INTRODUÇÃO
Este texto foi elaborado com base na palestra ministrada no dia 16 de março de 2018, intitulada, “O novo ciclo de reformas educacionais no Brasil: gerencialismo e mercantilização”. O evento foi promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas HISTEDBR (História, Sociedade e Educação no Brasil) da Universidade Federal do Oeste do Pará/UFOPA, voltados para os estudantes de graduação, pós-graduação e professores das redes públicas de ensino da região, com quem tivemos a oportunidade de estabelecer um diálogo agradável e proveitoso sobre a conjuntura política e os possíveis efeitos do das recentes reformas educacionais ditados por forças do mercado e implementadas pelo governo atual.
O processo do golpe institucional de 2016 produziu o desencadeamento de grandes perdas para a classe trabalhadora, fundamentalmente, os relacionados aos direitos e o desmonte dos serviços públicos e a desmoralização de seus servidores. Entra em vigor o programa “Ponte para o Futuro” que foi apresentado em 2015 pelo então vice-presidente Temer ao empresariado. Na verdade, essa “Ponte” soa mais como um grande túnel para um passado que tem como objetivo desconstruir os avanços na constituição de 1988 e o acesso aos direitos universais (educação, saúde e previdência social), adotando o argumento falacioso de que esses diretos fixados na constituição “não cabem no orçamento público”. Essas propostas partiram de um diagnóstico de que a política de ajuste fiscal adotada no governo Dilma se mostrava insuficiente.
O documento fazia uma defesa aberta e clara de um projeto de privatização dos serviços públicos, em total confluência com o projeto derrotado nas eleições defendido pelo PSDB. O documento vendeu a ideia de que o Brasil estava “em risco” e de que para “voltarmos a crescer” seria preciso tornar o estado mais “eficiênte” e “funcional”, colocando como imperativo o retorno ao “orçamento verdadeiro”, defendendo o “fim das indexações” (salário mínimo) e das vinculações constitucionais no orçamento. Ou seja, “colocar o orçamento dentro das possibilidades”.
“Nossa crise é grave e tem muitas causas. Para superá-la será necessário um amplo esforço legislativo, que remova distorções acumuladas e propicie as bases para um funcionamento virtuoso do Estado. Isto significará enfrentar interesses organizados e fortes, quase sempre bem representados na arena política” (PMDB; FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2015, p.5)
Em março de 2016, portanto, se encerrou o ciclo da Nova República que tinha a constituição de 1988 como um de seus pilares. Entramos num contexto muito parecido com a Ditadura Civil - Militar (1964-1985) com uma tendência ao recrudescimento das liberdades democráticas e o avanço das forças liberais conservadores e do neoliberalismo radical ditado pelas forças do mercado e pelo grande capital, principalmente o financeiro, e do rentismo. Essa agenda dos ajustes envolveu, primeiramente, a votação da EC 95/2016, seguida pela reforma trabalhista e a reforma da previdência, ainda não votada. Essas medidas se somam a outras como a Desonerações Fiscais e a PEC 87/2015 que trata da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
As desonerações fiscais, para favorecer determinados setores econômicos e vieram sendo implementadas de forma mais expressiva desde o primeiro governo Lula. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) previa uma série de desonerações para setores como o da construção civil, da infraestrutura pesada e da alta tecnologia. O governo implementou inicialmente, para o enfrentamento da crise de 2008 medidas de redução do IPI para automóveis, para evitar o acúmulo de estoques, o que foi estendido para os setores de consumo de bens duráveis a partir de 2009. No entanto, foi no segundo mandato de Dilma Rousseff que essa política ganhou destaque na política econômica dentro do Plano Brasil Maior, anunciado em 2011, beneficiando vários setores. Como retrata Carvalho (2018), os setores beneficiados foram: máquinas e equipamentos, materiais de construção, caminhões e veículos, concessão de créditos tributários para exportadores e a desoneração da folha de pagamentos, além da desoneração da cesta básica, envolvendo a redução para isso as alíquotas do PIS/CONFINS e do IPI.
“O conjunto dessas políticas gerou uma forte perda de arrecadação pelo governo federal. O custo anual das renúncias tributárias, que era de 140 bilhões de reais em 2010, passou a ser de 250 bilhões em 2014, também em valores correntes de cada ano. A estimativa é a de que as desonerações concedidas a partir de 2011 somem 458 bilhões em 2018” (CARVALHO, 2018, p.71).
