Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar o trabalho de formação de professores em serviço como locus de produção de saberes profissionais na década de 1960, assim como as propostas para dinâmicas da sala de aula para aprofundar a compreensão da matemática ‘para ensinar’, especificamente, os saberes profissionais produzidos nos ginásios vocacionais de São Paulo. O estudo tem por objetivo identificar e caracterizar esses saberes profissionais presentes nos documentos dessas instituições de ensino, principalmente dos docentes de matemática, ou seja, os ‘saberes a ensinar’ e ‘saberes para ensinar’. Para isso, foram analisadas atividades realizadas com professores e alunos na experiência dos ginásios vocacionais1 do Estado de São Paulo na década de 1960, alinhadas com o Movimento da Matemática Moderna2 encontrados no CEDIC-PUCSP (Centro de Documentação e Informação Científica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Segundo Valente (2007, p. 36), aos poucos, “[...] novos tipos de fontes vão ganhando importância como ingredientes fundamentais para a escrita do trajeto histórico que o ensino de Matemática seguiu em nosso país”. Fontes como os impressos direcionados para professores, publicados pelos órgãos oficiais de educação ou por instituições, que apresentam sugestões sobre os modos de fazer em sala de aula, constituem uma ‘literatura cinzenta’ escolar, sendo um instrumento eficaz para os estudos da História da Educação Matemática no Brasil. Para este estudo consideramos, de maneira geral, este tipo de literatura, publicações, muitas vezes, não convencionais como, por exemplo, relatórios, impressos publicados por órgãos oficiais de educação, atas de conferências, planos de ensino, orientações a professores, subsídios para abordar determinado conteúdo, provas de alunos, caderno de planos de aula, traduções não comerciais, bibliografias, documentos oficiais não publicados comercialmente, entre outros (França, 2012).
A relevância desses impressos, para nosso estudo, relaciona-se ao reconhecimento do valor atribuído às publicações elaboradas num período, com transformações na estrutura, no funcionamento, nos programas e no currículo de matemática, de acordo com as normativas impostas pelas Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei nº 4.024, 1961. Por isso, podem fornecer subsídios para problematizar o contexto atual e propor alternativas. Parte de nossas fontes concentra-se na ‘literatura cinzenta’ obtida no CEDIC-PUCSP.
Para melhor compreender a produção destes saberes, foi necessária uma pesquisa bibliográfica de trabalhos que tratam do ginásio vocacional (Fernandes, 2013; Chiozzini, 2014; Tamberlini, 2016; Nakamura, 2016a), entrecruzando com entrevista com Lucília Bechara3, que atuou na elaboração e execução das propostas, a implementação à política de formação e capacitação do pessoal envolvido na implementação das propostas.
A análise dessa experiência educacional e as avaliações de educadores e alunos podem colaborar na caracterização das ‘matemáticas para ensinar’, com seus pressupostos, abordagens e encaminhamentos, evidenciando fatores influenciadores das suas construções.
A escolha das experiências dos ginásios vocacionais foi motivada pelo seu diferencial de escola experimental, capaz de evidenciar fatores que influenciaram na construção e caracterização da matemática ‘a’ e ‘para ensinar’ e sua relação com a matemática ‘a ensinar’. Focamos nosso estudo nos conceitos referentes aos números racionais, pela sua extensão conceitual e relações com os números naturais, reais e com as medidas e a estatística.
Após do recorte selecionado, alguns questionamentos priorizaram nossa análise sobre os saberes produzidos para ensinar ‘Números Racionais’: Como os conteúdos foram organizados? Qual a matemática a ensinar foi priorizada? O que e como ensinar os números racionais nos ginásios vocacionais? Como os números racionais se relacionam com as medidas e a estatística? De que maneira foram articulados os saberes ‘a’ e ‘para ensinar’, pelos professores dos ginásios vocacionais de São Paulo, ou seja, como foram produzidos e articulados na formação docente e na prática profissional, como foram sistematizados, institucionalizados, visto que o saber profissional não é dado a priori? Estas são algumas das questões que pretendemos discutir.
Os saberes da profissão
Refletimos, ancoradas na análise da docência, a partir dos saberes da especificidade dessa profissão, que tratamos por ‘saberes a ensinar’ e ‘para ensinar’. Segundo Valente (2017), tais saberes são considerados sob novas bases conceituais, tendo em conta ‘saberes objetivados’, isto é, saberes que se institucionalizam ao longo do tempo, em termos de saberes explícitos, formalizados, transmitidos e incluídos intencionalmente na formação de professores; considera o autor, ainda, que os ‘saberes a ensinar’ são saberes que emanam do campo disciplinar e os ‘saberes para ensinar’ compõem um corpus de saberes específicos do campo profissional. Apesar de os dois saberes, hoje, comporem o currículo de formação para o exercício da profissão de professor, é o segundo que dita a expertise profissional, caracterizando a profissão de professor.
