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Revista Brasileira de História da Educação

versión impresa ISSN 1519-5902versión On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 01-Sep-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e247 

Artigo Original

“Eu tinha vontade, mas eu não sabia”: formação e trabalho de professoras rurais (Uberlândia-MG, 1960-1980)1

“I had the will, but I didn't know”: teaching and training of rural educators (Uberlândia-MG, 1960-1980)

“Yo tenía ganas, pero no sabía”: formación y trabajo de profesoras rurales (Uberlândia-MG, 1960-1980)

Danielle Angélica de Assis1  * 
http://orcid.org/0000-0001-9147-8664

Sandra Cristina Fagundes de Lima2 
http://orcid.org/0000-0001-7191-7914

1Prefeitura Municipal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.

2Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.


Resumo:

Apreendemos a formação das professoras das escolas rurais de Uberlândia-MG (entre 1960 e 1980) e os seus significados para a prática docente. Realizamos entrevistas com seis professoras e consultamos: censo escolar; jornais; relatórios; e atas das reuniões escolares da Prefeitura de Uberlândia. Quando iniciaram a carreira, cinco de nossas entrevistadas eram leigas e, somente ao final de 1960, começaram a frequentar cursos de formação que, segundo narraram, foram significativos para as suas práticas em sala de aula e para as promoções na carreira. Concluímos que, para construírem as suas próprias práticas e sem dominar os saberes sistematizados da profissão, as professoras apropriaram-se das experiências adquiridas quando se alfabetizaram e do pouco assimilado nos cursos de formação.

Palavras-chave: história da educação; educação rural; professoras leigas; práticas docentes

Abstract:

This study allowed us to better understand both the teaching training of Uberlândia rural educators (from 1960 to 1980) and its meanings for teaching practice. We conducted interviews with six teachers and searched documents such as school census, newspapers reports and minutes of the City Hall. Five of the interviewees were lay people, and it was only in the late 1960’s they began to attend training courses significant for their classroom practice and career advancement, as they reported. This article concludes that, they even though they did not thoroughly appropriated the organized knowledge of the teaching profession, the teachers developed their professional practice thanks to the appropriation of their own experiences becoming literate, and thanks to some training courses.

Keywords: history of education; rural education; lay people; teaching practices

Resumen:

Aprehendemos la formación de profesoras en las escuelas rurales de Uberlândia-MG (entre 1960 y 1980) y sus significados para la práctica docente. Realizamos entrevistas con seis profesoras y consultamos: censo escolar, periódicos, informes y actas de reuniones escolares del Ayuntamiento de Uberlândia. Cuando empezaron su carrera, cinco de nuestras entrevistadas eran laicas y solamente a fines de 1960 comenzaron a asistir a cursos de capacitación que, según narraron, fueron significativos para sus prácticas en el aula y para su promoción profesional. Concluimos que, para construir sus propias prácticas, y sin dominar los saberes sistematizados de la profesión, las docentes se apropiaron de las experiencias adquiridas al alfabetizarse y de lo poco asimilado en los cursos de formación.

Palabras clave: historia de la educación; educación rural; docentes laicas; prácticas docentes

Introdução

De acordo com Carvalho (2018), são as escolas rurais brasileiras que mais acolhem os professores com baixa escolarização. Ao analisar o perfil de formação dos professores em atuação no país, no ano de 2017, a autora constatou um total de 2.134.973 docentes, dos quais 1.807.465 atuavam em áreas urbanas e 327.508 ministravam suas atividades em regiões rurais. Entre os professores brasileiros que trabalhavam em áreas rurais, 1.716 (0,54%) tinham formação em nível fundamental (completo e/ou incompleto), 120.522 (36,79%) eram formados em nível médio (com ou sem magistério) e um total de 205.270 (62,67%) já havia concluído o curso superior.

Por esses dados constatamos um expressivo crescimento do número dos docentes certificados em nível superior no meio rural2, não obstante verificamos a permanência de profissionais com baixa escolarização, mesmo sendo em proporção reduzida. Essa realidade perpassa a história da escola rural no Brasil ao longo do século XX nos seus mais diversos estados e respectivos municípios, conforme podemos verificar em Chaloba et al. (2020). A precariedade da escola e a desvalorização do professor rural, materializadas nos baixos salários, ausência de transporte, entre outros obstáculos, faziam com que muitas docentes habilitadas optassem pelo trabalho na cidade, considerado menos desafiador e melhor remunerado. Com efeito, em Uberlândia-MG, por exemplo, até o final da década de 1970, as aulas em escolas rurais eram ministradas majoritariamente por professoras leigas (Lima & Assis, 2013).

Nesse contexto, realizamos esta pesquisa, por meio da qual apreendemos a formação das professoras que atuaram nas escolas rurais em Uberlândia no período de 1960 a 1980, bem como os significados dessa formação para a prática docente e as condições de trabalho nas quais elas exerceram o seu ofício. O recorte cronológico justifica-se por compreender o período anterior e posterior à promulgação da Lei nº 5.692/71, que estabeleceu a habilitação específica de 2º. Grau como critério para a atuação no magistério de 1º Grau e, por conseguinte, produziu transformações que reverberaram tanto no trabalho quanto nas práticas das professoras das escolas rurais.

As fontes empregadas foram: entrevistas com seis professoras que atuaram em escolas rurais no período em questão3; jornais; censo escolar; relatórios e atas das reuniões escolares da Prefeitura de Uberlândia; documentos relativos ao Projeto Logos II; e o Plano Municipal de Implementação da Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus: Infraestrutura e Ensino de 1º Grau.

O texto divide-se em duas seções, a saber: na primeira, ‘Professoras das escolas rurais no Brasil (1960-1980)’, abordamos algumas das políticas de formação das professoras de escolas rurais espalhadas por várias regiões do país, bem como perquirimos as suas condições de trabalho; na segunda, Professoras das escolas rurais em Uberlândia-MG (1960-1980)’, tentamos compreender especificamente a formação inicial das professoras ao ingressarem no magistério em escolas rurais, a formação realizada em serviço4 ao longo da carreira e os seus significados para a prática docente.

Professoras das escolas rurais no Brasil (1960-1980)

Na década de 1950, o discurso desenvolvimentista, a busca pela urbanização e, concomitantemente, a defesa da modernização do meio rural encetaram transformações no modo de vida das populações rurais por meio das quais defendia-se a mudança nos costumes, com ênfase no higienismo e na alfabetização e buscava-se fixar a população no campo. Para atingir esses objetivos, programas nacionais de intervenção no mundo rural foram criados, dentre os quais destaca-se a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), que foi instituída no período de 1952 a 1963, com o propósito de modernizar o meio rural pela educação de base. A CNER empregou várias estratégias através das quais desenvolvia o seu programa, tais como: missões rurais; centros de treinamento de base; e cursos de formação docente, conforme Andrade (2006) e Barreiro (2010).

