INTRODUÇÃO
A escola graduada, dentre as diferentes instituições sociais instaladas na República Brasileira, está demarcada por uma concepção espacial que foi sendo historicamente construída. Sua configuração, com um prédio próprio separado dos demais edifícios públicos, dotou-lhe de identidade particular, sendo que as construções monumentais, em diferentes cidades brasileiras prósperas economicamente, representaram um significativo empreendimento visual e simbólico de propaganda do novo regime político instaurado com a Proclamação da República, em 1889.
A proposta de escola graduada implicava profundas transformações na distribuição e usos do tempo e espaços escolares, na classificação dos alunos, nos currículos, livros, avaliações e na maneira de administrar as escolas (VIÑAO FRAGO, 2005, p. 26). No caso do Brasil, apesar da construção de edifícios escolares suntuosos, que se sobressaíram na paisagem urbana de diferentes cidades, foram as escolas isoladas, também denominadas como escolas singulares, adaptadas ou instaladas em construções de menores dimensões e de baixo custo que formaram a realidade predominante até finais da década de 1930, em muitos estados. De acordo com Araújo, Souza e Pinto (2013), a instauração progressiva da escola graduada significava um instrumento civilizatório, que vislumbrava modernizar o método de ensino e o número elevado de escolas isoladas, apresentando um modelo de desigualdade e disputas entre poderes municipais e estaduais1.
Em nossas análises partilhamos das reflexões propostas por Escolano Benito (1998, p. 28), de que a construção dos espaços escolares não engloba apenas o edifício-escola, mas também o seu entorno e a sua localização na trama de uma cidade, povoado, região, os quais devem ser examinadas como elemento curricular. Nesse sentido, a produção do espaço escolar no tecido urbano pode, por um lado, desencadear leituras que dizem respeito a escola como um componente privilegiado de um urbanismo planificado e, por outro, como uma instituição localizado em suas margens.
Esta discussão em torno da relação do espaço interno do edifício escolar com o espaço arquitetural localizado em seu entorno, portanto, em seu espaço exterior é fundamental para compreendermos a convivência com outras culturas, como por exemplo, a cultura urbana. O vazio interior que representa o espaço interno, segundo Zevi (2000), expressa a condição essencial da arquitetura que, evidentemente, só pode ser reconhecido através dos sentidos e das emoções. Não seria, portanto, a materialidade do vazio do espaço interno construído em si, o que distingue a arquitetura dos edifícios escolares, mas essencialmente sua capacidade de se expressar por meio dela, desencadeando um conjunto de representações que se metamorfoseiam com o passar dos tempos históricos. Assim, podemos utilizar esta relação como recurso, inclusive para o estabelecimento de uma gramática da organização do espaço escolar, que nada mais é que um olhar sobre a representação desse espaço arquitetural que apresenta-nos significados que contribuem na explicação de como ele foi configurado, levando-nos a indagações dos sentidos de sua concepção, assim como das tramas de sua recepção na sociedade.
De acordo com Viñao Frago (2005, p. 18), “a instituição escolar possui um território demarcado, de limites mais ou menos estabelecidos, com diversos graus de porosidade em relação com o meio exterior”. Nesta perspectiva, o presente estudo problematiza a pluralidade da arquitetura escolar como representação da complexidade dos cenários urbanos e os grupos quais estavam destinados, trazendo como exemplos seis escolas primárias de duas capitais do sul do país, Porto Alegre e Curitiba, nas primeiras décadas do século XX.
Ao construir esse exercício interpretativo, queremos propor um conjunto de reflexões que não pretende ser exaustivo, mas que torne possível pensar premissas e deduções acerca desse objeto, cuja teoria pressupõe que o interior não pode ser entendido como desprendido do exterior, ao contrário, como afirma Waisman (1977), que toda a obra de arquitetura depende se seu entorno.
Quando aprofundamos esse debate, o jogo combinatório entre as noções espaciais das disposições interiores e exteriores, não se trata de uma particularidade restrita ao edifício escolar, apesar dos modos distintos pelos quais foram concebidos, conforme os eixos definidores pautados pela cultura arquitetônica escolar e material em seus devidos momentos históricos. Advertimos, porém, que essas definições assumem implicações interpretativas que exigem o aprofundamento de questões relacionadas a historiografia da arquitetura escolar como, por exemplo, aquelas que envolvem a temporalidade e a localização do objeto arquitetônico construído, assim como a obra arquitetônica adjaz à memória da cidade.
