Introdução
Na qualidade de estrangeiro é para mim um verdadeiro prazer poder dizer que os meus esforços para captar a atenção da parte inteligente deste país para a utilidade de meu método na senda da instrução, e sobretudo enquanto a sua adaptação ao estudo da História universal, farão acolhidas com presteza que não é senão reflexo do espírito sempre ativo e sempre procurando novos meios para aumentar a versatilidade de seus estudos. [...]. Era minha ambição provocar o veredito da opinião pública (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro [AGCRJ], n.d., códice 11.3.34).
A epígrafe que abre este artigo é o trecho de uma carta escrita, em 2 de maio de 1871, por Napoleão Félix Zaba (1803-1885) ao Frei José de Santa Maria Amaral, Inspetor Geral interino da Instrução Primária e Secundária do Rio de Janeiro. Nela, o didata polonês apresentava as vantagens de seu método mnemônico para o ensino de história universal e pedia que o Conselho de Instrução recomendasse a utilização de seu material didático nos cursos preparatórios. A correspondência, produzida durante a segunda passagem do conde Zaba pela capital imperial, denota que, embora em sua primeira temporada na cidade, entre julho e dezembro de 1870, ele tenha aberto importantes canais para negociação com o governo e dado boa visibilidade à sua metodologia, por meio de preleções, exames públicos e cursos de introdução ao método, àquela altura, o autor ainda esperava que as instâncias burocráticas validassem a qualidade do material, recomendando-o (oficialmente) para os exames preparatórios, o que estimularia sua presença nas escolas secundárias.
Ao escrever essa carta, Félix Zaba já havia estado em diferentes cidades no Rio de Janeiro e em São Paulo e tinha intenções de ir à Bahia e, depois, Pernambuco (Diário de São Paulo, 1871), onde sua viagem se encerrou de forma abrupta, pelo que conta o jornal Diário de Pernambuco, de 31 ago. 1871. Segundo Zaba, outro fator a seu favor seriam as manifestações públicas e os pareceres positivos que vinha recebendo (e que receberia) de professores e diretores reconhecidos na cena educacional, dentre eles Joaquim Manoel de Macedo e Manoel José Pereira Frazão, no Rio de Janeiro1; D. Caroline de Florence e Isidoro Pereira, em São Paulo2; Franco da Costa Meirelles, Antônio Garcia Pacheco Brandão e Urbano da Silva Monte, na Bahia3; e José Augusto Ferreira da Costa, em Recife4, para citar alguns exemplos.
Naquele contexto, o Methodo Zaba5 almejava atender aos desejos do público escolar por ‘novos meios para aumentar a versatilidade de seus estudos’, em um momento de consolidação do sistema escolar e, por consequência, de uma indústria voltada para atender e fomentar o mercado consumidor emergente. Nesse sentido, o método mnemônico polonês - em suas diferentes versões - pode ser lido como um “[...] produto industrial e um objeto de consumo, cuja natureza pedagógica passa quase ao segundo plano” (Meda, 2015, p. 9), uma vez que a espetacularização de seus resultados, por meio de preleções e exames públicos, visava, sobretudo, convencer o público de que, com o método, qualquer pessoa seria capaz de memorizar, em um curto espaço de tempo, uma quantidade significativa de datas e nomes relacionados às personagens e aos eventos considerados importantes para o estudo da história universal.
As viagens pedagógicas fizeram parte da estratégia de divulgação do autor e foram sua principal fonte de renda desde meados de 1840. No final da década de 1860, N. F. Zaba cruzou o Atlântico em busca de novos públicos e adeptos de seu método. No Brasil, o autor esteve em pelo menos quatro Províncias - Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco. Além da América, países da região da Australásia também foram destinos do polonês. Nessas viagens, acompanhado de uma filha, o didata ministrava palestras a respeito da História da Polônia e sobre seu método de estudo da História Universal. Em cada lugar, o autor buscou fechar acordos com livreiros e editores locais para a impressão de exemplares e mapas cronológicos, inspirados no trabalho de dois poloneses exilados na França no início da década de 1830 - Antoni Jazwinski (1789-1870) e Jozef Bem (1784-1850).
Desse modo, considero que os indícios do trânsito do conde Zaba e de seus materiais indicam que se trata de, como diriam Passeron e Revel (2005, p. 9), uma “[...] ocorrência singular observável [...]” da qual é possível “[...] extrair uma interpretação de alcance mais geral”. No caso em tela, uma interpretação histórica relacionada à cultura material escolar e à circulação transnacional de sujeitos, artefatos e ideias pedagógicas no século XIX.
Nessa perspectiva, o caso não é uma ocorrência isolada, a-histórica. Ele responde às contingências das circunstâncias que o produz e, portanto, qualquer argumentação histórica a seu respeito exige que se reconheça nele duas características que expressam sua singularidade: a dificuldade de compreendê-lo com modelos ou normas explicativas já usuais ou prescritas e a necessidade de “[...] seguir a história da qual é o produto, procurando as ‘circunstâncias’ relevantes que a especificam em seu contexto”. O caso oferece a possibilidade de conectar elementos separados de uma configuração que é inicialmente indecifrável, ou difícil de ser detectada (Passeron & Revel, 2005, p. 19).
Embora a história da circulação do Methodo Zaba pareça ser um caso, no mínimo, curioso, não há estudos específicos sobre a metodologia, e mesmo informações mais gerais sobre ela são escassas. Para registro, um dos primeiros a fazer referência (direta) ao método foi Primitivo Moacyr em 1939. Na década de 1990, Circe Bittencourt (1993) recupera a metodologia ao desdobrar as relações entre o ensino de história e a memorização. Em 2013, Jacilene Clemente apresenta novas informações sobre a presença de Zaba em Recife, mais recentemente, Magno Santos (2021) trata da passagem de Zaba por São Paulo, e Leandro Almeida (2022) aborda aspectos da metodologia a partir da edição canadense de 1874.
