Introdução
Por meio de um processo histórico, entendemos que os seres humanos são capazes de reconhecer os fatores ambientais, políticos e sociais a sua volta, e isso lhes possibilita construir raciocínios lógicos, de acordo com seu nível de pensamento, para transformação do meio em que vive. Considerando essa lógica, o ensino e a aprendizagem ganharam força e destaque na pesquisa científica por auxiliar na compreensão da evolução humana e por modificar os pensamentos humanos. Segundo Schroeder (2007), o aprendizado é um processo dirigido, no qual um indivíduo constrói relações a partir de situações vivenciadas tanto pelo meio como por outros indivíduos.
Desse modo, ressalta-se a importância das instituições de ensino e das disciplinas escolares para a criação do processo de reflexão crítica acerca do contexto social, em especial a sua relevância na formação de pensamentos críticos que são construídos, principalmente, durante o Ensino Médio (EM), etapa final da educação básica (BRASIL, 2005).
Nessa perspectiva sócio-histórica, a química se destaca dentre as disciplinas escolares com uma grande relevância para a formação do aluno, principalmente por trabalhar teorias ligadas à metodologia da vivência humana e suas experiências durante a sua evolução. Porém, a complexidade da realidade do ensino de química deve ser reconhecida para que não seja tratada de forma simplista. Nesse sentido, observa-se que a química sofre atualmente uma limitação em seu ensino, pois há uma predominância do ensino tradicional. Como mostra Santana (2008), a educação conservadora na química é decorrente da memorização e da repetição que os alunos fazem dos conceitos químicos, os quais, muitas vezes, não fazem parte do seu contexto social.
Um dos principais problemas relacionados a esse fato resulta na delimitação e caracterização de uma abordagem descontextualizada, que leva ao desinteresse dos alunos pela disciplina, pois percebem como algo que está distante da sua realidade, não assimilam a prática com a realidade vivenciada, e isso afeta a compreensão do que está sendo ensinado. Segundo Morin (2000), não é a quantidade de informação ou a sofisticação do conteúdo ministrado que pode levar ao conhecimento pertinente, e sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto em que vivem os alunos. De acordo com esse autor, o princípio do conhecimento pertinente é aquele capaz de contextualizar os dados, ou seja, aplicar a teoria adquirida nas atividades do dia a dia.
Outro fator importante são os conteúdos que, na maioria das vezes, são ensinados de forma fragmentada, juntamente com a abstração e a linguagem própria que os conceitos químicos apresentam (SILVA et al., 2003), o que agrava ainda mais os problemas referidos.
No entanto, a realidade do ensino de química detém-se em problemas que dificultam exercer esses princípios. Segundo Freitas et al. (2013), um ponto importante para que os alunos aprendam os conteúdos de química é conseguir fazer com que eles compreendam a sua linguagem específica. A não compreensão dessa linguagem gera obstáculos devido ao distanciamento que poderá ocorrer entre os conceitos da química e a realidade vivenciada pelos alunos.
O presente estudo teve por objetivo compreender a inconsistência existente entre o ensino e a aprendizagem sobre a disciplina de química na visão dos alunos, levando em consideração a experiência de aprendizagem e as dificuldades expressas por eles.
Trajetória Metodológica
Este estudo foi orientado pela abordagem qualitativa, seguindo os pressupostos da Teoria da Complexidade formulada pelo filósofo e epistemólogo francês Edgar Morin (2006). A Teoria da Complexidade é usada como referencial teórico neste estudo, pois suas ideias e perspectivas auxiliam nas elucidações referentes aos estudos da educação e também por representarem uma visão crítica do saber fragmentado e mecanicista, que ainda assombra os métodos de ensino, atualmente.
A proposta da complexidade, em conformidade com Morin (2005), sugere uma visão de mundo de modo indissociável e apoia como método do conhecimento uma abordagem multidisciplinar, que se contrapõe à causalidade linear por aproximar os fenômenos em sua totalidade. Relacionada ao processo epistemológico, essa teoria busca apreender os significados dos fenômenos complexos, envolvendo a interação das informações situadas num contexto, como forma de adquirir sentido aos acontecimentos cotidianos.