Dando continuidade as primeiras considerações acerca do objeto arquitetônico de nossa investigação, é importante que não divaguemos em explicações gerais que desconsiderem a cena de sua contextualização. Portanto, a pergunta que demonstra particular relevância para a nossa argumentação é saber como se constitui o significado da arquitetura de escolas nessas duas cidades, e o que ela representa para o cenário da construção de escolas no Brasil, nos primeiros decênios do século XX.
No Brasil, o final do século XIX é marcado pela necessidade de consolidação do regime republicano e a coexistência de grupos sociais distintos, sendo que a manipulação do imaginário social é particularmente importante na redefinição de identidades coletivas2. A construção e a expressão deste imaginário estão relacionadas às ideologias e utopias, assim como também por símbolos, ritos, alegorias e mitos (CARVALHO, 1990). A construção das estradas de ferro, os projetos de reurbanização das cidades, a formação dos clubes, bares e cafés, possibilitaram a interligação de pessoas e ideias por grande parcela do território nacional. Os grandes centros urbanos, de modo geral, foram os locais onde esse movimento tornou-se mais efetivo e a instalação das escolas primárias apresentou uma diversidade significativa nestes cenários, o que refletiu, também, na arquitetura escolar.
As pesquisas recentes sobre as instituições de ensino primárias no Brasil, especialmente, os grupos escolares, evidenciam a importância deste modelo de estabelecimento para a construção física e simbólica em diferentes estados brasileiros3. Sua gênese, no estado de São Paulo, em 1893, esteve alinhada ao discurso de um novo modelo pedagógico e higienista, seguindo as tendências internacionais de uma nova concepção de escola primária. Em linhas gerais, esta deveria ser instalada em um prédio próprio escolar (separado da casa do professor ou espaços adaptados), graduada em níveis de ensino, de acordo com o grau de adiantamento dos alunos e, de formação integral (moral, intelectual e física), alinhada método intuitivo4.
Os grupos escolares resultaram de uma reunião ou agrupamento de escolas existentes em uma determinada zona da cidade (aulas isoladas), sendo que o termo “escola” deixa de ser usado apenas para designar um grupo de alunos e passa a referir-se a um espaço especializado, com características apropriadas à sua função de ensino-aprendizagem. Construídos, especialmente, nas capitais ou nas cidades de desenvolvimento econômico mais expressivo, os grupos escolares estiveram alinhados ao ensino com base nos modernos métodos e processos pedagógicos existentes na época (SOUZA, 1998).
Além de aprender a ler, escrever e contar, os alunos seriam instruídos nas noções básicas das ciências físicas e naturais, nas virtudes morais e cívicas, assim como nos hábitos de higiene. Era, portanto, no espaço da escola que se desenvolveria o serviço sanitário, a vacina obrigatória, as normas e urbanidade e civilidade. De acordo com Souza (1998, p. 122), trata-se do momento histórico de consolidação da escola como uma instituição social independente das demais, sendo a realidade de grande parte dos estados, até a sua extinção legal, em território nacional, com Lei 5.692, de 19715.
A diversidade na construção dos edifícios escolares nos remete a complexidade de elementos funcionais e simbólicos que a escola primária incorporou na Primeira República Brasileira (1889-1930), como a influência internacional, sobretudo, a implementação da escola graduada e a questão higiênica, a localização e visualidade na trama das cidades, o grupo social ao qual a escola atenderia, a necessidade da alfabetização de um número maior de crianças, assim como suporte dos símbolos e signos do regime republicano, dentre outros.
A seleção de seis edificações para análise foi orientada com base nos seguintes critérios: localização e público escolar diferenciado atendido na conjuntura das duas cidades, assim como a diversidade de dimensões, estilos arquitetônicos e a disposição dos espaços internos, caracterizando uma conjuntura de pluralidade da arquitetura escolar primária nas duas Capitais. Os três edifícios da cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande Sul, consistem: do Colégio Elementar Fernando Gomes, inaugurado em 1922, do Grupo Escolar da Tristeza, inaugurado em 1927 e, a Aula Isolada Chácara das Bananeiras, construída e inaugurada no ano de 1928. Da cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, analisaremos os edifícios de três grupos escolares: o Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva, inaugurado em 1903, o Grupo Escolar Cruz Machado, inaugurado em 1907, e o Grupo Escolar D. Pedro II, inaugurado em 1928.