Para dar organicidade às ideias, neste texto, começo por reconstituir a materialidade da edição brasileira do MethodoZaba, editada na Corte em 1870 por Antônio Pinheiro de Aguiar, observando o contexto de produção da metodologia e apresentando algumas características formais do exemplar comercializado no Brasil, a fim de trazer elementos para pensar sua (in)adequação ao mercado escolar local e seu valor de uso para os sujeitos escolares. Na parte final, recorro aos relatórios e pareceres, produzidos em 1871, de dois professores da Província da Bahia, José Lourenço Ferreira Cajaty e João Theodoro Araponga, cujos registros desvelam apropriações críticas e criativas do método no Brasil, com o intuito de reconhecer que os conhecimentos e as metodologias são “[...] (re)elaborados e (re)inventados nas e pelas experiências e práticas pedagógicas dos professores e seus alunos” (Schueler, 2005, p. 187), reconhecendo desse modo que as/os professores sempre tiveram alguma autonomia em relação às regras, prescrições e portarias oficiais.
A edição brasileira do Methodo 31)
Nascido em Krasław, cidade no leste da Letônia, mas de nacionalidade polonesa, Napoleão Félix Zaba foi literato e educador, teve formação militar e se envolveu diretamente na Revolta de Novembro, entre 1830 e 1831. Com a derrota dos poloneses para os russos, no ano seguinte, Zaba foi julgado em Paris e, depois de absolvido, enviado à Grã-Bretanha. Sua primeira estada aconteceu em Edimburgo, mas, após alguns meses, mudou-se para Londres. Como refugiado político, ele viveu no território inglês até meados de 1868, quando deu início às suas viagens pedagógicas ao redor do mundo.
Ainda na Inglaterra, em 14 de setembro de 1840, Zaba liderou a criação da Cadogan Literary and Scientific Institution, cujo propósito seria promover a cultura letrada e se tornar um espaço de encontro entre poloneses e não poloneses. Em abril de 1842, representando a Sociedade para a Propagação do Método Polonês da França, o general Jozef Bem esteve em missão na Inglaterra e delegou à Zaba - seu companheiro de armas na batalha de Ostrolenka (Caledonian Mercury, 1833) - a tarefa de criar a versão em inglês do método polonês, desenvolvido por Antoni Jazwinski, mas aperfeiçoado por ele em Paris. Amplamente adotado na França, o sucesso do método era atribuído a sua ‘estrutura simples’ e ‘visualmente inovadora’, podendo ser usada para a educação de crianças com variadas idades.
A partir do trabalho do general Bem, em 1844, Zaba lançou em Londres, pela editora Davis and Company, sua primeira versão do método polonês, com 31 páginas, sob o título Chronological table of universal history arranged for the polish mnemonic method. Com o advento das viagens pedagógicas, outras edições apareceram ao longo da década de 1870 (Quadro 1, na página seguinte) e, em todas, Zaba deu seu nome ao título. Sendo assim, a cada país visitado, uma nova edição (traduzida para a língua local e com ligeiras mudanças na chave do método) era publicada, de modo que, ao listar6 as diversas edições do Methodo Zaba, é possível, também, acompanhar o trânsito do autor nesse período.
Obra | Ano | Cidade/Editora |
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Chronological table of universal history arranged for the polish mnemonic method | 1844 | London: Davis and co. |
Zaba's method of studying universal history; with chronological chart, key, and board of exercise. | 1868 | New York, Printed by J. Davis. |
Methodo Zaba para o estudo da Historia Universal, com mappa chronologico, chave e taboa de exercício. | 1870 | Rio de Janeiro: Tip. Pinheiro e Cia. |
Metoda ułatwiająca naukę historyi powszechnej. | 1873 | Kraków: Nakł. aut |
Zaba's method of studying universal history: with chronological chart, key, and board of exercise. | 1874 [?] | Montreal: Magnus & Co. [?] |
La Méthode de Zaba pour faciliter l’étude de L’Histoire Universelle: avec deux cartes coloriées, table d'exercice, boîte de jetons, et une brochure explicative. | 1874 | Montreal: Magnus & Cie. |
Método Zaba para el Estudio de la Historia Universal, con mapas cronolójicos, clave i tablero de ejercicios. | 1875 | Santiago: Imprenta Estrella de Chile. |
Zaba's method of studying universal history, with chronological chart, key, and board of exercise. | 1875 | San Francisco, A.L. Bancroft & Co., Printers. |
N.F. Zaba's Method [of simplifying the science of universal history]. | 1875 [?] | London: Editora [?] |
Zaba's method of studying universal history: with chronological chart, key, and board of exercise. | 1876 | Sydney: Charles Troedel & Co. |
Zaba's method of studying universal history: with chronological chart, key, and board of exercise. | 1877 | Adelaide: Scrymgeour & Sons. |
Fonte: A autora (2022).
Em 1870, a edição brasileira do Methodo Zaba foi publicada no Rio de Janeiro pela Tipografia Pinheiro & Cia, de propriedade de Antônio Pinheiro de Aguiar, que no mesmo período lançava um método de leitura de sua autoria, chamado Bacadafá, cujo projeto gráfico é bastante parecido com o material de Zaba7. Além de serem livros de bolso, em formato in-8 com aproximadamente 14 cm x 21 cm, as duas metodologias envolviam um processo de apreensão de ideias representadas por elementos gráficos - letras, em Bacadafá, e ícones, em Zaba -, de modo que cada uma à sua maneira explorou a visualidade como recurso didático.
O professor primário Cunha e Costa, depois de assistir à palestra de Zaba em uma escola da Freguesia da Glória (RJ), avaliou que a metodologia produziria:
[...] muitos bons resultados, mormente em inteligências infantis, que parecem estar ‘sempre pedindo imagens vivas, objetos palpáveis, pois são as que mais facilmente se gravam’ e perduram em suas tenras inteligências digo memórias, libertando-as do enfadonho rotineiro e anti-diluviano julgo, desse exercício mortificador que se costuma chamar de - decorar lição (AGCRJ, n.d., códice 11.3.33, grifo nosso).
A brochura de Zaba, editada no Rio de Janeiro, tinha 39 páginas: treze dedicadas à explicação do método e outras vinte e sete com a lista de dados factuais a serem representados nos mapas. Na capa de cor azul (Figura 1) continha o título - Methodo Zaba para o estudo da história universal, com mappa chronologico, chave e taboa de exercícios -, o ano e a cidade da edição, bem como o nome e o endereço da tipografia. No entanto, embora a parte de trás da folha de rosto trouxesse a seguinte mensagem: “[...] o direito de reprodução é propriedade do autor na forma da lei [...]”, a autoria do material não era explícita porque o nome de Napoleão Félix Zaba não aparecia na capa nem na folha de rosto.