A CNER orientou-se pelos dispositivos e recomendações dos acordos firmados entre Ministério da Educação (MEC) do Brasil e a United States Agency for International Development (USAID), denominados genericamente Acordos MEC-USAID. Essa cooperação engendrou algumas reformas com vistas à reestruturação física e curricular do ensino brasileiro, a qual teve alcance tanto no tipo de currículo a ser ensinado nas escolas rurais quanto nas formas de intervir e atuar no cotidiano das salas de aula.

Na educação rural, por exemplo, as reverberações dessas normatizações foram percebidas principalmente na década de 1960 nos seguintes aspectos: expansão do número de escolas; aumento das vagas e do número de matrículas; modelos de manuais de ensino e organizações de apostila de ensino; bem como exigência de formação dos docentes da educação primária, inclusive, dos professores rurais (Barreiro, 2010; Brandão, 1983; Souza, 2015).

Além da reestruturação das escolas, tais acordos, por meio de projetos extensionistas, impulsionaram mudanças nos modos de trabalho rural. Destacamos, nesse aspecto, a atuação da Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (ABCAR) e as intervenções da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), que, ao intensificarem a mecanização do trabalho agrícola e intervirem na formação do habitante do meio rural, buscaram inovar e padronizar técnicas de cultivo do solo e inculcar novos hábitos e modos de vida. Como decorrência disso, produziram um conhecimento ‘especializado’ e reproduziram formas de pensar estereotipadas, como as representações positivadas do desenvolvimento urbano, símbolo do progresso nacional, em detrimento do meio rural, apresentado como atrasado (Mendonça, 2010).

Essas transformações influenciaram a organização da escola entre as décadas de 1960 e 1970, quando se reorganizou a estrutura de ensino brasileiro, inicialmente por meio da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 4.024/1961, em 20 de dezembro de 1961 e, posteriormente, pela promulgação de longos repertórios de resoluções e decretos-leis, dentre os quais destaca-se a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus (Lei 5.692, 1971). Assim como os programas extensionistas mencionados anteriormente, essas legislações foram influenciadas pelos acordos MEC-USAID que, por sua vez, estavam fundamentados na Teoria do Capital Humano, cuja principal característica consistia em associar o aumento da renda individual com a maior escolarização. Como consequência desse entendimento, cada sujeito seria responsável pelo investimento na própria educação escolar e a sua renda seria mérito desse investimento. Investir em escolarização, ou seja, nos recursos humanos, seria um fator determinante para o aumento da produtividade e era apresentado à população como elemento de superação do atraso econômico (Schultz, 1962)5.

No que concerne à escola rural, algumas das consequências das legislações e dos programas aprovados e implementados nesse período foram tratadas por diversos pesquisadores brasileiros, dentre os quais destacamos Furtado e Moreira (2015), Vighi (2008), Manke (2006), Brandão (1986) e Stahl (1986). Embora tenham partido de diferentes localidades, esses autores afirmam que a escola instalada em regiões rurais era um espaço destinado aos profissionais com pouca escolarização e também era uma espécie de centro de treinamento no qual muitas professoras iniciavam as suas carreiras. Nesse sentido, o trabalho em escola rural era quase uma obrigatoriedade aos novatos na profissão.

Stahl (1986) comprova, que, não obstante a Lei 5.692/71 ter estabelecido a obrigatoriedade mínima da formação docente em nível de 2º Grau e ter compreendido a docência leiga como um recurso provisório e circunscrito a casos de exceção, o número de professores leigos, em 1983, nas escolas rurais brasileiras, doze anos após a promulgação da referida lei, era de 113.469, de um total de 151.148. Isto é, 75,07% dos professores em atuação nas escolas rurais do Brasil eram leigos no início da década de 1980.

Vighi (2008), ao estudar a trajetória profissional dos professores leigos no município de Pelotas-RS, ainda na década de 1980, ressalta que o sul do país era o segundo lugar no Brasil com maior número de professores com baixa escolaridade, pois comportava um percentual de 26,9% de todos os docentes da região. Normalmente, esse profissional era membro da comunidade rural e, muitas vezes, representava a única alternativa de escolarização para as crianças daquela localidade. Furtado e Moreira (2015) afirmam que, no sul do Mato Grosso, entre os anos de 1930-1970, predominava a escola primária rural e, no ano de 1963, 60% dos professores primários eram leigos, o que também justificava a concentração de cursos de férias para professoras leigas e cursos de difusão dos métodos pedagógicos ofertados pelos poderes públicos no ano de 1964.

Além do aspecto relativo à insuficiente formação, devemos considerar também a presença de professoras mulheres nas escolas rurais. Stahl (1986) destaca, ao analisar os dados do MEC de 1983, que dos 206.837 professores nas zonas rurais, 84,45% correspondiam a docentes do sexo feminino. Gonçalves (2015) afirma, por exemplo, que, no estado do Piauí, no ano de 1976, do total de 3.856 docentes no ensino de 1º Grau no meio rural, 3.746 eram mulheres, ou seja, 97%. De acordo com Vilella (2016), a escola brasileira foi regida, organizada e ministrada predominantemente por mulheres a partir do século XIX. Uma feminização histórica do magistério que, segundo os estudos de Carvalho (2018), permaneceu como uma realidade nas salas da educação básica brasileiras. Com efeito, no ano de 2017, tanto nas zonas urbanas, quanto rurais, averiguamos que 81% das professoras eram do sexo feminino.

À semelhança da realidade nacional, a docência do magistério primário rural em Uberlândia, município situado na sub-região do Triângulo Mineiro, no estado de Minas Gerais (MG), era desempenhada pelas professoras do sexo feminino. Nos anos de 1950-1973, Araújo e Lima (2011) constataram a predominância de mulheres nas escolas rurais. Segundo as autoras, dos 210 docentes rurais em atuação, 199 eram do sexo feminino e somente 11 do sexo masculino. Tal prevalência acentuou-se ainda mais na década de 1970, quando Assis (2018) identificou que, de entre os 62 professores municipais rurais pesquisados, somente 3 professores eram do sexo masculino e 59 do sexo feminino6.

Em síntese, podemos afirmar que a docência primária no meio rural era, e ainda é, composta majoritariamente por mulheres, as quais, leigas ou não, construíram modos de ensino e alfabetizaram as populações do campo. Muitas delas em isolamento, com nenhum ou pouco acompanhamento especializado, seja do inspetor, supervisor ou orientador. Para elas, ser docente no meio rural era aprender na companhia de seus alunos, inventar táticas de ensino, buscar leituras e construir planejamentos. Essa realidade não diferia no município de Uberlândia, o qual, até o ano de 1970, possuía 37 escolas municipais, as quais contavam com um total de 58 professoras, das quais 34 tinham baixa escolarização (Prefeitura..., 1972a) e dependiam de um conjunto individual e diversificado de inventividades para ensinar, conforme discutiremos a seguir.

