Introdução
Engendrado no setor privado, o conceito governança corporativa passou a representar a adoção de políticas e práticas voltadas a promover maior segurança de negócios, quando suas organizações passaram a ser geridas por terceiros. Governança quer dizer, então, alinhamento de ações e redução de conflitos.
Já no setor público, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE - e o Comitê do Setor Público - PSC - da Federação Internacional de Contadores - Ifac -, no final dos anos 1980, adaptaram as práticas de governança, propiciando sua discussão na esfera pública o que resultou nos princípios básicos que a norteiam: “a responsabilidade de prestar contas, a transparência, a participação, o relacionamento e a eficiência” (Bogoni et al, 2010, p. 124).
Entretanto, a transferência automática dessas práticas não foi tão simples, já que os valores institucionais e a dinâmica entre as relações com os acionistas e as partes interessadas são bem diferentes. Nesse sentido, e ainda com a necessidade de novos arranjos econômicos e políticos que tornassem o Estado mais eficiente, foi que a governança pública começou a ser desenhada para garantir que os resultados pretendidos pelas partes interessadas fossem definidos e alcançados (TCU, 2014).
Considerando que a governança pública é um sistema que envolve não só ferramentas, mas também práticas e processos que possibilitam a participação das pessoas nos trabalhos do governo, o que traz uma visão do cidadão como participante da gestão, tem-se alguns fatores que se destacam, como: gestão, responsabilidade, accountability, transparência e legalidade e ainda está associada a outros relacionados com a tomada de decisões gerenciais, desempenho e controle (Viana, 2010).
Em novembro de 2017, por meio do decreto n. 9.203, o governo brasileiro deu um importante passo rumo à melhoria das instituições públicas federais ao instituir a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
No referido decreto trata-se da governança pública como um “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (Presidência da República, 2017).
Para isso, o Tribunal de Contas da União - TCU - instituiu os indicadores de governança pública que foram estabelecidos para avaliar o grau de governança e gestão, bem como mensurar o estágio de implantação de boas práticas de governança baseadas em liderança, estratégia, accountability, gestão de pessoas e contratações. No âmbito do regramento institucional, esses indicadores são fundamentais para que os órgãos de controle auxiliem às organizações públicas no aprimoramento da gestão e, por conseguinte, melhorem a prestação de serviços públicos.
Entretanto, parece não haver uma sinergia entre a governança e alguns setores públicos visto que, mesmo sendo considerada como área estratégica para o desenvolvimento socioeconômico em um país, além de um serviço básico e essencial, a educação pública brasileira, no ranking da educação mundial - Pisa 2018 divulgado no quarto trimestre de 2019, apresentou resultados não muito animadores. O ranking analisou 79 países e o Brasil obteve a seguinte colocação: 59º lugar em leitura, 67º lugar em ciências e 73º em matemática (OCDE, 2019). Na outra ponta, o ensino superior, destinatário de parte desses alunos, também recebeu críticas, porém, não pela qualidade da formação, mas sim pela baixa proporção de alunos formados, ou seja, baixa taxa de sucesso na graduação.
Caracterizadas como organizações complexas, portadoras de peculiaridades que as diferenciam das demais organizações, as universidades possuem um estilo próprio de estrutura, forma de agir e modo de tomar decisões, influenciando, assim, no processo decisório (Balbachevsky; Kerbauy; Fabiano, 2016). Nesse sentido, a governança universitária, como parte da estrutura legal de uma instituição, pode contribuir para o envolvimento dos aspectos administrativos, econômicos e jurídicos de uma Ifes. Esses aspectos são relacionados a como a organização é estruturada e administrada, como ela desenvolve e implementa suas estratégias e políticas, como ela é legalmente inserida em seu ambiente e como a instituição coopera com os agentes externos (Sassaki, 2005).
Portanto, dada a possível relação entre governança e desempenho institucional, considerando que a governança no setor público compreende essencialmente os mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: como e em que medida as boas práticas de governança e gestão, tal como idealizado pelo Tribunal de Contas da União, são refletidas no resultado final da formação superior pública, qual seja a taxa de sucesso na graduação? De forma mais específica, investigou-se as relações entre governança pública das universidades federais e os seus respectivos desempenhos acadêmicos.
Governança pública: princípios e benefícios
O setor público, de forma geral, é constituído para fins específicos e tem responsabilidades, diretas ou indiretas, de prestação de serviços aos cidadãos (Ifac, 2001). Com tamanha complexidade, há necessidade de estabelecer mecanismos adequados para garantir que órgãos e agentes públicos não excedam os seus poderes ou funções, cumprindo todas as obrigações que lhes são impostas e definidas no seu estatuto, ou de outra forma, a fim de estabelecer uma boa governança.
Lindsay, Osborne e Bond (2014), destacam que a boa governança é aquela que permite, entre outras coisas, avaliar o desempenho e a conformidade da organização. Nesse sentido, e considerando que o desempenho também deve ser executado via governança pública, é fundamental ter uma boa compreensão sobre como o desempenho pode ser medido (Bovaird, 2005).
No âmbito público, portanto, entende-se que a governança visa a fortalecer a instituição para que os objetivos sejam atingidos por meio do funcionamento dos sistemas de controle, supervisão e prestação de contas, garantindo assim, o equilíbrio da gestão.
De forma geral, a governança pública pode envolver três funções básicas, sugeridas pela ISO/IEC 38500:2008: analisar o ambiente e os resultados atuais e futuros; direcionar e orientar a preparar a gestão para o alcance dos objetivos estabelecidos; monitorar os resultados em relação as metas estabelecidas e as expectativas das partes interessadas. Vale ressaltar que governança no setor público envolve as partes interessadas, que são os usuários dos serviços, cidadãos e sociedade em geral, que de forma direta ou indireta, são afetados por estratégias, políticas, processos e procedimentos que foram estabelecidos pelo órgão (World Bank, 2013, apud TCU, 2013).
Com a intenção de garantir que o interesse da maioria seja observado pelos entes político-governamentais, objetivando o bem-estar social, a governança pública requer, entre outras ações, gestão estratégica, gestão política e gestão de eficiência, eficácia e efetividade (Ribeiro Filho; Valadares, 2017). Para isso, é preciso que haja, além de toda conformidade necessária, comunicação, pois somente com um sistema de comunicação fluido, a governança será capaz de atingir a complexidade de um órgão público, proporcionando o alcance dos seus objetivos existenciais.
