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Regae: Revista de Gestão e Avaliação Educacional

versión On-line ISSN 2318-1338

Regae: Rev. Gest. Aval. Educ. vol.11 no.20 Santa Maria  2022  Epub 22-Sep-2023

https://doi.org/10.5902/2318133870564 

Artigo

Percepção E Produção De Sentido De Participantes Num Curso De Formação Para Gestores Escolares

Perception And Production Of Meaning Of Participants In Training Course For School Managers

Cristiane Regina Dourado Vasconcelos¹  , professora
http://orcid.org/0000-0003-4258-7375

Jomária Alessandra Queiroz de Cerqueira Araujo²  , professora
http://orcid.org/0000-0002-8046-3018

Ione Oliveira Jatobá Leal³  , professora
http://orcid.org/0000-0003-3653-0268

Ivan Luiz Novaes4  , professor
http://orcid.org/0000-0003-2607-2304

¹Cristiane Regina Dourado Vasconcelos é professora na rede municipal de ensino de Salvador/BA, Lauro de Freitas, BA, Brasil. dourado.cris@gmail.com.

²Jomária Alessandra Queiroz de Cerqueira Araujo é professora na rede municipal de ensino de Salvador/BA, Salvador, BA, Brasil. akeiroz@gmail.com.

³Ione Oliveira Jatobá Leal é professora na Universidade do Estado da Bahia, Jacobina, BA, Brasil. ionejatoba@gmail.com.

4Ivan Luiz Novaes é professor na Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil. ivanovaes@gmail.com.


Resumo

Este artigo decorre de uma pesquisa sobre a percepção de participantes num curso de formação para gestores escolares, promovido pela rede municipal de ensino de Salvador/BA. Para tal fim, o estudo abrangeu as categorias gestão escolar; formação de gestores; percepção e produção de sentido. A metodologia foi a pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, apoiada pelas pesquisas documentais, bibliográficas e de campo, com aplicação de questionários. Foi considerada a relação entre os aspectos objetivos e subjetivos das políticas de formação, na tentativa de conciliar as perspectivas que coexistem no campo. Conclui-se que o curso ofertado teve caráter pontual, com fragilidade teórica e ausência de conteúdos relativos ao planejamento estratégico de gestão escolar.

Palavras-chave: gestão escolar; formação; percepção; produção de sentido

Abstract

This article stems from a survey on the perception of participants in a training course for school managers, promoted by the municipal education network in Salvador/BA. To this end, the research covered the categories: school management; training of managers; perception; and production of meaning, having exploratory research as a guiding methodology, with a qualitative approach, supported by documentary, bibliographic and field research, with the application of questionnaires. The relationship between the objective and subjective aspects of training policies was considered, in an attempt to reconcile the views that coexist in the field. It is concluded that the course offered was punctual, with theoretical fragility and absence of content related to strategic planning of school management.

Key-words: school management; training; perception; production of meaning

Introdução

No cenário dos debates educativos vivenciados nas últimas duas décadas no Brasil, o papel do gestor escolar recebeu características de protagonismo nos processos de ensino e de aprendizagem. De acordo com Vasconcelos (2016), isto é explicado por duas vias: pela importância atribuída à gestão escolar como elemento estruturante dos sistemas de ensino, tanto na Constituição Federal de 1988, quanto na LDB de 1996, bem como pelas crescentes discussões sobre a qualidade da educação no país.

Neste sentido, o papel do gestor escolar assumiu nuances de articulador político e de promotor de princípios e direitos entre aqueles que compõem a comunidade escolar. Eleito pela comunidade escolar ou indicado por setores governamentais, o gestor escolar se depara com um arcabouço normativo que o situa ante ao desafio de promover a gestão democrática e participativa, assegurando à comunidade o direito de voz e decisão sobre a concepção, a operacionalização, o monitoramento e a avaliação das ações empreendidas nas unidades escolares.

