Introdução
Os Direitos Humanos (DH) vêm sendo duramente conquistados ao longo da história por meio da luta pelo reconhecimento da dignidade humana, expressa pelos valores de igualdade, liberdade e solidariedade. Em um país marcado por desigualdades e exclusões sociais como o Brasil, tais valores constituem ideais a serem perseguidos e concretizados. Neste sentido, em 2006, o país firma compromisso com o desenvolvimento da Educação em Direitos Humanos (EDH) enquanto política pública, acreditando que a via educacional é potencialmente um caminho capaz de formar cidadãos conhecedores e sensíveis a tais direitos. Em 2012, esse compromisso se formaliza por meio das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, tornando-a obrigatória para todos os níveis e modalidades de educação formal do país.
Desde então, um dos grandes desafios a ser enfrentado pela EDH é levar os Direitos Humanos para a sala de aula. A maioria dos docentes não teve em sua formação inicial, durante a graduação, disciplinas ou conteúdos relativos a esta área de conhecimento. O senso comum, muitas vezes presente nos discursos de grandes parcelas da população brasileira, associa os Direitos Humanos aos direitos de ‘bandidos’. Jargões do tipo: Direitos Humanos para Humanos Direitos revelam que os Direitos Humanos não são compreendidos como inerentes a todos os seres humanos e por isso expressam visões preconceituosas e hierárquicas de direitos.
O preconceito em relação aos DH remonta à ditadura de 1964, quando artistas e intelectuais brasileiros foram presos e torturados por terem ideias e posicionamentos contrários ao regime de repressão e supressão de direitos. Este grupo passou a reivindicar os DH e estes por sua vez foram associados aos presos políticos. Com a anistia política, a vinculação entre DH e presos permaneceu, porém, relacionada aos presos comuns.
Alimentar ou omitir-se diante deste tipo de visão reducionista e preconceituosa significa manter milhões de pessoas ignorantes e, portanto, silenciá-las na reivindicação de direitos, sobretudo naqueles considerados coletivos ou em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais.
DH não são abstrações ou ideais distantes, integram nosso cotidiano e as relações interpessoais ou institucionais de todos os seres humanos. No entanto, este tipo de percepção não é intrínseco aos DH, são necessários processos educativos para que as pessoas conheçam tais direitos, reconheçam-nos no cotidiano e posicionem-se criticamente em relação a sua exigibilidade. Reconhecendo-se a importância da educação para estabelecermos novas bases para as relações humanas, a formação de educadores é estratégica, pois estes profissionais estarão nas salas de aulas educando as novas gerações. No entanto, não é qualquer caminho pedagógico que dialoga com a EDH, os princípios e características desse modelo de educação requerem metodologias dialógicas, participativas e que favoreçam o desenvolvimento da criticidade dos estudantes.
O artigo tem por objetivo apresentar portfólios como uma estratégia pedagógica para o trabalho com os DH em sala de aula. Traremos a análise documental de um corpus constituído por 95 portfólios elaborados em uma disciplina de Educação em Direitos Humanos ofertada em um programa de pós-graduação stricto senso. No entanto, salientamos que as estratégias aqui analisadas podem ser utilizadas em qualquer nível de ensino. A adoção deste instrumento metodológico valorizou a subjetividade dos estudantes e favoreceu discussões relacionadas aos DH articuladas à realidade e sob uma perspectiva interdisciplinar e transversal.
Educação em Direitos Humanos nas universidades brasileiras
Tosi e Zenaide (2016) retomam o percurso histórico da EDH nas universidades brasileiras. Situam a importância da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, ocorrida em 1993, que atribui importância central à EDH como um caminho para enfrentar as violações de direitos decorrentes do racismo e da discriminação.
O Brasil compromete-se internacionalmente com as propostas nascidas em Viena e, a partir dos anos 1990, os DH começam a ser objeto de normas, legislações e políticas públicas. Neste contexto, formula-se em 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH (Brasil, 1996), um compromisso oficial do Estado com os DH.
No ano seguinte, realiza-se o I Congresso Brasileiro de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, na Faculdade de Direito da USP. Este evento reuniu docentes e pesquisadores universitários de várias áreas do conhecimento, gestores públicos e militantes da sociedade civil. O Congresso foi o passo inicial para que grupos se organizassem nas universidades públicas e em algumas privadas ou comunitárias e iniciassem atividades educativas de caráter extensionista.
O papel da extensão é de grande relevância social, desenvolvida por meio de ações educativas de caráter não formal. Esta via de atuação universitária possibilita a democratização do conhecimento construído na academia e, ao mesmo tempo, contribui significativamente para a formação de diferentes segmentos e atores sociais. A última década do século XX trouxe condições para que fossem realizados diferentes eventos acadêmicos desta natureza como cursos, seminários e projetos de intervenção social.
O novo milênio inicia-se com a segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH 2, (Brasil, 2002) e com o nascimento de Núcleos de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos, observatórios e de Comitês de Educação em Direitos Humanos nas universidades.
