Introdução
O número de pessoas idosas vem se alterando significativamente nos últimos anos. Conforme aponta a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Paradella, 2018), esse público, com mais de 60 anos, irá representar 32% dos brasileiros até 2060. No que se refere ao acesso desta população, observa-se um crescimento às Tecnologias Digitais (TD) como smartphones, tablets e computadores. Sendo assim, é possível perceber uma nova configuração no perfil da sociedade que é, cada vez mais, ativo tecnologicamente. Nesse sentido, há uma parcela de idosos que demonstram interesse, tanto em construir quanto em divulgar materiais digitais como, por exemplo, a criação e compartilhamento de vídeos e também de registros fotográficos, bem como suas montagens com emojis1, frases e áudios.
No entanto, apesar do crescimento deste público no contexto brasileiro, nota-se que não há metodologias e estratégias consolidadas voltadas para a construção de materiais digitais destinados a esses idosos que demonstram interesse em aprender e utilizar as tecnologias digitais. Por isso, é relevante, cada vez mais, ressignificar o uso das tecnologias digitais na educação de idosos, de modo que possam construir Competências Digitais (CD) para sua inserção e atuação na atual sociedade. Nesse sentido, este público necessita construir um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes a respeito dessas ferramentas digitais em diversos contextos como, por exemplo, na vivência cotidiana, na comunicação virtual, no meio educativo, entre outros. Portanto, esta pesquisa busca investigar as competências digitais necessárias para a criação de materiais digitais por idosos e suas potencialidades para a melhoria da qualidade de vida. Na seção a seguir, discute-se o processo de construção de materiais por idosos e suas potencialidades para a melhoria da qualidade de vida.
A construção de materiais digitais por idosos
No Brasil, existe uma heterogeneidade nos modos de viver a velhice, ou seja, cada idoso encara e experiencia seu processo de envelhecimento de forma singular e subjetiva. No que se refere ao uso das tecnologias digitais, Machado e Behar (2015, p. 146) apontam que “[...] apesar de muitas iniciativas, ainda existe uma parte desta população que não vê necessidade no uso das mesmas no cotidiano”. Já Osório e Pinto (2007) compreende que parte da população idosa procura se adaptar às mudanças mantendo-se ativa e autônoma dentro do seu processo de envelhecimento. Nessa perspectiva, Antunes (2015) afirma que o envelhecimento ativo é um processo que tem objetivo a melhora na qualidade e aumento da expectativa de vida saudável.
Paralelamente ao envelhecimento ativo, Candido (2015) aponta que os idosos têm se motivado a acompanhar essa evolução das TD através de cursos educacionais, de modo a aprender sobre essas ferramentas digitais, inserindo-se na atual sociedade. De acordo com Doll e Machado (2013), a capacidade de utilizar as tecnologias digitais transmite às pessoas idosas a sensação de participação ativa na sociedade contemporânea, com influência para a autoestima e a satisfação de vida.
No contexto educacional, é pertinente a construção de materiais digitais2 (MD) autorais por idosos, no intuito de contribuir tanto na compreensão do próprio processo de envelhecimento, quanto na aprendizagem ao longo da vida. Desse modo, Oliveira (2013, p. 82) aponta que “[...] a educação, além de direito para o idoso, representa a possibilidade de mudanças conceituais em relação ao envelhecimento e à velhice”. Assim, Slodkowski, Machado e Behar (2017), indicam que esta criação autoral pode auxiliar na autovalorização e autoestima dos alunos, principalmente, com relação ao público mais velho.
Em 2009 a União Europeia (UE)3, pensando numa sociedade baseada no conhecimento, aponta oito competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, são elas: 1.Comunicação na língua materna: se refere a capacidade de expressar e interpretar conceitos, pensamentos, sentimentos, nas modalidades orais e escritas; 2.Comunicação numa língua estrangeira: além da competência 1, inclui mais duas aptidões a de mediação, isto é, resumir, parafrasear, interpretar ou traduzir e também a compreensão intercultural; 3. Competência matemática, científica e tecnológica: relativo ao domínio da numeracia, compreensão do mundo natural e da capacidade para aplicar conhecimentos e tecnologias às necessidades humanas identificadas (nos domínios da medicina, dos transportes ou da comunicação); 4.Competência digital: aborda o uso segura e crítico das tecnologias da informação e comunicação no ambiente trabalho, nos tempos livres e também na comunicação; 5.Aprender a aprender: diz respeito a capacidade de gerir a sua própria aprendizagem, tanto individualmente quanto em grupo; 6.Competências sociais e cívicas: abrange a capacidade de participar de forma efetiva na vida social e laboral, e sobretudo, em empenhar-se numa participação cívica ativa e democrática; 7.Espírito de iniciativa e espírito empresarial: descreve a capacidade de transformar as ideias em atos por meio da criatividade, bem como planear e gerir projetos; 8.Sensibilidade e expressão culturais: envolve a apreciação criativa de ideias, experiências e emoções contemplando diversos suportes de comunicação, como arte, a música e a literatura.
