1 Introdução
Este artigo objetiva analisar a formação inicial para a educação infantil considerando o perfil formativo de docentes que trabalham na educação profissional, científica e tecnológica (EPT) dos Institutos Federais (IFs), nos cursos presenciais de Pedagogia. As análises decorrem de estudo de doutorado1, em andamento, situado no contexto das legislações que orientam as políticas de formação (BRASIL, 2015, 2019). Como justificativa, cabe assinalar a escassez de produções que focalizam a articulação da formação inicial no curso de Pedagogia com as demandas do exercício profissional na educação infantil no contexto dos IFs (CÔCO; BIANCH, 2020). Nos vários intervenientes presentes nessa articulação, buscamos conhecer a formação dos(as) formadores(as), ou seja, dos(as) professores(as) atuantes nos cursos de Pedagogia, com atenção à aproximação com a educação infantil.
O texto está organizado em seis tópicos, incluindo esta Introdução. O segundo tópico sintetiza uma contextualização, considerando os cursos de Pedagogia nos IFs e as normativas brasileiras. O terceiro apresenta os pressupostos teórico-metodológicos na abordagem ao perfil de formação dos(as) professores(as). O quarto e o quinto tópico reúnem análises do material documental sobre a formação dos(as) docentes dos cursos de Pedagogia em IFs. As considerações finais tecem as principais sínteses provenientes do cruzamento dos dados e das reflexões levantadas.
2 Contexto da pesquisa
Compreender a pesquisa em ciências humanas à luz da perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 2011) implica examinar o foco de estudo em sua teia dialógica, ou seja, considerar a emergência de muitos dizeres. Nesse sentido, tratar da formação de professores(as), em especial para o campo da educação infantil no contexto dos IFs, implica considerar como constituintes da teia temática: as instituições formadoras, que mobilizam as formas de desenvolver os cursos de formação; as normativas que regulam as políticas de formação, as literaturas sobre o tema, que instam os debates e os sujeitos implicados, que movem as comunicabilidades nessa pauta.
Assim, em termos de contextualização, vale ressaltar que a Pedagogia está entre as cinco licenciaturas mais ofertadas nos IFs, conforme dados da Plataforma Nilo Peçanha2, sendo antecedida pelos cursos de Matemática, Química, Ciências Biológicas e Física, nessa ordem. Esse quadro corresponde ao que é estabelecido pela lei de inauguração dos IFs (BRASIL, 2008), que define a oferta de licenciaturas “[...] sobretudo nas áreas de ciências e matemática”. Isso significa que ocupar uma posição imediatamente posterior às áreas de prioridade estabelecidas em lei, nessas instituições, demanda posicionamento da Pedagogia no diálogo institucional, especialmente em relação à presença da área de educação infantil no curso.
Além disso, diante da compreensão de que os atos humanos se dão em um “[...] contexto dialógico de seu tempo” (BAKHTIN, 2011, p. 334), consideramos relevante atentar para as normativas vigentes. Assim, observamos que as transformações nas políticas de provimento dos quadros funcionais estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) impactaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010). Mais recentemente, tivemos a proposição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), trazendo novos elementos para a organização da educação básica e para a formação de professores(as) (BRASIL, 2019). A respeito dessas duas últimas normativas, identificamos o fomento à educação técnica, por vezes com descaracterização da docência, o que tem gerado a mobilização de entidades do campo da educação como resistência a essas últimas normativas (ANFOPE, 2019; ANPED, 2019).
Nos confrontos que marcam as discussões sobre formação, emergem debates sobre a curricularização da extensão, a partir da promulgação da Resolução CNE/CES nº 7/2018 (BRASIL, 2018)3. Essa mudança impacta não só a organização dos cursos e o cotidiano do trabalho docente, como também a relação das universidades com a sociedade, principalmente no que se refere à formação docente.