Em 2006, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH (Brasil, 2006), voltado integralmente para a educação (formal, não formal e informal) e com uma dimensão dedicada ao ensino superior, aliado a políticas educativas do Ministério da Educação, contribuiu para que fossem criados disciplinas e cursos de EDH. Com isso, temos ampliada a entrada dos DH nas universidades e o ensino passa a incorporar os conteúdos e as discussões relativas à EDH.
Em 2010 a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH 3 (Brasil, 2010), dedica um eixo ao tema da educação, fortalecendo ainda mais o compromisso de uma política de Estado pautada pelos DH e pela educação. Acreditando na imprescindibilidade da educação para a consolidação de uma cultura pautada pelos DH, o Brasil, por meio do Conselho Nacional de Educação, institui no ano de 2012, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (Resolução nº 1, 2012). Este documento de natureza mandatária torna a EDH obrigatória da Educação Infantil ao Ensino Superior.
Caracterização dos DH: interdisciplinares e transversais
O conteúdo central da EDH são os DH. Enquanto conteúdo, os DH são uma temática interdisciplinar e transversal. Os conceitos de disciplinar, pluridisciplinar, transdisciplinar e interdisciplinar dizem respeito ao conhecimento e à maneira como ele está organizado no currículo. Não se trata apenas de uma organização de conteúdos, adotar uma ou outra concepção implica na divisão do tempo escolar, na escolha metodológica, na organização do espaço da escola e da sala de aula, nas atividades e avaliações que serão propostas aos estudantes. Adotamos as definições propostas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Ministério da Educação, 2013), documento segundo o qual a interdisciplinaridade pressupõe a articulação de duas ou mais disciplinas. Esta forma de organização curricular possibilita o trabalho com temas transversais. A transversalidade, por sua vez, é uma forma de organização do trabalho pedagógico, ou seja, não tem uma dimensão epistemológica como os conceitos que trazem em sua nomenclatura o sufixo disciplinar. Por meio da transversalidade os temas são integrados às disciplinas, perpassando por elas.
Direitos Humanos são interdisciplinares, pois se situam na confluência de conhecimentos advindos de diferentes áreas e disciplinas. Como falar em DH sem considerar a dimensão sócio-histórica e política da conquista de direitos? Como abordar e situar o problema dos DH sem dados estatísticos? Como compreender sua dimensão política sem considerar aspectos geográficos, históricos e culturais? Como sensibilizar para a sua violação ou promoção sem recorrer às expressões artísticas cênicas, plásticas, fotográficas? Como compreender DH sem investigar suas diferentes interpretações na literatura? Para compreender a complexidade e amplitude dos Direitos Humanos são necessários conhecimentos advindos de diferentes áreas do conhecimento. Adotar uma única perspectiva para sua abordagem significa reduzi-los a uma visão parcial, insuficiente e incompleta. Na interdisciplinaridade, os conceitos suscitam a compreensão porque se intenciona a aproximação da totalidade do fenômeno estudado, apreender seus movimentos, suas idas e vindas, ver além do alcance do olhar. A compreensão permite que o fenômeno pesquisado seja (re)construído e re(significado), processos essenciais para que nos tornemos parte ativa na construção da história da humanidade (Ranghetti, 2014).
Trata-se de uma temática transversal e como tal, a necessidade de abordá-la em processos de educação formal emerge dos conflitos da sociedade contemporânea. Em um mundo globalizado e em uma sociedade multicultural como a brasileira, não há como negar a importância de uma cultura de respeito ao outro e aos seus direitos e a imprescindibilidade de ações educativas que atuem na superação de preconceitos e na ampliação de visões de mundo. A introdução de temáticas relevantes para a vida social intenta uma formação ampla voltada para uma atuação social responsável e capaz de contribuir para o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual dos estudantes.
Em relação aos enfoques educativos que se traduzem em práticas educativas, os temas transversais visam a (Yus, 1998, p. 39-40):
Promover visões interdisciplinares, globais e complexas que buscam a compreensão de fenômenos dificilmente explicáveis apenas pela visão parcial de uma disciplina;
Romper com visões dominantes, etnocêntricas, androcêntricas, trazendo diferentes perspectivas e olhares para o tema/problema em questão;
Aulas cooperativas e participativas com envolvimento de estudantes e professores críticos, intelectuais e criadores do currículo;
Estabelecer conexão com elementos da vida cotidiana, provocar empatia.
Tomando por base os pontos convergentes que caracterizam todos os temas transversais, destacados por Yus (1998), e relacionando-os aos Direitos Humanos, podemos afirmar que: DH têm componentes atitudinais, ou seja, visam uma mudança de atitude em relação aos mesmos a partir do trabalho desenvolvido; pautam-se por valores democráticos como igualdade, liberdade, justiça, solidariedade, valores estes que constituem a base dos Direitos Humanos; buscam visões interdisciplinares, globais e complexas de fenômenos que não podem ser explicados por apenas uma disciplina contribuindo para análises em diferentes perspectivas; reconhecem a importância de estabelecerem vínculos com a vida cotidiana e por fim, buscam caminhos de aprendizagem significativa para os estudantes.