Este documento é relevante para o campo de investigação da aprendizagem ao longo da vida e para uma educação baseada em competências. Desse modo, acredita-se na importância de cada uma delas para o contexto educacional, todavia o foco desta pesquisa é voltado para as competências digitais. Já o Relatório ‘Educação: um tesouro a descobrir’ para a Unesco, Delors (2010) propôs quatro pilares voltados a uma aprendizagem ao longo da vida considerando o século XXI. Estes pilares são: ‘aprender a aprender’, ‘aprender a fazer’, ‘aprender a ser’ e ‘aprender a conviver’, utiliza-se também a palavra ‘aprender’ substituindo ‘saber’ sendo que nessa associação é possível estabelecer relação com os elementos Conhecimentos, Habilidade e Atitudes (CHA). A visão educacional apresentada ultrapassa o que já se pratica, visto que, “[...] ela deve abrir as possibilidades da educação a todos, com vários objetivos: oferecer uma segunda ou terceira oportunidade; dar resposta à sede de conhecimento, de beleza ou de superação de si mesmo [...]” (Delors, 2010, p. 32). Desse modo, entende-se que não existe idade inerente para o ato de aprender, pois a aprendizagem é um processo contínuo que ocorre ao longo da vida. Corrobora-se com a visão de Freire (2004) acerca do ensino, no qual não é transferir conhecimento, mas sobretudo, é criar possibilidades para a sua construção. Associada a esta concepção freiriana, Machado e Behar (2015) definem a educação como um processo contínuo que ocorre ao longo de toda a vida. Patrício e Osório (2013, p. 3613), em relação à construção de competências essenciais ao longo da vida, afirmam que “[...] tornou-se uma necessidade de todos os cidadãos, para nos adaptarmos às constantes mudanças no mundo laboral, globalizante, tecnológico e digital [...]”.
Nessa perspectiva, compreende-se que o processo de produção autoral de materiais digitais por idosos envolve a construção de competências digitais através da mobilização de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes frente a uma situação nova, conforme será abordado na seção a seguir.
Competências digitais e o público idoso
A construção de competências digitais é cada vez mais necessária para que os sujeitos possam se inserir no contexto atual, que se configura como tecnológico. As CD podem ser definidas como “[...] a utilização segura, crítica e criativa das Tecnologias de Informação e Comunicação para alcançar objetivos mais amplos relacionados com o emprego, a educação, o trabalho, o lazer, a inclusão e a participação na sociedade” (Patrício & Osório, 2017, p. 3).
Dentre os diversos referenciais teóricos existentes na literatura, optou-se pelo de Behar (2013), Machado (2019), Machado, Grande, Behar e Luna (2016) e Patrício e Osório (2017) pois corrobora-se com a visão teórica em relação às competências digitais e a inclusão digital de idosos. Nessa perspectiva, cabe destacar que o público mais velho pode aprender a dominar uma gama de conhecimentos, habilidades e atitudes acerca de ferramentas digitais para a realização de produções autorais. Além disso, Machado e Behar (2015) indicam as competências digitais necessárias para os idosos, destacando a importância de utilizar uma didática que atenda as necessidades fisiológicas, psicológicas e cognitivas deste público. Sendo assim, as autoras apontam que o uso das TD possibilita a inserção ativa do público idoso na atual sociedade (Machado & Behar, 2015).
A partir destas abordagens, é possível conceituar as competências digitais (CD), com foco nos idosos. Neste estudo, essa é definida como a capacidade de mobilizar distintos conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) para o uso das tecnologias digitais em distintas situações-problema que possam surgir no cotidiano dos idosos, de modo crítico, criativo, seguro e autoral (Slodkowski, 2019).