As demandas atribuídas ao gestor escolar, requerem características pessoais e formativas para o exercício do cargo. Considerando que esse profissional deve atuar como líder, mentor, coordenador e orientador principal da vida da escola, não devendo sua responsabilidade ser diluída entre todos os colaboradores da gestão escolar, embora deva ser com eles compartilhada (Lück, 2009).

A base teórica e o conhecimento da legislação são componentes importantes para a formação do gestor escolar. Estes componentes constituem-se como elementos de objetividade deste processo, assim como, o exercício do cargo e as derivações advindas de dimensões psíquicas e sociais. A percepção e a produção de sentido, por exemplo, constituem-se como aspecto subjetivo da formação (Novaes; Carneiro, 2012).

Considerando as produções acadêmicas sobre formação de gestores - Vieira e Vidal (2014); Franco (2014); Ogawa e Filipak (2013); Rodrigues, Rocha e Stoffel (2011) - identificamos um adensamento pelos elementos objetivos em detrimento dos aspectos subjetivos. Isso significa que ainda é incipiente, na literatura, as discussões sobre a complexa relação entre a dimensão da objetividade, expressa nas políticas e diretrizes e a dimensão da subjetividade.

Entendemos, assim, que a institucionalização de políticas é insuficiente para garantir os resultados projetados, tendo em vista que tais políticas estão condicionadas à implantação por gestores escolares, indivíduos enlaçados nos espaços sociais, cujas percepções e produções de sentidos originam-se de um fenômeno social. Nesta perspectiva, a objetividade, aqui materializada pelas políticas de formação de gestor escolar, tem certa flexão ao se incorporar à subjetividade dos sujeitos responsáveis por sua execução. A subjetividade representa a via pela qual os gestores, dotados de seus próprios sentidos, se apropriam de elementos externos - políticas -, elaborando os sentidos que projetam em suas ações (Novaes; Carneiro, 2012).

Ao admitirmos a relevância dos aspectos subjetivos, materializados na dimensão da percepção e de produção de sentido, delineamos as margens epistemológicas adotadas a partir de conceitos interdisciplinares que incluem campos da ciência como os descritos no quadro 1.

Quadro 1 Conceitos interdisciplinares de ‘percepção’. 

Campos Conceitos
Filosofia Processo pelo qual o sujeito é capaz de interpretar e dar sentido ao mundo (Comte-Sponville, 2003 apud Novaes; Carneiro, 2012).
Psicologia Decorre das representações mentais que os sujeitos fazem dos acontecimentos externos (Rock, 1983 apud Novaes; Carneiro, 2012).
Educação Processo pelo qual o sujeito adquire informação do ambiente em seu entorno (Legendre; 1993 apud Novaes; Carneiro, 2012).
Administração Processo sob o qual os “indivíduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais com a finalidade de dar sentido ao ambiente” (Robbins, 2005, p. 104 apud Novaes; Carneiro, 2012).

Fonte: autores.

Analisando tais conceitos, percebemos a frequência com que eles estão relacionados à ideia de processo, indicando um movimento contínuo pelo qual há uma inter-relação entre o sujeito e o seu meio social, retroalimentada pela ação mútua de transformação.

Na dimensão da gestão escolar, este processo se desenvolve à medida que o gestor escolar incorpora a responsabilidade de efetivar políticas e, sob a influência de suas características pessoais e papeis profissionais e sociais, recria mecanismos de reconstrução do mundo ao seu redor através da produção de sentido.

Esta categoria pode, assim, ser conceituada como um “esforço motivado e contínuo de compreender conexões (entre pessoas, lugares e eventos), de modo a antecipar trajetórias e agir efetivamente” (Klein; Moon; Hoffman, 2006, p. 71 apud Novaes; Carneiro, 2012). A produção de sentido pode exprimir aquilo que os homens fazem e refazem no mundo, criando sua existência a partir do material que a vida oferece (Freire, 1979 apud Novaes; Carneiro, 2012).