Indicadores de governança do TCU
O Tribunal de Contas da União, desde 2013, realiza trabalho para conhecer a situação da governança e da gestão no setor público federal e de outros entes jurisdicionados, mapear pontos que precisam de maior reestruturação e medir a evolução dos índices de governança e gestão, com o objetivo de estimular a adoção de boas práticas de governança e gestão, a fim de que os órgãos e entidades aprimorem sua capacidade de entregar resultados.
Foram utilizados nesta pesquisa, em especial, os dados obtidos pelo TCU no acompanhamento referente ao Acórdão 2699/2018, cuja fiscalização é a continuidade do levantamento realizado em 2017, com o mesmo objetivo, julgado por meio do Acórdão 588/2018-TCU-Plenário, no qual ficou determinado que o TCU acompanharia, por cinco anos, a evolução da capacidade de governança e gestão dos diversos órgãos e entidades da administração pública federal.
O modelo de governança está estruturado em mecanismos, componentes e práticas que descrevem, com base na literatura e na visão do TCU, o que seria uma boa governança organizacional no setor público. Para fazer mensurações do grau de aderência às práticas preconizadas nas organizações públicas, tais práticas foram desdobradas em itens de controle verificáveis e auditáveis (TCU, 2018).
Os dados são obtidos por meio da aplicação de um instrumento de autoavaliação organizacional, denominado Questionário integrado de governança pública. De acordo com o TCU, o acompanhamento é baseado em questionários de autoavaliação, com respostas suportadas em evidências referenciadas e graduadas de 0 a 1, sendo 0 o valor que denota o nível mínimo de capacidade e 1, o nível máximo. Os níveis de capacidade são divididos em três estágios: inicial (de 0 a 0,39), intermediário (de 0,40 a 0,70) e aprimorado (de 0,71 a 1). O estágio inicial ainda se subdivide em inexpressivo (de 0 a 0,14) e iniciando (de 0,15 a 0,39).
Nos documentos disponibilizados pelo TCU, a análise dos dados é apresentada a partir de perfis de governança que apresentam o panorama da administração pública federal, quais sejam: perfil de governança organizacional; perfil de governança e gestão de contratações; perfil de governança e gestão de ti; perfil de governança e gestão de pessoas (TCU, 2018).
A partir dos perfis, a distribuição das organizações ocorre por estágios de capacidade, obtidos por meio da utilização dos índices iGG - Índice de governança e gestão; iGovPub - Índice de governança pública organizacional; iGovPess - Índice de gestão de pessoas; iGovTI - Índice de gestão de TI; e iGovContr - Índice de gestão de contratações.
O Índice Integrado de Governança e Gestão - iGG - é composto pelos índices de governança pública, gestão de pessoas, gestão de TI, gestão de contratações e pelo índice de resultados. O principal propósito do iGG é auxiliar o seu usuário a identificar aspectos de governança e gestão com maiores riscos e oportunidades de melhoria, em sua área de jurisdição, influência ou estudo (TCU, 2017).
O próprio TCU (2018) alerta que uso do iGG, ou dos e seus componentes, na forma de ranking não é adequado na maioria das situações, pois frequentemente as organizações públicas não são diretamente comparáveis, senão com aquelas do mesmo segmento e condições.
O Índice de Governança Pública Organizacional - iGovPub - foi construído a partir o conceito de governança trazido pelo TCU (2017) e “compreende essencialmente os mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (p. 4). Desta forma, o tema governança é composto por três mecanismos: liderança, estratégia e accountability.
Em capacidade de Liderança aparecem práticas como gerir o desempenho da alta administração e o processo para selecionar seus ocupantes, uma vez que, deficiências na seleção dos membros da alta administração e de conselhos ou colegiado tem potencial impacto na administração das organizações, causando ineficiências e até irregularidades, por exemplo, permissão para práticas envolvendo conflito de interesses e nepotismo. Além disso, limitações no processo de seleção desses gestores, como indefinição dos critérios e falta de transparência, pode interferir negativamente na imagem e credibilidade da organização.
Ainda em relação a capacidade de Liderança, são consideradas práticas relacionadas ao modelo de governança da organização, com destaque para a inexistência ou não eficiência de controles voltados para a diminuição do risco de concentração de autoridade e responsabilidades nas mãos de um ou poucos indivíduos, possibilitando a ocorrência de erros e fraudes (TCU, 2017).
A Estratégia, como mecanismo, é formado por três práticas relacionadas à gestão de riscos da organização, estabelecimento de estratégia da organização e promoção de gestão estratégica, que servem para evidenciar a incapacidade da das organizações em executar um processo de planejamento estratégico, em promover a estratégia planejada e ainda em gerir os riscos organizacionais (TCU, 2017).
Vale lembrar que, para que a estratégia tenha resultados, é esperado que ela seja o guia da organização, fazendo com que todas as operações da organização sejam canalizadas para o fim esperado. Dessa forma, não basta apenas elaborar o planejamento estratégico. É preciso um efetivo gerenciamento estratégico para assegurar, periodicamente, que as ações daquela organização estejam em conformidade com a estratégia.
De forma resumida, as principais práticas são: realizar planejamento da gestão de pessoas, definir adequadamente a demanda por colaboradores e gestores; assegurar o adequado provimento das vagas existentes; assegurar a disponibilidade de sucessores qualificados; desenvolver as competências dos colaboradores e dos gestores; construir e manter ambiente de trabalho ético e favorável; gerir o desempenho dos colaboradores e dos gestores e favorecer a retenção dos colaboradores e dos gestores.
A capacidade em governança de TI é avaliada com base nas questões que abordam os componentes modelo de gestão de TI, monitoramento e avaliação da gestão de TI, e resultados de TI, em alinhamento com o Modelo de referência de processo do Cobit (TCU, 2018).
A capacidade em gestão de TI é, portanto, avaliada a partir das questões que abordam os componentes planejamento, pessoas e processos de TI. Esse último componente, em específico, contempla as práticas que constituem a essência das atividades da área de TI: serviços de TI e seus níveis, riscos de TI, segurança da informação, processo de software, projetos de TI e de contratações de TI (TCU, 2018).
Por fim, o Índice de Governança e Gestão das Contratações avalia a existência de atividades coordenadas para implementar diretrizes de governança nessa área, de modo a direcionar o macroprocesso de contratação - agrupamento dos processos de trabalho de planejamento, seleção de fornecedores e gestão de contratos - em prol do atingimento dos objetivos organizacionais (TCU, 2018).