Os ‘saberes para ensinar’ configuram-se como saberes profissionais e desenvolvem-se por meio da constituição progressiva de um campo disciplinar das ciências da educação; já, os ‘saberes a ensinar’ são aqueles advindos dos campos disciplinares de referência, constituídos pelas disciplinas universitárias. Mais detalhadamente:
O saber a ensinar representado como objeto da docência; e o saber para ensinar caracterizado como ferramenta profissional do professor. O saber a ensinar caracterizado como saber que o professor deve utilizar para a tarefa formativa (por exemplo, referenciado por planos de estudos, programas, manuais etc.); o saber para ensinar como saber que deve ser mobilizado na prática docente (os modos de tratar os saberes a ensinar, as ideias de como os alunos deverão aprender esse saber, os seus modos de aprendizado, as transformações que deverão sofrer os saberes a ensinar etc.) (Hofstetter & Schneuwly apud Valente, 2017, p. 8).
Deste modo, Hofstetter & Schneuwly (2017) definem ‘saberes a ensinar’ como aqueles saberes avaliados como objetos do trabalho do professor e, ‘saberes para ensinar’, as ferramentas do seu trabalho. Nesse sentido, os ‘saberes para ensinar’ tratam principalmente de como utilizar os objetos do ofício docente: da maneira de mobilizar o objeto do trabalho docente, sobre as práticas de ensino e sobre a instituição que define seu campo de atuação.
Nessa perspectiva, interessa-nos caracterizar os saberes profissionais do professor, quais as ferramentas produzidas pelos professores do ginásio vocacional para o ensino de números racionais e suas interações e aplicações.
Enfatizamos que ao discutir formação de professores, tomamos a centralidade dos saberes, constituindo-se como ferramentas dessa formação do professor, os saberes para ensinar e nosso caso estes saberes são investigados por meio de uma literatura cinzenta4.
Em síntese, acreditamos que o estudo histórico sobre os saberes profissionais pode elucidar as discussões que tratam da formação de professores, revelando como alguns saberes docentes foram institucionalizados e verificando a relação dessa institucionalização com a expertise de profissionais atuantes no campo.
Os ginásios vocacionais
A professora Olga Bechara, em palestra ministrada em 20025, relata que, em 1958, uma portaria ministerial, divulgada pela Diretoria do Ensino Secundário do Ministério de Educação e Cultura, permitia a instalação de ‘classes experimentais’, abrindo uma possibilidade na rígida Lei Capanema6, de onde emergiram as primeiras experiências educacionais ampliadas na década de 1960.
Segundo França (2012), o governo de São Paulo, valendo-se de uma brecha nesta lei (Lei nº 4. 024, 1961), cria os ginásios vocacionais e pluricurriculares, com classes experimentais, regulamentados pelo decreto nº 38.643 (1961), e um órgão denominado SEV (Serviço do Ensino Vocacional) subordinado à Secretaria de Educação, para coordenar os ginásios vocacionais.
[...] O então Secretário de Educação, Luciano Vasconcelos de Carvalho motivado pela introdução na rede pública de São Paulo de escolas inovadoras, inspiradas em experiências europeias como Les Classes Nouvelles na França e a Escola Compreensiva Inglesa, propôs uma comissão para projetar os Ginásios Vocacionais. [...] A referida comissão, em uma visita à cidade de Socorro, conheceu o trabalho das ‘Classes Experimentais’, coordenado por Maria Nilde Mascellani7 e a nomeou para dirigir o Serviço do Ensino Vocacional (Centro de documentação e Informação Científica [CEDIC-PUC-SP], 2002, grifo nosso).
O grupo, atendido nesses estabelecimentos de ensino público, constituía-se de estudantes de ambos os sexos, ingressando com a idade entre 11 e 13 anos, sendo as aulas em período integral. Foram criadas seis unidades escolares, uma na capital e cinco no interior de São Paulo - Barretos, Batatais, Rio Claro, Americana e São Caetano do Sul. O objetivo seria a reestruturação do sistema de ensino industrial e de economia doméstica no Estado paulista (Chiozzini, 2014). A criação dessas instituições foi inspirada nas classes experimentais do Instituto de Educação de Socorro8, as quais tinham como referência as Classes Nouvelles do Centre International d’Études Pédagogiques (Liceu de Sèvres), na França (Fernandes, 2013).
Nos ginásios vocacionais adotava-se a democracia como prática pedagógica, buscando “[...] a formação integral do indivíduo bem como a inserção desses indivíduos em seu meio”. Outra característica importante era que nestas instituições inovadoras “[...] os índices de reprovação, de faltas e de evasão escolar eram mínimos, e a quantidade de alunos por sala de aula era limitada” (Nakamura, 2016b, p. 70).
Os cursos para seleção de professores e coordenadores dos ginásios vocacionais aconteceram no segundo semestre de 1961, no Colégio Caetano de Campos, na praça da República. De acordo com pesquisa realizada nos documentos dos ginásios vocacionais, acomodados no CEDIC-PUC-SP9, estes ginásios iniciam suas atividades com alunos, em 1962, depois de um semestre de cursos de preparação e seleção de profissionais.