Yus (1998) destaca que os processos de aprendizagem de temas transversais devem acontecer por meio da motivação, problematização, levantamento de hipóteses, busca por informações, confronto de pontos de vista. Estes processos reconhecem e valorizam a subjetividade dos estudantes favorecendo que conteúdos significativos sejam selecionados, instigando novas relações e a construção de novos significados.
O autor, indica ainda, passos para o trabalho com estes temas: participação dos alunos na elaboração de normas; trabalho cooperativo dos alunos; provocar conflitos sociocognitivos; propor experiências que ponham, confrontem estereótipos; adotar postura integradora diante da diversidade dos alunos; estimular atitudes pró-sociais em relação aos colegas e à coletividade e estimular atividades simbólicas (desenhos, jogos).
É necessário sensibilizar os estudantes quanto às questões que os DH envolvem, pois não se trata de um conhecimento abstrato ou genérico, são questões reais, presentes no cotidiano e nas relações interpessoais de todos os seres humanos. Para além de conhecimentos, é necessário despertar a consciência e a empatia para com o outro, tendo em conta suas diferenças, seus direitos e a necessidade de reconhecimento da igualdade e da equidade entre seres humanos.
As características e objetivos da transversalidade trazem alguns desafios às práticas educativas, tais como: trabalhar com as dimensões axiológica (valores) e atitudinal (aplicar o que aprendeu na vida cotidiana); promover a discussão de um mesmo problema sob diferentes perspectivas; utilizar os conhecimentos das disciplinas em favor da compreensão e análise dos temas/problemas estudados; promover a participação ativa e colaborativa dos estudantes.
Em relação à dimensão axiológica, trata-se de valores e práticas capazes de transformar as atitudes de cada um dos envolvidos a partir do despertar de uma consciência moral autônoma. É importante destacar que, em sociedades plurais e multiculturais, temos realidades morais cada vez mais diversas. A mera incorporação de valores tradicionais, que são transmitidos de geração em geração, não é mais suficiente para convivermos socialmente diante das diversidades do mundo atual. As novas circunstâncias nos obrigam a criar novos modos de vida e isso implica autonomia moral e criatividade. A dimensão dos valores relacionados aos DH pode nos ajudar a aprender a viver de forma dialógica, seguindo, às vezes, um caminho já posto, e outras, utilizando uma bússola para encontrar o melhor caminho. São princípios éticos essenciais para guiar as pessoas em contextos novos, em que ainda não se estabeleceram ou consolidaram regras morais.
Outro desafio refere-se a uma das características centrais da transversalidade, a relação que se estabelece entre aprender conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade). Não se trata de criarmos novas disciplinas escolares que se destinam apenas à transmissão de informações sobre determinado tema, nem mesmo de realizarmos palestras para ‘esclarecer’ a comunidade. Temas transversais relacionam-se à vida cotidiana da comunidade, à vida das pessoas e aos seus interesses.
A problematização da realidade é fundamental à EDH, pois os Direitos Humanos não são abstrações ou apenas um conjunto de normas, eles tratam de direitos que deveriam fazer parte da vida cotidiana de todos. Assim, olhar para o mundo com a lente dos direitos humanos possibilita perceber violações, reconhecer iniciativas voltadas a sua promoção e desenvolver ações criativas, capazes de transformar a realidade.
A transversalidade, ao trazer a realidade como pauta de reflexão e mote para a aprendizagem, pressupõe a articulação de diferentes conhecimentos. A complexidade da vida e de suas questões nos impõe a necessidade de lançarmos mão de diferentes conhecimentos e competências para compreendermos e analisarmos tais temas. Por isso, os temas transversais devem aproximar a vida das pessoas do currículo formal da escola, ou seja, eles constituem uma oportunidade de desenvolvermos conteúdos de diferentes disciplinas a partir da discussão de um tema relevante socialmente. Daí decorre a sua relação com a interdisciplinaridade.
Direitos Humanos necessitam da interdisciplinaridade para a sua análise, compreensão e promoção. Assim, ao introduzi-los transversalmente nos currículos escolares, a discussão sobre os Direitos Humanos nos impõe a necessidade de lançar mão de diferentes conhecimentos e competências para compreendermos e analisarmos tais temáticas. Conhecimentos relacionados à história, geografia, sociologia, filosofia, ciências da natureza, artes, matemática, língua materna e outros são necessários para compreendermos o sentido e a extensão da conquista histórica dos direitos, para dimensionarmos a amplitude e a complexidade de princípios como dignidade, democracia, liberdade, igualdade e solidariedade. Sem a articulação entre os conhecimentos historicamente construídos pela humanidade, os Direitos Humanos podem ser reduzidos a uma lista de 30 artigos que integram a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Organização das Nações Unidas [ONU], 1948), destituídos de história, contexto e significado humano, social e pessoal.
