O Plano de Ações Articuladas - PAR -, criado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), pode ser caracterizado como um modelo de planejamento sistêmico, porque tem como proposta o envolvimento, de forma participativa, de todos os entes da federação brasileira e é orientado para resultados consolidados em um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb. O PAR pretende ser um mecanismo de estabelecimento do regime de colaboração entre os entes federativos e seu objetivo é viabilizar a autonomia institucional e a qualidade da educação brasileira. É também inovador, já que esse modelo de planejamento educacional esteve ausente das políticas dos governos democráticos instaurados após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Como instrumento de apoio técnico e financeiro, o PAR está articulado com o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE -, criado pelo Ministério da Educação - MEC - em 2007. Com o PDE, o MEC propõe integrar um conjunto de programas para dar organicidade ao sistema nacional de educação, mobilizando a sociedade em prol da melhoria da qualidade do ensino. Sua essência, de acordo com o documento oficial (BRASIL, 2007c), é a perspectiva sistêmica da educação, isto é, uma visão em que o ensino fundamental está relacionado ao ensino superior, o incentivo à pesquisa influi no ensino médio, o transporte escolar articula-se com a remuneração dos professores, etc. O PDE é um plano estrutural de longo prazo que pressupõe a superação da tradicional fragmentação das políticas educacionais e o diálogo entre os entes federativos. Para o MEC, isso significa compartilhar competências políticas, técnicas e financeiras para executar os programas e as ações.
A proposta é que o PAR seja construído de forma participativa, de modo a envolver ativamente os gestores e os educadores locais, as famílias e a comunidade e, assim, resguardar a organicidade das ações e outorgar autonomia ao ente municipal. No que se refere ao enfoque de planejamento, o PAR propõe desenvolver um conjunto de programas articulados. Dessa forma, o PDE nacional se afastaria da proposta do planejamento por objetivos, conforme se estruturava no modelo PDE/escola, e se configuraria como uma "proposta sistêmica" (FERREIRA; FONSECA, 2011). Isto é, um planejamento compreendido como processo de reflexão em grupo, que consiste na tomada de decisão e orienta-se para os resultados. O planejamento sistêmico inicia com um diagnóstico da realidade e estabelece coordenação e integração entre as atividades. Visto sob um ângulo crítico, esse planejamento revela-se mais como uma técnica burocrática de solucionar ou controlar problemas, inclusive de ordem social e política, do que como um instrumento de desenvolvimento (RATTNER, 1977, s/p).
Não obstante seu caráter burocrático e os riscos dos limites de espaços reais de participação da comunidade escolar no exercício do PAR, seus pressupostos democráticos e redistributivos podem torná-lo um instrumento de planejamento inovador para a gestão dos sistemas educativos. Essa é a hipótese a ser discutida neste texto, que se insere no campo de estudos sobre avaliação das políticas públicas e tem por objetivo analisar o planejamento educacional realizado por meio do PAR. Especificamente, pretende-se responder às questões sobre a receptividade dos sistemas educativos na execução do PAR e a capacidade desse instrumento para articular os entes da federação (alcançar o equilíbrio federativo) na gestão da educação brasileira.
As análises aqui desenvolvidas são resultado da pesquisa1 "Gestão das políticas educacionais no Brasil e seus mecanismos de centralização e descentralização: o desafio do Plano de Ações Articuladas (PAR)", realizada no período 2011-2014. Essa pesquisa contou com a participação de um grupo de pesquisadores de diferentes universidades do país.2 Cada grupo debruçou-se sobre suas realidades específicas, adotando uma mesma metodologia com o objetivo de apresentar um quadro que não buscou análises comparativas, mas destacar as práticas recorrentes na maioria dos sistemas educacionais investigados. Com isso, procurou-se identificar os principais fenômenos presentes para a sistematização de uma análise sobre a implantação do planejamento educacional no contexto da educação brasileira no limiar do século XXI. Primeiramente, com base em um mesmo roteiro, foi feito um levantamento de documentos sobre a legislação, de dados estatísticos e sobre projetos implantados a fim de elaborar um relatório sobre o quadro da política educacional local. Colhidos esses dados, foram realizadas entrevistas com técnicos e dirigentes das secretarias de educação dos sistemas municipal e estadual para acompanhamento da dinâmica do PAR em cada localidade. Com o objetivo de conhecer as diversas experiências de trabalho com o PAR com base nas diferentes funções ocupadas por cada segmento, também foram entrevistados técnicos do MEC e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE - que participaram e/ou trabalham diretamente com o PAR e grupos focais nos municípios. Os municípios que compuseram a amostra da pesquisa foram selecionados por meio de sorteio após a delimitação de alguns critérios, tais como:
um município com população acima de 50 mil habitantes com continuidade do governo municipal após o período eleitoral;
um município com população abaixo de 50 mil habitantes com mudança na condução do governo municipal;
um município com população acima de 100 mil habitantes com continuidade do governo municipal após o período eleitoral eiv. um
município com população acima de 100 mil habitantes com mudança na condução do governo municipal. No total, foram quatro municípios de cada estado (ou região do estado) participante da amostra, totalizando 32 municípios.
Por fim, importa ressaltar que foram poucos os registros encontrados sobre o PAR no MEC e no FNDE, sob o argumento de que tudo está publicado no site. Apenas foi encontrado um relato escrito sobre o processo de criação do plano, o qual será aqui objeto de estudo. Após a consulta no site, procedeu-se à análise do documento e foram avaliados os relatórios sobre o dispêndio financeiro do FNDE para cada município e estado.
Este texto traz análises específicas dos documentos coletados em nível nacional sobre a construção e a organização do PAR e fixa-se no exame geral de dados empíricos mais recorrentes das diversas localidades investigadas a fim de apresentar um quadro sobre a implantação do PAR no Brasil. A primeira seção do artigo tem por objetivo apresentar a trajetória política de criação do PAR, resultado de análise de documentos coletados no MEC. A segunda continua a análise documental que busca descrever a trajetória de operacionalização do PAR; a terceira seção dedica-se à avaliação de dados coletados no âmbito da pesquisa que envolveu municípios localizados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
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