Ademais, seguindo o intuito de considerar os debates que cotejam os documentos legais com as dinâmicas de formação, ainda que não seja possível detalhar uma revisão de literatura nos limites deste artigo, cabe assinalar que as produções vinculadas à educação infantil problematizam a baixa carga horária dos cursos de Pedagogia dedicada à formação para atuar com as crianças pequenas, cujas especificidades precisam ser priorizadas (ALBUQUERQUE; ROCHA; BUSS-SIMÃO, 2018; KISHIMOTO, 2005).
Na particularidade dos processos formativos dos(as) formadores(as), cabe retomar a pesquisa de Barbosa e Gorbatto (2019), que levanta dados dos currículos Lattes de docentes de três licenciaturas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): Pedagogia, Matemática e Letras. Nesse estudo, dos(as) 147 professores(as) do curso de Pedagogia, 36 são pedagogos(as) e 19 citam, no currículo, trabalhos ou projetos com a educação básica, diferentemente do curso de Matemática, em que 90% dos(as) professores(as) cursaram graduação na área, e de Letras, no qual cinco cursaram outra graduação não condizente com o curso (BARBOSA; GORBATTO, 2019). Ainda sobre esse tema, destacamos a pesquisa de Guimarães e Costa (2022, p. 3), que constatou a importância do estágio em docência em pós-graduandos nas licenciaturas e bacharelados, já que esta vivência potencializa “[...] a ressignificação de experiências e a construção de novos conhecimentos no campo da Pedagogia Universitária”.
Nas interlocuções com esses debates, com atenção aos estudos sobre a docência na EPT (PENA, 2014), este estudo recorre a pesquisas sobre as licenciaturas nos IFs, que constatam o percentual de apenas 42,25% de docentes do IF licenciados (MARTINS et al., 2017). Nesse movimento, ressaltamos a especificidade das licenciaturas ofertadas nesse contexto, dado que os IFs têm histórico vinculado à educação profissional, estão entrelaçados à missão institucional de profissionalização do país, além de associados ao Ministério da Educação pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) (LIMA; SILVA, 2014, p. 4). Isso demanda também diálogo com legislações sobre o ingresso de professores(as) na carreira nos IFs e sobre a organização da área de Educação, que mobiliza os pressupostos teórico-metodológicos, conforme apresentado a seguir.
3 Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa
De abordagem qualitativa (GROULX, 2012) do tipo exploratória, esta pesquisa atenta para a complexidade da formação de professores(as) e integra ainda dados quantitativos, valorizando o cruzamento de informações (GATTI, 2004). Ancorada em referenciais teórico-metodológicos bakhtinianos (BAKHTIN, 2009, 2011), produz dados sobre a formação de docentes dos cursos de Pedagogia da Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica em duas etapas.
Na primeira, por meio de consulta aos Planos Pedagógicos de Curso (PPCs), mapeia a vinculação dos(as) docentes que trabalham nos cursos presenciais de Pedagogia dos IFs4. Na segunda etapa, analisa os currículos Lattes5 de 532 professores(as) atuantes nos cursos de Pedagogia dos IFs.
Para a exequibilidade deste estudo, cumprimos os protocolos éticos necessários às investigações que envolvem sujeitos e instituições participantes6. O acesso aos documentos se deu por meio de dados públicos de autoria dos(as) próprios(as) docentes. Diante do nosso referencial teórico-epistemológico, assumimos que existem diferentes possibilidades de dialogar com o(a) outro(a) na pesquisa (AMORIM, 2004), por isso detalhamos, a seguir, o estudo referente ao perfil formativo dos(as) participantes da pesquisa.
4 A formação dos docentes de Pedagogia e a área de Educação nos IFs
Em termos epistemológicos, a Pedagogia e a Educação, como áreas de conhecimento, são compostas por saberes interdisciplinares, em que, reunindo várias ciências, observam-se diferentes contribuições e embates. Os dados da Plataforma Nilo Peçanha indicam 66 cursos ofertados pela rede na modalidade presencial e a distância. Nossa pesquisa contabilizou o total de 27 cursos presenciais, descartando os da modalidade de Educação a Distância (EaD), devido a especificidades dessa modalidade. Assim, há que se celebrar o fortalecimento das licenciaturas no contexto dos IFs, pois o levantamento de Oliveira B. e Oliveira M. (2016) listava sete cursos de Pedagogia em 2014.