Na cartilha, que Zaba chamava de ‘Chave do Methodo’, continha: a explicação da metodologia, os significados dos símbolos e das cores, bem como a lista dos eventos históricos organizados em ordem cronológica. Todavia, o kit de materiais do método também incluía: alguns diagramas coloridos e em branco, comumente chamados de ‘mapas’, de dois tamanhos diferentes (grandes e pequenos) utilizados para formar um Quadro Histórico dos séculos da era cristã; e uma caixa de cristais de várias cores e tamanhos para pintar/designar os países.
A opção por publicar o Methodo no formato de livro de bolso, em papel simples e em preto e branco, era estratégica, uma vez que havia uma preocupação em reduzir os custos de impressão, a fim de facilitar o acesso do público aos materiais e viabilizar contratos de venda em larga escala com o poder público. Aliás, como assinala Cynthia G. Veiga (2018), problematizar os custos do material didático escolar, dentre outros elementos intrínsecos ao funcionamento das instituições de ensino, é fundamental para a compreensão da materialidade da escola.
Segundo constam nos anúncios, um exemplar do Methodo Zaba custava para o leitor comum cerca de 6$000 (seis mil réis)8 (Correio Paulistano, 1871). O preço era compatível com outras obras didáticas de grande circulação à época, como Lições de História do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo, que, segundo o Catálogo da Livraria Garnier, era comercializado por 5$000 (cinco mil réis); embora, no que tange ao projeto editorial (diagramação, conteúdo e número de páginas), as duas obras não possam ser comparáveis.
Além da comercialização em livrarias e casas editoriais9, uma das intenções de Zaba era vender os materiais para os governos, a fim de que fossem enviados às escolas públicas. Em alguma medida, durante a estadia do polonês no Brasil, a empreitada foi bem-sucedida. O Diário do Rio de Janeiro, em 06 de novembro de 1870, noticiou a compra pelo governo de 20 grandes mapas para remeter às Províncias, mas não especificou quais receberiam o material. É provável que parte desses mapas tenha sido enviada a Recife, tendo em vista que, em 03 de janeiro de 1871, o Diário de Pernambuco informou que a Faculdade de Direito havia recebido materiais de Zaba. Além disso, em dezembro de 1870, a Secretaria de Negócios do Império havia enviado ao Colégio Dom Pedro II um exemplar do método e, no ofício, indicava que o material deveria ser usado “[...] para o ensino de História e da Estatística” (Núcleo de Documentação do Colégio D. Pedro II [NUDOM], 1871).
Na Bahia, Antônio Franco da Costa Meirelles, vice-diretor da Diretoria de Instrução Pública, por meio de ofício de 18 de junho de 1871 (Arquivo Público do Estado da Bahia [APEB], n.d., códice 3816), solicitou à Diretoria Geral que enviasse 50 exemplares para o Internato e outros 50 para o Externato. Meirelles argumentava que os mapas eram ‘indispensáveis’ para a compreensão do método pelos alunos, indicando - nas entrelinhas - o uso dos materiais nas classes de História. No Relatório da Província, de 1872, consta a aquisição de cem exemplares, sendo que 13 tinham sido enviados às escolas, enquanto 87 ainda estavam sob a guarda da Diretoria. Em São Paulo, um ofício foi remetido pelo Inspetor Geral da Instrução Pública da Província, Francisco Aurelio de Souza Carvalho, confirmando o recebimento de 50 mapas grandes que, segundo o documento, seriam enviados às escolas públicas (Arquivo Público do Estado de São Paulo [APESP], n.d., códice CO4920).
Mesmo não sendo possível estimar exatamente quantos exemplares foram comprados pelo governo10, assim como estabelecer uma relação de todas as instituições (escolares ou não) que adotaram e/ou receberam os materiais, os indícios denotam que o impresso foi enviado a algumas das mais importantes instituições de ensino secundário do Império, como o Colégio Pedro Segundo, o Ginásio Pernambucano, o Liceu Provincial e o Externato Normal da Bahia; e que a metodologia de Zaba também chegou ao conhecimento dos professores primários em freguesias mais afastadas11.
No MethodoZaba (1870), os eventos históricos, arrolados de forma cronológica, estão ligados à História Sagrada e à história política de países europeus, com destaque para guerras, conquistas, calamidades, tratados e insurreições. Nesse sentido, os personagens históricos presentes no material, em geral, são figuras bíblicas, santos e papas católicos, além de membros das diferentes monarquias europeias. Segundo Zaba (1870, p. 4, grifo do autor), “[...] o objeto da ‘História Universal’ exige rigorosa atenção, tanto na coleção de fatos, como na sua coordenação conforme a ordem cronológica em que se [sic] sucederam”.
Dessa forma, a cronologia adotada pelo autor é a cristã, de modo que são estabelecidos dois marcos: antes e depois de Cristo. Zaba explora 24 séculos antes de Cristo, mobilizando os principais eventos e personagens que marcam o Antigo Testamento. Depois, percorre um arco temporal que vai do século I. d.C. até o século XIX, destacando pessoas e acontecimentos ligados à história do Cristianismo, da Igreja Católica, do Protestantismo, da Roma Antiga, da Escócia, da França, da Grã-Bretanha, da Espanha, de Portugal, da Alemanha, da Prússia, da Polônia, da Rússia, dos Estados Unidos e do Brasil (na edição brasileira)12.
Nota-se, ao comparar as edições13, que em alguns nomes são feitos adendos para caracterizar um determinado personagem14, além da inclusão de fatos históricos ligados à história do país onde a obra estava sendo publicada. Sem dúvida, havia uma preocupação de Zaba em incluir informações que fossem relevantes para o público local15. Na edição brasileira, por exemplo, há menção à ‘Abdicação, de D. Pedro I’ (século XIX), à ‘Guerra do Paraguai’ (século XIX) e à construção da ‘Estrada de ferro Buenos-Aires a Córdoba’. Os dois últimos, por sinal, desvelam a incorporação de acontecimentos históricos de importância regional, ligados à guerra e ao desenvolvimento técnico na América do Sul e, provavelmente, foram incorporados depois da passagem de Zaba pela Argentina, visto que há relatos de que o autor esteve por três meses no país antes de chegar ao Brasil (Sarmiento, 1870 apud Boletin de la Academia Argentina de Letras, 1935, p. 4004), além de que a notícia de sua entrada no porto carioca indica que ele teria vindo do Rio da Prata (Diário do Rio de Janeiro, 1870c).