A pesquisa foi realizada em uma amostra de 13 alunos do terceiro ano do Ensino Médio (EM), residentes no interior do estado de Goiás. Fez-se a escolha desses alunos pelo fato de estarem concluindo a Educação Básica e por terem estudado parte considerável dos conteúdos da disciplina de química exigidos pela matriz curricular adotada pela Secretaria de Educação do estado de Goiás. Outro motivo pela escolha se refere à fase em que se encontram, caracterizada por uma série de mudanças, principalmente voltadas para aspectos fisiológicos, cognitivos e psicológicos. Essa mudança é marcada, também, por escolhas relacionadas aos papéis sociais a serem assumidos pelo indivíduo nesse momento, que o tornam detentor de um pensamento mais crítico (SPARTA; GOMES, 2005).
Utilizou-se como instrumento para coleta de dados um questionário estruturado pelos próprios pesquisadores do estudo com a finalidade de identificar os problemas e temas relacionados à experiência de aprendizagem e as dificuldades dos alunos relacionadas ao estudo da química. O questionário conteve dez questões e foi usado para verificar se houve uma compreensão aceitável do conteúdo. Também foi analisada a abrangência do uso da química no cotidiano dos alunos, tentando entender, por meio de suas falas, se existiam reflexão e compreensão do estudo de química, as dificuldades encontradas, o material de apoio e se havia uma parceria e vínculo com o educador diante da disciplina estudada. Para preservar a identidade dos alunos, eles foram denominados aluno 1, aluno 2, aluno 3, ... e aluno 13.
Para a análise dos questionários foi utilizada a técnica da grounded theory (GLASER; STRAUSS, 1967), desenvolvida para trabalhar os dados em pesquisa por meio da criação de teorias que proporcionam modos de conceitualização para descrever e explicar o assunto abordado. Segundo os idealizadores dessa Teoria, essa metodologia consiste na descoberta e no desenvolvimento de uma teoria a partir das informações obtidas e analisadas sistemática e comparativamente (GLASER; STRAUSS, 1967).
Os idealizadores apresentam um método de análise comparativa constante, em que o pesquisador, ao comparar os dados, estabelece categorias conceituais que servem para explicar o dado. A teoria, então, é gerada por um processo de indução, no qual categorias analíticas emergem dos dados e são elaboradas conforme o trabalho avança (GLASER; STRAUSS, 1967). A opção por esse método se baseia na possibilidade de estudar a experiência da pessoa que vivencia dada situação.
De acordo com Paterson e colaboradores (2001), dessa análise emergirão modelos teóricos, os quais serão integrados por meio da metassíntese, que lançará como produto final um metamodelo. Em específico, essa pesquisa gerou um metamodelo que representa a experiência do aluno diante da disciplina de química no processo de ensino e aprendizagem.
Resultados e Possibilidades de Transformação
A inserção do universo paralelo e singular do aluno em meio ao mundo globalizado e contemporâneo é uma tarefa árdua atribuída principalmente aos professores. Visto como mediador do conhecimento, o professor vem tentando se adequar a uma nova proposta de ensino que foge do tradicionalismo, pois esse método privilegia a quantidade de informação, em detrimento da qualidade.
Neste estudo, as respostas do questionário aplicado foram categorizadas em conceitos conforme as perguntas formuladas, que serviram para compreender o processo envolvendo o estudo de química e a visão dos alunos diante da disciplina, o que possibilitou a criação de diagramas e, posteriormente, um metamodelo, que sintetizaram as partes fundamentais dos discursos dos alunos.
As categorias e subcategorias a seguir emergiram das respostas dos alunos tendo em vista as análises dos questionários, que foram fundamentais para construir um modelo teórico que explique a visão deles com a disciplina de química. Ou seja, as categorias que surgiram durante a análise dos dados foram fundamentais para a criação de um modelo teórico que esclareça o processo investigado, conforme a Teoria da Complexidade e a grounded theory.
Categoria A: Percepção do estudo da química
Na literatura, é bem estabelecido que a química é a ciência que estuda a matéria e suas transformações. Esse conhecimento surgiu da curiosidade humana para tentar explicar os compostos de toda as matérias que nos cercam. Dessa forma, a química está ligada no nosso dia a dia, seja no alimento, nas plantas, medicamentos, nos fenômenos naturais e em tudo que utilizamos.
A química possibilita ao homem desenvolver uma visão crítica do mundo que o cerca, permitindo-lhe analisar, compreender e utilizar seus conhecimentos no cotidiano, o que o leva a perceber situações que possam contribuir para sua evolução (CARDOSO; COLINVAUX, 2000).