Professoras das escolas rurais em Uberlândia-MG (1960-1980)

Formação Inicial e Ingresso na Profissão

Das seis professoras entrevistadas7, cinco tinham somente a quarta série primária quando iniciaram seus trabalhos no magistério rural. Iris (2016) e Magnólia (2016) começaram suas carreiras no ano de 1966; Azaleia (2016) e Jasmim (2016) em 1958. Jasmim (2016) atuou inicialmente no magistério doméstico ministrando aulas particulares aos filhos dos fazendeiros e, somente em 1966, foi contratada pela prefeitura de Uberlândia, mas ainda como professora leiga. Dália (2017) ingressou no magistério rural no ano de 1964 com a quarta série primária. Ela afirma que, por ser de estatura pequena, magra e ter 15 anos de idade, era confundida com os próprios alunos. Hortência (2016), diferentemente das outras, já tinha o magistério quando iniciou seus trabalhos na escola rural no ano de 1978.

No decorrer do trabalho, Iris cursou Madureza Ginasial8, oferecido pela Delegacia de Ensino, no formato de supletivo. Segundo ela, o aluno estudava as apostilas em casa e deslocava-se até a escola somente para fazer as provas. No ano de 1973, fez o curso Normal no Colégio Inconfidência; em 1976, iniciou a Faculdade de Letras pela Universidade Federal de Uberlândia; em seguida, fez o curso de Pedagogia e, em 1980, concluiu a especialização em orientação, supervisão e administração escolar.

A professora Magnólia realizou todos os cursos ofertados pelo estado e pelo município, tanto os cursos de férias, quanto aqueles oferecidos em concomitância ao trabalho diário como formação em serviço9; finalizou sua carreira com o curso de magistério. Azaleia e Jasmim concluíram o magistério por meio do curso LOGOS II (programa governamental realizado em parceria com o governo de Minas Gerais no ano de 1979); enquanto Magnólia concluiu seu magistério na Escola Helena Antipoff, destinada à formação docente.

Dália, além de participar dos cursos promovidos pelo município, fez supletivo ainda em serviço e, depois, o magistério; findou seus estudos com a conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia. Já a professora Hortência, normalista desde o início da carreira, optou por realizar a graduação em Pedagogia.

Quanto às formas de ingresso na escola rural, constatamos em nossa pesquisa que, frequentemente, tornava-se professora por indicação de outra pessoa mais graduada ou melhor posicionada na hierarquia social. Essa indicação fundamentava-se no reconhecimento da moral ilibada da postulante ao cargo, no nome da família da qual provinha e no apreço de que gozava dos fazendeiros, políticos, comerciantes renomados ou de outros professores já em atuação (Lima & Assis, 2013). Consequentemente, o magistério rural era também um lugar de disputas políticas (Siqueira & Barreto, 2022) e das práticas clientelistas presentes no país, principalmente nas regiões rurais, onde as escolas eram construídas em propriedades particulares e, muitas vezes, financiadas pelos fazendeiros (Gonçalves, 2015; Machado, 2016; Manke, 2006).

Em Uberlândia, a política da contratação por indicações era justificada pela ausência de profissionais habilitados ao cargo, principalmente, nas áreas campesinas, nas quais os salários e as condições de trabalho eram desgastantes e precários (Lima & Assis, 2013). Com efeito, a imprensa local sinalizava constantemente a desvalorização da professora rural, fosse pelas condições de trabalho, fosse pelas questões salariais, além de ressaltar o sacrifício e o isolamento vivenciado nas fazendas (Provam..., 1952). As escolas tinham infraestrutura deficiente: sem água; energia; ventilação; materiais; mobiliários; quadros; giz e/ou cadernos; as salas de aula eram improvisadas em currais, barracões ou depósitos; e havia poucas unidades que dispunham de prédio próprio e de alojamento para o professor.

O trajeto exigia o enfrentamento de muitos obstáculos (matagais, animais, rios e estradas de chão) e nem sempre era considerado um caminho seguro. Por isso, as docentes que podiam optavam por residir nas casas dos fazendeiros que ficavam mais próximas à escola; entretanto, 79% das professoras rurais mantinham os seus endereços residenciais no meio urbano. Muitas professoras permaneciam nas fazendas durante a semana e retornavam à cidade apenas aos finais de semana. No fim da década de 1960, sob a gestão do prefeito Renato de Freitas (Aliança Renovadora Nacional - Eleito pela ARENA - 1967-1970), graças à implementação do transporte escolar diário para a zona rural, as professoras passaram a fazer o deslocamento diário da cidade para a fazenda. O transporte possibilitou, por exemplo, que Magnólia (2016) voltasse a estudar.

Somente no ano de 1972 o prefeito Virgílio Galassi (Eleito pela ARENA - 1970-1972), numa tentativa de arregimentar normalistas para a zona rural (o que o permitiria atender também ao disposto na Lei 5.692/71, a qual estabelecia a formação mínima para o professor primário), passou a destacar a importância de a professora rural ser familiarizada com a região de atuação e, consequentemente, para estimular a permanência no campo, seria ofertada uma gratificação financeira de até 60% sobre o salário mínimo às candidatas dispostas a se instalarem definitivamente nas áreas rurais. Essa proposta também atendia às críticas veiculadas pela impressa local, as quais destacavam o distanciamento entre escola e a comunidade rural como um dos empecilhos para se resolver o problema do ensino naquele meio (Almeida, 1972).

O currículo ensinado na escola rural era composto pelas disciplinas de Português, Matemática e Estudos Sociais; do que concluímos um ensino voltado à iniciação na leitura, na escrita, bem como no cálculo matemático (Prefeitura Municipal de Uberlândia, 1969). O modelo de escola conteudista e classificatória, vigente na década de 1960 nas escolas urbanas e transplantado para o meio rural, distanciava-se daquilo que a comunidade rural considerava como necessário aos seus alunos. De acordo com Magnólia (2016), para as famílias rurais, em particular para os pais dos alunos que possuíam uma noção prática do ensino, a escola era o lugar de aprender a contar, a ler e a escrever. Essas pessoas nem sempre entendiam o porquê de os filhos estudarem outros conteúdos. No entanto, para Magnólia, a escola era o meio civilizador que permitiria aos povos considerados, por ela, atrasados terem acesso aos ensinamentos escolares.

[...] A educação deles era zero. Eles não tinham entrosamento com nada. Não sabia e não queriam saber. Era desse jeito [...] Eles eram muito atrasados e eu não podia apelar com os pais, eu não podia, eu tinha que me dar bem com eles. Então eu tinha aquele trabalho de catequizar os pais também [...] (Magnólia, 2016, p. 7).