A fim de elucidar a questão da relevância das CD para o público idoso, Patrício e Osório (2017, p. 10) afirmam que “[...] é uma das competências essenciais e, portanto, indispensável para a inclusão digital da população envelhecida, a melhoria da sua qualidade de vida, a sua integração plena e participação ativa na sociedade’’. Ainda nesse sentido, Patrício e Osório (2017) compreendem a CD como uma habilidade de alfabetização para o século XXI. Em vista disso, Machado e Behar (2015) acreditam no potencial das TD para participação ativa nos processos de ensino e aprendizagem virtual. Portanto, tratando-se, especificamente, de competências digitais para idosos, Machado e Behar (2015) assinalam três como essenciais para serem desenvolvidas em cursos de inclusão digital:
1. Alfabetização digital: se configura como uma competência básica para a contemporaneidade em razão de referir-se às noções iniciais para o uso das TD. Então, este conceito equivale à necessidade de dominar funcionalmente as tecnologias, leitura e escrita, para possuir acesso ao conhecimento digital e virtual (Coll, Illera, 2010 apud Machado et al., 2016). Além disso, a partir dela é que serão construídas as competências Letramento Digital e Fluência Digital (ver Figura 1);
2. Letramento digital: esta competência abrange as práticas sociais atreladas à alfabetização, onde as TD são suporte de busca e divulgação de informações. Logo, é a competência que está relacionada com a pesquisa, avaliação, reflexão e criticidade das informações disponíveis na internet, bem como o uso das ferramentas digitais (Machado et al., 2016);
3. Fluência digital: está relacionada ao uso das TD no âmbito do sujeito sentir-se digitalmente ativo/participante da evolução tecnológica. Ademais, ser fluente possibilita a construção de conteúdos/materiais digitais. Portanto, está intimamente relacionada tanto com o conceito de alfabetização como com o de letramento digital. O sujeito será fluente digital somente se for além do ato de saber buscar um texto, ler, escrever, salvar e enviar um documento por meio de tecnologias digitais, ou seja, se for crítico em relação ao uso das TD de forma a combinar o uso de diferentes ferramentas digitais (Machado et al., 2016).
No entanto, Machado (2019) salienta que as palavras ‘alfabetização’ e ‘letramento’ não são sinônimos de CD, tendo em vista que este conceito é complexo e engloba um conjunto de elementos (CHA) mobilizados diante de uma situação inusitada. Logo, compreende-se que nas CD há esses três grupos: Alfabetização Digital, Letramento Digital e Fluência Digital que, por sua vez, são constituídas por outras competências específicas.
Nesse sentido, Silva (2018) representa esses três grupos de CD como processos distintos, porém interligados e que retratam a experiência bem como a prática dos sujeitos relativa ao uso das TD: Alfabetização Digital, Letramento Digital e Fluência Digital.
A construção de materiais digitais está intimamente relacionada à competência Fluência Digital, visto que ela possibilita compreender se o sujeito está se sentindo digitalmente ativo tanto no uso quanto na produção desses materiais, conforme demonstra a Figura 1. Além disso, cabe ressaltar que devem ser considerados os distintos níveis de proficiência dos idosos participantes da pesquisa.
A partir da construção destas CD, os idosos podem construir materiais digitais que, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento da sua autonomia e promovem um envelhecimento mais ativo (Kachar, 2010). Neste sentido, a fim de identificar as competências digitais necessárias para o processo de construção de materiais digitais por idosos, será abordada, a seguir, a metodologia deste estudo.
Metodologia
A metodologia deste estudo caracterizou-se como qualitativa, de campo, com abordagem interpretativa. Deste modo, a pesquisa qualitativa, por sua vez, permite que se empodere os sujeitos para compartilharem suas experiências e histórias (Creswell, 2014). Sendo assim, escolheu-se este tipo de abordagem, pois envolve a pesquisa a partir das experiências tecnológicas dos idosos. Além disso, a fim de atender às questões éticas da pesquisa, foi entregue um termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos participantes com o intuito de formalizar a pesquisa e, sobretudo, possibilitar a escolha de participar - ou não - desta investigação. Foi salientada a questão da privacidade das informações fornecidas pelos idosos e especialistas, bem como, ressaltado que suas identidades serão mantidas em sigilo. Essa pesquisa fez parte do projeto ‘Gerontecnologia: construindo modelos pedagógicos para Educação a Distância’ aprovada pelo comitê ética, cujo número é 35750, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, este estudo foi realizado em oficinas semipresenciais ofertados em um curso da Unidade de Inclusão Digital (UNIDI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2019. Participaram das aulas idosos que tinham 60 anos ou mais, com acesso a um recurso tecnológico. Ademais, houve a participação de 26 especialistas, sendo na área das tecnologias digitais e competências na educação, com idades entre 31 e 54 anos.