Na defesa de um conhecimento próprio da educação (SAVIANI, 2007), apesar de as licenciaturas serem apontadas como “um estranho no ninho” nessas instituições (PANSARDI, 2013), ressaltamos que a Pedagogia não pode ser pensada à parte da educação profissional, pois sempre existiram ações pedagógicas nos espaços para se formar o profissional, o técnico ou o tecnólogo, ou mesmo nos cursos superiores ligados à tecnologia. Mesmo assim, as licenciaturas são consideradas cursos de menor prestígio, ainda que diante de lutas por valorização social do trabalho docente. Além disso, constatamos que ainda não há um catálogo de licenciaturas, como há nos demais cursos, como em catálogos nacionais de cursos superiores em Tecnologia e de cursos técnicos elaborados pela Setec/Ministério da Educação (MEC).
Nessa conjuntura, a presença dos cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas nos IFs incita a dialogia com a área técnica, uma vez que o diálogo está na natureza da vida e do pensamento humano (BAKHTIN, 2002), portanto impactando a configuração das instituições. Nesse quadro, cabe destacar que essa dinâmica também agrega novas vivências às trajetórias formativas dos(as) docentes, seja em decorrência do ingresso na área da Educação, interagindo também (ainda que indiretamente) com cursos da área técnica. Tem-se uma arena de movimentação de sentidos potencial para mobilizar conhecimentos, práticas e discussões próprias da educação em espaços que outrora pertenciam majoritariamente às áreas técnicas e tecnológicas.
Na compreensão do conceito de docência (PINI, 2010), os dados educacionais apontam para uma profissão numerosa7, todavia fragmentada, com diversos sindicatos e representações, devido à heterogeneidade da atuação. Nessa compreensão, convém destacar a particularidade nos IFs quanto à atuação dos(as) professores(as) em diferentes níveis de ensino ao mesmo tempo, apesar de os docentes do curso de Pedagogia não se enquadrarem na atuação no nível médio, nem mesmo nos cursos técnicos8.
Como a instituição é multicampi, é previsto legalmente que os(as) professores(as) atuem em mais de um curso, a fim de “[...] promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão” (BRASIL, 2008). Aliado a isso, o ingresso à docência nesse contexto se dá por meio de concurso público, em carreira própria diferente do magistério superior em universidades. A graduação é o requisito mínimo das bancas de concurso nos IFs, diferentemente das universidades, que podem exigir a pós-graduação e área disciplinar específica (BRASIL, 2012). Assim, diante dessas questões, há um número considerável de profissionais que atuam no curso de Pedagogia sem terem cursado essa graduação, ou mesmo tendo trilhado diferentes caminhos profissionais.
Em relação à organização dos cursos, a distribuição de disciplinas geralmente é feita pelos(as) próprios(as) docentes de cada campus, já que o concurso não é direcionado às especificidades. Destacamos também que a categoria é designada pelo termo Professores do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), sem incluir o ensino superior, a licenciatura, a educação e suas especificidades. Isso chama a atenção para o compromisso das instituições com a formação dos(as) docentes e a especificidade da formação de pedagogos(as) no âmbito profissional.
Diante dessas ponderações e da literatura de referência, consideramos que os processos de aprendizagem da docência se dão em diferentes momentos, tanto na formação inicial quanto na continuada. Nóvoa (2017, p. 1111, grifo do autor) defende que “[...] a formação profissional dos professores [...] deve ter como matriz a formação para uma profissão”. Tem-se, portanto, a complexidade da formação de professores(as) no desafio de interligar a escola de educação básica à formação inicial. Feitas essas reflexões, o próximo tópico apresentará os dados produzidos pela presente pesquisa, no propósito de responder à questão central de estudo, com atenção aos indicadores da formação inicial.