Para Magnólia (2016), a função catequizadora de seu trabalho conduzia o fazer na escola. Ao afirmar que era preciso ‘catequizar os pais também’, a professora reitera a permanência do papel doutrinador da professora, daquela pessoa que instruiria modos de ser através da educação. Essa noção decorria, dentre outros fatores, de uma apropriação dos discursos que embasaram a CNER e que foram reproduzidos pelos jornais do período, como este, por exemplo: “A escola rural, não terá, apenas a função de alfabetizar, ou melhor, de formar o espírito do aluno será, em sua zona de atividade, um foco de civilização” (Maranhão, 1956, p. 2).

Conforme preconizado pela CNER, a escola rural tinha a sua função estabelecida: alfabetizar e civilizar os povos rurais por meio do trabalho das professoras, principais agentes desse processo formativo. Caberia, portanto, a essas profissionais, com ou sem formação, ensinar e cultivar em seus alunos a noção de um padrão de vida cultural a ser seguido. Ao alfabetizar e ensinar aos alunos, as escolas rurais estariam preparando-os para o mundo do trabalho e para a sociedade dita moderna e civilizada.

A prática sem teoria e a teoria sem prática

No que diz respeito às práticas, Hortência (2016) disse ter se sentido insegura no início de sua carreira profissional. Conforme a sua narrativa, precisou aprender no cotidiano da escola a se organizar, a selecionar as formas de ensino, a compreender que a sala de aula também tinha seu próprio tempo e sua rotina, bem como a aceitar os diferentes modos de aprendizagem de seus alunos. Hortência (2016) ressaltou que as orientações advindas das especialistas nem sempre eram formativas ou coerentes com o cotidiano da sala de aula e que alguns movimentos foram implementados na escola sem a escuta dos professores que ali atuavam. A esse respeito, relembrou as tentativas de implantar o construtivismo na década de 1980 e indicou que, embora fosse explicada a importância do ensino a partir da realidade do aluno, o modo segundo o qual era possível realizar essa proposta pedagógica muitas vezes não era apreendido pela docente e, na verdade, também não se aproximava da realidade do aluno do meio rural.

Por outro lado, para Hortência (2016), o fato de ser normalista lhe possibilitava ter uma maior compreensão sobre a sua ação pedagógica, pois reconhecia como decorrências dessa formação as facilidades e as melhores condições de trabalho que vivenciou em relação às outras professoras rurais. Ela atuou numa escola com materiais didáticos e estrutura física providenciadas pelo dono da fazenda e proprietário da Pinusplan Reflorestadora. Relatou ainda que tinha autoridade para tomar as decisões escolares, além de ser acompanhada pelas supervisoras e orientadoras escolares. Ao contrário de todas as narrativas, ela afirmou que contava com transporte sempre que necessitava de deslocamento da fazenda para a prefeitura.

Todavia, no âmbito da docência municipal, Hortência era uma exceção, pois tudo aquilo que estava disponível a ela, era inacessível para as demais professoras entrevistadas. Entre os anos de 1950 e 1960, não havia orientações pedagógicas, nem mesmo planejamento sistematizado de cursos de formação para as professoras rurais em serviço no município de Uberlândia.

Conforme demonstraremos a seguir, a formação em serviço só se tornou realidade no município a partir da década de 1970, quando os cursos começaram a ser promovidos com mais frequência. Até então, ensinar envolvia um conjunto de predicados que circulavam no âmbito da inventividade, ora com inspiração nas memórias de criança, enquanto eram alunas e nas representações por essas docentes construídas sobre o que era ser professora, ora buscando diariamente práticas que eram mais tentativas perpassadas por erros e acertos.

Somente na metade da década de 1960, em conformidade com as orientações da LDB 4.024/61, foram instituídas e admitidas as primeiras especialistas pedagógicas no município. Antes desse período, as poucas visitas às escolas rurais e a conferência dos documentos escolares eram realizadas pelos inspetores de ensino e/ou delegados de ensino, os quais tinham funções muito mais voltadas à fiscalização do que à orientação e à reflexão pedagógica.

Todavia, de acordo com Assis (2018), até mesmo as visitas dos inspetores de ensino eram raras em algumas escolas, pois estavam condicionadas à importância político econômica da localidade: aquelas regiões mais ricas eram visitadas com mais regularidade (tal situação explica, inclusive, a condição privilegiada da escola em que atuou Hortência); já as menos abastadas e mais isoladas, frequentemente, eram deixadas em relativo abandono pelo poder público municipal.

Ao contrário do que relatou Hortência, Magnólia (2016), professora leiga, não contou com o apoio de especialistas com os quais pudesse ter obtido orientações que lhe facilitassem o trabalho. Por isso, segundo o seu relato, o começo do magistério foi um desafio: não sabia o que e nem como ensinar; sem orientação, não tinha com quem esclarecer as suas dúvidas ou trocar experiências e criou a sua própria tática a partir da transposição de um ensino urbano para o campo. O desconhecimento do conteúdo e dos métodos aliados à inexperiência trouxeram as primeiras frustações. Por isso, foi preciso reinventar-se:

[...] passei muitos anos sem estudar, porque naquele tempo, os pobres não usavam estudar. Quem levava os filhos até a quarta, já era o máximo. Então eu fiquei sem estudar até quando eu comecei a lecionar. [...] Olha! Não tinha recurso pra nada, não tinha orientação nenhuma, porque nessa época, como eu te falei, eu tinha feito somente o quarto ano primário e eles admitiam pessoas nesse nível para trabalhar, para dar aula. [...] Eu não sabia nem o que era programa de ensino. Então eu fui com a cara e a coragem! [...] eu passava o dia inteirinho, copiando os cadernos dos meninos da cidade para mim ter uma noção do que eu iria passar para aqueles meninos. Porque eu não fui orientada pra nada. Não existia orientação. Então no primeiro ano, não fiz sucesso, porque foi desse jeito. [...] Eu tinha vontade, mas eu não sabia (Magnólia, 2016, p. 2-3).

Embora Magnólia não tivesse acesso ou conhecimento do currículo escolar e/ou qual conteúdo ensinar em cada disciplina, já havia o programa do ensino primário regulamentado desde o ano de 1946 pela Lei 8.529/46. Nesse sentido, para a administração pública, até o ano de 1966, pouco importava a aplicação do método de ensino e/ou dos conteúdos ensinados no meio rural; era imprescindível apenas que a docente portasse boas referências e demonstrasse os conhecimentos rudimentares da escrita, do cálculo e da leitura. O trabalho dessas profissionais era analisado junto à avaliação dos alunos no final do ano letivo pela banca examinadora, nomeada pela administração pública municipal, que arguia a turma em prova oral e, concomitantemente, conferia toda a documentação da escola.

Diante disso, era possível encontrar, numa mesma região, diferenças entre: posturas; metodologias de ensino; horário de aulas; organização dos planos e dos materiais escolares. A inventividade era a tática de que dispunham as docentes para a realização do trabalho em meio à ausência de recursos humanos e materiais: algumas optavam por recorrer aos conteúdos ensinados nas escolas urbanas; outras compravam, com os próprios recursos, manuais, livros e/ou cartilhas (voltados para a realidade urbana): “Uai a gente tinha aquela experiência, a gente comprava uns bons livros para gente ir repassando para os alunos, do mesmo jeito da escola da prefeitura [...]” (Jasmim, 2016, p. 3).