Algumas alterações e inclusões são mais curiosas, em especial, as que estão ligadas à história ibero-americana16. Na versão brasílica, não há menção a alguns eventos importantes da história portuguesa, como o ‘Terremoto em Lisboa’ (século XVIII), o nascimento de ‘Dom João VI’ (século XVIII), a ‘fuga de Dom João VI para o Brasil’ (século XIX) e o ‘Regresso de Dom João VI’ para Portugal (século XIX), bem como não aparece nenhuma referência a Camões, principal escritor português. Enquanto, nas edições quebequenses de 1874, afora a presença desses eventos sobre a história lusitana, a chave (em francês e inglês) localiza temporalmente o nascimento e a morte de ‘Camões’ (século XVI), além da ‘criação dos Lusíadas’ (século XVI). É provável que essas mudanças estejam relacionadas à ida de Zaba a Portugal no final de 1871, após sua estadia no Brasil. Segundo notícia publicada no Correio do Sul, em 02 de abril de 1872, o didata polonês estava em Lisboa - e, depois, iria ao Porto - dando preleções sobre o método.
A edição brasileira (de 1870), na comparação com as duas canadenses (de 1874) e a australiana (de 1877), tem seis páginas a mais e não traz uma informação importante que viria a ser incluída nas edições seguintes: refiro-me à menção de que o general Bem era seu amigo. Não por acaso, em um artigo veiculado no Jornal do Commercio, assinado sob a expressão “Um amante da instrução pública”, Zaba foi questionado acerca da originalidade de seu método: “Pergunta-se [...] se o sistema que expõe nas suas preleções não é inventado pelo general polaco Bem, [...] [editado] há mais de 20 anos pelos editores Caron, e cujo único depósito para a compra é (segundo neles se lê) rue Condé n. 19?” (Diário do Rio de Janeiro, 1870d). É provável que o questionamento tenha motivado Zaba a incluir a informação nas edições seguintes.
Em sua versão, Félix Zaba manteve a estrutura do diagrama de Jozef Bem, mas substituiu alguns símbolos e cores, reviu os dados factuais que compunham a chave, mudou a ordem da temática das linhas e incluiu outros tipos de acontecimentos históricos, como pestes, incêndios e outras calamidades (Figura 3). Zaba dizia que a ‘base do método’ era um diagrama (Figura 2), a partir do qual o aluno deveria decodificar os códigos que remetiam aos fatos considerados importantes da história universal. Segundo Zaba (1870, p. 6), o diagrama:
É um quadrado contendo dez fileiras, cada qual dividida em dez casas, que se contam da esquerda para a direita, conforme mostra o diagrama. Havendo dez fileiras com dez casas cada uma, teremos cem casas no nosso quadrado. Na aplicação do [método] ao estudo da história cada casa representa um ano. Em cada fileira, pois, temos dez anos, e o quadrado inteiro representa um século. Cada ano acha-se subdividido em nove compartimentos, contados igualmente da esquerda para a direita. E são estes compartimentos que, nos dão cada um, a noção distinta do caráter do acontecimento que se dera no respectivo ano.
Para a leitura do diagrama (Figura 4), a recomendação era de que a contagem das caixas que representavam os anos (formando o século) deveria acontecer da esquerda para direita em relação à linha central, sendo que as caixas que estão à direita desta linha são designadas como estando ‘além’ da linha central; e aquelas que estão à esquerda dela estão ‘aquém’ da linha central. Para as linhas 5 e 6, não deveria ser dito o algarismo, apenas que estavam ‘próxima’ e ‘através’ da linha central, respectivamente. Segundo Zaba, todos esses termos (próxima, através, aquém, além da linha central) “[...] são termos técnicos na prática do sistema” (Zaba, 1870, p. 9). Para localizar o ano, a cada fileira soma-se, mentalmente, dez anos, de modo que a fileira 1 (um) diz respeito aos dez primeiros anos de um século; a segunda, entre 11 e 20 anos; a terceira, entre 21 e 30 anos; e assim sucessivamente.
Nos exercícios propostos por Zaba, era fornecido ao aprendente uma coordenada (por exemplo, ‘quinta casa além da linha central na primeira fileira’), a partir da qual ele deveria localizar temporalmente o evento e/ou personagem em questão. Para tanto, era fundamental que o estudante já tivesse gravado na memória, além dos símbolos e das cores, a dinâmica de localização da posição do dado histórico em relação à linha central e à linha medianeira (Figura 4). A seguir, sistematizo em um quadro os exemplos apresentados por Zaba (1870, p. 9-11) na ‘Chave do Methodo’, todos fazem referência ao século I da Era Cristã (Quadro 2), e, depois, os localizo em um diagrama (Figura 5).
A | B | C | D | E | F | |
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Cor | Preta (História Romana) | Preta (História Romana) | Preta (História Romana) | Preta (História Romana) | Preta (História Romana) | Azul (História da Igreja Cristã) |
Fileira | primeira | primeira | segunda | segunda | terceira | terceira |
Casa ou posição | Através da linha | Terceira além da linha central | Uma casa aquém da linha central | Quatro casas além da linha central | Através da linha central | Quatro casas além da linha central |
Compartimento | segundo | primeiro | quinto | quarto | quarto | |
Símbolo | Quadrado preenchido | Meio quadrado preenchido | Quadrado preenchido | Cruz ereta | Quadrado preenchido | Quadrado grande (em volta da casa) |
Evento | Conquista | Batalha | Soberano | Morte | Soberano | Acontecimento proeminente |
Ano | 6 d.C. | 9 d.C. | 14 d.C. | 19 d.C. | 26 d.C. | 30 d.C. |
Informação da chave | Judeia | Armínio, príncipe dos romanos | Tibério | Germânico | Pôncio Pilatos | Batismo de Cristo |
Fonte: A autora.