Essa folga nas contas das empresas desses pouco favoreceu a geração de empregos, permitindo que os ganhos de produtividade fossem aplicados em papéis da dívida pública. O setor industrial da burguesia deixa de lado seu furor produtivista para aderir ao rentismo (SINGER, 2016), ao mesmo tempo em que, apresenta seu descontentamento com a política de valorização dos salários e com a política fiscal do governo, defendendo a “austeridade fiscal” e o “controle dos gastos públicos”. Essa postura, explica a adesão da FIESP ao documento “Uma ponte para o futuro” e às reformas trabalhista e da previdência. Foi muito expressiva foi a participação e adesão da FIESP, com seu “Pato de Tróia” na Avenida Paulista, às manifestações em apoio ao impeachment de 2016. O efeito nocivo das desonerações foi apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2017 as renúncias fiscais somaram R$ 354,7 bilhões. Para se ter uma ideia, o déficit primário desse ano de 2018, com o teto dos gastos implantado pela EC 95/2016 será de R$ 159 bilhões.
A PEC 87/2015, de autoria da presidenta Dilma Rousseff, aprovada nos primeiros dias do Governo Temer, prorrogou a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2023 e amplia de 20% para 30% o percentual a ser desvinculado. Esses 30% das receitas podem ir para outras finalidades, inclusive, para pagamento da dívida, com efeitos diretos à saúde, previdência e assistência. Representa a violação de cláusulas pétreas da Constituição, fundamentalmente do artigo 6º, que fixa que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Com a extensão dessa medida para estados e municípios esses direitos podem ficar ainda mais ameaçados (RODRIGUES, 2016).
A DRU constitui-se, portanto, como um reforço substancial às medidas de ajuste para cumprimento das metas fiscais e garantia ao pagamento da dívida, que somada à EC 95/2016 trarão efeitos diretos aos investimentos à Educação, tensionando para medidas de privatização, parcerias público-privada e terceirização. Isso está em total conformidade com os princípios defendidos no “Ponte para o futuro” que defende medidas desse tipo, combinada com a proposição das desvinculações das verbas constitucionais, no caso, a obrigatoriedade de aplicação de 18% dos recursos arrecadados de impostos à educação, conforme o artigo 212 da Constituição Federal.
O Fineduca analisou os possíveis efeitos da EC 95/2016 à educação apontando que com essa medida, que congela os gastos por 20 anos, o percentual de 18% estaria comprometido, assim como, as metas do novo PNE (2014-2024). O estudo foi elaborado pelo Professor José Marcelino Rezende Pinto e aponta que “considerando-se um crescimento da receita real de 3% ao ano, após 5 anos a vinculação já estaria em 16%; após 10 anos, em 13,8% e após 20 anos, chegaria a 10,3%, ou seja, uma redução de 43% no índice” (FINEDUCA, 2016).
A reversão dessa vinculação de recursos, promovido pela a EC 95/2016, pode ser comparada à quebra da proposição de verbas vinculadas para a Educação, que ocorreu em períodos autoritários como do Estado Novo (1937-1945) e da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), que retrocederam avanços nesse sentido. Considerando que em todas as constituições até 1934 não previam vinculações obrigatórias para aplicação na Educação.
Constituições e as alterações | União % | Estados % | Municípios % |
---|---|---|---|
1934 | 10 | 20 | 20 |
1937 | 0 | 0 | 0 |
1946 | 10 | 20 | 20 |
Lei 4024/1961 | 12 | 20 | 20 |
1967 | 0 | 0 | 0 |
EC 01/1969 | 0 | 0 | 20 |
EC 24/1983 | 13 | 24 | 25 |
1988 | 18 | 25 | 25 |
EC 95 /2016 | Desvinculação Progressiva por 20 anos | - | - |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Conforme a EC nº 95 pelos próximos 20 anos, fica fixado um limite anual para as despesas primárias totais do Governo. A medida estabelece que só se poderá gastar por ano, o valor da despesa do ano anterior, ajustado pela inflação do período. Isso consta do inciso II do § 1º do artigo 107 e sua nova redação. Disso conclui-se que a soma das despesas, entre elas a Educação, ficarão congeladas por duas décadas. Pelo que estamos prevendo a EC 95/2016 promove o sepultamento do PNE (2014-2024), que previa a elevação do percentual de investimento para 10% do PIB até 2024. Há que se considerar que essa PEC, constitui-se como uma ameaça concreta ao FUNDEB, reduzindo ainda mais a participação da União junto aos Estados e Municípios no fundo. Poderá agravar ainda mais o quadro crônico que afeta a distribuição dos recursos do Fundo para Pagamento de pessoal, que é de no mínimo 60% e para os investimentos em MDE que é de 40%, fragilizando a concepção e os princípios do Fundo, afetando cerca de 40 milhões de crianças matriculadas nas escolas públicas.
