu desenvolvimento e a identidade pessoal. Diante disso, o educador assume suas atribuições educacionais, ressaltando que projetar pedagogicamente um ambiente proporciona à criança momentos para ampliar seu conhecimento, comunicar-se, relacionar-se, interagir, emocionar-se, movimentar-se. As experiências estruturadas e provocadas pelo educador, no ambiente, expressam sua livre-iniciativa, promovendo, assim, ações de socialização e de comunicação.
O espaço ao qual nos referimos é entendido como o contexto físico, cenário onde a vida cotidiana acontece, onde ocorrem ações, interações e ritmos alternados com momentos de brincadeira, de puericultura, de programação do trabalho dos educadores, de participação dos pais, de descanso e de agregação. Um espaço carece de acolher crianças, satisfazendo sua necessidade de segurança e afetividade, incentivando e apoiando seu desejo de conhecer e explorar. Winnicott (1970) contribui afirmando que um bom espaço recebe a criança e corresponde às necessidades de segurança e de afetividade nos seus primeiros anos de vida e deve, simultaneamente, apoiar e incentivar seu desejo de explorar e de conhecer. Por isso, a maneira de criar espaços, juntamente com móveis, brinquedos e material educacional, torna a criança protagonista, graças à intervenção intencional dos educadores, assim evidenciando um ambiente escolar acolhedor e motivador em cada pequeno detalhe.
Estendendo a compreensão sobre como qualificar os espaços educativos, adentramos na organização provocativa de alguns espaços no ambiente escolar. A Figura 2 expressa modos distintos para as crianças criarem, descobrirem e explorarem o ambiente. No caso, é construído um espaço provocativo que promove relações com o brincar, associado à imaginação, ao cuidado com animais – um ateliê que valoriza a expressividade e a criatividade e dialoga com a cultura das crianças. Além disso, proporciona autonomia, socialização, respeito e convivência em grupo.
Nesses ambientes apresentados nas imagens, fica evidente que é indispensável considerar todos os elementos que atuam direta ou indiretamente, na vida das crianças, em uma ação cuidadosa que tende a promover a cooperação entre os pequenos. O espaço da sala de referência conecta-se aos outros, de modo versátil, reversível para criar contextos de aprendizagem significativos. Por meio das brincadeiras, as crianças expressam sentimentos, prazeres, inventam, criam identidades, se relacionam, exploram o corpo, elaboram regras e exercitam diferentes linguagens.
Já ao que se refere à organização do material estruturado e não estruturado oferecido, deve ser suficiente e variado em sua natureza, uso, cor, forma, esteticamente bonito e disposto numa ordem determinada. O material deve estar acessível às crianças, disposto num local específico, que seja identificado, de modo que possam explorá-lo livremente, acolhendo as brincadeiras criadas e potencializando o desenvolvimento de uma criança protagonista.
Em relação ao material, aos objetos e aos jogos, há um valor também na forma como estão dispostos, pois o lugar que ocupam orienta o olhar, os gestos, as mãos das crianças, possibilitando que façam uso adequado daquilo que está no seu entorno. Bondioli e Savio11 (2018, p. 133) indicam que, além da organização do espaço, também sinalizam a seleção e a colocação do material e dos brinquedos. Os espaços são bem-organizados e, a partir de um senso de lógica, são estruturados, observando a materialidade, de modo a tornar o ambiente um contexto comunicativo, relacional e cognitivo. Esse entendimento é percebido na Figura abaixo, a qual mostra espaços provocativos às crianças, a partir da estética do ambiente.
Fonte: Acervo fotográfico das autoras..
O material rico que estimula os sentidos da criança está ordenado nas salas. O brincar com livros e material estruturado, ou não, mobiliza a imaginação das crianças, favorecendo a aprendizagem de forma construtiva e relacional. Ocupar fisicamente um espaço, percorrê-lo, refazê-lo em termos pessoais e experimentá-lo como seu, promove a expressão de diferentes linguagens e emoções. O espaço fala com as crianças.