Na primeira parte do opúsculo, o autor (1870, p. 3-4, grifo do autor) apresenta o método como sendo “[...] simples, prático e de um modo maravilhosamente apropriado ao estudo da História Universal em particular”. Uma de suas principais vantagens seria habilitar o estudante “[...] a examinar os fatos ano por ano, ou século por século, sem a menor ‘desviação’ da ordem que os fatos ocorreram [...]”, garantindo o domínio da ordem cronológica dos eventos históricos. Para Zaba, o método proporcionava “[...] a fácil dominação da matéria toda, apesar de ser ela volumosa” (Zaba, 1870, p. 4). Todavia, o sucesso da metodologia no ensino da matéria estava atrelado à capacidade do estudante de “[...] observar rigorosamente as regras [...]” do sistema (1870, p. 5) e à progressividade das lições aplicadas, de modo que, como ensina Zaba, “[...] logo que a vista for suficientemente familiarizada com o primeiro século, passai ao segundo; e assim por diante, até estender-vos pelos diagramas todos do mapa inteiro” (Zaba, 1870, 10).
Se no ‘conteúdo’ o conde Zaba parece não ter inovado muito, tendo em vista a prevalência dos dados factuais ligados à história sagrada e aos personagens e eventos políticos mais relevantes da história europeia, também presentes nos compêndios de História Universal ou da Civilização comumente utilizados nas escolas secundárias, o elemento inovador da metodologia estava relacionado à ‘forma’ de representar a cronologia em um diagrama coberto por símbolos e cores.
Era, portanto, a visualidade do material didático sua principal novidade, à medida que apresentava um modo ‘outro’ de representação gráfica do tempo que, apesar de manter a ordem cronológica linear, organizava os acontecimentos históricos em uma grade composta por caixas, e não em uma linha do tempo ou um quadro sinóptico, comuns aos métodos e materiais didáticos voltados para o ensino de História à época. Assim sendo, as cores e os ícones estruturavam o caráter visual da abordagem e buscavam facilitar a associação das informações, levando os estudantes a reterem na memória muitos dados (históricos), objetivo contumaz das metodologias mnemônicas.
No entanto, as práticas escolares são desveladas “[...] na relação concreta entre os sujeitos e a materialidade da escola, compreendida no amplo espectro dos espaços, tempos, objetos, mobiliário e equipamento escolar” (Vidal, 2006, p. 154), de modo que, ao tomar o impresso na sua materialidade de objeto cultural, em confronto com os registros docentes, seja possível fazer inferências acerca das práticas que o produzem e dos usos que são feitos dele (Carvalho, 1998; Paulilo, 2019). Nessa direção, passo a estabelecer possíveis relações entre a materialidade do Methodo Zaba e as práticas escolares observáveis nas experiências de dois professores do ensino público baiano: José Lourenço Ferreira Cajaty e João Theodoro Araponga17.
Usos do Methodo Zaba na Bahia
Na Bahia, apesar do trabalho de divulgação feito por Zaba e do reconhecimento da utilidade do método por algumas autoridades, os materiais de Zaba não parecem ter alcançado a popularidade esperada por seu autor. O Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino do Governo da Bahia, em 1872, no ano seguinte à partida do polonês, alertava que “[...] depois das conferências dadas pelo Conde Zaba no Liceu, o método por ele apresentado não tem sido seguido [...]”, indicando a pouca adesão dos professores (públicos) à metodologia.
De fato, alguns docentes que foram consultados pela Diretoria de Instrução manifestaram-se contrários à utilização do material didático. Foi o caso dos professores de Geografia e História, Luiz José da Costa e João José Palma, do Liceu e do Externato, respectivamente, que não viram grande ‘mérito literário’ na obra de Zaba, de modo que, além de divergências conceituais, ambos não encontraram vantagens na adoção do livro (APEB, n.d., códice 3816). A opinião pública, por sua vez, certamente foi impactada (negativamente) pelos muitos artigos que o jornalista Bellarmino Barreto escreveu, entre junho e julho de 1871, nas páginas do Diário da Bahia, questionando a eficácia e a qualidade do material, as ‘boas’ intenções de seu autor e os possíveis interesses das autoridades no Methodo.
Todavia, apesar das resistências de determinados sujeitos, o Methodo Zaba ‘caiu nas graças’ de figuras importantes da cena educacional baiana, como Antônio Garcia Pacheco Brandão, secretário-geral da Diretoria de Instrução Pública; Antônio Franco da Costa Meirelles, vice-diretor da Instrução Pública e redator da Revista ligada ao órgão; e José Lourenço Ferreira Cajaty, Chefe do Externato. Os três foram enfáticos na defesa dos benefícios que poderiam ser alcançados com o uso do método polonês e recomendaram que exemplares fossem distribuídos para as escolas da Província. Por conta da extensão deste artigo, dos citados, recupero o parecer de Cajaty para, a partir dos usos do método sugeridos pelo Chefe do Externato, discutir sobre as práticas no interior da escola.
Professor desde a década de 1850 - quando foi signatário, com outros tantos colegas, de uma carta (datada de 23 de março de 1854) na qual os docentes reivindicavam aumento salarial às comissões de Instrução Pública, Justiça e Secretaria da Fazenda -, Lourenço F. Cajaty fez carreira como professor de aritmética e desenho linear (Correio da Bahia, 23 out. de 1873) e foi jubilado da função em outubro de 1873 (Correio da Bahia, 1873). Enquanto Zaba esteve na Bahia, ele encontrou pessoalmente o polonês, além de ter acompanhado suas conferências no Externato e no Liceu18. Em seu parecer, ele aponta que o material didático era adequado para as escolas e para o uso familiar e que os professores poderiam adaptá-lo para atender a outras matérias e finalidades, além de considerar que, para se alcançar os resultados esperados, seria importante adotar estratégias diferenciadas para cada grau escolar. Nas palavras de Cajaty,
[...] [o] método pode ser proveitosamente adaptado nos liceus e colégios, como nas escolas primárias, e até no seio das famílias, guardada devida gradação que, em tais casos, o ensino desse pedir. O mapa simbólico do autor e a chave que o acompanha servindo, como servem, apenas para mostrar como se deve proceder no ensino da história, sujeitam-se perfeitamente a todas as modificações que se desejem, sem que por isso se alterem nada a essência do método (APEB, n.d., códice 3816).