O índice iGestContrat foi construído para a avaliação da colaboração entre os gestores de recursos humanos e os gestores de contratações; existência de processos de trabalho estruturados para definição de planos de contratações, planejamentos, seleção de fornecedores e gestão de contratos; existência de gestão de riscos, incluindo a análise dos riscos das contratações relevantes;) elaboração de contratos com base em desempenhos e gestões sobre o desempenho dos contratados, seguida dos agregadores que o compõem - GovContrat e iGestContrat. Assim, referido índice é gerado pela combinação dos resultados obtidos em governança das contratações - GovContrat - com o índice de gestão das contratações - IGestContrat (TCU, 2018).
A apresentação dos indicadores de governança que são utilizados pelo TCU, parece ser completa o suficiente para verificação da governança e da gestão no setor público federal, pois aborda todas as bases que sustentam e podem validar as boas práticas da governança.
Governança nas universidades federais versus desempenho acadêmico
As universidades são organizações voltadas para a transmissão e produção de conhecimento, possuindo um padrão típico para a estruturação de suas atividades. Isto significa admitir que, para tratar de governança em seus domínios, é fundamental conhecer a sua natureza institucional, cuja função primordial é a de promover educação superior e desenvolver pesquisas, a fim de beneficiar a sociedade (Amos, 2010). Nesse sentido, Meyer Jr., Pascucci e Mangolim (2012) afirmam que, independentemente da escolha, no meio universitário há distância entre plano elaborado das estratégias e o âmbito da implantação.
Cohen, March e Olsen (1972) caracterizam o ambiente universitário como uma anarquia organizada, marcada por um padrão contraditório de preferências e modelos fluidos de participação. Nesse ambiente, o processo decisório assume padrões característicos em que as decisões são produzidas mediante a ativação da participação limitada de atores internos, sem que com isso se produza consenso mais abrangente no interior da instituição.
Já do ponto de vista da governança e gestão, Brunner et al., (2011) considera que a governança universitária pode ser entendida como a forma com que as instituições são organizadas, operadas e como se relacionam com entidades e atores externos para garantir os objetivos do ensino superior. Entretanto, quando as definições apresentadas anteriormente se complementam, parece haver alguma lacuna prática, pois se há um ambiente tão complexo para os princípios gerais da governança, como é possível afirmar que de fato ela irá provocar impacto no desempenho acadêmico? Mais que isso, como índices padrões de governança conseguem medir assertivamente o nível ou o grau de governança numa instituição federal de ensino superior, se foram instrumentalizados para medição generalizada?
Procedimentos metodológicos
Com o objetivo de comprovar a hipótese de que possível relação de causalidade entre boas práticas de governança e desempenho acadêmico pode ser resultado de relações espúrias ou falta de consistência interna dos construtos interpretativos, são utilizadas quatro técnicas de análise multivariada já consolidadas na literatura estatística. A análise de correlação linear e diagrama de dispersão são empregadas inicialmente para mostrar a inexistência de padrão e associação linear entre as variáveis de governança e desempenho acadêmico.
A segunda técnica consiste na análise de regressão múltipla por mínimos quadrados ordinários1 e se destina a mensurar como e em que medida as boas práticas de gestão podem influenciar no resultado final da formação superior pública, nomeadamente a taxa de sucesso na graduação. A primeira ajusta os dados ao modelo de regressão linear múltiplo por mínimos quadrados ordinários:
Onde:
Tx_suc= Taxa de sucesso na graduação;
x1, x2, ... xn,= Variáveis de governança, esforço institucional, localização e pobreza (Conforme Quadro 1);
12, n,,= Parâmetros a serem estimados
A regressão quantílica é a terceira técnica e se destina a estimar os parâmetros para quantis específicos da variável resposta, qual seja: taxa de sucesso. Ao contrário do método dos mínimos quadrados, que considera como base a média condicional da variável dependente, a regressão quantílica baseia-se em vários quantis, o que produz estimativas menos sensíveis a valores discrepantes (outliers), permite explorar melhor a heterogeneidade dos dados, sendo ainda mais robusta quanto aos pressupostos de normalidade:
O pareamento por score de propensão - propensity score matching - é a quarta técnica e utiliza um conjunto de variáveis observáveis para construir um grupo de controle com características idênticas ao do grupo de tratamento. A estratégia aqui adotada consiste em realizar a comparação das taxas de sucesso na graduação entre universidades com características observáveis similares, utilizando a técnica de pareamento por escore de propensão - propensity score matching - PSM2 (Imbens; Wooldridge, 2009; Rosembaum; Rubin, 1983).
As universidades foram assim agrupadas:
Com base nos indicadores de gestão do TCU, modela-se a probabilidade de cada universidade pertencer a um dos grupos acima, buscando-se responder a seguinte pergunta: qual seria a taxa de sucesso de uma universidade que possui elevada adesão à governança caso essa adesão fosse baixa? Estima-se então a diferença entre a taxa de sucesso das universidades do grupo de elevada taxa de iGG - tratamento - tendo como controle aquelas universidades com propensão igual a pertencer ao grupo de tratamento, mas figuram no grupo de controle3:
Onde estima a média da taxa de sucesso para as universidades com dada combinação de características, conforme quadro 1, e é a média da taxa de sucesso que as universidades que possuem elevada adesão à governança teriam caso tivessem baixa governança.
A base de dados é formada por indicadores de desempenho acadêmico relativos às 62 universidades federais públicas brasileiras, tendo como base o sistema integrado de monitoramento execução e controle - Simec - de 2018, sendo excluída somente a Universidade Federal do Rio de Janeiro por não constar nesta base. Além da base Simec, também foi levando em consideração os indicadores de governança do Tribunal de Contas da União contidos no Perfil de governança e gestão públicas - Ciclo 2018. Note-se que o acesso a base Simec é limitado aos gestores públicos, sendo produzidos anualmente sob determinação do próprio TCU (TCU, 2018).
Para aumentar o escopo analítico acerca das boas práticas de governança, aos indicadores institucionais assomou-se o índice de pobreza da respectiva Unidade da Federação, na perspectiva de uma possível influência de fatores externos sobre o desempenho das universidades.