Os cursos preparatórios para o ginásio vocacional já começavam divulgando a matemática moderna, com estudo e leitura de bibliografia publicada referente às novas ideias difundidas pelo movimento (França, 2012). Gratuitos para todos os professores, funcionavam como uma capacitação optativa, fora do horário de trabalho.
A ementa dos cursos variava de acordo com o interesse dos participantes, mas, eram privilegiados os assuntos referentes às novas metodologias de ensino e às ideias divulgadas pela psicologia da aprendizagem. “Durante o período de 1961 a 1969, o SEV realizou nove treinamentos com cinco meses de duração cada um. Os treinamentos tinham a finalidade de informar sobre o trabalho realizado por ele aperfeiçoar técnicas e metodologias aos docentes ingressantes” (Fundação Carlos Chagas [FCC], 1972, p. 10).
De acordo com França (2007), concomitantemente aos cursos do GEEM, ocorriam os cursos nos ginásios vocacionais, que uniam, em ambiente agradável, professores de matemática, com grande potencial criativo e empenhado em realizar um trabalho de reformulação curricular no qual acreditavam, desejando mudanças no ensino de matemática. Muitas experiências metodológicas foram testadas no vocacional, que recebia visita de professores interessados na aplicação dos novos conteúdos.
Acontecia também em São Paulo, os cursos para os Ginásios Vocacionais. No segundo semestre de 1961, estávamos estudando matemática moderna no curso do Mackenzie e também nos Ginásios Vocacionais. Ficamos entusiasmados, respirávamos MM. Nós estávamos estudando a questão do construtivismo, do cognitivismo, líamos muito Piaget [...] Os seis estudos de Piaget (Liberman, 2006).
O SEV se incumbia de todo processo de capacitação pedagógica - do recrutamento à avaliação dos cursos. Os candidatos a participarem dos ginásios vocacionais eram selecionados entre os docentes que trabalhavam na rede pública do Estado e, após entrevistas e provas escritas, passavam a integrar o quadro docente ou técnico do sistema.
[...] na seleção de profissionais, além das competências e expertises especificas em matemática eram também consideradas: competências sócio-culturais e sócio-emocionais assim como motivação para a inovação e valorização do processo ensino/ aprendizagem (Sanchez, 2012).
Podemos inferir que os professores do vocacional construíram uma rede de relações fazendo circular suas ideias em vários cursos que ministravam.
Documentos analisados: pressupostos filosóficos e didáticos e epistemológicos dos ginásios vocacionais
Para responder às questões anteriormente propostas, identificamos, nos acervos do CEDIC-PUCSP, fontes referentes à legislação, propostas e programas. Para alargar nosso entendimento recorremos à entrevista com Lucilia Bechara e leitura de artigos que tivessem como tema os ginásios vocacionais.
Analisando os documentos referentes às propostas (CEDIC-PUC-SP, 1962a, 1962b, 1962c), pode-se dizer que o ginásio vocacional entendeu que a concepção de mundo e de quem aprende está presente no processo educativo e de ensino/aprendizagem, portanto, estas seriam fundamentais na elaboração das propostas pedagógicas e formação de pessoal. Para a execução das propostas, adotou-se a concepção filosófica de Mounier10, que trabalha o conceito de ‘pessoa’, liberdade, responsabilidade e inserção no mundo e na história, entendendo que a pessoa é ‘comunitária’ e sofre as ações do(s) outro(s) na transformação da sociedade e de si mesma.
O docente do vocacional deveria compreender a subjetividade da pessoa que ensina e da pessoa que aprende e entender como a subjetividade interage com a aquisição de conhecimentos. Este tipo de conhecimento não é dado a priori e, por conseguinte, foram criados grupos de estudos para suprir lacunas e permitir a construção do currículo pretendido.
Os fundamentos epistemológicos do trabalho e acompanhamento do processo de ensino/aprendizagem se baseavam em estudos de Piaget11 e de Brunner12, aprofundados em cursos, palestras, estudos e na prática. Claro que as propostas da matemática também foram agregando às inovações no campo da psicologia e pedagogia, produzindo saberes profissionais, mobilizando professores para novos desafios.
No vocacional, trabalhava-se a ideia de que o professor deve saber, além de ensinar, o conteúdo da disciplina, a ‘matemática a ensinar’, ensinar o aluno a aprender, oferecendo condições para se envolver, questionar, compartilhar, adquirir autonomia para o conhecimento. O trabalho em equipe era um saber fortemente valorizado e trabalhado entre profissionais e alunos.
O core curriculum e as unidades pedagógicas
O conceito de Core Currículum13, no planejamento no vocacional, colocava o ‘Homem’ no centro do conhecimento e a história como fio condutor a partir de um tema da atualidade levantado e de questões do presente e do passado, sendo um saber a ser apropriado pelo professor na prática.