A partir de sua experiência docente, Cajaty sugeriu alguns passos para a aplicação do método nos liceus e colégios, onde, segundo ele, “[...] a instrução é mais extensa”. Pensando no planejamento do semestre, o professor deveria organizar o uso da “[...] chave de acordo com o fim que se deseja, devendo conter fatos de uma certa importância dos quais se possa tirar uma conclusão moral” (APEB, n.d., códice 3816). Portanto, para o chefe do Externato, o ensino de história deveria abarcar acontecimentos relevantes para a formação moral e personagens que servissem como exemplos ‘edificantes’ para os estudantes, de modo que caberia ao professor a seleção e a organização dos conteúdos a serem ensinados.
No que tange à organização da sala de aula, Cajaty ponderou que os estudantes deveriam estar sentados, cada um com um mapa sobre a mesa, e o professor precisaria ter “[...] junto a si um mapa simbólico de formato grande para servir-lhe nas explicações e nas suas recapitulações e exames”. A orientação, além de expressar a preocupação do docente com a organização do mobiliário e dos estudantes no espaço da sala de aula, denota a variedade de materiais que compunham a metodologia polonesa (mapas grandes, mapas individuais, mapas preenchidos e/ou mapas lisos) e a centralidade do professor no processo de ensino.
Assim como Zaba, o chefe do Externato propunha que se trabalhasse com os mapas aos poucos, ampliando de forma gradativa a quantidade de dados históricos estudados. Para tanto, a sugestão era que os professores explorassem um século a cada lição, fazendo com que os estudantes “[...] designem em seus mapas, colocando convenientemente os respectivos símbolos” (APEB, n.d., códice 3816). Segundo Cajaty, o ideal era que este exercício fosse repetido diariamente. No entanto, quando o professor dispusesse de ‘metade do tempo’, uma alternativa seria mandar ‘um ou mais alunos ao mapa grande’ para interrogá-los ‘acerca do que lhes foi ensinado’. Se um aluno errasse, outro deveria corrigi-lo, porém, se nenhum estudante da classe fosse capaz de apresentar a resposta correta, daí o mestre responderia, retomando a explicação sobre o evento em questão. Em alguma medida, a dinâmica pensada por Cajaty parece mesclar procedimentos que estariam associados a diferentes métodos de ensino, como comumente faziam os professores no interior das escolas, especialmente nas primárias.
Para o diretor, depois que os estudantes tivessem se ‘assenhorado’ de “[...] todos os fatos concernentes a uma época notável, ou a uma das principais divisões da história [...]”, o mestre poderia, então, “[...] com suas explicações e reflexões, ajudá-los a coordenar e a comentar os fatos, a fim de conhecerem a influência que eles tiveram nos destinos da humanidade”. Cajaty tinha convicção de que, seguindo esse ‘passo’, os professores teriam ‘ótimo aproveitamento’, mas reconhecia que, com a metodologia polonesa, ‘o maior trabalho pertence ao mestre’
Para a escola primária, considerando a cultura escolar e as práticas pedagógicas comuns em seu interior, Cajaty orientava que os exercícios fossem feitos do mesmo modo que na escola secundária, porém “[...] o objeto do ensino há de ser muito mais resumido”. Segundo o professor, nessa etapa, o mais importante com os exercícios não era “[...] sobrecarregar a memória dos meninos com muitos pormenores [...]”, mas “[...] falar ao coração, para formar homens de bem e perfeitos cristãos”. O ensino primário, além de transmitir conhecimentos básicos, associados às capacidades de ler, escrever e contar, tinha a ‘missão’ de formar os sujeitos com valores cristãos e princípios associados ao ideal de nação e de cidadania em construção no Oitocentos. Por isso, segundo Cajaty (APEB, n.d., códice 3816), mais do que a “[...] narração à toa da história Santa é a do país que deve sair os principais e mais largos fundamentos da chave na aplicação do método Zaba ao nosso quadro histórico nacional”.
Nessa direção se concentraram as críticas de João Theodoro Araponga19, que atuava - desde 1869 - como professor adjunto da cadeira pública primária da freguesia de Santana (BA). Defensor do ensino de História e Geografia desde a escola primária, Araponga tentou aplicar o Methodo Zaba em suas classes ao longo de 1871. No entanto, ainda que ele reconhecesse na metodologia uma ‘imensa utilidade’, em seu relatório, ele declarou que a Chave do Método não teria serventia para as “[...] nossas escolas primárias ou aulas secundárias, porque deixa de mencionar fatos importantes, quando traz outros a que nenhuma importância ligamos” (Relatório dos Trabalhos ..., 1872, p. 48). Nas palavras do docente:
Por serem já em grande número as matérias do ensino primário, tive que desprezar a chave e mapa do Sr. Conde Zaba, por só servirem para o estudo da história antiga, que deixa de fazer parte do ensino elementar e para o qual não dispunha tempo algum, e organizar um trabalho fundado naquele método, porém com diversas modificações, tratando exclusivamente do Brasil, distinguindo os fatos de cada província (Relatório dos trabalhos ..., 1872, p. 48).
No relato, Araponga revelou uma dupla dificuldade para a aplicação do método polonês em suas aulas: o excesso de matérias no ensino primário e o recorte histórico do material. Ou seja, a primeira está relacionada ao sistema escolar, enquanto a segunda, ao método em si. Contudo, embora houvesse ‘empecilhos’ para o emprego do Methodo em suas aulas, o professor procurou transpô-los por meio da adaptação do material de Zaba ao que considerava ser mais importante de ensinar aos estudantes: a história do Brasil.
O desenvolvimento do trabalho, porém, esbarrou em um ‘problema crônico’ da docência no país: a falta de tempo dos professores para o planejamento das aulas e para a elaboração de materiais didáticos. Araponga reconheceu que não conseguiu concluir o trabalho por ter dificuldade de consultar todo o material necessário para desenvolver uma nova chave, uma vez que demandaria tempo livre para estudar a produção historiográfica disponível sobre a história nacional (produzida, sobretudo, nos Institutos Históricos e Geográficos) a fim de compor um quadro cronológico a ser representado no diagrama. Esse trabalho implicaria, portanto: a seleção de acontecimentos históricos relevantes; a classificação conforme a natureza dos eventos (nascimento, morte, guerra, conquista, descoberta etc.); a organização em ordem cronológica; a representação dos eventos no diagrama; e, por fim, a construção da lista de dados complementares por século.