Os indicadores de desempenho e esforço institucionais como os aqui apresentados são produzidos anualmente pelas universidades em atenção à determinação do TCU e alimentados na plataforma da base Simec, sendo ainda considerados na construção da matriz de orçamento e custeio - OCC - para distribuição dos recursos entre as universidades federais, conforme apresentado na tabela 1.
Dimensão | Indicador | Região | Total | Porte | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte | Nordeste | Centro-oeste | Sudeste | Sul | Pequeno | Médio | Grande | Total | |||
Universidades | 10 (16,1%) | 17 (27,4%) | 5 (8,1%) | 19 (30,6%) | 11 (17,7%) | 62 (100%) | 31 (50%) | 18 (29%) | 13 (21%) | 62 (100%) | |
Governança | Índice integrado de governança e gestão públicas |
0,51 | 0,41 | 0,69 | 0,50 | 0,48 | 0,49 | 0,51 | 0,50 | 0,44 | 0,49 |
Índice de governança pública organizacional | 0,31 | 0,30 | 0,43 | 0,33 | 0,32 | 0,33 | 0,30 | 0,37 | 0,31 | 0,33 | |
Índice de gestão de pessoas | 0,32 | 0,33 | 0,57 | 0,36 | 0,40 | 0,37 | 0,33 | 0,42 | 0,39 | 0,37 | |
Índice de gestão de Tecnologia da Informação | 0,23 | 0,30 | 0,49 | 0,30 | 0,34 | 0,31 | 0,28 | 0,31 | 0,37 | 0,31 | |
Índice de gestão de contratações | 0,28 | 0,39 | 0,53 | 0,37 | 0,42 | 0,38 | 0,36 | 0,43 | 0,37 | 0,38 | |
Desempenho e esforço institucional |
Taxa de sucesso na graduação | 46,36 | 42,10 | 45,51 | 53,00 | 42,85 | 46,54 | 42,23 | 48,00 | 54,78 | 46,54 |
Conceito Capes | 3,51 | 3,68 | 3,93 | 4,07 | 4,05 | 3,86 | 3,54 | 3,93 | 4,50 | 3,86 | |
Aluno equivalente por professor equivalente | 18,20 | 18,80 | 18,35 | 20,45 | 17,71 | 18,98 | 17,59 | 19,27 | 21,88 | 18,98 | |
Aluno equivalente por funcionário equivalente | 14,90 | 12,87 | 13,26 | 13,33 | 14,09 | 13,59 | 13,59 | 12,47 | 15,12 | 13,59 | |
Custo corrente por aluno equivalente | 19.976,19 | 22.426,81 | 22.833,02 | 21.812,50 | 24.480,28 | 22.240,38 | 23.089,33 | 21.749,00 | 20.896,32 | 22.240,38 | |
Número de alunos equivalente | 18.243 | 27.972 | 35.342 | 28.992 | 29.050 | 27.501 | 11.638 | 32.074 | 58.998 | 27.501 | |
Pobreza | Índice de pobreza, linha definida em US$ 5,5 ppc ao dia, fonte IBGE |
42,23 | 43,91 | 18,30 | 20,62 | 12,96 | 28,95 | 29,37 | 30,02 | 26,45 | 28,95 |
*Valores nominais.
Fonte: autores com dados do TCU, MEC, IBGE.
A adoção de boas práticas e o desempenho acadêmico podem variar de acordo com a localização geográfica e porte das universidades. No primeiro caso, utiliza-se a regionalização oficial do IBGE. Na classificação segundo porte das universidades federais utilizou-se a técnica de análise de grupamentos - k-means - sobre o número de alunos equivalentes de tal forma a categorizá-las conforme segue:
- pequenas: com até 20.167 alunos, sendo 31 universidades;
- médias: entre 22.827 e 44.200 alunos, somando 18 universidades;
- grandes com número de alunos entre 48.063 e 75.974, com 13 universidades.
A análise descritiva desses indicadores, conforme a tabela 1, evidencia dois pontos principais. O primeiro indica o estágio inicial da adoção de boas práticas de governança, tanto por regiões quanto pelo porte das universidades. Note que em ambos os recortes a adoção média é ainda muito incipiente.
Em segundo lugar, exibe a forma heterogênea da distribuição regional e dos tamanhos das universidades. Note que o Sudeste congrega 19 (30,6%) das 61 instituições, seguido pelo Nordeste, com 17 (27,4%), sendo o Centro-oeste a região com menor número de universidades públicas, somando 5 (8,1%) do total. No entanto, quando se consideram os indicadores de governança essas diferenças regionais são menos expressivas e parecem não confirmar a proeminência de qualquer área. A região Norte é a que apresenta mais baixos índices de gestão de pessoas, ti e contratações, o nordeste apresenta o pior desempenho na gestão pública e organizacional. As universidades do Centro-Oeste possuem os maiores índices em todos os indicadores de governança, superando, com dito, as regiões Sudeste e Sul. Vale ressaltar, portanto, que a governança de TI do Sudeste é equivalente à do Nordeste e a Gestão de Contratos levemente inferior.
A taxa de sucesso na graduação mostra que, em geral, de cada 100 ingressantes nas universidades públicas brasileiras, 46,54% logram concluir seu curso na dentro da duração padrão. Em termos regionais, o Sudeste apresenta a maior eficiência (53%), cabendo ao Sul e Nordeste as piores colocações (42,85% e 42,1%, respectivamente). A região Norte possui a segunda melhor taxa de sucesso (46,36%), superando o Centro-Oeste (45,51%).
O Conceito Capes refere-se ao desempenho médio da pós-graduação, cuja métrica varia de 1 a 7. Neste caso, o Sudeste e o Sul apresentam os melhores resultados, com 4,07 e 4,05 pontos, respectivamente, enquanto o Nordeste e Norte obtiveram notas 3,68 e 3,51.
O número de alunos por professor é também uma medida de eficiência institucional e nesse sentido mostra que a maior relação acontece no Sudeste, com 20,45 alunos por professor, cabendo à Região Sul a menor relação, 17,71 alunos por professor. Já a relação aluno por funcionário revela ser maior no Norte, com 14,9 funcionários por aluno, e menor no Nordeste, onde para 1 funcionário existem 12,87 alunos equivalentes.