5 Resultados do levantamento sobre a formação dos docentes dos cursos
Na investigação sobre o vínculo dos(as) docentes com os Institutos, feita por meio de informações dos PPCs e dos currículos Lattes, foram excluídos do corpus, após conferência, os dados de dez profissionais que já não trabalhavam na instituição. Com isso, para análise dos currículos Lattes, foram considerados 532 que estavam ativos. Desse grupo, 72 cursaram mais de uma graduação, o que significa 43,11%. Do total de profissionais, 167 são graduados(as) em Pedagogia, o que significa 31,39%, sendo, portanto, a licenciatura de maior destaque. Nota-se a seguinte predominância das licenciaturas na formação: Pedagogia (167), Letras (78), História (41), Artes (39), Matemática (34), Filosofia (33), Ciências Sociais (32), Educação Física (28), Geografia (25), Ciências Biológicas (22) e Física (16).
As áreas de tecnologia, informática e computação - muito valorizadas institucionalmente - estão conectadas aos processos de ensino, o que difere da realidade de faculdades e universidades organizadas em centros e departamentos. Os dados mostram 21 docentes formados(as) nessas áreas, o que reverbera em ofertas de mais disciplinas ligadas à tecnologia. Há também outras graduações que não compõem o universo tradicional de licenciaturas, em número menor, identificadas nos currículos9. Observa-se que os IFs reúnem profissionais que trazem um repertório formativo diverso. A respeito do baixo número de professores(as) formados(as) em Pedagogia, cabe lembrar que Nóvoa (2017) cita o caso do Brasil, com o histórico da profissão docente, que se dilui em vários perfis profissionais. Assim, as diversas possibilidades de atuação do(a) pedagogo(a), por vezes, induzem a formação para outros caminhos, diferentes do exercício profissional da docência. Isso sinaliza o porquê de os cursos de Pedagogia terem em sua composição docente 31,39% formados(as) em Pedagogia, ainda que com trajetórias de formações iniciais diversas, o que requer atenção, dada a centralidade dessas instituições, que implicam modos de existir e de fazer educação com propósitos educacionais e sociais distintos.
Para nos atentarmos à interação da Pedagogia com a área de tecnologia, recorremos à Bakhtin (2011) na afirmação de que as fronteiras entre as palavras pessoais e do outro são fluidas, sendo nessas fronteiras que se travam os embates dialógicos. Dessa forma, nota-se que os diálogos nessa complexa relação entre áreas, implicando pessoas no contexto institucional, expressam uma trama que pode mobilizar muitos - e distintos - processos interativos. Nas diferentes conexões, interessa-nos, especialmente, considerar a tematização da educação infantil.
Na análise dos processos formativos, os(as) docentes dos IFs, de acordo com o Censo da Educação Superior, juntamente com os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), totalizam 26.072 (INEP, 2021). O relatório revela ainda que 13% dos(as) professores(as) dessas instituições cursaram até a especialização; 45,8% até o mestrado; e 41,2% até o doutorado (INEP, 2021). “Em termos do grau de formação, somente na universidade pública predomina o doutorado. Em todas as demais organizações acadêmicas públicas ou privadas predomina o mestrado” (INEP, 2021, p. 61).
Ao comparar esses dados com a presente pesquisa, é identificado que, do total de 532 docentes, 360 cursaram especialização, o que representa 67,66%. Além disso, 507 currículos têm registro de mestrado, um total de 95,3%. Desses, 184 são em Educação (34,58%). Quando esse número é comparado ao dos Cefets, em que 45,8% cursaram até o mestrado, fica evidente que os(as) docentes dos cursos de Pedagogia da rede estudam mais anos, com um total de 95,3% com mestrado. Essa discrepância possivelmente corresponde à particularidade da contratação: é possível que, para as áreas técnicas e tecnológicas, sejam aprovados(as) mais docentes com menos anos de estudos; e, quando a atuação ocorre para o ensino superior, há mais professores(as) com maior titulação.