Em nosso estudo comparativo, levamos em conta o modo como os sistemas públicos de ensino dos dois estados foram organizados. Consideradas, certamente, as suas relações administrativas, conferimos atenção às singularidades regionais dos significados que se intercruzavam na configuração de realidades educacionais. Nessa perspectiva, não nos interessou estabelecer um cordão de isolamento que separasse a semântica arquitetônica dos dois contextos investigados, mas de modo particular, buscamos colocar em cena modelos construtivos que apresentavam algumas semelhanças morfológicas significativas que trouxeram consigo peculiaridades diferenciadas em suas formas, mas que não conflitaram com as noções gerais de uma arquitetura escolar pública que circulou em escala regional.
Uma dessas singularidades que compara historicamente a relação entre o contexto da arquitetura escolar de Porto Alegre (RS) com o cenário curitibano (PR), diz respeito à reprodução por suas autoridades de ensino, e que foi fartamente utilizada pelos líderes políticos do regime republicano, de uma retórica discursiva da eminente e necessária modernização da Urbs, inserida nela a escola pública.
Visto dessa maneira, a semelhança em sua essência não se distancia daquela existente em outras unidades da federação. Portanto, em ambos os casos, são pequenas as divergências na capacidade de construir e propagar discursos na defesa eloquente de uma política comum republicana que justificassem suas ações na organização do ensino, construção e reforma de edifícios escolares que se apropriavam de modelos construtivos recíprocos, na sua grande maioria, importados da experiência europeia. Mas, também, reconhecemos, sem dúvida, a presença de diferenças na composição das políticas que levaram a organização da escola graduada gaúcha e da paranaense, decorrência de fenômenos educacionais específicos de seus contextos históricos e culturais.
Desta forma, entendemos serem estas dimensões comparativas como histórias da arquitetura escolar conectadas a histórias desses dois lugares, sem abrir mão, evidentemente, de sua relação com a dimensão integrada da história da escola graduada brasileira. E por acreditarmos ser o objeto arquitetural, o edifício em si, passível de comparação, postulamos o exercício interpretativo não pela via teórica da história comparada, mas das histórias conectadas na perspectiva de Sanjay Subrahmanyam (1997), que estabelece que as conexões entre as partes investigadas não deveriam prescrever posições hierárquicas que coloquem em destaque separações e posições de superioridade. Nesse sentido, continua Subrahmanyam, além das dimensões comparativas investigadas estarem conectadas entre si, eles potencialmente são capazes de dialogar com outros contextos, interagindo entre o local e o regional (nível micro) e o supra-regional (nível macro). Assim sendo, reconhecemos que tais objetos que serão alvo de nossas análises contribuíram fortemente para entendermos a existência de um arranjo arquitetônico que possui uma espacialidade regional, mas que não deixa de estar inserido e conectado no amplo espaço da história da escola graduada brasileira.
Outro aspecto que inferirmos em nossas análises é a relação estabelecida entre a construção de escolas públicas e a produção do espaço urbano que, sem maiores aprofundamentos dos condicionantes sócio-históricos dos processos de uma política de urbanização das duas capitais, o utilizamos como de forma de compreender sua dinâmica territorial.
Tendo dito isso, percebemos que a arquitetura escolar é, por certo, um dos elementos que contribui para modelar e transformar a paisagem construída no estabelecimento de representações do espaço urbano, o que a torna capaz por meio de seus gestos, sinais e símbolos portar consigo significações que a tornam alvo de interesse dos agentes estatais, mas também dos sujeitos sociais que preenchem esse espaço. Pensando por esse caminho, nos aproximamos da noção de Denise Jodelet que em suas palavras afirma que o espaço “[...] representa uma ordem social e, por esse motivo, presta-se ao jogo das interpretações, que pode ser analisado por meio das representações construídas pelos sujeitos sociais” (2001, p. 35), portanto, fruto da prática sócio-espacial urbana originária da ação humana indissociável de sua realidade histórica.
O exame da arquitetura escolar frente aos fenômenos de urbanização dessas duas cidades nos primeiros decênios do século XX nos levou a perceber que as alterações na morfologia de seus tecidos possuem ritmos e temporalidades diferenciadas, com movimentos mais intensos para o cenário arquitetônico porto-alegrense e outros menos audazes para Curitiba. Contudo, como os edifícios construídos estão relacionados com outros lugares das duas cidades, isso fez que em nossas análises fosse estabelecida uma identificação com as discussões da história cultural urbana, em especial, em campos como o da cultura material escolar e sua interseção com a história da cultura escolar.