A EC somada a Lei Complementar nº 101, ou Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), serão indutoras da intensificação de medidas em favor da transferência de responsabilidades do Estado para o setor privado se intensifiquem. A LRF tem se fixado como um mecanismo impeditivo à contratação de profissionais na área da educação, fomentando, ao longo dos anos, a contratação precária de professores e a terceirização massiva.
A combinação de fatores acima descrita, atrelada ao falcioso discurso da falta de recursos, estão sendo utilizados para justificar a aceleração de reformas educativas, que devem beneficiar ainda mais, já no curto prazo, o setor privado-mercantil. No ensino superior os estímulos são expressivos e envolvem o acesso ao crédito e bolsas, dentro do programa FIES e do PROUNI. Na educação básica, grandes grupos privados de capital aberto se movimentam, focalizando a educação básica para atender os novos requisitos fixados pela BNCC e a Reforma do Ensino Médio. Com essas reformas na educação básica, bancadas pelo setor empresarial, como veremos no próximo tópico, as possibilidades de negócios para os grandes grupos privados se expandem ainda mais, não mais para a oferta de vagas no ensino superior, mas para uma gama mais ampla de serviços que envolvem consultorias, produção de materiais didáticos, plataformas de Ead entre outros. Essas reformas, portanto, abrem espaço para que sejam ampliadas as formas de acesso aos fundos públicos e de aprofundamento do processo de mercantilização2 da educação.
Mercantilização da Educação em todos os níveis: o que o golpe de 2016 tem a ver com isso?
O golpe institucional de 2016 deu acento no MEC, poder a uma coligação liberal conservadora, composta por partidos como o DEM e o PSDB que advoga uma agenda política e econômica neoliberal atrelada aos interesses privados do setor educacional. Os ocupantes do ministério aceleram reformas que estão vinculadas ao projeto educacional dos reformadores empresariais, representados, principalmente, pela organização “Todos pela Educação”. Esses atores, se antes orbitavam o MEC, hoje estão dando as cartas, acelerando reformas indutoras que ampliam as possibilidades de acesso aos fundos públicos pelo setor privado-mercantil, o que está em sintonia com os princípios, historicamente defendidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que compreende a educação como uma mercadoria, um serviço e não um bem público.
As forças do mercado, que hoje se ocupam da agenda educacional brasileira, ganharam força e propulsão a partir de uma série de medidas e de regulações que foram fixadas desde a década de 1990, dentro do projeto de reforma do Estado conforme os critérios da Nova Gestão Pública. Sob tais critérios foi-se implementando um marco regulatório que deu condições para a maior flexibilização das parcerias público-privado e da privatização no âmbito das políticas públicas. Portanto, trata-se de um processo que antecede ao ano de 2016 no qual foi se consolidando um projeto disseminado pelos organismos internacionais, cuja hegemonia, se deu a partir do discurso do consenso e do “interesse comum” e da “conciliação de classes” tendo como centro a melhoria da qualidade e da gestão (SOUZA, 2018).
A concepção de qualidade hegemônica é a que está submetida aos critérios da racionalidade empresarial, tida como a mais eficaz e objetiva e neutra, por estar submetida a critérios de quantificação. No debate educacional o elemento político central é centra-se na gestão e na mobilização da “sociedade civil” como elementos fundamentais para implantação das reformas no Brasil. A objetividade seria obtida com o devido acompanhando das tendências mundiais que compreendem a qualidade da educação vinculada a melhoria dos indicadores e na posição em rankings, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)1 e a formação de Capital Humano voltada para a produtividade do capital no contexto da acumulação flexível.