Em relação ao critério que determina o número de participantes idosos foram enviados questionários para 18 alunos do curso mencionado acima, sendo que 17 responderam. Quanto aos especialistas foram enviados 30 questionários sendo que 26 responderam, o contato destes profissionais foi procurado na internet e selecionados os que pesquisavam acerca das competências, competências digitais, inclusão digital de idosos, materiais digitais, ou gerontologia.
Os dados qualitativos analisados utilizaram uma abordagem interpretativa que, segundo Flick (2009, p. 37), “[...] dirige-se à análise de casos concretos em suas peculiaridades locais e temporais, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”.
Deste modo, é relevante conhecer o público-alvo do estudo e, sobretudo, os critérios de inclusão para participação desta pesquisa. Os sujeitos foram divididos em dois grupos: idosos e especialistas. Os idosos deveriam contemplar os seguintes critérios para participar da pesquisa:
a) Ter idade igual ou superior a 60 anos (Estatuto do Idoso);
b) Ser alfabetizado;
c) Possuir conhecimento básico de informática;
d) Ter acesso a um computador e/ou dispositivo móvel como smartphone ou tablet com acesso à Internet;
e) Possuir interesse em aprender sobre o uso das TD e a construção de materiais digitais;
f) Responder ao questionário enviado de forma on-line;
g) Assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Quanto aos especialistas, os critérios para a participação da pesquisa foram:
a) Ter interesse/pesquisar acerca das competências, competências digitais, inclusão digital de idosos, materiais digitais ou gerontologia;
b) Responder aos questionários enviados de forma on-line;
c) Ter interesse e/ou atuar com o público idoso.
O presente estudo teve cinco etapas, conforme apresentada na Figura 2.
As etapas que compõem a metodologia são apresentadas a seguir:
Etapa 1 - Mapeamento do referencial teórico:O levantamento teórico foi realizado em duas bases de busca: Google Acadêmico e Science Direct. Para a pesquisa foram utilizados descritores com as seguintes palavras-chaves ‘idosos’ AND ‘tecnologias digitais’, no qual foi possível analisar artigos contendo definições do perfil dos idosos que utilizam as TD e a respeito de competências digitais. Essa busca teve o intuito de verificar a existência, ou não de pesquisas na área assim como contribuir para as etapas 2 e 4 desta pesquisa. Já os critérios para exclusão de trabalhos foram: estudos que não tinham como público-alvo idosos; publicações antes de 2015; publicações que não continuam relações com a presente investigação. No Science Direct encontrou-se 2publicações dentre as quais nenhuma foi utilizada por não contemplar o foco do estudo. Já no Lume haviam 1.200 pesquisas e selecionou-se 4 (Candido, 2015; Machado & Behar, 2015; Machado, 2019; Silva, 2018). A partir desses resultados, foi possível mapear competência geral e as específicas.
Etapa 2 - Mapeamento com idosos: Esta etapa teve como objetivo desenvolver e aplicar um questionário com idosos que participaram de um curso da UNIDI, no qual construíram materiais digitais. Este instrumento foi utilizado após esses sujeitos experenciarem esse processo de produção, sendo que as perguntas se referiam a esta vivência de criação de MD e às competências digitais que este público julga necessárias. Nesse sentido, o público-alvo da pesquisa participou respondendo um questionário4 com perguntas dissertativas no qual apontaram os conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) que achavam necessários para que idosos construam materiais digitais tanto em dispositivos móveis quanto em um computador. Desse modo, foram enviados para 18 idosos questionários on-line. Com esses dados, foi viável organizar uma nova tabela com os respectivos CHA de cada uma das competências específicas.