PORTO ALEGRE ATRAVÉS DOS SEUS EDIFÍCIOS PARA A ESCOLA PRIMÁRIA
Ao longo do século XIX, a cidade de Porto Alegre apresenta um crescimento urbano significativo, deixando de ser uma cidade tranquila para ser o maior centro urbano da Província (PESAVENTO, 1999)6. Além de ser a sede física do Governo Estadual, era o centro de propagação do imaginário da construção de uma nova ordem econômica, social e cultural. Neste contexto, não faltaram planos, projetos, discussões em torno da necessidade de uma reconfiguração urbana, da construção de uma cidade moderna, organizada, higienizada e bela (ALVES, 2005). Com a consolidação de uma vida urbana mais intensa, na segunda metade do século XIX, a cidade torna-se espaço privilegiado para as discussões políticas que também se fazem presentes em outros centros urbanos do país. Começa a receber uma série de melhoramentos significativos, tanto em relação à vida cultural, recreativa e de embelezamento, como as primeiras iniciativas de fornecimento de água para a população (MONTEIRO, 1995).
O início dos investimentos por parte do Governo do Estado na construção de edifícios escolares pode ser observado através do exemplo do Colégio Elementar Fernando Gomes, construído na Rua Duque de Caxias, número 385, no centro da cidade de Porto Alegre7. O projeto e construção ficaram sob responsabilidade do Engenheiro Affonso Hébert8, chefe da seção da Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul, sendo suas obras realizadas entre 1913 e 1922. Com uma arquitetura caracterizada pela sua monumentalidade, em estilo eclético, predominando o neoclássico, fazia parte dos planos de planejamento urbano da Capital do Estado (ERMEL, 2011, 2016).
A escola foi construída em uma das primeiras áreas habitadas pela chegada dos colonizadores portugueses e, posteriormente serviu de pórtico de entrada e permanência para imigrantes europeus em grande escala. A região da “ponta da península” esteve diretamente vinculada à proteção da cidade, onde se localizava, no século XIX, o Arsenal da Marinha e de Guerra e ainda o Depósito de Pólvora. O Plano Geral de Melhoramentos, de 1914, traçou uma reconfiguração daquela região, principalmente pela projeção de áreas verdes e o alargamento das ruas. A presença de um colégio de instrução primária constituiria um espaço de regeneração social, sendo a infância escolarizada vislumbrada como a construção do homem moderno, longe dos antigos hábitos e vícios que marcavam a vida dos centros urbanos.
O projeto, datado de 1913, composto por dois pavimentos e porão, sendo que a construção foi adaptada à zona acidentada da Rua Duque de Caxias, marcada por um longo trecho de descida em direção ao Lago Guaíba (Fig. 1). A utilização de porões nos projetos das construções escolares, no início do século XX possibilitava a implantação do edifício em situações topográficas diversas (BUFFA; PINTO, 2002, p. 34-35).
A monumentalidade, que consiste em uma das principais marcas de sua construção, sendo sua composição em blocos que formam linhas verticais, “com imitações de pedras de tamanho descomunais no tratamento da argamassa”, fazendo com que o edifício pareça ainda mais alongado, ampliando a noção de grandiosidade (WEIMER, 2003, p. 218). Em formato de “U” invertido e ocupando um quarteirão, a edificação possui uma pequena área ao ar livre de acesso ao prédio, entre o portão e a porta principal.
O espaço interno da edificação estava organizado em 8 grandes salas por andar, inclusive no porão, sendo a circulação horizontal realizada por corredores e, a vertical, por uma escadaria central, composta por cinco lances. Em função do elevado pé direito, de aproximadamente 6,60 metros, foram criadas galerias para o primeiro e o segundo pavimento (WEIMER, 2003). Desde o ponto de vista sanitário, a instalação dos banheiros em todos andares é descrita no Relatório de Obras Públicas, “o serviço sanitário, que se acha estabelecido nas melhores condições higiênicas, tendo cada pavimento suas instalações respectivas” (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1919, p. 8).
O secretário interino dos Negócios das Obras Públicas, Protásio Alves, assinala que a edificação está além da sua utilidade para os fins da instrução, pois apresenta vantagens estéticas no cenário urbano da cidade, “que além do seu útil fim, dá a cidade melhor aspecto, sobretudo vista do Guaíba” (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1916, p. 28). São descritos os diferentes processos de construção do colégio, a finalização do piso, a escadaria, os revestimentos das paredes, fachadas e, é destacada, ainda, a qualidade do trabalho e do material empregado na obra (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1917, p. 19).