No Brasil a expressão disso foi o da criação, em 2005, da organização “Todos pela Educação”3 surgida por iniciativa de um grupo de lideranças do setor empresarial e que hoje atua em nível nacional. Em 2006, em evento realizado no Museu do Ipiranga em São Paulo, ocorre a formalização dessa organização, com o lançamento do documento “Compromisso Todos pela Educação”. O documento é apresentado como uma “iniciativa da sociedade brasileira” com a missão de “garantir a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica de qualidade” até o ano de 2022. Desse modo, o setor empresarial passa a disputar, de forma mais intensa e sistemática, a agenda educacional. Como decorrência disso, o MEC lança, em 24 de abril de 20074, o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, o qual reforçou e estimulou, em âmbito federal, a aproximação do setor empresarial nas decisões relativas à educação e as tendências gerenciais centradas na responsabilização. Esse plano consistiu de um conjunto de 30 ações, centradas na “melhoria da qualidade”.
Saviani (2007) destaca que no contexto indicado o PDE que leva o nome de ‘Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação’, assume plenamente, inclusive na denominação, a agenda do ‘Compromisso Todos pela Educação’.
A ementa do Decreto destaca: Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica (SAVIANI, 2007, p. 1243).
O PDE vinculou a permanência na escola à qualidade do ensino instituindo o IDEB como principal instrumento para aferi-la. O Ideb é composto pelo resultado dos alunos em avaliações aplicadas em todo país, como a Prova Brasil e o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) como também, pelas taxas de aprovação e de evasão escolar. Para ter acesso aos programas federais, à assistência técnica e aos recursos adicionais do MEC os Estados e Municípios aderem ao Programa de Ações Articuladas (PAR), que é uma espécie de PDE local, e se comprometem com as metas para melhoria dos resultados. O PDE decreta, portanto, a entrada de dos Reformadores Empresariais (FREITAS, 2012) e sua agenda para a educação no Brasil centrada nas avaliações, na quantificação e no gerencialismo.
O PNE apresentado sob a Lei 13005/2014 reproduz em muitas de suas metas e estratégias, as metas fixadas no PDE. No entanto, dois pontos do referido plano podem ser destacados como expressão dos interesses no mercado e dos reformadores empresariais na educação. O primeiro consta do artigo 5º, parágrafo 4º da lei que trata da execução do PNE e do cumprimento de suas metas onde fica claro que para o cumprimento das metas não faltarão incentivos governamentais.
§ 4o O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal (BRASIL, 2014).
O setor empresarial, alinhado em torno do movimento “Todos pela Educação”, obteve outra grande vitória na promulgação do PNE ao garantir que as práticas meritocráticas e de responsabilização docente, presentes na meta 7.36, constassem do texto final do Plano. Tal lógica foi reforçada na redação do documento “Pátria Educadora”, publicado em abril de 2015, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). O texto reforça a meritocracia de caráter empresarial ao prever a premiação de escolas e a bonificação para professores e diretores, além de abrir a possibilidade de maior exposição dos profissionais que não cumprem metas. De modo geral, podemos dizer que o PNE, com essa medida, promoveu o adiamento do reconhecimento pleno da profissão e sua efetiva valorização nos pilares da formação, carreira, salários e condições de trabalho, jogando para 2024 o pleno reconhecimento (Metas 15, 16, 17 e 18), implantando de imediato, políticas centradas nas avaliações externas, a meritocracia e a responsabilização (PIOLLI, 2015a e 2015b).
Na educação superior, a expressiva expansão do setor privado-mercantil, com um significativo aumento das matrículas nas Instituições de Ensino Superior, foi provocada por fatores condicionantes governamentais como o FIES, fixado pela Lei 10260/2001 e sua reformulação Lei 11552/2007 e o PROUNI, fixado pela Lei 11096/2005, e, também, dos fatores condicionantes de mercado decorrente da flexibilização da legislação em favor do mercado, como o Decreto nº 2.306, de 10 de agosto de 1997. Na verdade, o quadro permitiu que o mercado se expandisse com grandes operações de fusões e aquisições do setor, criando conglomerados de capital aberto muito lucrativos e que hoje atuam na formulação de políticas para o setor, em todos os níveis, e em defesa de seus interesses e dos lucros para seus investidores.