O ‘core curriculum’ é um instrumento de direção na interpretação da cultura e consequentemente compreensão da historicidade do homem. Da definição de um determinado ‘core curriculum’ surgirão as unidades pedagógicas, os conteúdos de aprendizagem, as experiências e vivências que darão a cada jovem a visão antropológica da cultura e condições para a realização plena da personalidade (CEDI-PUC-SP, 1969, grifo nosso).
Conforme documentos alocados no CEDIC14, a área de estudos sociais, ministrada por dois professores (01 especialista em história, outro em geografia) e a coordenação pedagógica eram responsáveis pelo levantamento do tema e das questões geradoras do Core Curriculum. Em reunião com a coordenação, os professores discutiam como realizar a integração entre as disciplinas através de projetos inter e transdisciplinares.
Como os outros docentes, o professor de matemática fazia seus planejamentos a partir dos temas e questões geradoras do Core Curriculum, bem como dos objetivos e programas específicos da área orientados pelos programas oficiais e sua expertise. Para exemplificar, no programa da primeira série do ginásio (atual 6º ano), o tema escolhido era relacionado à comunidade do entorno, o bairro e/ou à cidade ou zona rural. Na segunda série, (atual 7º ano), o tema era as cidades e o Estado, de São Paulo, no caso. Na terceira (8º ano), o tema ‘os estados e o Brasil’ e os alunos faziam estudos do meio de outros Estados. Na quarta série (atual 9º ano), o tema era os demais países e o mundo.
Planejavam-se as ‘Unidades Pedagógicas’15 a partir das questões do Core Curriculum discutidas entre os professores que elaboravam novas questões e integrações entre as disciplinas. Em seguida, o plano era apresentado a todos os alunos da mesma série, num momento denominado ‘Aula Plataforma’, no qual eram lançadas as questões geradoras do Core Curriculum e outras.
Na ‘Aula Plataforma’, eram apresentadas as situações críticas e dados significativos, que dessem margem às indagações, com o intuito de despertar o interesse dos alunos sobre o tema. Neste momento, os professores das disciplinas levantavam questões específicas para desencadear os estudos e pesquisas da área de estudo, que procuravam integrar dentro do tema central e entre si, por meio de objetivos ou conteúdos. O planejamento de cada área era realizado pelos docentes (Figura 1) e apresentado aos alunos nas aulas.
As denominadas ‘Aulas Síntese’, em geral, ocorriam no pátio ou no refeitório da escola, onde todos os alunos de uma série se reuniam para uma apresentação da síntese dos estudos. Antes disso, os alunos, em classe, com o professor, elaboravam a síntese a ser apresentada a todos. Nessas aulas, muitas vezes, havia, inclusive, a participação de pais. Vale ressaltar que esta era uma experiência educacional nova e os pais tinham certa apreensão em relação aos saberes que seus filhos aprendiam ali, comparando com os demais ginásios. Este fato exigia explicações e convencimento por parte dos docentes.
A programação de matemática e sua construção: as baterias de ensino
Como salientado anteriormente, na década de 1960 e até um pouco antes, em diversos países, ocorreu o denominado ‘Movimento da Matemática Moderna’ (MMM).
Podemos dizer que os ginásios vocacionais foram pioneiros na introdução da matemática moderna. As duas primeiras professoras de matemática do Ginásio Vocacional Osvaldo Aranha, Lucilia Bechara e Elza Babá, participaram do primeiro curso em São Paulo sobre matemática moderna, da criação do GEEM16, e ministraram cursos para formação de professores sobre a matemática moderna onde compartilhavam experiências realizadas nos vocacionais, fazendo circular novos ‘saberes para ensinar’.
De acordo com a documentação e nossas entrevistas com Sanchez (2007a, 2007b, 2007c, 2012, 2018), anualmente, convocavam-se os professores, coordenadores e orientadores de todas as unidades para participarem de debates e trocas de experiências na sede do ensino vocacional. Havia, também, reuniões por componentes curriculares coordenadas pelo supervisor da área, participando representantes de todas as unidades.
A matemática era, então, discutida pelos pares em relação a seus objetivos, conteúdos específicos, formas de abordagem, bem como a interação com as propostas do Core Curriculum e demais áreas do conhecimento. Nessas reuniões, eram trocadas e discutidas novas formas de ensinar e propostas, circuladas entre os docentes; suas leituras e experiências, adaptadas aos alunos e à realidade de cada grupo e professor.
A programação de matemática da unidade de ensino era construída a partir da problemática levantada pelas questões do Core Curriculum, assim como da articulação entre as áreas curriculares e da seleção de conteúdos e habilidades propostos nos programas oficiais do MEC. Os ‘planos de aula’ eram elaborados pelo professor, que mobilizava suas ferramentas da docência organizando os conteúdos, técnicas, objetivos semanais, assim como selecionava ou produzia fichas de trabalho para uso dos seus alunos.
Para construção da programação de matemática, os docentes analisavam os conteúdos oficiais à luz dos conceitos da matemática moderna, bem como as orientações didáticas e metodológicas dos vocacionais. Na Figura 1, temos programações de matemática organizadas de forma não linear, mas em espiral, com idas e vindas, tanto no que refere à introdução, retomada ou aprofundamento de conceitos e conteúdo, nas relações entre eles, nas aplicações e nas concretizações.