Segundo as falas que emergiram dos participantes do estudo, pode-se deduzir que a percepção do estudo da química envolve a elucidação de sua importância como fator indispensável para entender os fenômenos da vida, captando sua existência em todo processo do mundo. Isso faz com essa disciplina seja mistificada como complexa tanto no processo de ensino como de aprendizagem pelos alunos do EM.
Subcategoria A1: A química como um aprendizado elevado
A maioria dos conceitos químicos busca demonstrar a realidade que nos cerca, o que atinge um nível de compreensão elevado com difícil interpretação dos dados. Isso requer uma interação pedagógica para que seja possível uma análise do contéudo como forma de obter sentido às intepretações, conforme é demonstrado na fala de um dos participantes da pesquisa:
Na química, temos um aprendizado elevado; como exemplo temos o nosso corpo humano, que é uma química junto com o dia a dia. (Aluno 8).
Não se pode deixar de indagar que a disciplina de química é conceituada pelos alunos como uma das matérias mais complicadas da grade curricular. Estereotipada como complexa, são poucos os alunos que têm afinidade com essa disciplina, o que torna sua aceitação baixa. Como mostra Kalinke e Polla (2011), a disciplina de química não é vista com bons olhos pela maioria dos alunos, que dizem não gostar da matéria ou têm bastante dificuldade nos cálculos, fórmulas e conceitos, o que constitui um dos principais fatores para gerar as dificuldades encontradas na disciplina.
Um dos motivos para a baixa aceitação pode estar relacionado à forma com que o conteúdo é ministrado pelo professor. Segundo a literatura, as informações referentes ao curso de química são geralmente passadas de maneira errônea, muitas vezes de forma superficial, o que gera incompreensões e dúvidas por parte do aluno e pode levar ao desenvolvimento de alguns sentimentos negativos, como o ódio pela disciplina, refletindo também no senso crítico do aluno como cidadão (BRASIL, 1999).
Subcategoria A2: Contribui para o futuro e é importante para compreender a vida
Como o estudo da química envolve tudo o que nos cerca, o que inclui a compreensão da relação entre um mundo mascroscópico e microscópico com sua reação e transformação da matéria, essa disciplina é considerada bastante relevante. Segundo um dos participantes do estudo:
A química é um conteúdo importante. Podemos perceber através do estudo dessa matéria pequenas coisas dentro de casa, e que através da química percebemos que há muita coisa por trás de algo simples. (Aluno 3).
A literatura mostra que os alunos consideram o estudo da química importante devido à marcante presença dessa disciplina em suas vidas, o que facilita a compreensão do mundo. Um dos motivos encontrados para estudar essa matéria se direciona à capacidade de entender a congruência entre a parte teórica e a prática, o que facilita a assimilação dos conteúdos abordados com os alunos (CARDOSO; COLINVAUX, 2000).
Como já foi mencionado, não são todos os alunos que têm uma admiração por essa disciplina. Porém, sua apreciação está ligada principalmente àqueles alunos que buscam futuramente uma profissão que trabalha paralelo a algo direcionado à química, como é mencionado por um dos participantes da pesquisa:
É legal e necessário estudar a química, pois pode ajudar bastante no futuro, dependendo na área que for formar. (Aluno 9).
Esses dados corroboram com os resultados dos autores supracitados, sendo mostrado que 58,6% dos alunos entrevistados, tanto do Ensino Médio como do Ensino Fundamental, relataram que iriam precisar da química na futura profissão. Os autores sugerem, também, que os interessados em estudar química escolhem carreiras nas quais a disciplina está presente, e isso gera uma atenção redobrada por esses alunos ao conteúdo ministrado pelo professor, pois percebem a necessidade de absorver a informação para utilizar em sua futura profissão.
Subcategoria A3: Química – Presente em tudo e contribui para a percepção do mundo
O estudo da química possibilita o desenvolvimento de uma visão crítica do mundo, podendo ser utilizado para compreender as transformações ocorridas em nosso meio durante séculos. O conhecimento adquirido por essa disciplina oferece ao aluno oportunidade de solucionar alguns dos problemas vivenciados em seu dia a dia. Segundo as respostas dos alunos:
Estudar química é uma forma de compreender tudo, de entender o sentido das coisas, pois a química está presente em tudo. É necessário entendê-la. (Aluno 1).
Saber como ocorrem algumas coisas e conhecer melhor com o que estamos lidando. (Aluno 8).