Duas estátuas em ferro bronzeado importadas da França foram instaladas no pórtico principal, assim como assentada a decoração em mosaico que compõe o frontão principal. O ano de 1922 é marcado pela implementação dos elementos simbólicos que compõe a fachada principal, conforme a Figura 2 a seguir.
A ordem dos elementos que foram concretizados na fachada principal do prédio compreendem, de cima para baixo: o globo, o brasão símbolo do Estado e o mosaico. Como parte do conjunto do pórtico de entrada do edifício, uma suntuosa escadaria, que em conjunto com os demais elementos decorativos da arquitetura, sendo que os acabamentos em gesso uma marca de sua construção.
Conforme assinala Weimer (1993, p. 124), estudioso da arquitetura de Porto Alegre, o colégio tornou-se um dos principais representantes do novo espaço escolar proposto pelo regime republicano e, ainda, um dos exemplos expressivos de monumentalidade dos prédios públicos, proposto pelo Positivismo. Com o pé direito dos pisos de 6,60 metros de altura e a incorporação de 2 colunas de mais de 13 metros de altura no pórtico de entrada, “este gigantismo se torna ainda mais acentuado se imaginarmos que o prédio se destinava a crianças de primeiras letras”.
No mesmo ano de finalização do edifício do Colégio Elementar Fernando Gomes, o governo do Estado inicia a construção do Grupo Escolar da Tristeza, nomenclatura vinculada ao nome do bairro onde estava localizado, na zona sul da cidade. O desenvolvimento desta região, de acordo com Flores (1979), esteve vinculado a existência de uma sesmaria, no século XVIII, a colonização no século XIX, e, nas três primeiras décadas do século XX, esteve marcada por uma fase balneária. Segundo o histórico da Escola Estadual de Ensino Fundamental Três de Outubro, nomenclatura atual da escola, a existência de uma aula na região com subvenção do Estado remete ao ano de 1884, quando a professora Julieta de Miranda Alves ministrava as atividades de ensino na sala de um casarão, localizado na rua Mario Totta. Logo, a aula passa a funcionar em um salão de bebidas alugado de um armazém, na rua Otto Niemayer.
A construção do edifício, que deveria comportar 300 alunos distribuídos por 6 salas de aula, fazia sua comunicação por varandas cobertas e marcava a passagem da escola para prédio próprio9. Apesar das obras terem sido paralisadas em março de 1923, o governo apontava que a construção segue adiantada, sendo que
as alvenarias estavam quase finalizadas, a cobertura com telhas francesas já se achava pronta e bem assim a maior parte das paredes divisionárias. Todo o madeiramento achava-se prontificado. Restavam somente os revestimentos, esquadrias, pisos, forros, instalações e pintura (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1924, p. 72).
No entanto, uma nova paralização, de 3 anos, contribuiu para que a obra fosse concluída somente em março de 1927, conforme visualizamos na Figura 3.
Além das 6 salas de aula e de outras 3 salas - uma da diretoria, uma das professoras e outra para o museu escolar, também foi construído um
reservatório de 4 metros cúbicos para água, adquiriu-se um terreno junto ao Grupo Escolar, de 1.600 metros quadrados para recreio e ginástica e, ainda, arborizada a frente e as duas laterais e cercado todo o terreno com tela de arame presa a moirões de granito (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1927, p. 8).
As obras de saneamento e a instalação dos sanitários deu-se somente após a finalização das obras, que consistiram na instalação de “12 W.C., 4 lavatórios, 1 pia de cozinha, 2 mictórios, 1 chuveiro, 1 tanque de lavagem, 1 caixa de gordura e toda a rede de manilhas grés até a fossa existente, assim como todas as ventilações. Foi instalado também um filtro de pressão Berckefeld” (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1924, 1929, p. 93).
Um ano após o início das aulas, a escola foi elevada à categoria de colégio de primeira entrância, sendo denominado Colégio Elementar do Arrabalde da Tristeza. Em homenagem ao acontecimento da Revolução de 1930, recebe a denominação de Colégio Elementar Três de Outubro, através do decreto de número 4.638, de 14 de novembro de 193010.