O novo ciclo de reformas iniciado em 2016, como a reforma do ensino médio e a BNCC, pode ser considerado como um dos principais fatores na indução do atual movimento de aquisição e fusão movido por grandes grupos privados da educação superior na educação básica. São novas possibilidades de negócios e lucros, não apenas para a oferta de vagas, mas também, para uma gama mais ampla de serviços que envolvem consultorias, produção e venda de materiais didáticos, plataformas de EaD entre outros.
Educação como negócio e fonte de lucro: um assunto para os cadernos de economia da grande imprensa
Como dissemos, o expressivo aumento das matrículas nas IES do setor privado-mercantil, ocorreram por estímulos governamentais e mudanças no marco regulatório. Esse quadro provocou um salto de 3,6 milhões de matrículas em 2006 para 6 milhões em 2016. Em 2016 o setor privado já concentrava 87,7% das instituições, contra 12,3% das públicas (INEP, 2016).
Os valores empregados pelo governo no FIES em 2010 atingiram o montante de 1 Bilhão equivalente a 13% dos gastos com o Ensino Superior. Em 2014, os valores chegaram a 15,9 bilhões expressando um aumento de 12 vezes o custo registrado em 2014. As IES privadas, ficam entre as empresas que mais receberam recursos do governo federal. Para se ter uma ideia, somente a Kroton-Anhanguera recebeu em 2014 cerca de 2 bilhões. Informações do Portal da Transparência do governo federal dão conta de que em 2010, o governo gastava R$ 13 para cada R$ 100 investidos em Universidades Públicas. Em 2014, os gastos com o programa passaram a ser 19% maior que os gastos nas instituições públicas (BURGARELLI, 2017).
Todos esses elementos contribuíram para que o mercado se expandisse com grandes operações de fusões e aquisições do setor, criando conglomerados de capital aberto muito lucrativos. Esse é o mesmo movimento – de aquisição e fusão – que se anuncia na educação básica a partir do ingresso de grandes grupos econômicos no setor. Entre 2007 e 2016 ocorreram 142 fusões e aquisições que movimentaram 11 bilhões de reais. No período houve a chegada de grandes grupos estrangeiros e de empresas de capital aberto.
Grupo | Matrículas |
---|---|
Kroton | 877,03 |
Estácio | 436,3 |
Unip | 403,36 |
Laureate | 245,92 |
Ser Educacional | 137,73 |
Uninove | 131,73 |
Cruzeiro do Sul | 102,29 |
Anima | 85,14 |
Devry | 75 |
Uniceumar | 66,96 |
Fonte: Hoper Educação /infográficos da Folha (2016) Elaboração: Autor
Essas empresas, atuam não apenas na oferta de vagas, mas também, em escala com a venda de materiais didáticos. Os preços atrativos aplicados decorrem, em grande parte, devido a adoção de esquemas de gerenciamento que enxugam as estruturas, tais como: a padronização curricular, junção de turmas, com redução do quadro de professores, flexibilização dos contratos e a implantação de diferentes modalidades de curso (presencial, semi-presencial e, à distancia). Com o emprego da Ead, inclusive nos cursos presenciais, surge a figura do tutor em substituição ao professor.
Os grandes grupos educacionais já atingem a maior parte das graduações a distância oferecidas no País, conforme o levantamento feito pela FGV. A participação saltou de 15%, em 2010, para 59,1% em 2014, um crescimento de 293,3%. A estratégia é adotada principalmente pelos grupos Kroton (crescimento de 701.127,8%), Estácio (347,6%) e Laureate (576,7%) (ESTADÃO, 2016).
Com recursos públicos à disposição, por meio do financiamento estudantil, grupos transnacionais começaram a atuar no Brasil a partir de meados dos anos 2000. Conforme informam Macedo et al (2017), a aquisição de IES brasileiras por grupos internacionais passou a ser uma realidade, com a modificação do marco regulatório da educação superior na década 1990, baseado na Reforma do Aparelho do Estado. No Brasil operam, até o momento, três grandes players transnacionais no ensino superior. São eles: Laureate International Universities, DeVry University e Whitney International University System. Em números isso representa um total de 29 IES com a oferta de 1055 cursos de graduação (MACEDO et al., 2017).
A proposição da BNCC e da Reforma do ensino médio já movimentam o mercado educacional. Ambas as reformas, implantadas após o golpe de 2016, sob a batuta dos Reformadores Empresariais, ampliam possibilidades e diversificam formas de acesso aos fundos públicos da educação por parte do setor privado-mercantil da educação.