Etapa 3- Mapeamento com especialistas: Nesta etapa, o objetivo foi desenvolver e aplicar um questionário com especialistas sobre as competências digitais necessárias para o processo de construção de materiais digitais por idosos. Os especialistas responderam a um questionário5 com perguntas dissertativas a respeito das CD para o processo de construção de materiais digitais por idosos. Para este grupo, a pesquisadora enviou o questionário on-line para 30 participantes. Nesse momento, foi possível organizar um novo quadro com os respectivos CHA de cada uma das três competências específicas.
Etapa 4 - Cruzamento e construção das competências digitais específicas:Esta etapa teve como objetivo analisar os dados apresentados pelos dois públicos-alvo da pesquisa. Assim, foi possível realizar uma análise dos dados das duas etapas anteriores (Etapas 2 e 3). A partir dessa análise, foi apresentada uma definição para cada uma dessas competências específicas e pudemos organizar as informações apontadas pelos idosos e pelos especialistas referentes ao CHA de cada um dos dois grupos.
Etapa 5 - Validação com especialistas das competências digitais mapeadas: Esta etapa visa a validação das competências específicas e seus respectivos conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) por meio da participação de especialistas. Para isso, foi aplicado outro questionário6, no qual foram apresentadas as definições das competências mapeadas e as tabelas com os respectivos CHA organizados pela pesquisadora (Etapa 4). Esse instrumento trazia tanto perguntas objetivas quanto dissertativas. Com relação à coleta de dados, os métodos utilizados foram dois tipos de questionário. O primeiro era um questionário aberto, isto é, com perguntas dissertativas. Já o segundo configurou-se como semiaberto, pois trazia um misto de questões abertas e fechadas, ou seja, as respostas foram definidas em meio a alternativas objetivas, previamente estabelecidas, pela pesquisadora. Além disso, na Etapa 1, que se refere à construção do referencial teórico, foi realizada a observação participante durante as aulas com os idosos. Esse método foi escolhido pois, segundo Michel (2015, p. 91), caracteriza-se como “[...] um formulário, previamente construído, constituído por uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas por escrito, e preferencialmente, sem a presença do entrevistador”. Desse modo, possibilita aos participantes responderem de acordo com sua disponibilidade de tempo e local. Já a observação, para Yin (2016), possibilita que sejam levantados dados sobre as interações sociais, as ações e cenas do ambiente. Essa observação, por sua vez, caracteriza-se como qualitativa, visto que não se trata de uma mera contemplação para “[...] sentar e ver o mundo e trazer anotações” (Sampieri, 2006, p. 383). De acordo com esse autor a mesma implica “[...] entrar a fundo em situações sociais e manter um papel ativo, assim como uma reflexão permanente, e estar atento aos detalhes de fatos, eventos e interações”(Sampieri, 2006, p. 383). Já os dados qualitativos foram investigados através da análise de conteúdo, conformeindicado por Moraes (1999). Cabe salientar que, para este autor, a análise de conteúdo se refere a uma interpretação pessoal por parte do pesquisador quanto à sua compreensão dos dados (Moraes, 1999).
Análise e discussão dos dados
A partir desta pesquisa foi realizado um mapeamento das competências digitais e seus respectivos conjuntos de CHA necessários para a construção de materiais digitais por idosos, divididos em duas grandes etapas.
A primeira delas foi um mapeamento preliminar da competência Autoria Digital. Com base nesta primeira análise de dados, identificou-se que esta competência faz parte do grupo da Fluência Digital (Behar, 2013) correspondendo a um resultado da etapa 1 da metodologia. Em consonância com Behar (2013), a autora Pinho (2011, p. 9) explicita que a competência Fluência Digital é voltada “[...] para o uso apropriado, criativo, autônomo e autoral da tecnologia [...]” visando uma educação com efetiva inclusão digital dos cidadãos.
Já com o intuito de aprofundar acerca da competência de Autoria Digital, foi necessário conhecer as experiências da construção de MD pelos sujeitos idosos participantes da pesquisa. Com base nesses dados algumas características como, por exemplo, as preferências em relação às TD utilizadas neste processo, suas motivações e tipos de recursos produzidos foram percebidos. Cabe destacar como resultados as motivações para a construção de novos conteúdos digitais pelos mais velhos foram relacionadas à vontade de aprender sobre o uso das TD, a superação dos desafios, o desejo de acompanhar a evolução digital, a vontade de construir novos aprendizados e de desenvolver novas habilidades.