Assim, admitimos que, se por um lado, o cargo e as demandas do gestor escolar por si só imprimem a condição de recriação e reelaboração da realidade, os processos formativos a que estes profissionais estão submetidos apontam para um movimento ainda mais desafiador de sensibilização e ressignificação.

Sobre as demandas de formação continuada, observa-se que esse tipo de formação “vem ganhando progressiva importância, como sinal de que o aprendizado deve assumir caráter permanente e dinâmico na vida dos profissionais de qualquer natureza humana” (Machado, 2000, p. 103).

Outro fator a ser considerado, são os cursos padronizados para as escolas do país. Corroboramos com Freitas (2009), quanto à importância desses cursos de formação atentarem para as diferenças regionais e os diferentes níveis de educação dos participantes, uma vez que determinados conteúdos, conhecimentos e habilidades podem ser necessários para algumas regiões e para outras não. Neste sentido, fica evidente a importância da pesquisa sobre a percepção dos cursos ofertados pela rede a fim de identificarmos o nível de aceitação e de mudança no cotidiano escolar que eles podem operar.

Considerando, portanto, os aspectos aqui mencionados em torno da formação de gestores, apresenta-se resultados de uma pesquisa que envolveu a aplicação de questionário em 61 interessados em candidatarem-se a cargos de diretor ou vice-diretor escolar, e que participaram do curso ofertado, em 2019, pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador/BA.

Contextos e processos de formação para gestores das escolas municipais de Salvador/BA

Entre as duas margens que tangenciam as inciativas de formação de gestores, ou seja, a demanda e a oferta, evidencia-se na rede municipal de ensino de Salvador/BA, a timidez com que avançam os programas de formação.

A constatação desta timidez, segundo Santos (2018) é verificada pela discrepância numérica e periódica entre a oferta de cursos de formação para professores e coordenadores pedagógicos e a oferta para gestores escolares. Esta última, restrita geralmente a cursos lacônicos, pontuais, com foco em procedimentos e programas implantados pela referida rede.

De modo complementar, Nascimento (2015) aponta para a necessidade de se intensificar a formação do gestor escolar, tendo em vista que a escola se constitui numa organização importante que necessita de profissionais que tenham competências e habilidades já desenvolvidas, para que possam lidar com as diversas atribuições, além de capacidade de se posicionar frente aos desafios impostos por uma sociedade em constante mudança.

Os cursos disponibilizados pela rede municipal de ensino de Salvador e sua relação com a realidade enfrentada por gestores na prática laboral são foco de críticas. Poucas pesquisas são desenvolvidas para estabelecer quais são os elementos prioritários no processo de formação do gestor, como também a aplicabilidade dos conteúdos dos cursos até então realizados na atuação dos gestores em exercício.

Ao investigar os cursos de formação ofertados para gestores escolares em Salvador/BA, Nascimento (2015) apresentou uma análise sobre cursos promovidos nos anos de 2006, 2010 e 2014. Segundo esse pesquisador, o objetivo dos cursos analisados foi “contribuir para o desenvolvimento das competências básicas para o exercício efetivo das funções de diretor e vice-diretor, para sua atuação nas unidades escolares da rede municipal de ensino” (Nascimento, 2015, p. 43).

Nascimento apontou algumas fragilidades no processo de formação para gestores escolares da referida rede: falta de continuidade da formação e ausência de acompanhamento da prática desse profissional, como forma de contribuir para a gestão escolar. Outros fatores apontados se referem ao aspecto excessivamente teórico, bem como aligeirado no que concerne a auxiliar os gestores escolares no desenvolvimento de competências, tais como, planejamento, lideranças pedagógicas e administrativas. Em suma, os cursos não levaram em consideração as experiências dos gestores (Nascimento, 2015).

Traçando um histórico da formação ofertada aos gestores desta rede municipal, verificamos que o primeiro processo de eleição direta para gestores escolares da rede municipal, associado à oferta de um curso de formação para os candidatos à gestão, ocorreu em 1999. Sobre esse curso, a gestora escolar Curitiba, relatou que durante o movimento de implantação das eleições, surgiram os seguintes debates: gestão para resultados; a repercussão da ação gestora na relação com a comunidade escolar; como a imagem da escola e o sentimento de pertencimento na e pela escola são construídos na comunidade.