No que concerne à BNCC, os reformadores empresariais representados pelo movimento pela base, implantam um gerencialismo autoritário na educação brasileira, centrado em avaliações e responsabilização docente. É o que no campo da gestão empresarial, se convencionou chamar de Benchmarking, que nada mais é, do que um processo de avaliação contínua do trabalhador e do desempenho baseado em resultados quantitativos. A implantação da base nos sistemas de ensino, de cara, abre espaço para um grande mercado ofertar um leque variado de produtos e serviços, tais como, consultorias e a produção e distribuição de materiais didáticos, principalmente via o PNLD, e na formação de professores em serviço, por exemplo. Apostilamento das redes de ensino de interesse de grandes grupos do mercado educacional. Já a Reforma do Ensino Médio, oferece grande potencial para os interesses privados da Educação. Pelo que estamos prevendo, isso ocorrerá muito em função da expansão da carga horária das atuais 800 horas anuais (4 horas diárias) para 1 mil (5 horas diárias) em um prazo máximo de 5 anos e pela oferta das terminalidades, principalmente para a Formação Profissional. Com a flexibilização do currículo prevista na BNCC (60% obrigatório e 40% flexível) e as terminalidades propostas na Reforma do Ensino Médio, a EaD tende a aparecer com força. Para isso basta considerarmos o dado da realidade, pois dentro de um total de 5770 municípios brasileiros, apenas 53% (2967) oferecem o Ensino Médio regular ou profissionalizante e mais, desse total, 41,9% das escolas do País trabalham em turno triplo (INEP, 2016).
Os grandes grupos privados da educação, ao longo desse período, acumularam Know-how suficiente no desenvolvimento de produtos em escala, que podem ser disponibilizados para atender essas novas demandas colocadas pelas reformas, com grandes possibilidades de lucros para seus investidores. Nesse sentido e de olho nas oportunidades, a Kroton em abril de 2018, comprou o controle da Somos Educação, num negócio avaliado em mais de 6 bilhões o que faz o grupo aumentar sua participação na educação básica passando de 3% para 28%. Somos controla os sistemas de ensino Anglo, Ser, Maxi, PH, Ético e Geo, além das editoras Ática, Saraiva e Scipione5, um conjunto de escolas de educação básica, assim como, a plataforma educacional PAR. Outras grandes empresas que atuam no ensino superior privado, já trilham uma rota semelhante, tais como, os grupos Estácio e Anima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho procuramos apresentar, de forma breve, os elementos que contribuíram para o fortalecimento do setor privado mercantil da educação e seu fortalecimento, a partir de meados dos anos 2000 até o final de 2018. Trata-se de um movimento que se fortalece, a partir do falacioso discurso da falta de recursos no cenário pós-golpe de 2016, e que está sendo utilizado para justificar a aceleração de reformas educativas voltadas para o mercado e aos interesses dos homens de negócio. No ensino superior, os estímulos são expressivos e envolvem o acesso ao crédito e bolsas, dentro do programa FIES e do PROUNI, empoderaram grandes empresas do setor. Na educação básica, grandes grupos privados de capital aberto se movimentam, focalizando a educação básica para atender os novos requisitos fixados pela BNCC e a Reforma do Ensino Médio. São ações de reforma, na educação básica decorrente da agenda do setor empresarial, ou melhor, dos Reformadores Empresariais, influem mais diretamente nas decisões dentro do MEC e que estão diversificando e ampliando as formas de acesso do setor privado aos fundos públicos.
Se o empoderamento ocorre no período que antecede ao golpe de 2016, é no cenário pós-golpe, com o novo ciclo de reformas educacionais, que se explicitam os interesses e que se abrem novas oportunidades de negócios, para setor privado mercantil atuar em todos os níveis de educação, não apenas na oferta de vagas de uma gama ampla de serviços e produtos.
Por fim, o que estamos assistindo nesses últimos anos é um grande processo que poderá levar a submissão total aos interesses privado-mercantis, o que colocará em risco, no futuro próximo, os princípios democráticos que norteiam a oferta da educação como um direito público fundamental. Acompanhar e esse processo é um imperativo para todos aqueles que lutam em defesa da educação pública com gestão pública democrática.