O conhecimento é concebido por meio de construções contínuas e renovadas a partir da interação com o mundo real, o qual facilita assimilações e, subsequentemente, o desenvolvimento das estruturas fundamentais que nos auxiliam a perceber aspectos importantes ao nosso redor, defende Piaget (1977).
O aluno convive com os aspectos reais em seu dia a dia, sendo o cotidiano um fator importante para construção do saber em química, pois é por meio dessa interação com o mundo real e a sua interação com o cotidiano que os alunos desenvolvem seus conhecimentos em química. Dessa forma, a aprendizagem em sala de aula, a partir dessa perspectiva, é vista como algo que requer atividades práticas bem elaboradas que desafiem as concepções prévias do aprendiz, encorajando-os a reorganizar suas teorias pessoais (SÁ; GARRITZ, 2014).
A seguir são apresentadas mais duas categorias e suas subcategorias que surgiram das falas dos alunos e que foram importantes para discutir o assunto relacionado à linguagem e possibilidade de transformação.
Categoria B: Linguagem própria da química
A química tem uma particularidade dentro de sua linguagem que pode ser observada no relato dos estudiosos sobre o assunto. Ela baseia seus conteúdos e informações em situações reais, podendo ser transferidos para dentro da realidade do aluno. Esse, por sua vez, pode evoluir para agente transformador da sociedade, desenvolvendo seu lado crítico diante dos problemas já existentes.
Segundo Holman e Hunt (2002), a disciplina de química deve estimular o aluno a ser cidadão transformador dentro da sociedade, ensinando o significado prático dos seus conteúdos, ajudando a desenvolver também o seu senso crítico.
Dessa forma, a linguagem química deve ser uma preocupação central para a formação do pensamento químico dos estudantes, sendo necessária a divulgação da eficácia do uso da sua linguagem tanto com relação às fórmulas e equações químicas como a sua simbologia, o que organizará melhor o pensamento químico (MALDANER; PIEDADE, 1995).
Segundo as respostas dos participantes do estudo, para compreender a disciplina de química é necessario entender a sua linguagem, juntamente com sua simbologia, sendo essencial que os conteúdos sejam substanciados em seu cotidiano, como meio de facilitar o seu entendimento.
Subcategoria B1: Parte do cotidiano
O conhecimento de química ensinado na sala de aula pode ser vago quando não há transposição da realidade por parte dos professores, o que não contribui para melhorar a compreensão por parte dos estudantes. Sendo assim, as orientações curriculares para o EM destacam os eixos centrais do ensino de química, o qual envolve a contextualização, sendo necessário abordar as situações reais do cotidiano, juntamente com os exemplos dos contéudos, como forma de aproximar a teoria da prática e auxiliar na construção de conceitos significativos (BRASIL, 2006). Dessa forma, a contextualização dos conteúdos de ensino confere ao aluno a capacidade de aprimorar seus aspectos sociopolíticos, dando mais sentido à realidade que o cerca. Segundo as respostas de dois dos participantes do estudo:
Sim, é compreensível e já faz parte do cotidiano. Algumas letras, nomes, acabam lembrando a química. (Aluno 7).
[...] eu vejo no meu dia a dia, vindo para escola, indo para casa. Em pequenos atos você consegue enxergar a química [...] (Aluno 2).
O desenvolvimento do interesse dos alunos pela disciplina de química envolve planejamento cuidadoso por parte dos professores, que devem ministrar conteúdos ligados à vivência e ao cotidiano desses alunos. Isso é confirmado pelo estudo realizado por Cardoso e Colinvaux (2000), sendo demonstrado que os alunos desestimulados com a disciplina consideram a química sem utilidade na vida cotidiana, o que foi marcante para a falta de motivação deles, que apresentaram dificuldades com assimilação da disciplina.
Subcategoria B2: Linguagem e a simbologia da química
A química surgiu de estudos que tentavam entender os elementos que compunham a matéria, como forma de manipular os elementos e transformá-los em outro. Assim, essa disciplina tem uma linguagem própria, com uma simbologia para diferenciar os elementos e as substâncias que existem no mundo. A linguagem da química é representada em sua maior parte por símbolos, fórmulas e equações, o que é percebida pelos alunos, conforme mostram em seus discursos:
Na maioria das vezes sim. Porque é uma linguagem cheia de fórmulas, de elementos químicos e de muitos símbolos [...] (Aluno 11).