Sem condições para dar cabo de tal empreitada, Araponga clamava para “[...] o zelo de um professor secundário, que seja habilitado na matéria, e a sua boa vontade em aplicá-lo, para que possuamos uma chave, contendo todos os fatos que devam ser estudados” (Relatório dos trabalhos ..., 1872, p. 49). No entanto, ao que tudo indica, o professor da Freguesa de Santana produziu, ainda que em estágio inicial, algum tipo de material a partir do diagrama polonês e avaliou que o trabalho teve “[...] grande resultado, pois alguns alunos, em poucos dias, distinguiram pelas datas todos os fatos dos dois primeiros séculos, especificando as províncias a que cada um pertencia” (Relatório dos trabalhos..., 1872, p. 48). Nesse sentido, a avaliação da aprendizagem (em História), feita pelo docente, considerou, fundamentalmente, dois aspectos: o tempo de absorção do conteúdo e a quantidade de datas e fatos históricos gravados na memória. A avaliação também desvela que a aplicação de exercícios aos estudantes era uma prática característica da cultura escolar brasileira.
Theodoro Araponga via, na estrutura do método de Zaba, uma estratégia didática possível para viabilizar aquilo que ele pensava ser fundamental no ensino de história e, em alguma medida, reforçava a viabilidade da proposta metodológica para as escolas primárias. Isso acontece porque, uma vez incorporados os grandes acontecimentos da história nacional à chave, a metodologia contribuiria para a formação moral e cidadã dos alunos, de forma que a escola cumpriria seu papel moralizador e civilizacional. O que faltava, portanto, era um “Método Zaba para o estudo da História do Brasil” (parafraseando o título do polonês). No final do parecer, ao mencionar os bons resultados obtidos em História Universal pelos alunos que tiveram aulas particulares com Zaba, Araponga deixa implícito a forma que considerava mais adequada para usar o sistema polonês: combinando-o “[...] com a leitura de bons autores” (Relatório dos trabalhos..., 1872, p. 49), dando a entender que o livro e os mapas do polonês serviriam como materiais complementares a serem utilizados junto aos compêndios.
Ao que parece, apesar do clamor de Araponga, uma versão do método Zaba para a História do Brasil não chegou a ser publicada, embora haja indícios de que outros professores tenham feito adaptações para os eventos nacionais. Uma dessas adaptações, inclusive, foi desenvolvida por um estudante da Escola Normal da Bahia, Malaquias Permínio Leite20. Segundo o Relatório do Conselho Interino da Bahia (1871), o aspirante a professor apresentou, no evento de abertura da galeria de pintura da instituição, um mapa que ele preparou, envolvendo fatos notáveis da história pátria usando a metodologia polonesa. A demonstração pública de Malaquias surpreendeu a plateia e, na ocasião, chegou a ser noticiada na corte, no jornal Diário do Rio de Janeiro, em 16 de outubro de 1871.
Considerações finais
Se o século XIX ficou marcado por certa aspiração internacionalista (Caparelli, 2012; Fuchs, 2007), observada no trânsito de mercadorias, ideias e pessoas, a década de 1870, no Brasil, ficara marcada pelo surgimento de “[...] algumas propostas pedagógicas e métodos de ensino das várias disciplinas escolares, muitos dos quais idealizados e aplicados pelos professores públicos primários no decorrer de suas trajetórias e experiências docentes” (Schueler, 2005, p. 174). Com esse horizonte, ao longo deste artigo, busquei reconstituir a materialidade da obra de Félix Zaba situando-a nesse contexto, assim como tentei trazer indícios de sua recepção e das apropriações críticas e criativas observáveis nas experiências de professores do ensino primário e secundário da Bahia, especialmente.
Entendo que a edição e a circulação do Methodo Zaba no Brasil nos dão a possibilidade de problematizar “[...] o valor dos objetos materiais a partir do seu valor de uso, permitindo à sala de aula estar sob controle humano por meio da interação dos objetos com os professores e seus alunos” (Lawn, 2018, p. 336). Nesse sentido, é possível inferir que o valor da metodologia em tela estivesse relacionado ao seu caráter inovador, ainda que a inovação fosse, por sua vez, mais no âmbito da ‘forma’ (de apresentação e de transmissão) do que do ‘conteúdo’. No entanto, os limites do conteúdo mostraram-se superáveis com as soluções críticas e criativas encontradas por professores e professoras que, a partir de suas experiências e conhecimentos, reelaboraram o método, conferindo a ele usos ‘outros’ no interior da escola brasileira.
À época, a opinião pública parecia estar convencida de que o sistema polonês era adaptável a qualquer recorte histórico e a outras áreas do conhecimento. Os casos de apropriações, mencionados na documentação, são, na sua maioria, adaptações do método para a história nacional, mas há registros da metodologia aplicada ao ensino de estatística, por exemplo. Esse movimento faz todo sentido quando observamos o Oitocentos, em que, no mundo Ocidental, a escola vai emergir no contexto de consolidação dos Estados Nacionais, no qual um dos pilares era a difusão (massiva) de uma identidade e uma memória nacional de bases românticas e positivistas.
Ao pensar na materialidade da obra de Zaba, à luz da avaliação e das proposições dos docentes, pôde-se também inferir que os mapas cronológicos (colorido e/ou liso; grande e/ou individual) talvez não fossem capazes de atender (plenamente) às rotinas da sala de aula, às expectativas dos sujeitos escolares - em especial, dos docentes em relação aos saberes a ensinar - e, não menos importante, às condições econômicas que garantissem o acesso dos estudantes da escola pública brasileira a esse tipo de material complementar.
Nesse sentido, ainda que o projeto editorial denote uma preocupação com os custos do material, afinal a opção por um impresso em formato reduzido e com preço menor tem relação com o desejo de aproximar o livro das massas, provavelmente, as condições materiais precárias da escola pública brasileira (Vidal, 2006; Veiga, 2008; Gondra, 2018) dificultaram uma ampla adoção dos exemplares nas salas de aula país afora.