Retomando as ideias iniciais sobre EDH, trata-se de um modo de vida, de lentes novas para se olhar o mundo e as pessoas. Almeja-se uma consciência coletiva forjada em valores adquiridos pelos seres humanos ao longo da vida. Galvão (2014) afirma que a consciência coletiva se forma em decorrência da consciência pessoal, criando a necessidade do ser humano de se identificar como indivíduo que compõe o todo. Tal identificação pressupõe valores que transcendam o egoísmo, a disputa e a competição. Não se trata de um contra todos, mas de todos juntos unidos por valores comuns.
Voltando ao nosso problema: quais caminhos seguir para promover as dimensões da EDH a partir da interdisciplinaridade e da transversalidade dos DH? Muitas vezes, os caminhos escolhidos encontram-se nas experiências que os docentes tiveram enquanto eram estudantes, ou seja, reproduzem velhas práticas. Algumas vezes as velhas práticas revelam-se bons caminhos, coerentes com aquilo que acreditamos, porém, nem sempre estes modelos vivenciados outrora dão conta de novas perspectivas e necessidades educacionais. Apontamos os portfólios como um caminho novo e possível que busca responder estas indagações.
O potencial educativo dos Portfólios
Não existe uma definição única para portfólios que podem ser utilizados para a aprendizagem e para a avaliação. Neste artigo, adotamos a definição de Arter y Spandel (1992 apud Klenowski, 2004, p. 36):
[...] uma coleção de trabalhos do estudante que nos conta a história de seus esforços, seu progresso e suas conquistas em uma área determinada. Esta coleção deve incluir a participação do estudante na seleção do conteúdo do portfólio, os guias para seleção, os critérios para julgar méritos e a prova de sua autorreflexão.
Sujeito e conteúdo, dois elementos que se combinam em portfólios e permitem o diálogo entre a objetividade e a subjetividade do processo ensino-aprendizagem, uma vez que o conhecimento é construído a partir das referências de cada sujeito. Trata-se de uma aprendizagem que busca os significados que os sujeitos atribuem ao conhecimento.
O uso de portfólios permite o desenvolvimento metacognitivo, ou seja, favorece que o indivíduo reflita sobre seu próprio pensamento, seu conhecimento, sobre seus processos de aprendizagem. Watkins (1996, apud Klenowski, 2004) distingue a metacognição da meta-aprendizagem. A primeira significa refletir sobre o próprio pensamento, o que implica na consciência dos processos de pensamento e do controle destes processos. A segunda relaciona-se à tomada de consciência da própria experiência de aprendizagem o que implica uma ampla variedade de temas, incluindo objetivos, sentimentos, relações sociais e contexto de aprendizagem. Estes processos requerem a interpretação contínua da experiência e se traduzem no planejamento, seleção e inferências.
A experiência de aprendizagem desencadeada pelos portfólios confronta os estudantes com a necessidade de refletir sobre seu próprio processo. O uso de portfólios para o ensino e aprendizagem faz referência à teoria de Dewey no que diz respeito ao exame ativo, reflexivo, cuidadoso e persistente de qualquer crença ou forma de conhecimento à luz dos fundamentos que os embasam (Klenowski, 2004). Dewey define educação como um processo de reconstrução e organização da experiência, pelo qual percebemos mais agudamente o sentido, e, com isso, nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras (Dewey, 1978).
Teixeira (1978), num esboço da teoria de Dewey, define experiência como o agir de um elemento sobre o outro, no qual ambos se modificam mutuamente. Tal fenômeno realiza-se em diferentes planos: físico, biológico e humano. No plano humano, a ação e a reação atingem sua maior amplitude através da escolha, preferência, seleção, reflexão, conhecimento e reconstrução da experiência. As experiências alteram, até certo ponto, a realidade; o fato de conhecermos algo implica numa alteração simultânea no agente do conhecimento e no elemento conhecido. Por exemplo, o fato de conhecermos uma espécie vegetal, apenas visualmente, implica em um tipo de relação, conhecê-la através de suas propriedades, características, funções altera esta relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, ou seja, aquela espécie vegetal não será mais vista e tratada da mesma forma.
Hart (apud Teixeira, 1978) classifica as experiências em três tipos, que em seu conjunto compõem a experiência humana: (1) tidas - existem e acontecem sem, no entanto, chegarem ao nível do conhecimento e consciência: fome, sede, sono, bem-estar, mal-estar de um bebê recém-nascido; (2) reflexivas - chegam ao plano do conhecimento e consciência, possibilitando o aparecimento da inteligência através de análise, indagação da realidade, seleção de meios e fatores; (3) inquietantes - correspondem aos anseios humanos em relação às incertezas da realidade, impulsionando-nos a uma constante revisão daquilo que foi produzido pela humanidade.
A experiência educativa localiza-se no plano da reflexão. Através do pensamento, ela possibilita a percepção das relações entre fatos/elementos/acontecimentos e também permite relações de continuidade (olhar para o antes e o depois do processo). O resultado deste tipo de experiência é o conhecimento, seja na sua aquisição ou na sua extensão. A experiência, portanto, pode ser considerada como a essência da educação, na medida em que alarga conhecimentos, enriquece e traz significado à vida do ser humano.