Na percepção de Vitória, também participante da pesquisa e gestora escolar por quatorze anos na referida rede, este curso, ofertado em 1999, foi desenvolvido na modalidade presencial e foi a mais completa formação em gestão escolar que a Smed ofereceu para capacitar professores e coordenadores pedagógicos para atuarem como gestores escolares.

No ano de 2002, ocorreu a segunda edição do curso de formação de gestores. Neste período, atuavam nas escolas da rede municipal de Salvador muitos gestores que haviam sido empossados sob o critério da indicação política. Sobre a realização desse curso, Teresina observa que houve, por parte de muitos gestores, resistência em participar do curso e do sistema de avaliação escrita e eleitoral. Tal resistência pode ser explicada pelo medo do processo avaliativo ou pela concordância com a dinâmica de seleção para gestores, perpetuada pelos preceitos da ditadura política que antecedeu a elaboração e votação da Constituição de 1988.

Cabe salientar que, a partir da década de 1990, as demandas de trabalho da gestão escolar aumentaram simultaneamente, mas as demandas por formação gerencial e pedagógica de tais profissionais não cresceram proporcionalmente.

Para efeito de recorte, elegemos como lócus desta investigação, elementos objetivos do último curso ofertado (2019) aos candidatos aos cargos de diretores e vice-diretores escolares na rede municipal na intenção de, à luz da interpretação de respostas de um questionário, identificar as percepções e produções de sentido produzidas pelos participantes.

O curso foi organizado por coordenações em âmbito nacional e estadual e tutorado ao governo municipal, como se pode atestar pela figura a seguir e utilizou uma plataforma de vídeo, na qual indica as Competências Básicas do Programa Formação pela Escola -FPE - do FNDE.

Fonte: autores

Figura 1 Organograma do Programa Nacional de Formação Continuada a Distância nas ações do FNDE 

Como se pode observar, há uma integração entre a coordenação dos sistemas envolvidos, caracterizando um modelo intrassetorial de gestão, que permite a realização de ações conjuntas entre diferentes órgãos de um mesmo setor da economia, neste caso, o setor público. De acordo com Araujo (2015) este modelo viabiliza o planejamento e a execução de ações e projetos menos onerosos para o setor e os órgãos envolvidos; possibilita o compartilhamento de conhecimentos e de dinâmicas submetidas a uma mesma legislação e diminui os processos burocráticos que permeiam as relações intersetoriais.

Desta forma, os tutores municipais foram responsáveis por realizar o monitoramento sistemático dos cursistas, garantindo-lhes as informações necessárias para acessarem os conteúdos, bem como realizarem as atividades e receberem o certificado de conclusão.

Desse modo, em 2019, a Smed ofereceu aos professores e coordenadores pedagógicos da rede o curso como programa de formação para gestores escolares. O plano do curso abrangia uma carga horária de 60 horas, na modalidade de educação a distância e teve como objetivo possibilitar aos cursistas conhecimento e informações que lhes permitissem compreender o sentido das políticas públicas na área social, no contexto da sociedade contemporânea; reconhecer as políticas para a educação básica, implementadas pelo Estado brasileiro; conhecer as fontes de financiamento da educação básica e os mecanismos para que a comunidade faça o acompanhamento e o controle social dos recursos destinados à educação; reconhecer o papel social do FNDE no apoio às políticas públicas para a educação básica, mediante a implementação de diferentes programas, ações e projetos e, ainda, mediante o financiamento de projetos educacionais; conhecer a dinâmica dos conselhos que atuam no controle das ações, programas e projetos educacionais, e como se dá a participação da comunidade nesses conselhos (Brasil, 2018).