Desse modo, o uso das TD, voltadas a experiências que proporcionem a autoria digital, podem permitir “[...] que os idosos se sintam valorizados e reconhecidos em suas opiniões e sugestões. Pois os recursos digitais podem desenvolver as capacidades de imaginar, memorizar e utilizar estratégias de comunicação, demandando, dessa forma, competências diferentes das utilizadas no cotidiano” (Behar, Machado, Ribeiro, & Ebeling, 2010, p. 99).
Os instrumentos utilizados para esta coleta foram dois questionários on-line que foram respondidos por 17 idosos e 12 especialistas que podem ser consultados por meio dos endereços nas notas de rodapé na seção da metodologia. No primeiro, os idosos responderam 15 questões, destacando a de número 5.‘O material digital ficou como você imaginava? Relate como foi esta experiência e suas dificuldades’. Essa indagação permitiu visualizar a experiência da aprendizagem, bem como as dificuldades enfrentadas. As respostas dos idosos apontaram, de modo geral, satisfação no processo e como desafio eles indicaram receio de ‘perder’ o MD.
Já no segundo questionário, os especialistas responderam 13 questões e destaca-se a 12.‘Para você qual a relevância das competências digitais para a construção de materiais digitais por idosos?Justifique’por evidenciar a relevância de uma educação baseada na construção e aprimoramento de competências. Nessa pergunta os especialistas apontaram as competências como relevância já que auxiliam também na resolução de problemas da vida diária. A partir desses dados, foi possível identificar três competências digitais específicas: Criação, Divulgação e Avaliação. E, então, as catalogamos em seus respectivos CHA que correspondem as etapas 2 e 3 da metodologia.
Na segunda etapa, houve a validação da competência Autoria Digital e das três competências específicas que fazem parte deste grupo. Para tanto, foi aplicado um questionário on-line com 14 especialistas que avaliaram esse mapeamento preliminar. Desse modo, foi possível analisá-lo de forma crítica e, a partir desses novos dados, validar a competência geral e as específicas. Por fim, foram apontadas além das definições de Autoria Digital e das três competências específicas, uma nova nomenclatura: Criação de Conteúdo Digital, Compartilhamento de Conteúdos Digitais e Segurança e Privacidade Digital. Estas também foram delineadas a seus respectivos CHA correspondendo às etapas 4 e 5 da metodologia.
Nessa perspectiva, foi possível identificar, como pré-requisito para a construção de conteúdos digitais, a necessidade de o idoso ser fluente digitalmente ou, no mínimo, dominar conhecimentos tecnológicos básicos sobre a ferramenta de autoria utilizada nesta elaboração, conforme aponta a Figura 3. Este perfil foi mapeado com base nos apontamentos realizados pelos sujeitos da pesquisa.
Nesse viés, Grande (2016) apresenta as motivações que levam os idosos a aprenderem sobre as TD num âmbito geral, na qual destaca que principalmente demonstram interesse em aumentar o contato familiar, entretenimento, bem como por compras e viagens.
No que se refere ao perfil dos idosos participantes da pesquisa, constatou-se que a sua maioria era do gênero feminino, com 88,2%, e apenas 11,8% do gênero masculino e que destacaram como fator relevante a vontade de aprender sobre as TD. Ademais, quanto aos graus de escolaridade destaca-se que 6% representam o ensino fundamental incompleto, 6% ensino médio incompleto, 35% ensino médio completo, 23% com ensino superior completo, 12% com ensino superior incompleto, 18% com pós-graduação completa. Assim, observa-se um perfil específico de idosos com média de idade de 72,4 anos, classe média e escolaridade diversificada.
Nesta pesquisa, são identificadas as características, ou seja, um conjunto de elementos que um idoso deve desenvolver para construir MD e os respectivos pré-requisitos. Cabe destacar que a competência geral Autoria Digital é um grupo composto por três competências específicas que se relacionam, visto que, para além da construção do material, outros elementos devem ser contemplados, como é o caso da segurança digital ilustrados na Figura 4. Desse modo, para construir materiais digitais com autonomia, o idoso deve mobilizar distintos conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) referentes à criação, divulgação e avaliação da segurança digital do MD.