Para Dewey (1959) a experiência possibilita ao ser humano compreender elementos que possam se projetar muito além daquilo que é notado conscientemente. Para tanto, é preciso que as relações estabelecidas pelo sujeito sejam trazidas ao nível da consciência. Este processo se faz através da comunicação, capaz de vincular os resultados da experiência do grupo com as experiências imediatas do indivíduo.
O caráter da verdadeira experiência educativa envolve continuidade e interação entre quem aprende e o que é aprendido. O estudo científico guia e aprofunda a experiência, mas a experiência só será educativa à medida em que se apoia sobre a continuidade do conhecimento relevante e à medida em que tal conhecimento modifica ou modela a perspectiva, a atitude e a habilitação do aluno.
Entende-se que os portfólios, ao colocarem os estudantes no centro do processo ensino-aprendizagem e favorecerem a reflexão sobre as suas experiências, contribuem para o desenvolvimento de uma aprendizagem mais profunda, com significado e que possibilita um grau de consciência sobre o próprio processo de aprendizagem.
Os processos de aprendizagem por meio de portfólios requerem que os estudantes compreendam claramente as finalidades, os critérios e as pautas a fim de que elaborem o trabalho (Klenowski, 2004). Tal elaboração requer que os estudantes realizem uma autoavaliação sobre o que aprenderam a fim de selecionarem os elementos que consideram mais significativos neste processo.
Lyons (1998, apud Klenowski, 2004), analisa o potencial dos portfólios na formação de docentes: trata-se de um instrumento poderoso de reflexão acerca do crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional. Alguns dos objetivos pretendidos em relação à formação de professores são: desenvolvimento do pensamento reflexivo; maior consciência dos processos de ensino e aprendizagem; ampliação de conhecimentos; autoavaliação; promoção da aprendizagem dos estudantes. Trata-se de levar os docentes a refletirem sobre os processos de ensino e aprendizagem mediante a vivência e a significação deles é fundamental para uma prática reflexiva e consciente.
Uso de portfólios em uma disciplina de Educação em Direitos Humanos na pós-graduação
A experiência relatada refere-se ao desenvolvimento de uma disciplina de Educação em Direitos Humanos ofertada em um curso de pós-graduação stricto sensu de uma universidade pública do estado de São Paulo que utilizou portfólios como estratégia de ensino.
A disciplina desenvolveu-se ao longo de 15 semanas e contou com a participação de 19 estudantes graduados em diferentes áreas: psicologia, pedagogia, biologia, direito e assistência social. Estes estudantes produziram, nas 5 primeiras semanas do curso, um trabalho por semana, resultando em 95 portfólios que constituem o corpus deste estudo.
O uso do portfólio como estratégia para ensino dos DH teve como objetivo provocar o olhar crítico para a realidade, propondo que os estudantes estabelecessem relações entre estes direitos e acontecimentos cotidianos, imagens ou manifestações culturais. Assim, cada estudante, ao se deparar em sua vida cotidiana com notícias, músicas, poesias, fotografias ou qualquer outro elemento que o remetesse aos DH, deveria selecionar um deles e realizar uma breve reflexão sobre a relação estabelecida entre o material selecionado e os DH.
Os objetivos do estudo foram:
- Analisar os DH presentes nos portfólios;
- Levantar quais veículos foram utilizados para identificar os DH.
Do ponto de vista de sua natureza, a pesquisa é aplicada, uma vez que objetiva trazer conhecimentos e experiências que possam subsidiar discussões e atividades em escolas e em demais instituições educativas. Em relação à abordagem do problema, trata-se de uma pesquisa qualitativa. Esse tipo de abordagem caracteriza-se pela interpretação dos fenômenos e pela atribuição de significados (Severino, 2007). Sobre os procedimentos técnicos, o trabalho caracteriza-se como uma análise documental, a qual se vale de materiais sem tratamento analítico, considerada fonte primária de dados (Gil, 2002).
Desenvolvimento do estudo
A análise dos 95 portfólios que constituem o corpus deste estudo teve como foco os DH destacados pelos estudantes e o veículo/situação no qual identificaram este direito. A análise e o tratamento dos dados se deram por meio da categorização dos Direitos Humanos, agrupados a partir das chamadas ‘gerações de direitos’. A análise dos veículos se deu a partir da identificação deles por meio da apreciação de cada portfólio.
Destacamos que a pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética na Pesquisa, processo CAEE 93672418.9.0000.5466.
Gerações dos DH
Os DH são interdependentes e indivisíveis, isso significa que não há um direito mais importante do que o outro e que o gozo de um depende da efetivação dos outros. No entanto, a classificação dos direitos a partir de gerações possibilita a compreensão dos valores centrais a cada geração e favorece a análise dos direitos levantados pelos estudantes.
Primeira Geração - Direitos civis e políticos - relacionados às liberdades individuais, tais como direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, à privacidade, à personalidade e os direitos de nacionalidade e políticos.