Para organizar os ambientes, é necessário observar, cuidadosamente, o cotidiano das crianças e suas necessidades expressas durante as experiências nos espaços. Nesse processo, o educador conhece as necessidades e as potencialidades dos sujeitos da faixa etária com que atua e ainda está atento ao convívio diário deles, a fim de orientar a configuração do ambiente da sala de referência. Entende-se, aqui, por sala de referência aquela onde se tornam mais visíveis os processos vividos pelas crianças e onde se evidenciam artefatos da documentação pedagógica, pensamento divergente, investigação, expressão das múltiplas linguagens, espaço de material diverso que mobiliza e garante o direito à descoberta. Em síntese, lugar onde se organiza o cotidiano, as rotinas, os rituais, as ações coletivas da turma; compartilhamento.
Nessa perspectiva, por meio da organização variada do espaço, o educador promove o desenvolvimento, a consolidação e o aprimoramento das diversas habilidades infantis. Segundo Winnicott (1970), um bom espaço acolhe a criança e corresponde à necessidade de segurança e carinho que é forte nos primeiros anos de vida e, simultaneamente, apoia e encoraja os desejos infantis de explorar e de saber. O espaço escolar educa, devendo estar, intencionalmente, disponível e bem organizado, tornando-se uma possibilidade para a criança exercer seu protagonismo e sua curiosidade de conhecer.
Em ambientes provocativos como esses citados, as crianças brincam e, brincando, relacionam-se com o meio e com as pessoas, pois um ambiente “educador” pode ser considerado, também, como um local de desenvolvimento para as crianças e também um contexto revelador de suas múltiplas aprendizagens. Essas imagens revelam o pensamento pedagógico acerca da importância dos espaços e do material presente no ambiente educativo. Cabe ressaltar que a estruturação do espaço expõe o projeto pedagógico-educacional da escola porque, se não for um ambiente amplo e sem relação entre material, objetos, a criação dos cantos acaba não favorecendo o relacionamento das crianças e leva o adulto a exercer o papel de controle.
Além disso, oportunizar espaços caracterizados por imagens e objetos das crianças que o frequentam torna-se mais familiar, caloroso e acolhedor.
Fortunati (2016, p. 49) destaca que o bom espaço não é aquele que somente contém coisas, mas que também acolhe possibilidades interligadas entre si. O espaço é caracterizado pela presença de sinais pessoais, fortalecendo o vínculo emocional das crianças com a realidade escolar. O espaço, portanto, se torna, no sentido mais profundo do termo, “habitado” pela criança durante o período escolar, mas vai em busca das dimensões que os ambientes podem proporcionar e que afetam o clima social e as ações da criança.
Os ambientes externos não podem ser esquecidos. Eles são organizados de forma a oferecer experiências educacionais integradas, vinculadas às propostas desenvolvidas no ambiente interno. O espaço externo também promove o bem-estar das crianças, as quais adoram brincar ao ar livre e aprendem muito na natureza e com os elementos disponíveis. As imagens da Figura 4 põem em tela um exemplo de organização e de adequação da área externa, favorecendo que as crianças se desenvolvam de modo saudável, privilegiando a ludicidade e os relacionamentos interpessoais, apoiando o comportamento infantil. Nesse local, elas dispõem de ampla área verde, de variado material pouco estruturado como tocos, bonecos, cesto para balanço, diversos tipos de árvore e de planta, conjunto de cozinha e bancos para brincarem.
A proposta desse ambiente evidencia a organização do brincar por meio da imaginação e do espaço para desenvolver habilidades motoras, relacionais e cognitivas. O espaço está povoado de objetos que retratam a cultura e o meio social em que a criança está inserida. Gandini (1999, p. 150) explica que o espaço mostra, de muitas formas, a cultura das pessoas que nele vivem e também a influência cultural.
O ambiente educativo é caracterizado por uma pluralidade de fatores, assegurando um desenvolvimento adequado à criança, não apenas doponto de vista físico, mas também sob os aspectos cognitivo e relacional. É interrogando os espaços, questionando/refletindo sobre o ritmo da rotina do dia e dos objetos que estão à disposição das crianças, que compreenderemos como um educador planeja seu trabalho, como ele vive com os estudantes. É importante que o educador tenha consciência da potência educacional do espaço e das coisas no entorno das crianças.