O custo por aluno equivalente representa o valor anual médio investido na formação por indivíduo. Esses dados, mesmo influenciados por possíveis diferenças regionais de preço e custo de vida, permitem observar que a Região Sul apresenta o maior custo anual por aluno (R$ 24.480,28), mas chama atenção que o Sudeste seja uma área de elevado custo de vida e ainda assim tenha o segundo menor custo (R$ 21.812,50). O custo por aluno no Nordeste (R$ 22.426,81) é inferior ao estimado para o Centro Oeste (R$ 22.833,02).
Os indicadores da tabela 1 mostram diferenças regionais importantes, principalmente na taxa de sucesso e número de alunos equivalentes, mas com amplitudes estreitas quando comparadas com o índice de pobreza. Enquanto no Nordeste 43,91% das pessoas sobrevivem com renda diária inferior a US$ 5,5, cerca de R$ 28,00 por dia ou R$ 849,00 por mês, essa proporção é de 12,96% no Sul e 20,62% no Sudeste. Dito de outra forma, a taxa de pobreza no Nordeste é 3,4 vezes maior que no Sul e o dobro da estimada para o Sudeste.
A inclusão do indicador da pobreza estadual como covariável na avaliação das boas práticas de governança e desempenho das universidades públicas acontece na perspectiva de que suas atividades estão ambientadas em dado contexto social. Se assim não fossem, esses indicadores poderiam apenas representar o grau de adesão institucional a um conjunto de procedimentos limitados aos seus muros e sem qualquer nexo a realidade. Isto definitivamente não é factível nas universidades públicas, dada a sua permeabilidade social.
Resultados
A relação entre governança e a performance das instituições públicas brasileiras tem sido investigada de forma crescente, para o que contribui o levantamento periódico do TCU. O exame de estudos dedicados às universidades públicas, a seguir, ensejou questionar se os resultados obtidos apontariam, de fato, para a existência de causalidade ou se seria o caso de mera correlação espúria.
O estudo sobre a introdução das práticas de governança na Universidade Federal de Pernambudo - UFPE -, entre 2013 e 2015, utilizou dados utilizados pelos órgãos de avaliação e controle como também vários levantamentos realizados por órgãos de imprensa como Ranking Universitário da Folha, bem como por empresas internacionais4, além daqueles indicadores da própria UFPE sobre os cem cursos de graduação e outros 113 de pós-graduação. O cerne da pesquisa é comparar a evolução temporal do Índice Geral de Cursos a posição da UFPE nesses rankings. A análise desses resultados foi feita com base na técnica de “análise de conteúdo interpretativa”, para concluir que “o melhor desempenho da instituição pode ser associado ao incremento das práticas de governança” (Silva, 2016, p. 97).
A relação entre governança institucional e desempenho acadêmico - ainda que neste caso não tratasse da taxa de sucesso na graduação - foi investigada por Silva (2017) e dedicou-se exclusivamente às universidades nordestinas5, cujas informações foram coletadas por questionário idêntico ao do TCU. Dos indicadores produzidos, foram obtidos coeficientes de correlação que indicaram “não haver correlação significativa entre as características organizacionais e as práticas de governança” (Silva, 2017, p. 78)”.
Na mesma linha de investigação, Barroso (2017) analisou como o desempenho das universidades públicas brasileiras, mensurados pelo Ranking da Folha de São Paulo, entre 2012 e 2016, podem estar influenciados pelo nível de aderência às práticas de governança corporativa propostas pelo International Federation of Accounts - Ifacs. Cabe ressaltar que as práticas do Ifacs não são exatamente idênticas à do TCU, ainda que convergentes em vários pontos.
Os resultados obtidos pela análise de correlação e análise de correspondência indicaram existência de correlação significativa e positiva entre a proporção de boas práticas de governança adotadas pelas universidades públicas e as dimensões de desempenho RUF, entre 2012 e 2016. Em seguida, apoia-se na análise de regressão múltipla para confirmar a causalidade positiva entre aderência às práticas de governança e notas altas no RUF (Barroso, 2017).
Cabe uma observação sobre a utilização do RUF para avaliar o desempenho acadêmico das universidades públicas. Esse índice, apesar de conter dados oficiais fornecidos pelo MEC, deve ser compreendido dentro dos limites a que foi proposto. Depreende-se de sua metodologia6 que esse indicador cumpre a função restrita de classificar as universidades brasileiras segundo critérios e finalidade definidos pelo próprio meio de comunicação. Portanto, não se presta a avaliar desempenho acadêmico em sua complexidade. Vale exemplificar a forma com que é avaliada a dimensão ‘ensino: representa 32 dos 100 pontos, sendo que destes, 22 pontos são obtidos por entrevistas com amostras de professores avaliadores de cursos, restando apenas dois pontos para as notas do Enade. A dimensão ‘trabalho’, que possui 18 pontos, é ainda mais subjetiva, dependedo completamente da opinião de 5.444 profissionais de RH.
Acrescente-se também que qualquer análise evolutiva do desempenho acadêmico nas universidades públicas brasileiras no período entre 2010 e 2018 deve considerar os efeitos do Reui que, além da expansão física das universidades e contratação de docentes, ensejou a reestruturação dos currículos, renovação pedagógica, incentivo ao desenvolvimento da pesquisa e aperfeiçoamento qualitativo da graduação e mobilidade intra e inter-institucional7. Entretanto, as conclusões apresentadas acima não ignoram tais efeitos.
O presente artigo garante a validade externa das análises ao utilizar exclusivamente indicadores oficiais do próprio TCU. Os possíveis efeitos do Reuni sobre o desempenho institucional são efetivamente considerados porque os indicadores referem-se temporalmmente a 2018, fase pós-consolidação do Reuni.
Estudar a causalidade entre governança e desempenho institucional é fundamental porque essa relação é um dos pilares da governança requereida pelo TCU, dado que a “aferição das boas praticas de liderança, estratégia e accoutability, gestão de TI, pessoas e contratações evidenciam a capacidade de gerar resultados e prestar serviços” (TCU, 2018 p. 4).
O primeiro passo para investigar possíveis relações entre variáveis ou fenômenos consiste em buscar arcabouço teórico e conceitual minimamente robusto ao propósito. A ausência ou insuficiência desse referencial põe em risco as conclusões, principalmente se estas forem baseadas na análise quantitativa. A bibliografia consultada para elaboração deste artigo, inclusive o próprio TCU, parece consensuar sobre a relação positiva que a governaça teria sobre o desempenho institucional.