Em vista disso, é possível observar que com a utilização das tecnologias digitais aliadas a educação se configuram novas formas de aprender e de acordo com Perrenoud (2000, p. 125) “[...] as tecnologias transformam espetacularmente não só as nossas maneiras de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir e de pensar [...]” e fazem emergir novas necessidades.
Assim, a Figura 5 7 apresenta a definição conceitual da competência Autoria Digital, bem como os respectivos CHA das três competências digitais específicas validadas pelos especialistas, ou seja, é um modo de ilustrar e organizar o mapeamento final da pesquisa.
A partir do quadro apresentado na Figura 5, é possível refletir sobre o que significa ser um sujeito digitalmente competente. Nesse viés, Silva e Behar (2019) alertam que o fato de possuir e/ou acessar as ferramentas digitais não assegura que o sujeito seja digitalmente competente, mas, sobretudo compreende-se, que é a partir da mobilização do CHA em um determinado contexto digital, que poderá ser possível a construção e/ou aprimoramento de cada uma das CD. Contudo, é pertinente destacar que esse processo de construção de competências é constante, e abrange a aprendizagem ao longo da vida. Nessa perspectiva, corrobora-se com Schneider (2014, p. 74), que aponta que a construção de competências não ocorre de modo estanque “[...] em que as competências estão construídas e finalizadas, pois é necessário enxergar o processo como algo prazeroso e pelo qual se deseja fazer parte, caso contrário, ele não acontece”. Assim, acredita-se no potencial de autoria digital dos idosos em desenvolver materiais digitais, pois permite que ocorra uma aprendizagem ao longo da vida na qual sempre é tempo de aprender e de contribuir ativamente para a sociedade. A seguir são apresentadas as considerações finais deste estudo.
Considerações finais
No atual contexto, é notório o crescimento da população idosa e de seu interesse no uso das tecnologias digitais no cotidiano. Desse modo, origina-se a necessidade de investigar o processo de inclusão digital deste público idoso, que demonstra interesse em aprender, principalmente, acerca da construção de materiais digitais. Esse processo de utilização das TD está diretamente relacionado com a construção de competências digitais, o que se faz pertinente realizar mais investigações sobre essa temática.
Na construção desta pesquisa foi possível constatar que, para a inclusão digital ocorrer de modo significativo, deve-se ultrapassar o uso dessas tecnologias digitais para fins exclusivos de entretenimento e busca de informações. Para isso, é necessário mobilizar um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) frente às situações vivenciadas através das TD. Portanto, o mapeamento das competências digitais, assim como o planejamento e aplicação de estratégias pedagógicas que viabilizem a construção do CHA com idosos é necessário em um mundo cada vez mais conectado. Assim, essa pesquisa possibilitou identificar, como pré-requisito para a construção de conteúdos digitais, a necessidade de o idoso ser fluente digitalmente ou, no mínimo, dominar conhecimentos tecnológicos básicos sobre a ferramenta de autoria8 utilizada nesta elaboração.
Acredita-se que este estudo contribui para apontar um possível caminho acerca da inclusão digital de idosos por meio da construção da competência Autoria Digital. Percebe-se que, à medida que se engajam em atividades sobre o aprendizado do uso das tecnologias digitais e demonstram interesse em construir materiais autorais, os idosos acabam se sentindo mais empoderados, valorizados e participativos digitalmente. Além disso, através da construção das competências digitais da Autoria Digital, compreende-se que os idosos podem atuar na sociedade de modo mais seguro, crítico, criativo e autoral.
Em relação às dificuldades encontradas na pesquisa, salienta-se a escassez de publicações com foco na construção de materiais digitais por idosos e suas relações com as competências digitais no contexto educacional. Na perspectiva de trabalhos futuros, percebe-se a necessidade de investigar as competências transversais da autoria digital e também analisar os níveis de proficiência das CD específicas na construção de materiais digitais por idosos.
Portanto, no âmbito educacional a construção de recursos digitais autorais por idosos pode auxiliar tanto na compreensão do próprio processo de envelhecimento, quanto na aprendizagem ao longo da vida. Para isso, em cursos de inclusão digital, torna-se interessante fomentar a aplicação das ferramentas de autoria para a construção de conteúdos digitais por idosos e, principalmente, desenvolver estratégias que possibilitam a construção da competência digital de autoria.