O terceiro e último caso analisado na cidade de Porto Alegre consiste na Aula Isolada Chácara das Bananeiras, que foi construída em uma zona suburbana, no ano de 1928. Recebe esta nomenclatura referente à região onde estava localizada, denominada de “Chácara das Bananeiras”11. A área construída era de 235 metros quadrados, com 2 salas de aulas e 6 dependências para residência do professor e diretor, possuía capacidade para receber 100 alunos. A opção em analisar esta edificação consiste em algumas particularidades, como sua localização, em uma zona afastada do centro; pela dimensão reduzida se comparada às demais do mesmo período, na cidade de Porto Alegre e, ainda, pela ausência de ornamentos, comum em outras instituições presentes neste estudo. Cabe assinalar, que a construção estava de acordo com o concurso de prédios escolares, promovido pelo governo do Estado no ano de 1928, sendo que a primeira cláusula previa a existência de acomodações para o professor12. Por outro lado, se analisarmos na perspectiva da configuração da escola graduada, um espaço para este fim não seria uma prática que deveria ser seguida, pois a proposição de um modelo de espaço escolar recomendava a separação entre residência e instituição de ensino (RELATÓRIO DA DIRETORIA DE INSTRUÇÃO PÚBLICA DO RIO GRANDE DO SUL, 1929, p. 25-27).
As descrições das condições da escola destacam os aspectos relativos a entrada de luz e a circulação de ar:
as salas de aula são amplas, tendo, por aluno, 1,25 metros quadrados de superfície, com boa disposição de luz, conveniente ventilação e arejamento. São perfeitamente ensolaradas. A orientação dada ao edifício é a mais conveniente: nascente-poente; as alas são ocupadas pelas aulas (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1928, p. 67).
O edifício, situado na Estrada Geral, foi construído com um recuo de 5 metros sobre o alinhamento da rua, com áreas de recreio nas laterais e nos fundos, sendo projetada com serviço completo de água potável e esgoto cloacal. Construído de alvenaria de tijolo, madeiramento de lei e pinho, piso de concreto, pintura a óleo e vidros simples, o edifício, em estilo colonial foi projetado e fiscalizado pelo engenheiro Paulo Scheunemman, da Diretoria de Obras Públicas do Estado, conforme a Figura 4.
Após a conclusão do prédio, ainda foram realizadas obras para o gabinete dentário, sendo instalados: “1 W.C., 3 lavatórios de louça, 1 ralo, 2 filtros de pressão e 3 portas toalhas”. Também foi realizada “toda a canalização, de águas e esgotos, com as respectivas ventilações” (RELATÓRIO DA SECRETARIA DE OBRAS PÚBLICAS..., 1929, p. 94). De acordo com o histórico da instituição, o então Presidente da República, Getúlio Vargas e o Secretário do Interior do Estado, Osvaldo Aranha, transformam a aula Isolada em Grupo Escolar Chácara das Bananeiras com o decreto número 2.546, de 27 de maio de 1930. A primeira diretora do Grupo, Branca Regina Lenzi sugere que o nome seja alterado em homenagem ao Coronel Aparício Borges, sendo autorizado pelo secretário no ofício de número 1.453, de 20 de março de 193413. Com dimensões reduzidas e a ausência de salas especiais, a construção foi finalizada sem ornamentos em sua fachada, mas, por outro lado, de acordo com os dados presentes nos relatórios de obras públicas podemos inferir que o mesmo atendia às condições higiênicas da época, com a presença de água potável, sanitários e, ainda, de um gabinete dentário, sendo que apenas dois anos após sua inauguração, a aula isolada foi elevada à categoria de grupo escolar.
A CIDADE DE CURITIBA E A CONSTRUÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES
Curitiba no início do século XX, com apenas cinco décadas como capital do Estado do Paraná, desde a sua emancipação da Província de São Paulo (1853), continuava a ser uma cidade em desenvolvimento urbano e demográfico. Apesar do discurso ufanista presente na imprensa que a apresentava como a cidade do futuro, sua estrutura urbana e a oferta de serviços públicos eram bem deficitários, realidade bem distante das metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo. O crescimento de sua população por conta das correntes imigratórias e o aumento das famílias que já residiam na cidade, acarretou inúmeros problemas, em especial para as camadas mais pobres que tiveram que enfrentar uma série de doenças por conta da insalubridade e falta de moradia digna. Paulatinamente, a cena urbana curitibana sofrerá uma revitalização de alguns espaços com a gestão do segundo mandato do prefeito Cândido de Abreu (1913-1916), político e engenheiro responsável pelo embelezamento, iluminação, saneamento e higienização da cidade, que naquele início do Século XX foi visto pela imprensa como melhoramentos que possuíam aspectos modernizantes, apesar dos contrastes (BENCOSTTA, 2016).