A química, representada por diferentes letras [...] (Aluno 8).
Conforme mostram Roque e Silva (2008), a química trilhou um caminho próprio entre as ciências, o que levou à criação de uma linguagem química, pois enfrentou dificuldades de interpretação e descrição dos fenômenos para chegar à transformação da matéria. Essa transformação, que, posteriormente, foi conhecida como reação química, faz parte dos processos naturais, o que é encontrado no dia a dia do ser humano desde os tempos imemoriais.
Ainda segundo Silveira e Cicillini (2005), a linguagem química, além de ser fundamental para entender a disciplina, influencia também no senso crítico, ampliando os conceitos para a sociedade.
Uma vez que o aluno apreende o quanto é importante a química em sua vida, é fundamental que ele entenda a linguagem específica dessa disciplina, para que o aprendizado dos conteúdos ensinados seja efetivo. Como afirmam Batiston et al. (2012), a linguagem química, quando compreendida, auxilia o aluno a adquirir uma aprendizagem significativa.
Subcategoria B3: Dificuldade de entender a química
Como já foi demonstrado até o momento, a disciplina de química é considerada por muitos alunos uma matéria complexa, principalmente por ter uma linguagem própria com uso de muitos símbolos.
Dominar os conceitos e regras, como também reconhecer em qual situação aplicá-las, constituem grandes dificuldades encontradas hoje no ensino, independente da disciplina. Os alunos deste estudo mostraram em seus discursos a dificuldade diante dessa disciplina:
Em alguns estudos sim, mas em outras coisas há um pouco de dificuldade, pois ao nosso ver parecem mais complexas e mais difícil de aprender. (Aluno 13).
Às vezes, quando entendo. (Aluno 1).
Segundo Mortimer e Miranda (1995), a explicação para as dificuldades demonstradas pelos alunos do EM com referência à disciplina de química constitui a falta de compreensão dos fenômenos que compõem a ciência química, ou seja, eles não conseguem interpretar as diferentes interações das substâncias envolvidas nos processos fisicoquímicos, ou não conseguem reconhecer similaridades diante de fenômenos diferentes.
Um dos relatos dos participantes mostrou que o entendimento é influenciado muito pela forma que o professor repassa o conteúdo, tendo ele um papel fundamental no processo de compreensão da disciplina:
Depende, às vezes sim e às vezes não, depende da forma que o professor passa pra gente pode até ser compreensível, mas ainda se torna bastante complicado compreender. (Aluno 12).
Conforme Chassot (1990), a química possui uma peculiaridade própria e muitos alunos apresentam dificuldades em seu entendimento. Porém, uma das tarefas dos professores é conseguir passar o conteúdo de forma simplificada, usando uma linguagem clara e objetiva (VYGOTSKY, 2001). Dessa maneira, é necessária a interação do professor e do aluno para que a sintonia entre ambos se torne harmoniosa. Segundo Clementina (2011), é importante que o docente veja o aluno e ele se veja como o protagonista do aprendizado, sendo capaz de tomar suas próprias decisões quando necessário. Para que isso ocorra, o aluno deve reaprender a dominar sua própria história.
Categoria C: Parceria com o educador e a possibilidade de transformação
O trabalho articulado entre educador e educando pode reforçar as habilidades e competências de ambos, de modo que suas ações, criatividade e iniciativas sejam reforçadas para formação de futuras experiências no contexto educacional. Nessa perspectiva, a colaboração dos dois pode ser essencial para desenvolver um feedback que possibilite melhorar a visão mais transcendental de mundo.
Nesse sentido, há uma possibilidade de transformação da educação, tanto em nível socioeducacional como ambiental. Isso é essencial para uma reflexão crítica da disciplina de química, o que pode ser também uma reflexão crítica de sua prática. Segundo o Ministério da Educação, a teoria e a prática fazem o conhecimento passar do nível fenomenológico para o nível teórico-conceitual, pelo uso de exemplos, principalmente ligados à realidade dos alunos. Dessa forma, a disciplina de química deixa de ter uma visão linear, angular e alienada para possuir uma imagem pluralizada, dinâmica e sistemática (BRASIL, 2002), o que possibilita gerar uma metamorfose do sistema educacional.