Considero a reivindicação dos professores baianos, Cajaty e Araponga, um importante indício das discussões sobre o lugar da História do Brasil nos programas de ensino na segunda metade do século XIX, assim como denota a leitura crítica que os professores faziam dos materiais didáticos que lhes eram recomendados e/ou prescritos pelas autoridades e pelos modismos que caracterizavam o mercado em torno da escola. Além disso, reforça que a recepção do Methodo Zaba não foi, necessariamente, permeada por consensos e avaliações positivas. A metodologia encontrou resistências - públicas e veladas -, o que desvelou o contraditório nos discursos sobre o que ensinar em História e nas variadas experiências registradas no interior da escola.
Assim como Cajaty e Araponga, muitos professores e professoras defendiam maior espaço para a história pátria nos programas escolares (Mattos, 1993), uma vez que à disciplina era atribuída a formação moral dos estudantes e a difusão de uma identidade nacional. Dessa forma, os eventos da ‘história universal’ elencados por Zaba, ainda que pudessem ser reconhecidos como importantes, pouco se cruzavam com a história do Brasil, obrigando os professores a adaptarem a metodologia para atender ‘ao que’ e ‘como’ eles queriam ensinar. Nesse caso, mesmo que o custo fosse baixo, a ideia de que um material (complementar), como o Methodo Zaba, só faria sentido para os professores se esses assumissem a responsabilidade de adaptá-lo, gerando a eles um trabalho extra (como apontou Araponga), não me parece que tenha ajudado no convencimento do público acerca das vantagens da inovação metodológica.
Enquanto o método era apresentado por seu autor como sendo, indiscriminadamente, aplicável para qualquer idade e contexto escolar, os professores da Bahia, Cajaty e Araponga, estavam, de algum modo, chamando a atenção para as diferenças que marcavam o ensino primário do secundário, nos objetivos pedagógicos tal qual na forma de organização dos sujeitos e das matérias escolares. Por isso, para entender o ‘fracasso’ do Methodo Zaba como produto escolar no Brasil, busquei olhar para as experiências de professores no interior da escola, considerando como premissa que o ensino primário não deve ser confundido com o secundário.
Assim sendo, o sistema polonês mostrou-se mais adequado ao ensino secundário nos Liceus e Ginásios, tanto pela presença da História nos Programas quanto pelo volume de conteúdos históricos a serem ensinados nessa etapa, de modo que o número reduzido de escolas secundárias públicas pode ser lido como um obstáculo para a popularização do método e o fechamento de contratos com os governos. Em contrapartida, nos colégios particulares, cujos dados são subnotificados (Dick, 2001), é provável que o sistema polonês tenha permanecido na lista de materiais adotados por mais tempo. Os indícios apontam a permanência do Methodo Zaba nos programas do Colégio Abílio (Jornal do Commercio, 1872), do Colégio Brasileiro (O Globo, 1875) e, com ainda maior duração, no Colégio de Meninas (Almanack Administrativo..., 1882), localizados na Corte.
Nas Escolas Normais, por sua vez, estava um público importante para Zaba, já que o principal objetivo dessas instituições era a formação dos professores primários, etapa da instrução pública que contava com o maior número de escolas/aulas e alunos. Todavia, a estratégia presumivelmente não produziu os efeitos esperados pelo autor. O que quero dizer é que, embora os professores em formação pudessem ter tido contato com a metodologia polonesa e até feito experimentos a partir dela21, sem atender ao que são as demandas empíricas dos professores públicos em seu cotidiano de trabalho, dificilmente ela teria espaço na escola.
No ensino primário, os diagramas de Zaba até poderiam ajudar o/a professor/a na apresentação dos personagens e eventos ligados à História Sagrada, servindo de apoio ao estudo do texto bíblico. A depender da dinâmica adotada pelo docente nos momentos dedicados ao ler, outra possibilidade seria utilizar a Chave do Método como livro de leitura, tanto para a leitura individual silenciosa quanto para a leitura em voz alta. Como parte do repertório docente, orientações didáticas nessa direção podem ser encontradas no principal manual de ensino simultâneo em circulação na província nesse período, de autoria do professor de Métodos da Escola Normal da Bahia, João Alves Portella. Nele, Portella (1852) recomendava que nas práticas de leitura (silenciosa e coletiva) fossem utilizados abecedários, silabários impressos e cartas de nomes. Na prática, o ensino simultâneo, formalmente empregado na maioria das escolas primárias na Bahia (Nunes, 2008), foi combinado com práticas pedagógicas características do ensino mútuo e do individual, como acontecia em outras províncias (Vidal, 2006; Borges, 2021).
Aliás, pelo que faz supor os relatos dos docentes, os exercícios e os mapas cronológicos apresentados por Félix Zaba, sobretudo os mapas de tamanho grande, poderiam, primordialmente, ser empregados para otimizar o tempo e manter a classe sob controle no contexto do ensino simultâneo. Isso ocorre porque, assim como esse modelo escolar, o método mnemônico polonês primava pela disciplina, pelo silêncio e pela otimização do tempo e do espaço, bem como pressupunha o estabelecimento de comandos assertivos que pautassem a comunicação entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Portanto, além da inovadora visualidade, nessas características estariam as potencialidades do método polonês, uma vez que os limites do conteúdo histórico só poderiam ser superados com o trabalho crítico e criativo dos professores.
Em última instância, ao reconstituir a materialidade da edição brasileira, confrontando-a com práticas observáveis no interior da escola, buscou-se, em diálogo com Vidal (2005), compreender o provável insucesso de uma inovação pedagógica, tomando o ‘fracasso’ como um mote de pesquisa. O provável ‘esquecimento’ do Methodo Zaba no Brasil, nos anos seguintes à partida do autor, pode ser explicado não só por um conjunto de variáveis que passam, necessariamente, pela forma como o ensino (de História) estava organizado nas escolas públicas, mas também pela dinâmica do mercado editorial voltado para a educação do povo. Durante a viagem do didata pelo país, a circulação dos impressos e as apropriações da metodologia produziram indícios que contribuem para o entendimento da(s) cultura(s) escolar(es) no Oitocentos e o reconhecimento da agência dos professores na construção do sistema e na produção de saberes. No mais, espera-se que, a partir do método em tela, as conexões entre a inovação pedagógica e a aquisição de materiais didáticos, cujo público-alvo são os sujeitos escolares, tenha evidenciado o lugar da indústria na expansão do sistema moderno de escolarização.