De fato, a respeito do saber construído pelas professoras leigas no cotidiano, Escolano Benito afirma que muitos desses experimentos e tentativas, com erros e acertos, eram decorrentes também das representações que histórica e culturalmente eram construídas em relação à escola e à docência. Dessa forma, segundo esse autor, o sentido e a função da escola são consequência de uma reprodução secular, que, apesar de ser transformada ao longo dos anos, a partir da transmissão dos conteúdos de geração a geração, é condicionada por um saber vivido, experienciado e culturalmente afirmado. Esse processo aproxima o professor do artesão e configura a docência como um artesanato, um habitus: “[...] um saber experiencial constituído de um conjunto de dispositivos práticos e morais, com sua techné e seu ethos à semelhança do que se reconhece na figura do artesão, de qualquer artesão” (Escolano Benito, 2017, p. 69).

Ademais, Nóvoa (2000) e Tardif (2014) compreendem os saberes das experiências vividas (cultural, social, afetiva, política, financeira e psicológica), que não deixam de existir ou se tornam menores ao serem adquiridos os conhecimentos advindos da formação escolar e acadêmica, como parte intrínseca à profissão docente. Ao contrário, os saberes escolarizados e aqueles emergentes da cultura empírica, ao se imbricarem, produzem não só a techné do fazer profissional, mas constituem a própria diferença entre um profissional e o outro, embora todos representem um coletivo profissional. Importa-nos destacar que, para os autores, a completude nunca é alcançável, pois o trabalho transforma-se cotidianamente.

Por outro lado, notamos, pelos relatórios governamentais, que esse conhecimento construído pela criatividade, por meio de erros e acertos, adequações, junções e apropriações foi totalmente desvalorizado pelas secretarias de ensino, pois estava associado a algo apreendido pela própria prática. Um saber oriundo de um fazer diário e, por essa razão, desconsiderado, uma vez que “[...] os preconceitos acerca do valor e do sentido da experiência condicionaram, durante muito tempo, o campo escolar” (Escolano Benito, 2017, p. 38).

Consoante Tardif (2014), a supervalorização dos cursos formativos acentuou as fragilidades e as limitações dos saberes disciplinares (teorias sociológicas, docimológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas, pedagógicas), os quais foram introduzidos, de forma fragmentada, em conhecimentos estanques e, muitas vezes, distanciados da prática cotidiana. Assim, as pesquisas também demonstram que os conhecimentos disciplinares sozinhos não eram suficientes para solucionar os desafios do cotidiano da sala de aula e, mesmo tituladas, muitas professoras sentiam-se despreparadas para o magistério no meio rural (Chaloba et al., 2020).

Em suma, até o final da década de 1960, o conhecimento minimamente necessário ao exercício da docência faltava às professoras leigas das escolas rurais de Uberlândia; aquilo que responderia à questão: Como ensinar? Mas essa também era uma pergunta pautada nos cursos normais e que, contudo, ficava em aberto10. O imperativo de aprender e a busca por métodos que auxiliassem o ensino também eram estímulos que movimentavam, tanto a professora leiga, dada a fragilidade de sua formação, quanto a normalista, dada a limitação dos cursos iniciais, conforme analisaremos a seguir.

Formação em serviço

Segundo Freitas e Biccas (2009), no final da década de 1960, com as normativas oriundas da LDB 4.024/61, iniciou-se a sistematização da educação brasileira em muitas localidades. Além disso, segundo já discutimos, as políticas educacionais no período fundamentavam-se na Teoria do Capital Humano, amplamente difundida no âmbito das discussões educacionais. Esse, portanto, foi o contexto no qual ocorreram os cursos de formação em serviço frequentados pelas professoras das escolas rurais que foram entrevistadas. Esses cursos, de acordo com os jornais da cidade, foram apresentados no Quadro 1:

Quadro 1 Cursos de Formação de Professores Rurais. Uberlândia-MG. 

Além desses cursos de formação em serviço, ainda foram organizados, em âmbito nacional, os projetos LOGOS I e II. O primeiro limitava-se ao treinamento das professoras; enquanto o LOGOS II, além de treinar, proporcionava o registro e concedia o Diploma de Magistério em nível de 2º Grau. De acordo com o documento da 26ª Delegacia Regional de Ensino, o Projeto LOGOS significava sabedoria e tinha como objetivo, em sua primeira versão, o LOGOS I, ofertar sabedoria às professoras em atuação por meio de treinamento para exercer suas atividades escolares, sem, no entanto, habilitá-las em nível de magistério. Apesar de a documentação consultada não informar a data de realização do projeto LOGOS I, acreditamos que esse tenha acontecido durante a formação das professoras leigas na década de 1960, momento em que o município firmou parceria com a Delegacia de Ensino para treinar essas profissionais em atuação (Minas Gerais, [1981]).

Ainda sobre a formação em serviço, em 1961, foi realizada a primeira reunião mensal das professoras rurais no município de Uberlândia, na sede do Grupo Escolar Bom Jesus, na qual, segundo a documentação consultada, “[...] compareceu um número elevado de docentes” (Prefeitura Municipal de Uberlândia, 1961). Essa reunião teve função administrativa, com avisos e repasses aos docentes, além de ser reiterada a responsabilidade da professora rural para com o ensino.

Em 1967, em conformidade com a tendência nacional de formar tecnicamente os professores para alfabetizar a população, o Município de Uberlândia e o Estado de Minas Gerais reuniram-se com as professoras rurais a fim de organizar administrativa e pedagogicamente o trabalho escolar. As cursistas recebiam apostilas para o estudo em casa, faziam seus trabalhos e podiam depois reutilizá-las na escola. A formação voltada à didática, ao modo de ensinar e à seleção dos conteúdos tornou-se também um pré-requisito de permanência nas escolas.

Em 1968, um jornal local registrou a realização de reunião pedagógica dos professores municipais com participação e orientação da Secretaria de Ação da Prefeitura Municipal. Nesse dia, foi ministrada aula pela professora da equipe especializada da Delegacia Regional de Ensino sobre teste de inventários (para todas as séries) e matemática. Além disso, houve orientação quanto à divisão de horários das aulas para o atendimento das classes multisseriadas na zona rural. Ressaltou-se que o papel da professora rural não se limitava à escolinha, mas deveria ser extensivo à comunidade rural como um todo. A partir disso, foi sugerido o trabalho docente com ponto de vista agronômico, médico sanitário e social (Professores..., 1968).