Por meio das falas dos alunos percebeu-se que, no processo de transformação da educação, um dos pilares é a interação do aluno com o professor, como foi antes citado, como também a interação entre os estudantes. A capacidade de mudar seus conceitos, aproximando a disciplina da realidade, é um fator marcante no processo de ensino e aprendizagem no estudo de química.
Os discursos dos participantes permitiram evidenciar que a colaboração com o professor é fundamental para que ocorra o processo de transformação do estudo da química, que envolve dedicação e esforço do aluno para assimilar o conteúdo ministrado em sala de aula, como também a interação entre eles, o que pode favorecer o desenvolvimento da capacidade do pensamento crítico. Outro fator importante envolvido nesse processo se direciona à aplicação de uma didática diferente, estimulando a afinidade entre os alunos e a disciplina.
Subcategoria C1: Dedicação e esforço para apreender
A partir dos relatos dos alunos, percebeu-se que existe um esforço por parte deles para compreender a disciplina, o que exige uma dedicação maior a fim de estudar e trazer retorno do aprendizado para si. Não se pode esquecer que essa via de aprendizado remete ao um círculo em que o professor também faz parte. Dessa forma, é demonstrado que existe por parte do aluno o interesse e esse deve ser explorado pelo professor como um motor percussor para estimular o aluno a buscar a construção do conhecimento próprio, no sentido também de adquirir autonomia diante da disciplina.
[...] interesse na matéria, esforço para aprender, dedicação. (Aluno 6).
Colaborar com a aula, se esforçar para compreender a disciplina [...] (Aluno 10).
[...] esforço para melhorar meu desempenho dentro da sala de aula. (Aluno 7).
Nessa perspectiva, o aluno deve assumir uma postura ativa na aprendizagem, sendo esse um dos aspectos positivos a serem explorados pelo docente, de modo a criar ou estabelecer uma relação próxima com os alunos a fim de estimular a criação de um ambiente que favoreça o processo de aprendizagem. Assim, o aluno deve perceber-se como integrante e agente transformador do ambiente, o que contribui para melhorar o processo de ensino e aprendizagem.
Segundo Silva e Navarro (2012), o educando deve ser considerado como sujeito interativo e ativo no processo de construção do conhecimento. Por isso, o professor tem um papel de grande relevância no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que se apresenta como pessoa mais experiente e com mais conhecimento sistematizado em comparação ao aluno.
Subcategoria C2: A interação entre os estudantes
Criar espaços dinâmicos adequados à integração dos alunos é um dos objetivos do trabalho em grupo, sendo também essencial para a troca de conhecimento e a interação entre os alunos. São, portanto, elementos fundamentais para consolidar atitudes e valores que são comuns ao grupo, além de concretizar a troca de experiência e trabalhar a capacidade de comunicação.
Em vista disso, a interação com os outros alunos como meio facilitador para compreender a disciplina é citado por um dos participantes do estudo:
[...] a interação com os colegas, acho essencial trabalhar em grupo, pois é um momento que todos interagem e isso facilita entendimento da disciplina. (Aluno 4).
Segundo Habermas (1989), a interação é uma prática comunicativa por meio da qual os envolvidos colocam-se de acordo quanto a um projeto comum. Os sujeitos constroem consensos sobre um plano de ação por meio de uma modalidade de comunicação dialógica – de dupla mão, ou seja, há a troca de valores e conhecimento.
Subcategoria C3: Didática diferente
Para que ocorra o ensino de qualidade, a educação, atualmente, busca aplicar metodologias que focam o desenvolvimento do aluno. Conhecida como método de didática pedagógica ou diversificação dos recursos pedagógicos, os jogos e os recursos audiovisuais ampliam os espaços de aprendizagem, estimulando e, ao mesmo tempo, incentivando o interesse dos alunos para a disciplina. Dessa forma, realizar estudos em ambientes diferentes da sala de aula, como visita às exposições químicas ou feiras científicas, também a criação de projetos interdisciplinares e a utilização de laboratórios, são hoje grandes escopos dos planos de aula de muitas instituições de ensino (BRASIL, 2002).
Segundo os participantes deste estudo, existe a necessidade de incentivar o professor a preparar aulas diferentes, com jogos e vídeos, por exemplo:
Poderíamos incentivar mais os professores a prepararem aulas diferentes [...] (Aluno 9).
[...] aulas com jogos ou vídeos nos auxilia a entender mais sobre a química [...] (Aluno 5).