Salientamos que os critérios para concorrer aos cargos comissionados de diretor e vice-diretor de unidade de ensino da rede municipal foram estabelecidos por portarias, entre as quais a de n. 297/2019. No art. 4º definem-se as seguintes condições para a candidatura: ser o servidor estável, integrante das categorias funcionais de professor ou coordenador pedagógico e preencher os seguintes requisitos: possuir curso de habilitação superior na área de educação; ter sido classificado e certificado em curso para gestores de unidade de ensino oferecido pela Smed; não ter recebido pena disciplinar nos últimos 2 (dois) anos anteriores à data do registro da candidatura; apresentar e defender, junto à comunidade escolar, o plano de trabalho da gestão escolar; encontrar-se lotado e em exercício há, pelo menos, seis meses na unidade de ensino em que pretende concorrer ao cargo em comissão de diretor ou vice-diretor (salvador, 2019, p. 5).

Resultados da pesquisa

Aqui apresentamos os resultados, a partir da análise das respostas dos participantes ao questionário aplicado entre os meses de outubro a dezembro de 2021. Este instrumento de pesquisa foi elaborado a partir dos recursos do google formulários e enviado aos participantes por e-mail.

Perfil dos participantes: participaram da pesquisa 61 servidores da rede municipal - 55 mulheres e seis homens -, sendo que 51 eram professores concursados na rede, cinco coordenadores pedagógicos, também concursados, e cinco com duplo vínculo na referida rede.

Quanto à formação, observa-se a predominância de pedagogos. Dos 61 participantes da pesquisa, 50 são pedagogos e 11 tem graduação em outras licenciaturas. Ainda com referência à formação, os dados coletados permitiram observar que apenas duas participantes da pesquisa têm somente a graduação: 50 participantes são especialistas, oito são mestres e uma é doutora.

Sobre o tempo de serviço na rede, a análise dos dados permitiu verificar que a maioria dos participantes da pesquisa tem experiência na área de educação. Dos 61 participantes da pesquisa, apenas um tem menos de cinco anos na rede, cinco estão no intervalo de seis a 10 anos e 55 participantes tem mais de dez anos de atuação na rede municipal. Destes, 51 já atuaram como diretor ou vice-diretor de escola e dez nunca ocuparam tais cargos. Com referência a participação no processo eleitoral para gestores escolares realizado na rede em 2019, 42 participantes se candidataram ao cargo de diretor ou vice-diretor neste processo eleitoral e 19 não se candidataram.

Sobre a motivação para exercer um cargo de gestão escolar na referida rede, o gráfico 1 apresenta os dados apurados.

Fonte: autores

Gráfico 1  Motivação dos participantes para exercer um cargo de gestão escolar. 

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos gestores escolares, mencionadas anteriormente e da responsabilidade destes profissionais, tanto no cumprimento das inúmeras atribuições que o cargo apresenta, quanto nas exigências legais impostas através de políticas educacionais, os resultados da pesquisa revelam que a maioria dos professores e coordenadores, participantes desta pesquisa, tem se dedicado à gestão escolar por acreditarem que podem contribuir para a melhoria dos processos da escola - 46 respostas - e por terem afinidade com as funções da gestão escolar - 19 respostas.

Nenhum participante declarou ter sido motivado a atuar como gestor escolar para ficar um tempo fora da sala de aula; quatro revelaram ser motivados pela possibilidade da melhoria salarial; seis não assinalaram nenhuma das opções de resposta.

Dos 61 participantes da pesquisa, 58 participaram do curso Competências Básicas, sendo que dos 58 profissionais, 24 acreditam que o curso proporcionou os conhecimentos necessários para que coordenadores e professores da rede estivessem habilitados para assumir um cargo de gestão escolar e 34 participantes não concordam com esta afirmativa.

Por outro lado, 38 dos 61 participantes da pesquisa já foram contemplados com outras formações para o cargo de gestão escolar, promovido pela Smed. Foi solicitado que os participantes indicassem vantagens/benefícios que identificaram na formação. O quadro 2 apresenta vantagens/benefícios sinalizados por 49 participantes. Os demais não opinaram ou não identificaram vantagens ou benefícios do curso.