Em 1970 a Secretária de Educação de Minas Gerais abriu vagas para o Curso de Aperfeiçoamento para professores e para o curso realizado pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro (Belo Horizonte), a partir de abril daquele ano, com a duração de oito meses em regime de tempo integral (Aperfeiçoamento..., 1970). Em março de 1971, aconteceu o curso de Alfabetização pelo sistema salesiano Dom Bosco voltado à formação de professores na Paróquia da Igreja Nossa Senhora Aparecida em Uberlândia (Curso..., 1971).

A Lei 5.692/71 definiu que cada sistema de ensino deveria organizar o Estatuto do Magistério de 1º e 2º graus com definição de cargos, carreira docente e com salários proporcionais ao nível de formação. Em busca do atendimento à legislação, em Uberlândia, no ano de 1972, o plano municipal propunha a criação da Faculdade de Educação e do curso de Graduação em Licenciatura em Pedagogia. Também previa a organização dos seguintes cursos: curta duração (2 anos) destinado à formação para atuar em nível de 1º Grau; formação especial (cursos de verão, de formação especial e de curta duração para professores de 1º Grau); e formação especial para professores de 1º Grau (Prefeitura Municipal de Uberlândia, 1972b). Todavia, pela documentação que consultamos até o momento não podemos afirmar que esses cursos tenham sido realizados; sabemos apenas que constavam como propostas no âmbito do Plano Municipal de Implementação da Lei 5.692/71.

De acordo com os documentos que encontramos na Superintendência de Ensino, somente uma escola estadual e uma de caráter particular ministravam o curso de magistério às professoras rurais entre 1960 e 1980. Quatro dos cursos de magistério foram criados após a década de 1980, sendo um particular e três ofertados em escolas públicas estaduais (Assis, 2018).

Na década de 1980, destacamos ainda como iniciativa de formação, oriunda do governo federal, a segunda edição do Projeto LOGOS, o LOGOS II, desenvolvido nos Estados do Acre, Amazonas, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e, no período de 1979 a 1983, no Território Federal de Roraima. O curso contava com o envolvimento do Ministério da Educação e Cultura (MEC), da Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus (SEPS), Centro de Ensino Técnico de Brasília (CETES), Secretaria de Estado e Educação (SEE) e da Diretoria de Ensino Supletivo (DESU).

O LOGOS II, mencionado por duas professoras entrevistadas, Azaleia (2016) e Jasmim (2016), foi ofertado pela Secretária Estadual de Educação na década de 1980. O projeto havia sido implementado no estado mineiro pela Resolução SEE: 3.180/79, publicada no Diário Executivo em 04/12/1979; no entanto, somente em dezembro de 1981, criou-se o núcleo em Uberlândia por meio de uma parceria entre a 26ª Delegacia Regional de Ensino e a Prefeitura Municipal. O curso foi destinado às professoras atuantes de 1ª a 4ª séries, ainda sem certificação no magistério, com o objetivo de proporcionar-lhes a habilitação em nível de 2º grau. Após a conclusão, a professora deveria receber o diploma registrado pelo MEC/BH. Na documentação, não constam dados esclarecedores a respeito de se a carga horária de 720 horas, ou mais, de regência era composta também pela formação empírica (Minas Gerais, [1981]).

Os significados da formação em serviço para a prática das professoras

Ao rememorarem esses cursos de formação (frequentados a partir, sobretudo, do final da década de 1960) e ao refletirem sobre as suas influências nas práticas, as professoras entrevistadas atribuíram-lhes os significados positivos. Magnólia (2016), por exemplo, representa 1967 como tendo sido um marco profissional, pois ela afirma ter realizado o primeiro curso de formação destinado às professoras leigas do município nesse ano. Nessa formação, o prefeito Renato de Freitas teria declarado sua preocupação com o ensino rural e exigido que as docentes em atuação voltassem a estudar, porque aquelas que não passassem no concurso, a ser organizado por seu governo, não permaneceriam em atuação. Para a professora, a ‘sensibilidade’ do prefeito fez com que fossem organizados, a partir daquele momento, muitos outros cursos de formação em serviço, frequentemente realizados no período de férias, centrados na formação didático-teórica das professoras e amplamente divulgados nos jornais e no rádio.

Embora a ação do município fosse entendida pela professora rural como resultado de uma sensibilidade do prefeito em consideração à dificuldade do trabalho realizado em escola rural, como divulgado no jornal (Escolas, 1953); ao analisá-la em seu contexto histórico e político, percebemos que era prioritariamente um movimento em consonância com a política educacional vigente, a qual buscava formar as professoras para civilizar o homem do campo, que, ao escolarizar-se, poderia se tornar um sujeito mais produtivo. Os fins da educação voltavam-se para o mundo do trabalho, o qual também estava alinhado aos modos de vida de uma sociedade urbana.

Mesmo que os cursos de formação tivessem o cuidado de não afetar a rotina escolar, pouco estavam ajustados ao calendário do meio rural e às próprias condições de seu público, pois as professoras afirmam que eram obrigatórios e ministrados no período de férias escolares; diferentemente daquilo que entendemos hoje como direito ao descanso letivo. Não obstante, as professoras rurais leigas relatam que embora a formação tenha sido realizada no período de férias escolares, retirando-lhes o direito ao descanso anual, foi uma oportunidade de entender o seu fazer diário. “Nas férias foi dado o curso. O curso parece que durou uns dois meses. Foi janeiro e fevereiro. Gente, eu ficava feliz com aquele curso. Aprendia tanta coisa [...]” (Magnólia, 2016, p. 5).

Depois disso, em todas as férias escolares, havia cursos de formação para as professoras rurais, nos quais, segundo as narrativas de nossas entrevistadas, elas aprendiam tudo que consideravam importante aprender sobre o método e as metodologias de ensino: técnicas de ensino; didática; e modos de fazer (Dália, 2017). Nesses cursos, eram abordados os conhecimentos curriculares, os conteúdos disciplinares e as formas de ensinar.

Além disso, as orientações anuais acerca dos conhecimentos curriculares começaram e foi entregue o programa de ensino a ser aplicado nas escolas rurais. As visitas escolares das supervisoras e orientadoras passaram a ocorrer mensalmente, ou no intervalo de dois em dois meses, quando eram conferidos: o registro do planejamento docente; a aplicação do conteúdo nos cadernos dos alunos; e a avaliação desse conhecimento: “Tudo […] orientava […] De vez em quando dava uma sapeada para ver se os meninos estavam realmente sabendo” (Dália, 2017, p. 6 - 7).

Segundo Iris (2016), os cursos de férias estimularam-na a buscar novos conhecimentos e a motivaram a voltar a estudar. Conforme informado, ela continuou os estudos e realizou até pós-graduação. Essa qualificação permitiu a ela não só entender o ensino rural, como ainda possibilitou que ela atuasse enquanto professora primária, professora do ensino de 1º Grau, coordenadora de área na Secretaria de Educação (Língua Portuguesa), supervisora nas escolas urbanas, supervisora nas escolas rurais e vice-diretora na escola de 1º Grau na zona urbana. Depois, ela teve a oportunidade de ser assessora pedagógica na Secretaria de Educação por dez anos, durante os quais ela desenvolveu projetos para formar professoras na área da literatura, atuou como coordenadora de cursos no atual Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz (CEMEPE) e fez um programa de formação destinado às professoras rurais municipais. De acordo com Iris (2016), esse curso beneficiou não apenas as professoras das escolas rurais, mas também contribuiu com sua própria formação.