Importa saber se há, de fato, relação positiva entre boas práticas de governança e taxa de sucesso nas niversidades brasileiras. Em se confirmando, a simples representação gráfica do índice geral de governança e taxa de sucesso na graduação formaria um padrão ascendente. Pois bem, a figura 1 não parece indicar a existência de relação entre essas duas variáveis, seja no conjunto das universidades ou segundo porte.
A aparente inexistência de relação entre essas duas variáveis não é o único aspecto relevante que se depreende dessas figuras. Note que há universidades que praticam baixos níveis de governança e ainda assim conseguem resultados elevados na taxa de sucesso, quadrante II. Há também universidades que, mesmo com elevados níveis de governança, apresentam baixas taxas de sucesso na graduação, quadrante II.
Esses dois resultados não podem ser desprezados e ilustram duas situações. A primeira delas é que a adoção de boas práticas de governança nos moldes do TCU parece não garantir, no caso das universidades públicas, melhoria de performance acadêmica. Em segundo lugar, a adesão à governança não pode ser conduzida sem que as experiências locais sejam compreendidas8. Dito de outra forma, é necessário que a proposição do TCU quanto à governança evolua da fase impositiva-cartorial-vertical para a colaborativa-funcional-horizontal.
O índice integrado de governança e gestão públicas sintetiza, conforme visto, quatro indicadores: governança pública organizacional, gestão de pessoas, gestão de tecnologia da informação e gestão de contratações. Interessa agora avançar na abordagem e investigar em que medida cada uma das variáveis e governança linearmente correlacionada com a taxa de sucesso na graduação. Para isto é necessário utilizar uma estatística capaz de mensurar a relação entre duas variáveis de tal forma que o efeito das demais seja mantido constante ou eliminado. A análise da correlação parcial e semiparcial simples e quadrada serve a tal propósito9, o que é feito ainda segundo o porte das universidades.
Note na tabela 2 que dentre as instituições de menor porte, o índice de governança de contratos (iGovContr:Tx_suc= -0,7028), aluno equivalente por professor (Aeq_Peq:Tx_suc= 0,5907) e taxa de pobreza (Pob_55:Tx_suc= -0,5063) apresentam correlação significativa com a taxa de sucesso na graduação (p-valor < 0,05). No primeiro caso, chama atenção a relação inversa entre a boa prática na gestão de contratos e a taxa de sucesso, ou seja, que elevados níveis de adesão aos critérios de governança de contratos poderia influenciar negativamente no desempenho acadêmico. Este resultado pode ser um alerta para que as práticas de governança não contribuam para o aumento da burocracia estatal nessas universidades de pequeno porte. O segundo resultado indica relação positiva entre a alocação de alunos por professor e taxa de sucesso, indicando possivelmente que em unidades menores, portanto com menos opções de curso, a alocação de docentes seja mais eficiente. A relação inversa entre taxa de sucesso e pobreza é esperada, na medida em que piores condições de vida tendem a influenciar no desempenho escolar.
Pequena | Indicadores | |||||
Indicadores | iGG | iGovPub | iGovPessoas | iGovTI | iGovContrat | Tx_suc |
iGG | 1 | |||||
iGovPub | 0,5400* | 1 | ||||
iGovPessoas | 0,6946* | 0,6468* | 1 | |||
iGovTI | 0,5032* | 0,5826* | 0,8243* | 1 | ||
iGovContrat | 0,3503 | 0,6275* | 0,6428* | 0,5662* | 1 | |
Tx_suc | 0,2533 | 0,141 | 0,1397 | -0,018 | -0,2802 | 1 |
Médias | Indicadores | |||||
Indicadores | iGG | iGovPub | iGovPessoas | iGovTI | iGovContrat | Tx_suc |
iGG | 1 | |||||
iGovPub | 0,6110* | 1 | ||||
iGovPessoas | 0,7954* | 0,4803* | 1 | |||
iGovTI | 0,7931* | 0,4456 | 0,8549* | 1 | ||
iGovContrat | 0,4867* | 0,8011* | 0,5925* | 0,4751* | 1 | |
Tx_suc | -0,1887 | -0,0538 | -0,2935 | -0,413 | -0,206 | 1 |
Grandes | Indicadores | |||||
Indicadores | iGG | iGovPub | iGovPessoas | iGovTI | iGovContrat | Tx_suc |
iGG | 1 | |||||
iGovPub | 0,7482* | 1 | ||||
iGovPessoas | 0,6718* | 0,6431* | 1 | |||
iGovTI | 0,5662* | 0,55 | 0,9128* | 1 | ||
iGovContrat | 0,3446 | 0,6547* | 0,3477 | 0,51 | 1 | |
Tx_suc | 0,1719 | 0,1329 | -0,0499 | -0,282 | -0,2099 | 1 |
* p<0.05
Fonte: Fonte: autores com dados do TCU, MEC, IBGE.
Entre as universidades de médio porte a única correlação significativa foi a pobreza (Pob_55:Tx_suc= -0,7264, p-valor < 0,05) . Isto pode indicar que as universidades pequenas e médias sejam mais afetadas por fatores externos de condições de vida comparativamente às universidades de grande porte. Nestas, por sua vez, não foram identificadas correlações significativas, o que pode indicar uma ainda menor sensibilidade das taxas de sucesso às boas práticas de governança.
Como se observa, à medida em que aumenta o porte das universidades torna-se menos perceptível a relação entre governança, esforço institucional e pobreza e taxa de sucesso na graduação10. Isto pode decorrer de dois fatores principais. O primeiro diz respeito ao atual estágio de adoção dessas práticas pelas universidades, na medida em que, conforme mostrado na tabela 2, encontram-se no limiar inferior da fase intermediária. Em segundo lugar, pode existir uma certa defasagem entre avanços na gestão universitária e seus reflexos no desempenho acadêmico.
Os resultados acima mensuram o grau de relação linear entre as variáveis. Com base no argumento de que o desempenho acadêmico seja influenciado pelas práticas de governança, importa agora estabelecer a forma funcional capaz de descrever como um conjunto de variáveis de governança, esforço institucional e pobreza podem afetar a taxa de sucesso na graduação.