Na Figura 1, há indícios do Core Curriculum, à medida que é problematizado o estudo do meio articulado às noções de conjuntos. Continuando a investigação, ainda nesta figura, podemos observar grande listagem de conteúdos, acompanhada de orientações para a abordagem de números racionais. Lembramos que a metodologia utilizada era construída, em reunião, pelos professores, que, após experimentrarem em suas classes, faziam avaliação da aula e a reproduziam em cursos oferecidos a professores da rede pública pelo SEV.
Outro ponto que merece destaque é o não abandono da geometria, visto que durante o MMM discutia-se no currículo de matemática, a abordagem estruturalista, com ênfase nas funções e relações.
Na Figura 1, há um exemplo de como integrar os problemas do meio com a matemática. Sanchez (2018) acrescenta que, em relação às noções de medidas e suas unidades, os alunos realizavam um estudo do abastecimento da comunidade, visitavam mercearias e o mercado do entorno e exploravam questões de medidas, de preços como ½ litro, ou ¼ kg, ou 250 gramas, ou outro e, a partir daí, nas atividades de matemática, os espaços eram abertos para a problemática das medidas e das frações nas medidas de massa, capacidade, comprimento, monetária e outras, assim como, seus significados.
Neste contexto, no estudo do entorno da escola, os alunos faziam estudos qualitativos e quantitativos para conhecimento da comunidade, como a origem das famílias, a quantidade e caracterização de pessoas, crianças, adultos ou idosos e outros. Para isso, realizavam levantamento de dados, gráficos, tabelas, traziam questões de comparação e análises quantitativas e qualitativas, quando eram introduzidos estudos de estatística (não contemplados nos programas oficiais da época), mesclado com conceitos de números racionais.
Nestes estudos, as frações e as proporções apareciam como uma necessidade para a análise dos dados, compreensão e caracterização da comunidade em estudo e, então, eram levantados e utilizados os conteúdos aprendidos ou a introduzir (Figura 2).
Os livros didáticos não atendiam o planejamento do vocacional, por este motivo, não eram adotados. Os professores, com orientação da supervisão da área, selecionavam fichas de trabalho, já produzidas em reunião em equipe (pela supervisão ou por outros professores), e/ou elaboravam novas atividades no formato das denominadas ‘Baterias de estudo’, que constituiam em propostas de trabalho a serem realizadas, em grupo ou individualmente, pelos alunos com o objetivo de construir conceitos, aprender novas técnicas, exercitar procedimentos, aplicar conteúdos, assim como resolver problemas.
As baterias exploratórias são realizadas em equipe, precedendo naturalmente, uma leitura individual para apreensão das ideias e levantamento das primeiras dúvidas. As baterias exploratórias são avaliadas em grupo, sob a liderança do professor que no curso de avaliação vai estruturando os conceitos implicados na bateria ou a aprendizagem que a classe realizar. Após a avaliação, é feita uma síntese redigida pelas equipes e discutida com o professor. As baterias de fixação são realizadas parte individualmente e parte em grupo, assim, cada aluno realiza a sua e em seguida discutem os resultados. As baterias de fixação são avaliadas pelo professor com o grupo, - ou individual. (CEDIC-PUC-SP, 1970, p. 31).
Para formular as questões das baterias, os professores pesquisavam e analisavam experiências de matemática moderna de grupos de estudo, usando a bibliografia publicada pelo School Mathematics Study Group (SMSG)17.
[...] a partir das leituras em grupo, os professores discutiam e criavam atividades que poderiam ser aplicadas e depois avaliadas. Liam ainda as produções de Biebermann18 assim como experiências Francesas como as da Lucienne Felix (que visitou o Vocacional Osvaldo Aranha) e textos produzidos pelo GEEM: por Benedito Castricci sobre geometria por transformações; por´L H Jacy Monteiro sobre Algebra Moderna; por Alésio de Caroli sobre Teoria dos Conjuntos e outros. Um aspecto que influenciava nas decisões da programação era a forte demanda de desconstrução do ensino focado nas técnicas operatórias e no, algoritmos e excesso de memorização, vigentes na época priorizando a compreensão dos conceitos, as descobertas e os significados assim como o acompanhamento dos processos (Sanchez, 2012).
Em depoimento, Sanchez (2018) defende a fundamentação do planejamento do ‘Vocacional’. Justifica, utilizando as conclusões da dissertação de Fernandes (2013), que aborda a questão de uma aparente incompatibilidade da matemática moderna (estruturalista e formalista), criticada pelo seu isolamento da realidade, com o ginásio vocacional, onde o significado do conhecimento e o contexto eram peças fundamentais da estrutura pedagógica. Fernandes (2013) mostra também que não são incompatíveis dependendo de como elas são trabalhadas. Contudo, outros pesquisadores como Nakamura e Garnica (2018) expõem as dificuldades de professores em trabalhar de maneira integrada, em tempos do MMM, com articulação de diferentes disciplinas.