Azaleia (2016), ao recordar a formação em serviço, afirma que, durante o tempo em que atuou como professora, participou dos cursos de formação das professoras rurais realizados no período de férias, depois fez o curso LOGOS II, organizado pelo Estado em parceria com a prefeitura. Não fez o curso superior por estar muito cansada para tentar uma graduação e optou por finalizar a sua carreira com a formação apenas no magistério, a qual permitiu que ela, além de ser professora, se tornasse diretora e, depois, vice-diretora na Escola Municipal Rural Cruzeiros dos Peixotos, localizada no distrito de Uberlândia. Ela ressaltou que, antes de se aposentar, no ano de 2003, durante a segunda gestão do prefeito Zaire Resende (Eleito pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB] - 2001 a 2004), fez um curso destinado a preparar aqueles que iriam se aposentar. De acordo com ela, foi um curso restrito a um ‘seleto grupo’, chamava-se Novos Rumos.

Jasmim (2016), ao relembrar a formação, afirmou ter participado dos cursos de férias, bem como do curso de magistério LOGOS II, o qual lhe proporcionou a titulação no magistério. Ela afirmou também ter frequentado vários cursos de formação em serviço e outros a respeito dos quais ficou sabendo durante o período em que era professora, inclusive, no exterior, tendo participado de formação no Uruguai com auxílio financeiro da prefeitura. Ela disse ter estudado durante toda a sua carreira. Ademais, atuou como supervisora do lanche municipal, na Campanha Nacional da Alimentação Escolar (CNAE); mas indica que sempre gostou das salas de aula, lugar no qual se aposentou como normalista na década de 1990.

Dália (2017) também participou dos cursos de formação nos períodos de férias, depois, fez o supletivo e o magistério (parcialmente em uma instituição particular e, em seguida, em uma instituição pública). Após a década de 1980, ela informou que se tornou escriturária no Departamento de Educação.

Embora Hortência (2016) fosse normalista quando iniciou sua atuação, também participou dos cursos de formação docente ofertados pelo município; depois disso, optou por fazer a graduação em Pedagogia. Posteriormente, tornou-se diretora da escola rural onde havia iniciado a sua carreira e, mais tarde, supervisora em duas escolas, ambas na zona rural. Das professoras entrevistadas, somente Hortência (2016) e Dália (2017) aprofundaram a crítica à contribuição desses cursos, os quais, no entender de ambas, não obstante tenham permitido compreender o labor diário e tenham constituído uma identidade docente, ao instituir um saber fragmentado, não possibilitaram a apropriação dos conteúdos e a sua devida incorporação ao cotidiano da sala de aula; por conseguinte, reforçou-se um distanciamento entre a teoria e a prática.

Com efeito, a titulação não era suficiente para formar o professor e não poderia ser quantificada pela acumulação de cursos. A construção da técnica e dos conhecimentos exige um conhecimento mais rebuscado, elaborado por um trabalho complexo de reflexão crítica da prática e sobre a prática (Nóvoa, 1992).

A despeito das reflexões de Hortência e Dália, para as professoras entrevistadas, inclusive para elas mesmas, a formação em serviço permitiu que se profissionalizassem, refletissem e compreendessem melhor as práticas dentro da sala de aula e pudessem ocupar cargos de gestão dentro das comunidades escolares, como diretoras, supervisoras, coordenadoras, assessoras, entre outros. Dessa forma, entendemos que a formação em serviço, apesar de incorporar o caráter tecnicista do período (Brandão, 1983), foi significativa para todas as seis professoras entrevistadas.

Ainda, atribuímos a valorização desses cursos à possibilidade engendrada por eles de romper o isolamento em que vivam essas professoras. Nesse sentido, mesmo que os seus conteúdos não fossem concernentes com a realidade das escolas rurais, o fato de se reunirem com as demais colegas de profissão, de trocarem informações e de terem acesso a alguns rudimentos da didática se constituía um amparo à docência solitária nas escolas.

Considerações finais

À discussão sobre formação e trabalho das professoras rurais, perpassa a questão da ‘zona fronteiriça’ no sentido que lhe confere Santos (1993, p. 49): “[...] uma zona híbrida, babélica, onde os contatos se pulverizam e se ordenam segundo micro-hierarquias pouco suscetíveis de globalização”. Dessa forma, havia aquela moça urbana, que morava no campo durante a semana, mas que retornava à cidade aos sábados e domingos; havia a professora da cidade, que se deslocava diariamente para o campo e ainda existia a professora que morava permanentemente no meio rural. Nesse contexto, o pertencimento, ou o não pertencimento, ao lugar consubstanciava-se em uma clivagem que conformava elementos de suas práticas e compunha os significados construídos para o seu trabalho. Por exemplo, diferentemente das professoras que eram oriundas da cidade, as que nasceram e viviam nas fazendas apropriavam-se da docência como um elemento que lhes conferia poder, pois partiam do ambiente familiar e dos afazeres domésticos em direção à condição de professoras. Além disso, dominavam a leitura, a escrita, o cálculo e, por isso, eram respeitadas, mesmo quando a sua escolarização se restringia ao antigo ensino primário.

Não obstante essas diferenciações e coerente com as imbricações que caracterizam o lugar de fronteira, um mesmo desafio perpassava o trabalho de todas, qual seja: a persistência de representações urbanas transpostas ao campo e, muitas vezes, reforçadas pelo próprio currículo da escola rural espelhado nos mesmos conteúdos daqueles prescritos para a escola urbana. Um transplante cultural e curricular que consolidava as representações de dois lugares e espaços intrincados e concomitante opostos: o rural e o urbano.

Embora ser docente no meio rural significasse, do ponto de vista do estatuto profissional, uma desvalorização, em decorrência das rudimentares condições de trabalho presentes naquele universo, esse trabalho foi significativo para o conjunto das professoras. Por exemplo, para as moças que nasceram e viviam nas fazendas, em meio à população não alfabetizada, ser professora lhes conferia prestígio e reconhecimento; para aquelas habitantes da cidade, o trabalho no espaço rural era, além de um estágio para se efetivar na escola urbana, um meio de ter ganhos financeiros próprios e certa independência profissional. Assim, numa trama complexa, desenhava-se a imagem do magistério rural: ora almejado pelas moças oriundas de famílias rurais pobres; ora um ofício para as mulheres e filhas de alguns fazendeiros; ora apenas um rito de iniciação para aquelas já tituladas.