Regressão por mínimos quadrados ordinários
A tabela 3 contém seis modelos de regressão linear em que a variável dependente é a taxa de sucesso na graduação. O primeiro deles considera como variáveis regressoras apenas os indicadores de governança. Note que o índice de governança pública e governança de pessoas contribuem positiva e significativamente para a taxa de sucesso das universidades, enquanto o índice de governança de contratos afeta negativamente na taxa de sucesso. O índice de governança de TI não influencia de forma significativa na taxa de sucesso (R2 ajustado= 15,9%).
Variáveis | Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | Modelo 4 | Modelo 5 | Modelo 6 |
---|---|---|---|---|---|---|
iGovPub | 33,9754* | 33,1183* | 28,5559* | 16,0434* | 16,5339* | 13,0724 |
(15,86) | (16,2726) | (11,4077) | (7,3796) | (7,367) | (8,1297) | |
iGovPessoas | 29,8458* | 29,7437* | 25,8700* | 10,7633 | 10,474 | 10,9708 |
(12,0873) | (12,6433) | (10,7035) | (8,4928) | (9,6531) | (9,5343) | |
iGovTI | -24,6355 | -26,5568 | -27,4751* | -10,1167 | -10,1918 | -10,6368 |
(12,8883) | (13,6836) | (10,5509) | (8,9716) | (10,6356) | (11,3354) | |
iGovContrat | -38,7506** | -39,8523** | -34,8799** | -34,2092*** | -34,6169*** | -31,4612*** |
(12,5723) | (13,0698) | (10,2519) | (7,8201) | (7,7451) | (8,3978) | |
Pob_55 | -0,159 | -0,0068 | -0,147 | -0,1613 | -0,28 | |
(0,1063) | (0,1043) | (0,0801) | (0,089) | (0,2183) | ||
Capes | 11,1058*** | 4,6137 | 3,3792 | 3,087 | ||
(2,2757) | (2,4627) | (3,0602) | (3,0041) | |||
Aeq_Peq | 1,5660*** | 1,5719** | 1,5211** | |||
(0,449) | (0,4839) | (0,4941) | ||||
Aeq_Feq | -0,4688* | -0,4621 | -0,4 | |||
(0,2331) | (0,2566) | (0,2451) | ||||
Cc_Aeq | -0,0004 | -0,0003 | -0,0003 | |||
(0,0003) | (0,0003) | (0,0003) | ||||
Iniversidade de pequerno porte = Base | ||||||
Médio porte | 1,5658 | 1,8016 | ||||
(2,7325) | (2,8227) | |||||
Grande porte | 2,2338 | 3,5243 | ||||
(3,5873) | (3,961) | |||||
Região norte = Base | ||||||
Nordeste | -1,9396 | |||||
(4,2034) | ||||||
Centro-Oeste | -3,7708 | |||||
(5,641) | ||||||
Sudeste | -2,1822 | |||||
(5,1287) | ||||||
Sul> | -7,7764 | |||||
(6,1854) | ||||||
Constante | 47,0206*** | 52,9545*** | 6,9933 | 24,8989 | 28,5922 | 34,3525 |
Erro padãro | (3,6929) | (4,6681) | (11,6308) | (14,8821) | (17,9747) | (18,4889) |
N | 62 | 62 | 62 | 62 | 62 | 62 |
R2 - ajustado | 0,159 | 0,174 | 0,382 | 0,626 | 0,615 | 0,604 |
F | 3,1063 | 2,6621 | 9,6708 | 15,8783 | 14,2686 | 10,666 |
Standard errors in parentheses * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001
Fonte: autores com dados do TCU, MEC, IBGE
O segundo modelo adiciona a variável pobreza que mensura a pobreza na Unidade da Federação em que a universidade está instalada. Note que os índices de governança pública, pessoas e contratos se mantêm significativos, enquanto taxa de pobreza não se mostrou influente (R2 ajustado= 17,4%).
No terceiro modelo acrescenta-se a avaliação Capes, referentes à pós-graduação. Sua influência na taxa de sucesso mostrou-se positiva e significativa, ao que se mantiveram inalterados os demais parâmetros de governança e pobreza (R2 ajustado= 38,2%).
No quarto modelo, ao serem incluídas as variáveis referentes ao porte das universidades. A relação aluno por docente foi significativa e positiva, indicando que maior eficiência na alocação da mão de obra pode contribuir para a taxa de sucesso. No entanto, a relação aluno por funcionário, apesar de significativa, foi inversa. Isto talvez sugira a necessidade de melhor distribuição do corpo técnico segundo universidades. Dentre os parâmetros de governança apenas a governança pública e gestão de contratos continuam significativos e mantendo os sinais (R2 ajustado= 62,6%) equivalentes. Tomando as universidades pequenas como base de comparação, estima-se que que não haja diferença significativa do porte da universidade sobre a taxa de sucesso, mantidas constantes as demais variáveis (R2 ajustado= 61,5%).
O modelo completo considera a localização regional da universidade, tomando a região Norte como base. Note se que também não há diferença significativa da localização na taxa de sucesso. Dentre as variáveis de governança, apenas o índice de contratos manteve-se significativo e com sinal negativo. Na dimensão esforço institucional, a relação aluno equivalente por professor também se mantém significativa e influenciando positivamente na taxa de sucesso (R2 ajustado= 60,4%).
Regressão Quantílica
A regressão quantílica é, portanto, utilizada para analisar a influência das variáveis de governança, esforço institucional e pobreza sobre quantis específicos da taxa de sucesso. Observe que o índice de governança pública possui influência significativamente positiva entre universidades com menor taxa de sucesso - até o terceiro quantil. Já a governança de contratos influencia negativamente em quase todos os quantis da distribuição.
O efeito inverso da pobreza geral sobre a taxa de sucesso só é significativo dentre as universidades do terceiro quantil da taxa de sucesso, enquanto a nota da pós-graduação é significativa nas universidades com taxas de sucesso entre o quarto e sexto quantis da distribuição. A maior efetividade na distribuição de alunos por docente é significativa em todos os níveis de taxa de sucesso e a relação aluno por funcionário é negativamente significativa até o 5 decil da distribuição.