Segunda Geração - Direitos econômicos, sociais e culturais - fundamentam-se na igualdade, tais como: educação, cultura, saúde, alimentação, vestuário, moradia, segurança, trabalho, previdência social.
Terceira Geração - Direitos difusos e coletivos - tem foco na coletividade e são guiados pelo fundamento da solidariedade, não só para as gerações atuais, mas também para as gerações futuras. Envolvem o direito ao meio ambiente, do consumidor e à paz.
Análise e interpretação dos dados
O corpus do estudo constituído por 95 portfólios foi analisado sob duas perspectivas: em relação ao seu conteúdo e em relação ao veículo. A Tabela 1 apresenta os resultados da categorização dos conteúdos com os temas dos portfólios.
Geração de DH | Temas presentes nos portfólios | f | % |
Direitos civis e políticos | - Violação aos Direitos Civis (liberdades de expressão, religiosa, pensamento) | 62 | 65% |
- Direitos de cidadania | |||
- Segurança social | |||
- Violência social | |||
- Intolerância em relação às diversidades humanas (racismo, xenofobia, machismo, homofobia) | |||
- Direito ao asilo político | |||
Direitos econômicos, sociais e culturais (DESC) | - Educação | 23 | 24% |
- Desigualdade social | |||
- Trabalho escravo | |||
- Trabalho infantil | |||
Direitos difusos e coletivos | - Direitos dos povos originários | 10 | 11% |
- Direitos da pessoa idosa | |||
- Meio ambiente | |||
- Direito à água | |||
- Direitos das pessoas com deficiência |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados coletados.
A Tabela 1 demonstra que a maior parte dos portfólios analisados, 65%, referem-se aos direitos civis e políticos. Esta geração destaca as liberdades e os direitos individuais. São direitos que não podem ser violados e demandam uma atuação ‘negativa’ do Estado, ou seja, a não interferência. Em seguida, estão os direitos econômicos, sociais e culturais (DESC), presentes em 24% dos portfólios analisados e que integram a chamada segunda geração. São direitos que exigem a atuação do Estado na sua promoção, como por exemplo, a educação. Para que todos gozem deste direito, o Estado deve promover políticas públicas que garantam escolas, professores, materiais didáticos, e tantas outras ações necessárias à efetivação deste direito. A terceira geração, com 11% de portfólios, destaca direitos difusos e coletivos que se caracterizam por se destinarem a um grupo, categoria ou conjunto específico de pessoas que tem algum tipo de vínculo, algo em comum.
A interpretação destes dados não pode prescindir da contextualização do período em que este estudo se desenvolve. O Brasil vive um momento sociopolítico delicado no qual se criou um clima polarizado em que opiniões e atitudes extremistas desconsideram, violam e extinguem direitos das pessoas, negando as diversidades humanas. Vivemos tempos de preconceitos, discriminações, violências e divulgação oficial de notícias falsas. São atos praticados por seres humanos que violam os Direitos Humanos. Ao mesmo tempo em que pessoas são perseguidas por determinados grupos por defenderem ideias que são críticas à extrema direita, violando a liberdade de pensamento e expressão, estes mesmos grupos evocam estas liberdades para disseminarem notícias falsas. A intolerância em relação às diversidades étnico-racial, sexual, religiosa, de gênero dentre outras passaram a integrar o cotidiano das pessoas, a estarem presentes nos noticiários, nas conversas e também nas aulas sobre Direitos Humanos.
Os chamados DESC têm como fundamento central a igualdade, no sentido de que todas as pessoas devem ter igualdade de oportunidades e para tanto, direitos devem ser promovidos. Em um país como o Brasil, a desigualdade é abissal e a violação destes direitos por parte do Estado é visível e constatável nas mais diferentes situações. Os portfólios focaram situações que remetem ao direito à educação e ao trabalho digno, além da problematização do trabalho infantil que viola os Direitos das Crianças e Adolescentes (que são direitos difusos e coletivos).
Os portfólios que remetem à terceira geração dos direitos difusos e coletivos, reúnem 11% dos trabalhos e destacam direitos de populações específicas que são sistematicamente violados, como dos povos originários, dos idosos e das pessoas com deficiência. Além disso, trazem os direitos ambientais, cada vez mais prementes e presentes na consciência social.
Convém destacar que a totalidade quase absoluta dos portfólios se deteve na violação dos direitos. Apenas um dos trabalhos trouxe um direito promovido e este por sua vez referia-se à acessibilidade de pessoas com deficiência visual aos livros escolares. Estes dados demonstram como os DH estão presentes em nosso cotidiano e, infelizmente, a realidade brasileira é marcada pela violação deles.
Esta mesma categorização aqui realizada foi desenvolvida em sala de aula com os estudantes. Reunidos em grupos, os alunos classificaram os portfólios realizados por eles. Portanto, os portfólios possibilitam, para além da percepção individual da realidade percebida com a elaboração do trabalho, uma análise global do conjunto de trabalhos e a interpretação destes dados, ou seja, a atitude analítica sobre os pontos convergentes e o possível significado expresso pelo conjunto de portfólios. Trata-se de analisar criticamente a percepção que temos da realidade e por que assim a percebemos. Este tipo de análise envolve conhecimentos específicos sobre DH, como as suas gerações e o papel do Estado frente a elas. Demanda também o exercício do olhar interdisciplinar, como discutir direitos ambientais sem considerar a biologia, a sociologia, os conhecimentos matemáticos para análise de dados?