Além dos(as) 184 mestres(as) em Educação, outros(as) 40 são mestres(as) em “Educação Matemática”, “Educação nas Ciências”, dentre outros mestrados que também carregam a palavra “Educação” na nomenclatura. Cabe destacar que as ênfases trazidas na legislação para as áreas de Ciências e Matemática (BRASIL, 2008) se coadunam com as formações identificadas no nível do mestrado. Dos mestrados registrados nos currículos dos(as) 532 docentes, aplicando o filtro “Educação”, foram identificados: Educação em Ciências e Matemática (12), Educação nas Ciências (5), Educação Física (5), Educação Agrícola (4), Educação Ambiental (3), Educação Científica e Tecnológica (3), Educação e Cultura (2), Educação Matemática (2). Os demais, com apenas um registro, foram: Ciências da Educação, Ensino na Educação Básica, Educação Inclusiva, Educação, Arte e Ensino da Cultura. Há ainda três docentes mestres(as) em “Educação Científica e Tecnológica”, apesar do número reduzido em relação ao montante que compõe a pesquisa, sinalizando atenção às necessidades da área, conforme ressaltado em pesquisa anterior sobre a formação dos(as) docentes da EPT (OLIVEIRA, B.; OLIVEIRA, M., 2016).
No quesito doutorado, 365 (68,60%) concluíram ou estavam cursando esse nível de ensino na ocasião desta pesquisa. Desse quantitativo, 115 docentes registraram que os programas a que estavam vinculados(as) são de Educação, o que representa 21,61%. Essa porcentagem menor de doutorados em Educação registrados, sendo esta uma especialização importante da área da Pedagogia, especialmente se observados o investimento em pesquisa e formação de pesquisadores(as) e a diversidade de doutorados cursados10, reforça a necessidade de investimento em formação continuada para esses(as) docentes. Ainda em relação ao doutorado, além dos 115, outros 29 registros de doutorado mencionam “educação” juntamente com outros termos, sendo que 11 casos repetem as nomenclaturas “Ciências” e “Matemática”. Além desse aspecto, cabe evidenciar que Educação Científica e Tecnológica também se destaca, com quatro docentes formados(as) na área. Neste estudo, há que se exaltar que o quantitativo total de docentes com esse título nos cursos de Pedagogia supera os dados do Censo da Educação Superior, que registrou 41,2% dos(as) docentes dos IFs e Cefets.
A respeito da formação de docentes dos cursos pesquisados, apesar de superar o número de especialistas, mestres(as) e doutores(as), na comparação com os dados de todos(as) os(as) docentes da rede, a maioria ainda se especializa em áreas diferentes da Educação, o que pode significar baixo investimento na formação para o exercício profissional docente. Conforme assinalam Gatti et al. (2019), no conjunto dos cursos de Pedagogia, tem-se observado uma formação genérica que não corresponde às demandas da realidade das práticas educativas. Além disso, tomando uma panorâmica dos perfis formativos, a composição do corpo docente não evidencia destaque para a docência em educação infantil.
No conjunto, cabe considerar que a atuação na formação de professores(as), atentando para os processos formativos vivenciados pelos(as) formadores(as), abarca a relação com a educação básica, porque é condição para o provimento dos quadros funcionais. Sobre isso, cabe refletir que:
[...] partir do pressuposto de que a relação com a escola de educação básica é importante no processo de formação dos professores nos cursos de Pedagogia, entende também que o elo a ser estabelecido entre os cursos de formação e a escola básica é prioritariamente articulado pelo formador, o docente do curso. Os saberes que constituem a docência e as especificidades da ação pedagógica a ser apresentada na formação de professores devem ter como inspiração/foco a própria escola. O principal articulador entre a universidade e a escola básica é o docente do curso, que de alguma forma é o seu mediador. (SCHNEIDER, 2014, p. 112).