Variable | OLS | QR_10 | QR_20 | QR_30 | QR_40 | QR_50 | QR_60 | QR_70 | QR_80 | QR_90 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
iGovPub | 16,043** | 27,529** | 13,465 | 19,850* | 16,856 | 12,047 | 15,271 | 2,276 | 14,787 | 56,736*** |
iGovPessoas | 10,763 | 3,086 | 3,029 | 1,087 | -0,576 | 15,112 | 12,269 | 3,36 | 3,438 | 14,161 |
iGovTI | -10,117 | 0,695 | -0,348 | -1,194 | 4,671 | -6,589 | -11,484 | -9,671 | -10,439 | -21,972 |
iGovContrat | -34,209*** | -36,435*** | -34,579*** | -38,974*** | -36,454*** | -30,535*** | -26,654** | -18,466 | -19,11 | -54,198*** |
Pob_55 | -0,147* | -0,15 | -0,192 | -0,180* | -0,067 | -0,068 | -0,117 | -0,131 | -0,139 | 0,075 |
Capes | 4,614* | 6,397** | 3,555 | 3,249 | 4,524* | 5,397** | 6,914** | 4,649 | 6,23 | 4,807 |
Aeq_Peq | 1,566*** | 1,009** | 1,999*** | 2,111*** | 2,037*** | 1,744*** | 1,387*** | 1,836*** | 1,486** | 1,761*** |
Aeq_Feq | -0,469** | -0,584* | -0,422 | -0,476* | -0,509* | -0,561* | *-0,142 | -0,221 | -0,158 | 0,153 |
Cc_Aeq | 0 | -0,001 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | -0,001 | 0 |
_cons | 24,899 | 22,524 | 5,247 | 10,811 | 4,842 | 5,118 | 8,546 | 23,218 | 24,37 | 2,483 |
Legenda: * p<1, ** p<05, *** p<0.001
Fonte: autores com dados do TCU, MEC, IBGE
Pareamento por score de propensão
O principal desafio para realizar avaliação dos efeitos de governança sobre o desempenho acadêmico é garantir que o resultado observado seja, de fato, tributável às boas práticas. Nesse contexto insere-se a terceira técnica de análise multivariada.
Os dados da figura 1 mostram a existência de universidades que a despeito da baixa adesão às práticas de governança apresentam elevada taxa de sucesso, enquanto outras, mesmo com elevados níveis de adesão à governança, possuem baixa taxa de sucesso na graduação.
Isto ocorre obviamente porque a taxa de sucesso na graduação é influenciada por fatores alheios ao ensino superior. Já foi citado, por exemplo, o efeito dos investimentos em infraestrutura e qualidade docente no ensino público sob os auspícios do Reuni. Assim, sem o devido controle dessas variáveis igualmente intervenientes no desempenho acadêmico, as possíveis relações causais identificadas podem não passar de meras relações espúrias.
Uma vez que estão disponíveis informações atuais sobre taxa de sucesso e grau de adesão à governança para cada universidade, o desafio é então encontrar um contrafatual, ou seja, para cada unidade submetida ao tratamento busca-se outra idêntica para servir de controle.
Os resultados da tabela 5 mostram que, na ausência de pareamento, a taxa de sucesso universidades com elevada adesão à governança 2,85 pontos percentuais (p.p) maior entre as universidades com alta adesão à governança - 48,008% e 45,154%, respectivamente -, sendo essa diferença sem significância estatística. As diferenças na taxa de sucesso após o pareamento também não apresentaram significância estatística em qualquer método utilizado.
Universidades com | |||||||
Método de paremento | Variável | Condição | Alta adesão à governança | Baixa adesão à governança | Diferença | Erro padrão | T-stat |
1X1 | Tx_suc | Não Pareado | 48,008 | 45,154 | 2,854 | 3,207 | 0,890 |
Pareado | 45,873 | 50,701 | -4,828 | 3,016 | 1,600 | ||
Vizinho mais próximo | Tx_suc | Não Pareado | 48,008 | 45,154 | 2,854 | 3,207 | 0,890 |
Pareado | 48,008 | 51,893 | -3,885 | 3,213 | -1,210 | ||
Radius | Tx_suc | Não Pareado | 48,008 | 45,154 | 2,854 | 3,207 | 0,890 |
Pareado | 39,693 | 50,660 | -10,967 | 7,479 | -1,470 | ||
Kernel (5%) | Tx_suc | Não Pareado | 48,008 | 45,154 | 2,854 | 3,207 | 0,890 |
Pareado | 45,873 | 48,688 | -2,815 | 3,289 | -0,860 |
Fonte: autores com dados do TCU, MEC, IBGE.
Dito de outra forma, não é possível concluir, com base nos dados preconizados pelo próprio TCU - indicadores de gestão e pesquisa e perfil integrado de governança pública - que existe relação de causalidade as boas práticas de governança e taxa de sucesso na graduação.
Considerações finais
A adoção dos princípios de governança corporativa por parte das universidades públicas brasileiras impõe-se como um passo importante na direção à modernização, melhor desempenho e, portanto, maior eficiência institucional.
Em que pese alguns estudos indicarem causalidade entre governança e desempenho acadêmico, os resultados aqui obtidos a partir dos indicadores preconizados pelo próprio TCU não permitem aceitar tal hipótese.
A adesão efetiva às práticas de governança depende de como é estruturada conceitual e metodologicamente a proposta do Tribunal de Contas da União. No atual estágio, o modelo é pouco atrativo às universidades por desconhecimento ou falta de ambiente organizacional para aceitá-lo. Esse ambiente pode ser criado pela abertura de um amplo ambiente de debate, onde os órgãos públicos sintam-se parte de um processo colaborativo-funcional-organizacional, ao invés de cumprir uma função impositiva-cartorial-vertical.
O atual modelo de governança é demasiado genérico, dado que se pretende adotado por órgãos públicos de natureza distinta, e por isso pode não captar adequadamente a relação de causalidade pretendida. Ao se concentrar na alta gestão, impede a difusão das boas práticas às instâncias inferiores, como departamentos acadêmicos e núcleo de graduação, provocando uma distonia entre governança e operação.
Os resultados obtidos mostram também que baixos níveis de adesão à governança pública, nos moldes do TCU, não necessariamente implicam resultados acadêmico-institucionais ruins. Desta forma, pensar que as universidades públicas funcionam alheias a qualquer tipo de governança é ignorar que existem outros tipos de gerenciamento que não aquele proposto pelo TCU, adaptado do setor privado, e imposto ao setor público à revelia das suas especificidades.
Chama-se a atenção para a necessidade de tornar a governança uma prática coletiva, próxima das atividades ordinárias de todos os níveis do serviço público. Caso contrário, será apenas mais uma etapa burocrática, cujos resultados serão, quando muito, expressos por meio de relações espúrias.