Quadro 2 Vantagens/benefícios do Curso Competências Básicas, indicados pelos participantes da pesquisa. 

Vantagens/benefícios identificados Incidência
Oportunidade de formação na área de gestão escolar 21
Formato EAD 08
Proporcionar conhecimentos teóricos na área de gestão 07
Tratar sobre os programas do FNDE 07
Conteúdos pertinentes 03
Linguagem fácil 03

Fonte: autores.

A partir destes dados, podemos inferir que 21 participantes perceberam a oportunidade de formação na área de gestão escolar, concedida pela Smed, como uma vantagem/benefício. Outros benefícios importantes sinalizados, com menor incidência, foram o formato EAD; proporcionar conhecimentos teóricos na área de gestão; tratar sobre os programas do FNDE; ter conteúdos pertinentes e linguagem fácil.

Também foi perguntado aos participantes se identificaram alguma fragilidade no curso e, no caso afirmativo, que citassem quais. Dos participantes, 41 identificaram fragilidades, que são descritas no quadro 3.

Quadro 3 Fragilidades no Curso Competências Básicas, indicadas pelos participantes da pesquisa. 

Fragilidades identificadas Incidência
Ausência de encontros presenciais 39
Ausência de atividades práticas que abordassem o cotidiano da gestão escolar 37
Ausência de conteúdos que abordassem planejamentos estratégicos em gestão 28
Carga horária insuficiente 28
Conteúdos estanques 23
Intervenções teóricas frágeis 18
Fragilidade teórica nos fóruns de discussão 12
Ausência de avaliação individual para verificar se o candidato tem perfil de liderança 9
Ausência de conteúdos que abordassem sobre a funcionalidade dos setores da Smed 4

Fonte: autores.

A análise dos dados dos quadros 1 e 2 permite-nos afirmar que oito participantes ficaram satisfeitos com o formato do curso. Dos 58 cursistas, 39 apontaram a ausência de encontros presencias como uma fragilidade. Esta foi a fragilidade mais sinalizada pelos participantes da pesquisa. Avaliamos que os profissionais sinalizam a importância da interação presencial entre os participantes, o que nos leva a imaginar que, em algum momento, o intercâmbio ou troca de experiências demonstradas, a partir do que estão desenvolvendo na escola, seria importante para os gestores.

Esse resultado corrobora com Nascimento (2015), quando sinaliza a importância de um curso semipresencial visando a momentos de reflexão sobre o que foi aprendido no curso, debates sobre as temáticas, reuniões e ações, bem como, agregar ao curso as experiências exitosas de gestão que acontecem nas escolas da rede.

Outra fragilidade apontada por 37 participantes foi a ausência de atividades práticas que abordassem o cotidiano da gestão escolar. Muitos participantes relatam que sentiram falta de oficinas ou estudos de caso que levassem à questões práticas da gestão escolar no cotidiano das escolas. Ainda foi sinalizado, por 28 participantes, a ausência de conteúdos que abordassem planejamentos estratégicos em gestão.

Alguns gestores questionaram a motivação da Smed ao adotar o formato e o conteúdo do curso. A percepção destes gestores aponta para as mesmas inferências apresentadas por Serpa (2010) acerca da despreocupação de algumas secretarias no tocante a melhoria do quadro educacional, cujas propostas de formação têm por finalidade primordial cumprir as diretrizes prescritas na lei, ofertando cursos pontuais, nos quais não há uma preocupação pedagógica qualitativa.

Foi possível observar também que 28 participantes entendeu a carga horária do curso insuficiente, 23 deles classificaram os conteúdos do curso como estanques, 18 identificaram fragilidades nas intervenções teóricas e 12 perceberam fragilidade teórica nos fóruns de discussão. Portanto, esta é uma questão a ser pensada e discutida com os envolvidos no processo.

Neste sentido, o caráter descontinuado da proposta, o pouco tempo disponibilizado para cursar a formação e a baixa incidência de dinâmicas que favorecem a partilha de conhecimento entre os participantes, contribuem para o entendimento da produção de sentido criada pelos gestores com relação ao curso.