Dessa forma, aliada a essa relevância do papel do(a) formador(a), destacamos que a formação no nível da pós-graduação em Educação para os(as) docentes formadores(as) pode promover reflexões e aprendizagens específicas para a atuação na docência universitária, especialmente tendo em vista omissão na legislação e necessário investimento no campo da pedagogia universitária (GUIMARÃES; COSTA, 2022). Também, ainda que seja interessante a interdisciplinaridade proposta nos cursos de Pedagogia, é importante que as disciplinas sejam ministradas por professores(as) licenciados(as), com formação correspondente à base do curso. Numa realidade com tantos(as) docentes bacharéis, é relevante cuidar da formação continuada daqueles(as) que atuam nos cursos de Pedagogia, sobretudo em conexão com as demandas de provimentos dos quadros funcionais para educação infantil e ensino fundamental. Além disso, percebe-se a necessidade - e a possibilidade - de articular a tarefa do ensino à pesquisa e à extensão, espraiando suas atividades e agregando novos saberes, que podem fortalecer a educação básica. Por fim, no recorte da formação ligada à certificação, com foco na graduação e na pós, destacam-se as discussões emergentes sobre a formação de professores(as), especialmente no campo da educação infantil.
6 Considerações finais
No contexto de discussão sobre a formação inicial, em especial para a atuação na educação infantil, este estudo analisa o perfil formativo (na graduação e pós- -graduação) de docentes dos cursos de Pedagogia dos IFs. Por meio da pesquisa documental dos PPCs de 27 cursos presenciais de Pedagogia e de 532 currículos Lattes de docentes atuantes nesses cursos, problematiza a formação desses(as) profissionais, considerando que suas trajetórias formativas integram os intervenientes que constituem as condições que podem marcar os processos de formação dos(das) graduandos(as) para atuarem na docência com as crianças. Ao se analisar os requisitos para ingresso na carreira da área de Educação nos IFs, nota-se que a nomenclatura da categoria - “Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico” - não condiz com a atuação dos(as) professores(as) pesquisados(as), pois eles(as) ministram aulas praticamente de maneira exclusiva no ensino superior e/ou na pós-graduação. Conforme apontam os dados da Plataforma Nilo Peçanha, a instituição não oferta curso técnico correspondente à formação dos(as) professores(as). Por isso, é preponderante que haja uma nomenclatura coerente a essa realidade de atuação e, especialmente, que reconheça o destaque para a formação de professores(as).
Vale ressaltar ainda a invisibilidade das licenciaturas, especialmente da Pedagogia, no levantamento realizado em campo e nos catálogos de cursos da Setec/MEC. À luz de teóricos da linguagem, esse silenciamento produz efeitos e sentidos que interpelam as intencionalidades, disputas e desafios vigentes na educação superior, por exemplo, na invisibilidade de algumas áreas, nas vozes proeminentes e nas relações de forças presentes nos processos sócio-históricos.
Esta pesquisa priorizou, como corpus de análise, a formação dos(as) docentes na área de Educação, compreendendo que a Pedagogia é o curso que possibilita a atuação com as crianças da educação infantil, foco deste estudo, e detectou, nesse cenário, que 31,39% dos(as) professores(as) são formados(as) em Pedagogia. No cômputo geral, os(as) docentes que atuam nesse curso estudaram por mais anos que a média geral dos(as) demais docentes dos IFs e Cefets, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Apesar do número considerável de professores(as) com mestrado, apenas 34,58% fizeram-no na área de Educação. Um quadro semelhante se repete com professores(as) doutores(as), uma vez que apenas 21,77% cursaram doutorado em Educação. Assim, ainda que o número de docentes com mestrado e doutorado seja expressivo, há baixa indicação de formação em Educação - em todos os casos, menor que 35%. É premente a necessidade de investimento na formação em pós-graduação na área de Educação, a fim de que os(as) docentes dos cursos de Pedagogia tenham uma identidade formativa vinculada à atuação na área e na educação básica, reverberando no fortalecimento do exercício profissional.
Na polifonia festiva presente no referencial bakhtiniano, podemos aventar um diálogo ampliado com entradas de várias áreas, decorrentes de diferentes perfis formativos. Ainda assim, assinala-se a importância das políticas de formação continuada, favorecendo comunicabilidades e, sobretudo, gerando pertencimento aos propósitos da formação de professores(as), incluindo as demandas da educação infantil.