No início do Século XX, as autoridades de ensino da cidade de Curitiba comungavam do discurso que se propagava nas unidades federativas da República que era preciso modernizar a organização do ensino primário, e que para tanto elegeram como modelo as experiências europeias e norte-americanas de escolas graduadas. E dentre os investimentos que foram tomados para o incremento da política de modernização educacional, estava a construção de edifícios específicos para neles funcionarem os Grupos Escolares, denominação utilizada para designar a escola graduada no Brasil.
O primeiro Grupo Escolar do Paraná foi encomendado pelo presidente do Estado Francisco Xavier da Silva ao engenheiro Cândido de Abreu, que projetou um grande edifício escolar para a cidade de Curitiba que foi inaugurado no dia em que se celebrou o Cinquentenário de Emancipação Política do Paraná (19 de dezembro de 1903). Outra coincidência proposital foi o nome que recebeu, Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva, homenagem explícita ao político que o inaugurou ao final de seu mandato.
Quando observamos a escala arquiteturológica do Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva (Figs. 5 e 6), percebemos na sua monumentalidade que a solução adotada para o uso do terreno considerou o seu bom aproveitamento, localizado no encontro de importantes vias que testemunharam as transformações urbanas da cidade nos primeiros decênios do Século XX.
A opção por uma morfologia eclética aplicada na fachada do seu edifício foi ornamentada por vários elementos decorativos, um de destaque é o típico frontão triangular e duplas de colunas coríntias que protegem a janela, onde nele foi inscrito em relevo o ano de sua inauguração (1903) e nome do estabelecimento (Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva).
Como os edifícios públicos construídos na passagem dos séculos XIX-XX, uma atenção formal foi dada a simetria volumétrica que caberia a função de proporcionar a proteção dos seus usuários, na maioria crianças, que deveriam ser resguardadas naquele espaço durante o tempo de suas atividades escolares. Assim, volumetria, fachada e o seu plano arquitetônico em L voltado para o seu interior, exerceram a função de resguardar a sua população infantil do contato com o mundo dos muros externos à sua instituição (Fig. 7).
Este formato não possibilitava aos transeuntes que percorriam a esquina das duas avenidas onde foi instalada essa escola, perceber a organização das dependências desse espaço interno de guarda. Se por um lado, a arquitetura pensada para a função educacional estava alinhada as representações e desejos de uma sociedade que entendia que caberia ao estado a responsabilidade por abrigar e defender essa população infantil, enquanto permanecessem no ambiente escolar. Por outro, essa mesma arquitetura foi organizada para ser um espaço de tutela do tempo dessa população naquele determinado e restrito espaço: o grupo escolar.
O segundo exemplo do contexto curitibano que apresentamos é o Grupo Escolar Cruz Machado,14 que mesmo não ter tido seu espaço concebido nas mesmas proporções das grandes construções, sua monumentalidade não foi minimizada na escolha do traçado de sua fachada. Projetado pelo arquiteto Ângelo Bottechia, integrante da equipe da Diretoria de Obras e Viação do Estado do Paraná e desenhista de outros edifícios escolares encomendados pelo poder público, esta bela peça arquitetônica foi inaugurada em fevereiro de 1907 no bairro Batel. Como já foi afirmado por Bencostta (2001), quando Bottechia optou por uma linguagem para a fachada desse edifício com adornos e princípios decorativos da arte floral, ele propositadamente estabeleceu um contraponto, diga-se de passagem, refinado se comparado às demais disposições estilísticas adotadas na construção de edifícios destinados aos grupos escolares curitibanos (Figs. 8 e 9).
Apesar dos elementos decorativos, alguns lembrando o Art-nouveau, como as guirlandas que encimam as janelas em arco abatido, outros o estilo eclético, como o pórtico quadricular, as colunas coríntias e os balaústres, ele não conseguiu se livrar das críticas, em especial, o espaço construído composto por duas pequenas salas de aula e outras duas menores para serviços administrativos, não ser suficiente para atender a demanda escolar da região.
O bairro do Batel se tornou na passagem no início do século XIX para o XX, um dos preferidos para a construção de solares para as famílias que se enriqueceram com economia do café e da erva-mate. Além das residências de elite, também ali existiam engenhos, fábricas de beneficiamento de erva-mate e pequenas casas comerciais de secos e molhados.
Para finalizar o exemplo curitibano, trataremos da arquitetura do Grupo Escolar D. Pedro II, Inspirado na arquitetura escolar paulista, essa construção, além de atender as cobranças por mais vagas no bairro do Batel, foi uma homenagem da República ao último imperador do Brasil (Figs. 10 e 11).