Por fim, a partir dos relatos de nossas entrevistadas, aquilatamos que a relação entre a formação e o trabalho manifestava-se e também se constituía no seguinte contexto: sem dominar os saberes sistematizados da profissão, muitas professoras se apropriavam das experiências das mestras com as quais se alfabetizaram e, posteriormente, do pouco que os cursos de formação lhes propiciavam e a partir daí, construíam as suas próprias práticas, as suas inventividades, ou ‘traquinagens’, como se refere Certeau (2003). Com efeito, desprovidas de uma formação escolar suficiente, no cotidiano da sala de aula, era preciso que elas construíssem táticas de ensino, pois a arte do fazer era produzida, reelaborada e refletida no próprio fazer.

Azaleia, Dália, Hortência, Iris, Jasmim, Magnólia e tantas outras mulheres, que estiveram à frente das salas de aula nas escolas rurais, faziam aquilo que Certeau chamava de bricolagem, a saber, subvertiam os modos de ensinar de dentro para fora e burlavam as deficiências de sua formação. Essas professoras não rejeitavam as representações nem as memórias de infância acerca da escola, tampouco seguiam à risca os currículos estabelecidos pelo Governo, ou se apropriavam integralmente do que aprendiam nos cursos de férias; mas os transformavam de inúmeras maneiras diferentes, incorporando-lhes as apropriações históricas, culturais e políticas que vivenciavam. Assim, faziam o programa de ensino funcionar de outro jeito e o colocavam em prática de diversas maneiras: “Modificavam-no sem deixá-lo” (Certeau, 2003, p. 95).

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1Este artigo originou-se na pesquisa realizada em dissertação de mestrado (Assis, 2018) e, posteriormente, ampliada no âmbito do projeto coordenado por Rosa Fátima de Souza Chaloba (Chaloba, Celeste Filho, & Mesquita, 2020). A frase título: “Eu tinha vontade, mas não sabia”, foi proferida por Magnólia, (2016, p. 2-3).

2Um dos fatores que promoveram o incremento na formação docente decorreu das políticas educacionais propostas no Plano Nacional de Educação que instituiu metas para a educação básica entre os anos de 2014 a 2024. Segundo a meta 15, ao fim do período citado, os professores da educação básica deveriam ter formação em nível superior (Brasil, 2014).

3Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da UFU, protocolo nº 1.776.716.

4Entendemos como formação em serviço todas as atividades de reflexão, compreensão e aprimoramento profissional vivenciadas pelas professoras rurais após ingressarem no magistério. A opção de adotar essa denominação decorre da tentativa de aproximar o fenômeno observado na documentação dos discursos e legislações do período que, ao se referirem à formação docente, empregavam os termos aperfeiçoamento e atualização docente, tal como disposto na Lei 5.692/71, em seus art. 11 e 38. Formação continuada, por sua vez, tal como posto por Gatti (2008), tornou-se mais apropriada nos últimos anos do século XX. Emerge, então, como um requisito para o trabalho docente que compreende a ideia de atualização constante.

5Segundo Frigotto (1993), do ponto de vista macroeconômico, a educação era representada como condição fundamental para a mobilidade social; enquanto no sentido microeconômico enfatizava-se a condição prática e os saberes do trabalho, ou seja, o treinamento. Ao criticar tal proposição, o autor considera que, a partir da década de 1960, o processo educativo foi reduzido à função de produzir habilidades, condicionar comportamentos e transmitir conhecimentos.

6 Assis (2018) não encontrou informação sobre a identificação do sexo do professor rural e, por isso, tal como Araújo e Lima (2011), utilizou os próprios nomes dos docentes para classificar o gênero. Nesse sentido, os números apresentados são relativos, podendo haver um ou outro nome adotado de forma indistintamente por homens e mulheres.

7Por exigência do CEP, todas tiveram as suas identidades preservadas e os nomes foram substituídos por pseudônimos.

8“Nome do curso de educação de jovens e adultos - e também do exame final de aprovação do curso - que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961. Fixava em 16 e 19 anos as idades mínimas para o início dos cursos, respectivamente, de Madureza Ginasial e de Madureza Colegial. Exigia, porém, um prazo de dois a três anos para a sua conclusão em cada ciclo, exigência essa abolida posteriormente pelo Decreto-Lei n° 709/69. Isso ocorreu porque a clientela dos exames de madureza era formada, na sua maioria, de autodidatas que tentavam suprir a formação escolar dentro de suas próprias condições de vida e de trabalho. Para estas pessoas somente o exame interessava” (Menezes, 2001).

9Entendemos como formação em serviço todas as atividades de reflexão, compreensão e aprimoramento profissional vivenciadas pelas professoras rurais após ingressarem no magistério. A opção de adotar essa denominação decorre da tentativa de aproximar o fenômeno observado na documentação dos discursos e de legislações do período que, ao se referirem à formação docente, empregavam os termos aperfeiçoamento e atualização docente, tal como disposto na Lei 5692/71, em seus art. 11 e 38. Formação continuada, por sua vez, tal como posto por Gatti (2008), tornou-se mais apropriada nos últimos anos do século XX. Emerge, então, como um requisito para o trabalho docente que compreende a ideia de atualização constante.

10Nos dias atuais, não seria essa uma das grandes indagações dos formadores de professores e dos próprios professores graduados atuando em sala de aula? Ainda hoje, a formação continuada implica o entendimento da não completude do saber e a necessidade permanente de pesquisar e conhecer.

14Rodadas de avaliação: R1: três convites; duas avaliações recebidas

15Como citar este artigo: Assis, D. A., & Lima, S. C. F. “Eu tinha vontade, mas eu não sabia”: formação e trabalho de professoras rurais (Uberlândia-MG, 1960-1980). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e247

16Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

17Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 22 de Abril de 2022; Aceito: 22 de Setembro de 2022; Publicado: 09 de Janeiro de 2023

*Autora para correspondência. E-mail: danielle_angelica@hotmail.com.

Danielle Angélica de Assis é mestre em Educação, Pós-graduada em Psicopedagogia e Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atua como coordenadora pedagógica em escola de educação infantil, no cargo de Analista Pedagógica, na Prefeitura Municipal de Uberlândia-MG. Seus estudos e pesquisas têm como áreas de interesse: história da educação rural, história da formação docente, história das professoras rurais, práticas pedagógicas, infâncias e memória. E-mail: danielle_angelica@hotmail.com https://orcid.org/0000-0001-9147-8664

Sandra Cristina Fagundes de Lima é Doutora em História pela UNICAMP. Realizou estágio pós doutoral em história da educação no Instituto de Educação na Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. Professora titular aposentada da UFU, onde ministrou aulas de história da educação na graduação e na pós-graduação. Pesquisa temas relacionados à história da educação rural e cultura escolar. E-mail: sandralimaufu@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-7191-7914

Editor-associado responsável: Alicia Civera Cerecedo (Cinvestav - México) E-mail: malixa44@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-0021-2911

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