Pouco sinalizado, mas não menos importante, a ausência de avaliação individual para verificar se o candidato tem perfil de liderança foi apontada como fragilidade do curso por nove participantes da pesquisa. Estes sinalizaram a inexistência de um instrumento de avaliação ou entrevista para aferir se os candidatos aos cargos têm perfil de liderança para assumirem um cargo de gestor escolar.

Com o objetivo de identificar a necessidade de formação destes profissionais, foi perguntado se os participantes teriam sugestões de temáticas para uma formação de gestores escolares. À pergunta, 53 participantes sugeriram temáticas diversas, entre as quais legislação educacional (28); relações interpessoais (22); gestão de conflitos (12); oficinas sobre rotinas escolares (10); gestão financeira (9); gestão participativa e democrática (9); liderança (8).

Foi perguntado aos participantes qual carga horária considerariam suficiente para este tipo de formação? As respostas foram variadas e para apresentação dos dados, utilizamos três escalas: a) de 40 a 100h; b) de 120 a 200h; c) carga horária de especialização. O gráfico 2 apresenta os dados coletados.

Fonte: autores

Gráfico 2 Carga horária ideal para uma formação em gestão escolar. 

Analisando os dados apresentados no gráfico, é possível verificar que a maioria dos respondentes acredita que a carga horária ideal para uma formação em gestão escolar é a de uma especialização, ou seja, a partir de 360 horas. Oito participantes não souberam opinar e dois acreditam que esta formação deveria acontecer durante todo o mandato da gestão.

Sobre qual modalidade de ensino seria mais adequada para este tipo de formação, a maioria - 44 participantes - acredita que a carga horária deveria ser distribuída em atividades presenciais e a distância. Dez participantes acreditam que a formação deveria ser na modalidade presencial e apenas sete preferem a modalidade a distância.

Considerações finais

A formação para gestores escolares é de fundamental importância para quem almeja assumir um cargo de diretor ou vice-diretor escolar nas escolas municipais de Salvador/BA, porque ela é pré-requisito para a candidatura ao cargo; fornecerá subsídios aos participantes, especialmente aos que nunca participaram de uma gestão. Diante disso, a formação pode assumir diferentes dimensões a partir da percepção e da produção de sentido empreendida pelos participantes. Isto porque, ela pode configurar-se como mero critério de seleção. Pode também, por meio do crédito que lhe é aferido, constituir-se como uma experiência formativa coletiva e de produção teórica e prática de formação, além de representar um passo inicial no processo formativo pessoal do participante.

Assim, a preocupação com a percepção e a produção de sentido deve constituir-se como um fator relevante na avaliação da formação porque elas podem indicar novos rumos para programas formativos posteriores à medida que apontam as fragilidades e acertos dos processos e das instituições; o grau de crédito da instituição proponente; o grau de interesse dos participantes.

No tocante à percepção dos participantes da pesquisa quanto ao curso de formação ofertado pela Smed para os candidatos à gestão escolar em 2019, inferimos que a proposta foi representada como uma asserção limitada e descompassada da expectativa criada pelos candidatos, além de pouco significativa para a trajetória formativa. Entretanto, percebe-se a iniciativa da Smed em fornecer formações para os interessados em assumir a gestão da escola como um ponto positivo.

Sobre os pontos negativos, a crítica da maioria dos participantes da pesquisa foi a modalidade EAD. Outra crítica recai sobre a diminuição da carga horária do curso ao longo dos anos, bem como dos conteúdos que são discutidos de forma aligeirada, como se a oferta atendesse, apenas, à obrigatoriedade da lei. Inferimos que a formação em gestão escolar deve ser pensada com os interessados diretos porque eles conhecem as fragilidades e necessidades dos conteúdos e do formato para o processo de formação.

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Recebido: 01 de Junho de 2022; Aceito: 27 de Julho de 2022

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