Inaugurado no ano de 1928, foi o primeiro grupo escolar de Curitiba a ser construído em dois pavimentos com um conjunto de artefatos não vistos em outros grupos escolares, tais como, salão nobre, escada em mármore, vitrais e revestimentos sofisticados em seu teto. Elementos da linguagem Art-Nouveau estão presentes no guarda-corpo de ferro no Hall de entrada. Além dessa morfologia decorativa, também para a sua fachada foram utilizados elementos vinculados a diversos repertórios estilísticos ecléticos, lembrando fortemente os projetos de edifícios-escola de dois pavimentos planejados pelo arquiteto paulista Ramos de Azevedo, no final do Século XIX.
O Grupo Escolar D. Pedro II se distinguia de seus congêneres não somente por sua suntuosidade e monumentalidade, mas principalmente por se equiparar ao Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva, com dependências e instalações necessárias para ali serem desenvolvidas atividades de ensino sintonizadas com as modernas teorias pedagógicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os edifícios escolares analisados neste estudo estiveram alinhados à influência internacional, sobretudo, a implementação da escola graduada e a questão higiênica, a localização e visualidade na trama das duas capitais, o grupo social ao qual a escola atenderia, assim como a necessidade da alfabetização de um número maior de crianças após a implementação da República brasileira.
Desde uma perspectiva comparativa trazemos como aspectos de similitude entre o Colégio Elementar Fernando Gomes (Porto Alegre), o Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva (Curitiba) e o Grupo Escolar Pedro II (Curitiba) a monumentalidade, a simetria volumétrica, o aproveitamento e a adaptação aos terrenos. Também, uma arquitetura eclética, com ornamentos decorativos, colunas coríntias e as escadarias em mármore (casos do Colégio Fernando Gomes e do Grupo Escolar Pedro II, ambos construídos em dois pavimentos).
Contudo, é importante assinalar que as construções monumentais e ricas em ornamentos consistiam em um ponto de divergência nas primeiras décadas do século XX, tendo em vista necessidade quantitativa de prédios em detrimento de um investimento qualitativo e dispendioso nas construções. Os gastos com a utilização de materiais importados, o tempo para finalização das obras e a manutenção deste tipo de edificação foram criticados pelos intelectuais e políticos que defendiam a propagação de prédios simples para atender as regiões mais distantes. Outra discordância recorrente era de que essas edificações estavam, de modo geral, em um local de destaque no traçado urbano, próximo aos demais edifícios públicos de maior prestígio, servindo como suporte de propaganda governamental e, em muitos casos, inadequados deste ponto de vista pedagógico e higiênico.
Com uma proporção mediana, o Grupo Escolar da Tristeza (Porto Alegre) apresenta além das seis salas de aula, a presença de outros espaços, como a sala de direção, sala de professoras e museu escolar. Ainda, seguindo a perspectiva de formação integral - física, moral e intelectual - englobava ao seu espaço, assim como no caso do Colégio Elementar Fernando Gomes, um terreno destinado somente para a prática de atividades físicas.
Os casos do Grupo Escolar Cruz Machado (Curitiba) e da Aula Isolada Chácara das Bananeiras (Porto Alegre) apresentam como semelhança o tamanho reduzido, ambos com apenas duas salas de aula. No entanto, podemos assinalar algumas diferenças significativas, sobretudo pela sua localização da trama urbana. No caso da Aula Isolada, construído em zona suburbana da cidade de Porto Alegre, serviria para atender basicamente filhos de operários da região, estando prevista a moradia do diretor, característica comum das zonas mais isoladas, como era frequente nas escolas rurais. Sua fachada não apresentava nenhum tipo de ornamento, sendo sua edificação em concreto caracterizado pelas linhas retas e simples. Já, no caso do Grupo Escolar Cruz Machado, construído em um bairro marcado por famílias de elite enriquecidas pela produção de café e erva-mate, suas proporções reduzidas não minimizaram a ornamentação de sua fachada com adornos e princípios decorativos da arte floral, a presença de guirlandas, o pórtico quadricular, as colunas coríntias e os balaústres.
Por fim, consideramos que as edificações consistem em um suporte para a compreensão de uma semiologia do espaço arquitetural escolar republicano nas Capitais dos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. Nesta perspectiva, entendemos a arquitetura escolar como elemento ativo do processo educacional, marcada por uma diversidade característica do território brasileiro, trazendo, contudo, similitudes que representaram o discurso da escola graduada em conjuntura internacional e nacional.