Apoiados em material do CEDIC e acervo Pessoal Lucilia Bechara, percebemos, no planejamento para números racionais, a ‘matemática a ensinar’ que norteou as programações do segundo ano do ginásio nos vocacionais, e que possibilitariam, aos professores, segurança para experimentar outros modos de ensinar. São eles: conjuntos, relações e operações, números inteiros relações e operações; números fracionários, suas representações, aplicações e significados; classes de equivalência de frações e o conceito de número racional; números racionais como ampliação do universo dos inteiros, a representação decimal dos números racionais e a compreensão do valor lugar, os decimais exatos e as dízimas periódicas, as operações de adição, subtração multiplicação, divisão e potenciação com números racionais na forma de fração e na forma decimal, os múltiplos e divisores, os múltiplos e divisores comuns assim como o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum; figuras planas, definições e propriedades, as medidas de distâncias, superfícies e área de figuras planas; medidas e suas unidades decimais e não decimais, noções de estatística, tabulação, gráficos e análises; introdução ao raciocínio algébrico e ideia de incógnita.
Muitos eram os ‘saberes a ensinar’, exigidos dos professores do vocacional, além dos saberes da docência ainda não objetivados, dado a nova maneira de ensinar em que ‘saberes para ensinar’, ainda em construção, precisavam ser mobilizados. Vem daí mais uma nova necessidade urgente: conhecer o aluno de modo a adequar conceitos a seus interesses.
Quanto à ‘matemática para ensinar’ números racionais e frações, algumas considerações podem ser colocadas quando entrecruzamos os planejamentos, baterias de estudo e depoimentos.
Podemos perceber que as baterias eram organizadas para que os alunos trabalhassem raciocinio lógico, dedução, formalização e resolução de problemas. Nestas, podemos encontrar indícios da tentativa da utilização da prática da problematização - valorizada nos vocacionais - com o entendimento da importância do saber fazer perguntas, além de encontrar as respostas e que, fazer perguntas, promove o raciocínio e a localização dos problemas (CEDIC-PUC-SP, 1963), assim como encaminhar a solução. Nas baterias, o aluno era conduzido a, por si só, procurar e encontrar a solução.
A seguir, ilustramos como os saberes relacionados à metodologia de ensino e às abordagens da matemática ‘a ensinar’ estavam presentes nos planejamentos, planos de aula e particularmente nas baterias de trabalho com números racionais e como estes saberes eram colocados em uma prática de matemática conceitual integrada e significativa dentro de paradigmas da matemática moderna e propostas do vocacional.
Analisando a bateria de estudo sobre classes de equivalência (Figura 3), constatamos a diversidade e adequação de concretizações, saber valorizado para formar o conceito de frações e de frações equivalentes - estas últimas, trabalhadas como representações da mesma quantidade, portanto, do mesmo número e o aluno era orientado a concluir como encontrar frações equivalentes.
Assim, 2/3 pertence à classe {2/3, 4/6, 6/9,... 10/15,..., 20/30,...} logo, todas estas frações representam o mesmo número racional e ocupam a mesma posição na reta numerada assim como 3/5 pertence à classe {3/5, 6/10, 9/15,..., 27/45,..., 30/50,...} e, então, todas representam o mesmo número racional. E, se quisermos comparar 2/3 com 3/5 escrevemos dois representantes com o mesmo numerador ou mesmo denominador: 6/19 e 6/9, ou 10/15 e 9/15; se quisermos adicionar ou subtrair, escrevemos dois representantes com o mesmo denominador 10/15 + 9/15 = 20/30 +18/30.
Conforme verificamos, o trabalho de múltiplos e divisores e os conceitos de máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum eram trabalhados de forma integrada com as frações (CEDIC-PUC-SP, 1962d). Para encontrar o máximo divisor comum, os alunos construíam os conjuntos dos divisores de cada um dos números e procuravam a intersecção e, o maior valor da intersecção, seria o máximo divisor comum. Deste modo, havia um trabalho integrado, os conteúdos de números racionais com os conceitos de conjuntos, operações com conjuntos, máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum.
Um ponto a ser destacado, posto por Sanchez (2018), refere-se à discordância dos professores do vocacional com o ideário do MMM em relação ao ensino de MDC e MMC. O algoritmo para encontrar o mínimo múltiplo comum e o máximo divisor comum de dois números naturais (exaustivamente ensinado no passado) não era tratado pela maioria dos docentes dos vocacionais e os críticos da matemática moderna defendiam a necessidade dos algoritmos. Realmente, não encontramos nenhuma ‘Bateria de estudo’ com esse tipo de atividade.