A segunda perspectiva de análise dos portfólios refere-se ao veículo por meio do qual cada aluno percebeu/enxergou um direito humano. A Tabela 2 demonstra como se deu a distribuição dos trabalhos pelos diferentes veículos.
Veículo | F | % |
Notícias (Telejornais, jornais impressos e digitais) | 41 | 44% |
Imagens (fotografias, desenhos, grafites) | 15 | 16% |
Músicas | 12 | 13% |
Poemas e citações | 9 | 9% |
Situações vivenciadas | 8 | 8% |
Filmes documentários | 7 | 7% |
Charges/quadrinhos | 3 | 3% |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados coletados.
Os veículos mais presentes dentre os trabalhos analisados foram aqueles que divulgam notícias, com 44% de portfólios. Um primeiro ponto a ser considerado é que o grupo de alunos que elaborou os portfólios foi formado por estudantes adultos e da pós-graduação que acompanham notícias cotidianamente. Um segundo ponto, decorrente do primeiro, é encontrar os DH na realidade do país e do mundo por meio de fatos concretos expressos em notícias. Aproximam-se desta categoria os trabalhos que localizam os DH em documentários (7%), ou seja, que trazem fatos sobre os DH por meio de uma linguagem visual.
O segundo grupo, com 16% dos portfólios, reúne imagens que expressam, por meio da arte, tanto fatos concretos, quanto expressões de denúncia e indignação sobre direitos violados. Não trazem a descrição de um fato específico, como as notícias, mas abrem espaço para a subjetividade da interpretação individual e a relação com diferentes situações e contextos. Aproximam-se desta categoria, as músicas (13%) e os poemas (9%) que também utilizam a arte para a denúncia ou manifestação de indignação diante da violação de direitos. Não abordam um caso específico, mas situações comuns a vários fatos, o que pode remeter cada pessoa às suas próprias experiências. As charges (3%), por sua vez, referem-se a um fato mais delimitado que pressupõe o conhecimento do contexto e a percepção da crítica implícita à situação retratada, utilizando-se do humor para despertar a consciência das pessoas. Importante destacar que estes veículos são mais propícios a despertar emoções nas pessoas. Educar em DH vai além da capacidade cognitiva de compreender os fatos, implica em sentir os fatos. A Profa. Maria Victoria Benevides, referência para a EDH, costuma dizer que devemos educar mentes e corações. Não basta conhecer os DH, é preciso senti-los na sua dimensão relacional, ou seja, na relação que temos com o ‘outro’ e na percepção de que este ‘outro’, por mais diferente que seja de mim, é tão humano e tem os mesmos direitos que eu. A arte abre espaço para esta sensibilização. Se somadas estas porcentagens temos 41% dos trabalhos que encontram DH em expressões artísticas/culturais.
As situações vivenciadas (8%) reúnem os trabalhos que identificam os DH nas próprias experiências dos alunos, podemos dizer que se aproxima de um exame da sua vivência à luz dos DH. Olhar para si e sua vida com outras lentes, lentes críticas e analíticas.
Esta análise dos veículos também foi discutida com os estudantes, problematizando-se a questão da aprendizagem, ou seja, como aprendemos a partir da realidade, com a realidade e na realidade e os caminhos que podem nos aproximar da realidade (os veículos). Os veículos demonstram o universo dos alunos, neste caso, um grupo de pós-graduandos que preza fatos reais e contextualizados. Ainda assim, a arte e a vivência são caminhos importantíssimos que vão além da apreensão cognitiva de um fato, envolvem a emoção e a subjetividade, elementos essenciais à EDH e esta por sua vez se apresenta como um modo de condução da vida pessoal.
Os veículos nos quais os estudantes identificaram os DH fornecem também caminhos que podem ser utilizados em salas de aula para o ensino dos DH, demonstrando como a aprendizagem pode se dar em diferentes contextos. Para este grupo, especificamente este tipo de análise e reflexão, são imprescindíveis, pois são professores ou educadores não formais. Compreender como os alunos aprendem e buscar caminhos de ensino que favoreçam a aprendizagem faz parte do trabalho docente.