Segundo Cunha (2012), os jogos no ensino de química têm proporcionado aprendizados e revisão de conceitos, sendo um dos meios para motivar os estudantes para o aprendizado, o que melhora seu rendimento na disciplina, desenvolve suas habilidades de busca e problematização de conceitos, contribuindo também para formação social.
Segundo alguns autores, o vídeo também possui algumas relevâncias importantes para o sistema educacional, pois auxilia na construção do conhecimento, por meio da contextualização. Nesse sentido, os alunos são estimulados a refletir e avaliar com criticidade o material exibido (ZHANG et al., 2011; MASATS; DOOLY, 2011). Essa ferramenta de ensino é preconizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2002), o qual mostra sua importância como metodologia de ensino.
Metassíntese do modelo teórico: A experiência do aluno diante da disciplina de química, o processo de ensino e aprendizagem
A metassíntese do modelo teórico se deu após a análise das categorias criadas que foram apresentadas anteriormente. Por meio da grounded theory (GLASER; STRAUSS, 1967), os conceitos emergiram das codificações e frases agrupadas com os mesmos valores significativos, dos quais emergiram três fenômenos: A percepção dos alunos sobre o estudo da química; A linguagem própria da química; A parceria com o educador e a possibilidade de transformação. Foram inter-relacionados os três fenômenos para formar a categoria central: A química com seus conteúdos e sua linguagem quando assimilada com o cotidiano facilita o seu entendimento e possibilita a transformação do aluno por meio do pensamento crítico.
Criou-se o metamodelo por meio da análise e comparação das falas dos participantes, que se desvelou por meio dos conceitos das categorias e subcategorias. As interações entre seus componentes foram fundamentais para elaboração do modelo proposto no estudo, de modo que essa estratégia permitiu identificar as palavras-chave descritas no modelo. As considerações finais desse estudo explicam, em síntese, esse metamodelo, de modo a evidenciar a percepção do aluno sobre o processo de ensino e aprendizagem em relação à disciplina de química.
Considerações Finais
A educação atual exige mudanças pedagógicas que favoreçam a qualidade do aprendizado, sendo focado no aluno e sua singularidade, levando também em consideração a sua história. Esse sistema favorece a construção de um saber crítico, envolvendo a compreensão do papel da sociedade na vida de cada aluno.
Estudar o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva dos alunos permitiu desvendar uma visão bastante ampla dos vários aspectos da química e de todo o seu potencial de transformação. As questões que foram reveladas pelos diálogos dos participantes desta pesquisa mostraram que a química é vista com algo indispensável para compreender a vida, captando sua existência em todo o processo ao redor do mundo, a qual é conceituada como uma disciplina complexa. Nessa perspectiva, para compreender a disciplina de química é necessário familiarizar com sua linguagem e seus símbolos, sendo essencial que os conteúdos sejam substanciados no cotidiano de cada aluno para facilitar o entendimento de seus conceitos e aplicabilidade.
Dessa forma, parcerias com o professor e entre os alunos são fundamentais no processo de transformação do estudo da química, o qual envolve dedicação e esforço do aluno para assimilar os conteúdos ministrados em sala de aula e inclui criar estratégias de ensino diferente.
É interessante perceber que a simples transmissão de opiniões por parte dos alunos nem sempre é o aceitável para que ocorra a construção significativa da mudança de paradigmas em relação ao ensino. Porém, suas experiências e vivências devem ser levadas em consideração para a produção do conhecimento acerca do processo de ensino e aprendizagem na disciplina de química, de modo que sejam consolidadas estratégias que visem ao melhoramento do sistema de ensino.
É importante apontar também que essa transformação sugerida pelas falas dos alunos poderá acontecer naturalmente, contanto que os professores se empenhem em realizar o seu papel de transmissor do conhecimento e estimulador do processo ensino e aprendizagem. Assim, os discentes serão capacitados a apreender e compreender os fenômenos acerca do conhecimento de química, juntamente com os aspectos de sua vida, o que pode romper a barreira entre o aluno e professor. Essa ação pode melhorar também a capacidade de análise do aluno, juntamente com seu poder de contextualização, que pode ser refletido em sua comunicação social.
Desse modo, os resultados deste estudo podem contribuir no aprimoramento das tendências às linhas pedagógicas na disciplina de química, que fornecerá subsídios para compreensão da visão dos alunos e criar estratégias que melhorarão o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva desses alunos, favorecendo também a formação de novas diretivas à ação dos docentes.