Tomando como foco a realidade da Região da Toscana, observamos o empenho para que os espaços sejam organizados e limpos, mostrem-se esteticamente agradáveis, capazes de oferecer bem-estar, que sejam ricos e comunicativos do ponto de vista emotivo, que transmitam sentido de pertencimento, que promovam o reconhecimento da criança garantindo-lhe condições de familiaridade e de apoio. Dessa forma, o cuidado com a criança reflete-se, também, no espaço, que não deve pecar pelo excesso, pois o que conta não é o muito – muitos livros, muitos jogos, muitos enfeites. São privilegiados a qualidade daquilo que é oferecido às crianças, a generosidade com que elas são apoiadas, o cuidado com cada objeto integrante daquele cenário, de modo que cada espaço tenha significado e seja disponibilizado de modo apropriado às crianças.
Estruturar os espaços não significa se referir exclusivamente à sua distribuição física ou à pura localização do material, mas, especialmente, lidar com os contextos comunicativo, relacional e cognitivo do ambiente. Nesse ambiente relacional e comunicativo, as crianças conhecem, entendem, desejam e conquistam. A escola oportuniza às crianças pequenas uma gama de ofertas motivadoras, que possibilita às mesmas descobrir, experimentar, ouvir, tentar e criar projetos.
Palavras finais
Ao responder à pergunta central deste artigo, a respeito de como se revela a qualidade nos serviços educacionais italianos, afirmamos que a qualidade inicia pela formação e atuação dos profissionais associada à faixa etária da criança que irão acompanhar, como também se estende até a interligação entre as esferas das gestões municipal, regional e nacional.
Desse modo, cabe ao coordenador e ao educador desempenharem suas atribuições profissionais, oportunizando às crianças que desenvolvam sua identidade e aprendam a se relacionar. Ressaltamos, assim, a importância de profissionais versáteis, com habilidades pedagógicas, metodológicas, relacionais e reflexivas, entrelaçando o acompanhamento do crescimento das crianças ao projeto pedagógico da escola.
O coordenador pedagógico é um aliado na obtenção do reconhecimento de qualidade do Sistema de Serviços com as Crianças, bem como na perspectiva da garantia eficaz da cultura pedagógica e do nível de qualidade dos serviços. Esse profissional auxilia na gestão da organização dos serviços, na coordenação territorial, no processamento e acompanhamento do projeto pedagógico, no apoio técnico e na formação pedagógica ao grupo de trabalho e tantas outras demandas que emergem no cotidiano educativo. Complementando, o coordenador pedagógico fundamenta o grupo de trabalho, fazendo com que a organização e a gestão do projeto pedagógico atendam, adequadamente, à comunidade com os serviços, assim como estimulando, constantemente, os educadores a refletirem sobre seu fazer, para não caírem em práticas rotineiras sem sentido.
Os educadores vivem intensamente o cotidiano, conduzindo a prática pedagógica com crianças, sabendo ouvir, observar, pesquisar, documentar elementos, que são essenciais para o desenvolvimento de cada criança (e do grupo de crianças), em uma escola. Significa ter um espaço racional e agradável para agir e trabalhar bem com as crianças, o que contribui para promover uma relação autêntica entre adulto e criança.
Outra perspectiva da qualidade são as aprendizagens que acontecem nos espaços disponíveis à criança, pois são fundamentais na construção da autonomia e do seu conhecimento. O conhecimento se constrói a cada momento em que a criança tem a possibilidade de explorar os espaços disponíveis. A articulação dos espaços nos Serviços Educativos promove o desenvolvimento integral das crianças, porque contribui para promover o protagonismo e as potencialidades individuais, propondo novas habilidades: motoras, cognitivas, afetivas e relacionais. A criança que vive em um ambiente construído para ela e por ela poderá vivenciar emoções que a autorizarão a expressar sua maneira de pensar e como vive e se relaciona com o mundo que a cerca.
A adoção dessa pedagogia da infância revela que o projeto educacional dos serviços pode, a partir da qualidade, criar oportunidades para experiências ricas, a fim de enaltecer o protagonismo das crianças. Assim, qualificar os serviços educativos implica construir ambientes bem-dimensionados e articulados. A atuação atenta e encorajadora dos profissionais dedicados à educação das infâncias pode viabilizar um lugar onde toda criança descubra, explore e viva intensamente essa fase da vida, respeitando seus tempos às suas necessidades.