[...] outra abordagem para trabalhar os números racionais foi a forma decimal problematizada a partir das leituras de rótulos em produtos e mobilizada pelo interesse em representar os números racionais na forma decimal. A reta numerada era uma forma de concretizar. Por exemplo, como representar na forma decimal um ponto que está no meio entre 0 e 1. O que fazer? Se na base dez devemos dividir o intervalo entre 0 e 1 em 10 partes iguais e marcar o ponto do meio. Este ponto pode ser representado na base 10 por 0,5. Se na base 5 devemos dividir o intervalo entre 0 e 1 em 5 partes iguais e marcar o ponto do meio que pode ser representado por 0,22222 (Sanchez, 2018).
Bechara retrata o momento no vocacional quando o desafio da equipe era traduzir os pressupostos do MMM para o ensino, ou seja, elaborar uma metodologia acessível à faixa etária atendida. A abordagem, em sala de aula, deveria valorizar as estruturas matemáticas e explorar conhecimentos abstratos, muitas vezes impossíveis de serem compreendidos.
Analisando as baterias de estudos, como na Figura 4, podemos dizer que as operações com frações eram interpretadas e concretizadas por meio de perguntas; o aluno, conduzido a criar novas interpretações, assim como a descoberta de regras e processos para encontrar o resultado das operações. As propriedades das operações e igualdades eram problematizadas e exploradas exaustivamente como informação e, principalmente, como introdução ao raciocínio algébrico. Percebemos, nas baterias, que as operações com frações eram pouco exploradas, talvez, por terem pouca utilidade no cotidiano.
Destacamos que as estruturas algébricas, assim como a linguagem simbólica, eram utilizadas com muita frequência. A subtração e a divisão, introduzidas como operações inversas, respectivamente, da adição e multiplicação, sendo trabalhadas as propriedades das igualdades. Os alunos eram, então, estimulados a concluir procedimentos e regras para encontrar o resultado da subtração e da divisão por dedução; assim: se 2/3 x 4/5 = 8/15, então, 8/15: 4/5 = 2/3 e 8/15: 2/3 = 4/5. Ou qual o número que multiplicado por 2/5 resulta 4/15? Se multiplicarmos os dois membros da igualdade por 5/2 temos:
? x 2/5 = 4/15 ou, ? x 2/5 x 5/2 = 4/15 x 5/2 e então ? = 4/15 x 5/2
O pensamento lógico-dedutivo era altamente explorado e conduzido e as conclusões sintetizadas, utilizando a linguagem formal, considerando que o aluno precisava ler e entender a linguagem matemática, embora não necessariamente utilizá-la para se expressar o que podia fazer por meio de exemplos e da prática (Figura 5).
O processo de avaliação e suas ferramentas como saber da docência
Como avaliar o aluno nessa nova concepção de aprendizagem? Estudando os documentos referentes à matemática, percebe-se que os processos de avaliação se constituíram em um saber construído pelos docentes no trabalho em grupo, a partir de pressupostos das propostas do ginásio.
Em um dos relatórios (Figura 6), observamos este movimento. Há interesse de criar ferramentas que indiquem o processo de aprendizagem dos alunos, seus comportamentos, lacunas etc.
Deduzimos que o saber docente sobre avaliação também era necessário ser construído. Observamos, nos relatórios mensais, as tentativas de produção de atividades e contextos que evidenciassem a concretização dos objetivos propostos, inclusive comportamentais. Neles, percebemos um cuidado na descrição de pormenores, expondo os problemas e as soluções tomadas. São citadas dificuldades, limitações, possibilidades na execução das atividades programadas - são relatos do cotidiano escolar.
Entre os ‘saberes para ensinar’ matemática, a avaliação e as ferramentas verificação da aprendizagem ocupavam lugar preponderante nos ginásios vocacionais, sendo consideradas parte do processo ensino/aprendizagem de discentes e docentes. É provável que este processo e as ferramentas produzidas, além de constituírem um tema que, na época, os docentes consideraram como ‘inovação dos vocacionais’, esteve sempre presente nos treinamentos e na formação dos professores. Podemos dizer que este saber foi institucionalizado e objetivado, já que estava presente em todo planejamento e plano de aula.
No repertório dos docentes, até então, não existia a palavra avaliação, a qual, no início, era confundida com provas - escritas e/ou orais - aplicadas, algumas vezes, por inspetores de ensino, objetivando a aprovação ou a reprovação do estudante para a série seguinte. Não havia notas, mas conceitos. Entre as ferramentas de avaliação dos vocacionais estavam incluídos os processos de observação do aluno; avaliação de conhecimentos prévios; autoavaliação (de alunos e professores) e conselhos de classe.
De certa maneira, nos conselhos de classe, os docentes aprendiam a avaliar o aluno de uma maneira global, ou seja, nas aquisições de conceitos e de conteúdos das diferentes áreas, no seu desenvolvimento social, emocional, moral além de cognitivo. Aprendiam também a trabalhar com a diversidade e investir nas competências dos alunos e administrar suas fragilidades. Tudo isso baseado em uma extensa bibliografia. Estes saberes, em grande maioria, foram produzidos em reuniões e cursos.