Considerações finais
A Educação em Direitos Humanos, obrigatória em todos os níveis e modalidades de educação do Brasil desde 2012, quando foram instituídas as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (Resolução nº 1, 2012), necessita de metodologias que privilegiem a análise crítica da realidade por meio de uma leitura interdisciplinar e transversal. Os portfólios constituem um dos caminhos possíveis para este tipo de trabalho. A análise aqui apresentada demonstrou que por meio dos portfólios é possível analisar os DH em contextos locais ou globais a partir da exploração de notícias, expressões artísticas ou da própria vivencia dos sujeitos. DH não são ideais ou conceitos descolados da realidade, por isso não podem ser abordados apenas como conteúdos esvaziados de sentido e descontextualizados. É necessário que a formação de cidadãos, em qualquer nível de escolaridade, promova a sensibilização para estes direitos, para os valores que eles expressam, para a sua efetivação (ou violação) em contextos sociais reais. Daí a importância de portfólios que partem da percepção dos estudantes e dos temas por eles identificados como pertinentes. Geralmente a escola e a educação formal de uma maneira mais ampla, partem da percepção de especialistas que delimitaram os conteúdos a serem discutidos, deixando pouco ou nenhum espaço para as percepções dos estudantes. A utilização dos portfólios como estratégia metodológica abre espaço para a problematização dos Direitos Humanos tendo como referência o olhar dos estudantes. Conceitos históricos, sociológicos, conteúdos interdisciplinares e a transversalidade dos DH podem ser abordados por meio do uso destes instrumentos. Dentre os aspectos observados nesta análise, destacamos como pontos relevantes:
- Sensibilização para os DH - os portfólios instigaram os estudantes a olharem para a realidade com as lentes dos DH, buscando nas mais diferentes situações ou contextos a associação com estes direitos. Os Direitos Humanos envolvem direitos presentes no cotidiano das pessoas: educação, saúde, moradia, meio ambiente, política, economia, cultura, entre outros, considerando o ser humano em suas especificidades. Portanto, se conhecemos a abrangência dos DH, poderemos associar os acontecimentos cotidianos a este conjunto de direitos.
- Olhar criticamente para a realidade - os portfólios podem ser instrumentos para a discussão sobre a realidade dos DH no Brasil e também em contextos internacionais. A aprendizagem a partir de temas cotidianos, problematizados sob as lentes dos Direitos Humanos, é capaz de dotar de sentido aquilo que os estudantes aprendem. Tais temas nos confrontam com dilemas éticos, uma vez que problematizam a realidade e possibilitam que, situações de violações de direitos, talvez invisíveis até então, tornem-se visíveis e passíveis de reflexão, discussão, posicionamento e ação. Torna-se possível problematizar preconceitos, discriminações, desigualdades, injustiças, enfim formas de desrespeito à dignidade humana. Com isso, espera-se que os estudantes construam uma visão de mundo crítica e cidadã e sejam capazes de compreender a realidade e, desejavelmente, atuar no sentido de transformá-la.
- Vivência de um procedimento metodológico diferente - vivenciar metodologias variadas pode contribuir para os estudantes desenvolverem diferentes habilidades e competências, no caso dos portfólios, os aspectos já destacados aqui, como a perspectiva analítica da realidade, além do exercício de ouvir e conhecer as ideias de colegas, o trabalho coletivo de análise dos materiais produzidos. Quando utilizados em cursos que formam professores (graduação, pós-graduação ou extensão) podem contribuir para aumentar o repertório destes profissionais, oferecendo outras possibilidades para o desenvolvimento da atividade docente.
- Experiência educativa e subjetividade humana - os portfólios levam para a sala de aula a subjetividade dos estudantes à medida em que implicam no olhar que este estudante lança para seu próprio processo e para o mundo. Trata-se de uma experiência educativa que promove a reflexão. Através do pensamento, ela possibilita a percepção das relações entre fatos/elementos/acontecimentos e também permite relações de continuidade (olhar para o antes e o depois do processo). O resultado deste tipo de experiência é o conhecimento, seja na sua aquisição ou na sua extensão. A experiência, portanto, pode ser considerada como a essência da educação, na medida em que alarga conhecimentos, enriquece e traz significado à vida do ser humano.
- Diferentes veículos - ensino e aprendizagem são processos distintos, mas interligados. Sempre ensinamos alguém tendo como objetivo a aprendizagem. Por isso, ensinar não pode prescindir da compreensão de como os seres humanos aprendem. Assim, ao observarmos os veículos que fazem a mediação entre os estudantes e a realidade, percebemos que para além de conteúdos factuais expressos em notícias ou documentários, os portfólios encontraram DH nas artes e nas suas diferentes manifestações. A arte possibilita uma compreensão do mundo que envolve sentimentos, emoções. A aprendizagem humana envolve também aspectos emocionais e os sentimentos. Quando tratamos de DH estamos em um universo que extrapola a dimensão legal, o direito positivado, estamos num universo relacional que diz respeito à relação que tenho com o ‘outro’, envolve a dimensão ética e os valores, consequentemente implica nos sentimentos, na capacidade de empatia que me possibilita reconhecer no ‘outro’ um sujeito de direitos assim como eu.
Por fim, salientamos que o uso de portfólios é possível e desejável em qualquer nível de ensino, à medida em que pode promover uma educação que parte das percepções dos estudantes propiciando a relação entre a objetividade e a subjetividade do processo ensino-aprendizagem. Neste processo, o conhecimento se dá a partir das referências de cada sujeito e dos significados que estes atribuem aos conteúdos trabalhados.