Considerações finais
Voltando à nossa questão central de pesquisa, de como foram construídos os saberes para ensinar matemática, especificamente os números racionais nos ginásios vocacionais na década de 1960, podemos dizer que, foram produzidos em grupo, baseados no ideário do MMM, nos estudos de Piaget e Brunner. A aprendizagem, vista como processo global, abrangia o desenvolvimento intelectual de habilidades e atitudes. Além disso, utilizava-se o conceito de Core Curriculum, com o homem e seus problemas no centro do planejamento e integração das disciplinas.
Acreditamos que os saberes profissionais deveriam ser captados no âmbito das práticas pedagógicas, dos conhecimentos desenvolvidos pelos professores para melhor gerirem o seu trabalho didático-pedagógico. Por esse motivo, foi necessário estudar de que maneira os professores do vocacional produziam suas atividades.
A intenção era que os docentes aprendessem a inovar, entendessem a necessidade da inovação para os objetivos de dar significado e contextualização aos conceitos, conteúdos e processos, assim como para eliminar práticas naturalizadas sem ter claros os objetivos, enfim a refletir sobre o trabalho e não simplesmente repetir o que sempre se fez. Ao que parece, a linha condutora do SEV seguia no sentido de que a inovação é capaz de promover maior reflexão e fundamentação e, ao mesmo tempo, cuidado para não perder o fundamental.
O planejamento sempre era iniciado com a tentativa de sondar o conhecimento dos alunos, seus interesses, necessidades, aspectos socioculturais, que interferem na aprendizagem, conhecimento pessoal e informal do professor sobre a vida cotidiana, o conhecimento do contexto da escola, da aula, as problematizações trazidas pelo estudo do meio para serem discutidas e a compreensão que o professor tem de si mesmo, dentre outros. Estes saberes, ainda não objetivados, faziam parte dos ‘saberes para ensinar’ exigido dos professores. Quanto às orientações didáticas, os planejamentos e programa de matemática sugerem uma vasta ‘bibliografia para enriquecimento baseada nos princípios do MMM’.
Constatamos a exigência do registro de todas as atividades desenvolvidas pelo professor, referentes aos ‘saberes a ensinar’ e ‘para ensinar’. Neste contexto, os procedimentos didáticos dos planejamentos apresentavam uma sequência de orientações e encaminhamentos, elaborados pelos próprios docentes, em trabalho de grupo, após leitura e discussão da bibliografia, visando fornecer oportunidades didáticas para desenvolverem habilidades que implicavam na aquisição dos ‘saberes para ensinar’.
É evidente a sugestão de trabalhos em equipe, na forma de seminários diversos, partindo de problematizações. Em síntese, o trabalho no vocacional tinha sempre um contexto problematizador da área de estudos sociais, entendendo que o conhecimento nasce para solucionar um problema da sociedade e retorna a ela nas suas aplicações.
Para elaborar o Core Curriculum, percebemos a emergência de mudança de ‘saberes para ensinar’, visto que conhecer a cultura e os valores vigentes e assumidos no contexto sociocultural do aluno, do professor e da instituição, identificando preconceitos e respostas naturalizadas, era uma exigência. Nessa concepção, outros saberes precisavam ser produzidos para a docência no vocacional.
Saberes oriundos das ciências da educação poderiam instrumentalizar docentes na nova concepção em que eram necessários: conhecer os processos e ferramentas para avaliação e análise dos conhecimentos prévios para definição das metas; reconhecer e conhecer a diversidade de motivações e as diferentes competências dos alunos e trabalhar de modo que todos aprendessem o essencial e o possível; compreender a sala de aula e a escola como espaços de interatividade e compartilhamento; aprender a escuta, a troca de ideias, a argumentação, a participação e a cooperação; trabalhar atitudes e valores visando a formação da pessoa e reconhecer como esta formação interage com o conhecimento específico e com o processo de ensino/aprendizagem; compreender o mundo em contínua transformação e o contexto sociocultural para trabalhar o protagonismo, a autonomia, a criatividade, o espírito crítico e a inovação.
De todo modo, pode-se afirmar que novas referências postas no programa circularam entre professores da rede. Os espaços para discussão e, consequentemente, a troca de conhecimento, bem como transformações, ocorreram. O produto desses intercâmbios criou novos saberes que, novamente, dispararam a sistematização e institucionalização de ‘saberes para ensinar’.
Não havia um engessamento do conteúdo programático, exigindo habilidades diferenciadas dos professores atuantes no vocacional, gerando dificuldades iniciais por falta de formação anterior sobre ‘saberes para ensinar’. Aprendiam em equipe, na prática, com os pares e a coordenação, analisando a relação teoria e prática e os ‘saberes a ensinar’. Por outro lado, faziam parte de uma equipe que se avaliava e avaliava regularmente as práticas docentes. Deste modo, os docentes, além da formação universitária na área específica, contavam com uma estrutura de trabalho que possibilitava que cada um realizasse uma formação contínua no ensino vocacional.
De um modo geral, a base de formação dos vocacionais apoiava-se numa visão crítica do mundo, levando a ditadura militar no Brasil a extinguir esses estabelecimentos em 1969.