A reflexão sobre a prática de ensino supervisionada (PES),1 podendo ser entendida como locus de reprodução, questionamento, experimentação, ação, vivências e aprendizagens, de múltiplas inter-relações socioculturais, políticas e organizacionalmente contextualizadas, continua a marcar a discussão sobre formação de educadores/as e professores/as.
Efetivamente, não se trata de um tema novo nas ciências da educação. Todavia, as intensas e aceleradas transições paradigmáticas na formação de profissionais que trabalham com crianças até aos 12 anos, em Portugal, enunciam questões e análises com novas nuances. Assistimos, desde 1992, a um conjunto de alterações no já longo e complexo processo de formação de educadores/as e professores/as, via adesão ao Processo de Bolonha, caracterizado por diversos autores como política educacional supranacional, tendo em vista “um movimento em direção à convergência” (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008, p. 14) institucional, organizacional e ideológica, que marca um processo de redefinição de funções, identidades e trajetórias dos/as profissionais de educação (SERRALHEIRO, 2005; FERREIRA; FERNANDES, 2015; TOMÁS; GONÇALVES, 2018; EUROPEAN COMMISSION/EACEA/EURYDICE, 2018).
Em Portugal, o início do novo século trouxe mudanças profundas no que diz respeito ao processo de formação daqueles/as profissionais. As mudanças mais presentes remetem-nos para um conjunto de desassossegos reais, tanto dos/as docentes do ensino superior e dos/as educadores/as e/ou professores/as cooperantes, como dos/as estudantes em relação à formação, em geral, e à PES, em particular. Destacam-se, entre outras dimensões: a crescente academização da formação; a pouca autonomia das instituições de ensino superior na organização dos planos de estudos; a ausência de participação dos/as professores/as e dos/as estudantes do ensino superior na discussão desses planos; a sobrevalorização de determinadas áreas de conhecimento, como a matemática e o português, sobretudo entre 2011 e 2015; os discursos sobre a prática docente em permanente tensão, ou mesmo em contradição, com a ação pedagógica; assim como o insuficiente número de horas PES na formação de educadores/as e professores/as, tanto na licenciatura como no mestrado2 (ESTRELA; ESTEVES; RODRIGUES, 2002; LEITE, 2005; SERRALHEIRO, 2005; CARDONA, 2008; ALARCÃO; ROLDÃO, 2010; BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2009; RAMALHO, 2015; COCHRAN-SMITH; VILLEGAS, 2016; FERREIRA, 2016; GALVÃO; PONTE, 2018; TOMÁS; GONÇALVES, 2018).
O debate em torno das questões associadas à formação de educadores/as e professores/as, nomeadamente sobre a PES, deve ser equacionado no quadro de um envolvimento mais diversificado de atores sociais. A discussão continua a assumir a centralidade na academia portuguesa, no entanto, pouco tem sido o envolvimento dos legisladores, educadores/as e professores/as cooperantes, políticos/as ou estudantes. No fundo, estamos perante uma ausência de discussão robusta e promotora de diálogo entre saberes ou um pensamento abissal3 (SANTOS, 2007), neste caso interno. Tentando contrariar a afonia de alguns atores identificados, neste artigo centramos a análise, no âmbito de uma pesquisa mais ampla (TOMÁS; GONÇALVES, 2018), nas representações de 115 estudantes que frequentam os mestrados de formação de educadores/as de infância e professores/as do 1º e do 2º ciclo do ensino básico, em Portugal continental. O estudo teve como objetivos desvendar o posicionamento dos/as estudantes em relação à PES e identificar perfis exploratórios de práticas dos/as estudantes-estagiários/as sobre a PES (reflexões escritas, subsistema de ensino superior e modelos pedagógicos).
ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO
A pesquisa desenvolvida assume uma abordagem de multimétodo, ainda que, neste artigo, se apresente um recorte da mesma, em que a análise tem uma natureza quantitativa. A partir de um processo multietápico:
construiu-se um inquérito, para a recolha dos dados, aplicado aos/às estudantes dos cursos acima referidos, entre março e abril de 2018, validado antes da sua aplicação;
identificaram-se os 66 cursos de mestrado profissionalizante de formação de educadores/as e de professores/as de 1º e 2º CEB, em funcionamento no ano letivo de 2017/2018, a partir da página da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES);4
contactaram-se os/as coordenadores/as ou diretores/as de curso para solicitar a divulgação do inquérito junto dos/as estudantes.
Responderam voluntariamente ao inquérito 115 estudantes. A recolha de dados pautou-se por um conjunto de dificuldades que podem explicar o tamanho da amostra: a ausência de listas de e-mail de estudantes; a não resposta aos e-mails enviados às/aos coordenadores/as de curso; e a dificuldade em encontrar nas páginas de algumas instituições de ensino superior a pessoa de referência do curso (coordenador/a). Assim, orientadas por princípios de experimentação e de superação de limites, consideramos que esta pesquisa assume uma natureza indagatória e exploratória. Para a análise dos dados, recorreu-se a uma análise estatística, utilizando o SPSS Statistics ® (IBM SPSS, versão 24.0, Chicago, EUA) e o nível de significância foi estabelecido em p<0,05.
Numa primeira fase, foi caracterizada a amostra em estudo e feita uma análise descritiva dos dados em função da natureza das variáveis estudadas. Foram realizadas estatísticas descritivas, incluindo média, desvio padrão, frequências e percentagens para a totalidade da amostra e por curso de mestrado. Na segunda fase, de forma a segmentar os/as inquiridos/as, os dados apresentados resultam da análise estatística baseada na análise de correspondências múltiplas (ACM) (CARVALHO, 2008), o que possibilitou a construção de dimensões/índices (configuração topológica) de carácter exploratório.
PARTICIPANTES
Os/as 115 participantes neste estudo frequentaram, em 2017/2018, um curso de mestrado de formação de educadores/as de infância (MEPE), de educadores/as e professores/as de 1º CEB (PE 1º CEB) ou de professores/as de 1º e de 2º CEB (PE 2º CEB) em Portugal continental (17,4% do norte, 16,5% do centro, 54,8% de Lisboa, 5,2% do Alentejo e 6,1% do Algarve).
Destes/as, 111 (96,5%) são mulheres e quatro são homens (3,5%) com idades entre 21 e 54 anos e uma média de 24,39 (±4,5) anos.
No que diz respeito ao tempo de duração de cada PES já realizada, 20,9% dos/as estudantes indicaram entre 1 e 2 meses, 55,7% mencionaram 3 meses ou mais e 23,5% não responderam à questão.
É importante referir que a organização da PES varia em função das opções das instituições de ensino superior, o que quer dizer que há quem tenha estado nos contextos de PES cinco dias seguidos, outros/as três dias por semana, outros/as três manhãs por semana, entre outras modalidades.
A maior parte dos/as estudantes frequentava instituições públicas, seja universidade ou instituto politécnico (Tabela 1). Do curso de Mestrado em Educação Pré-Escolar (MEPE), 70,6% estavam na universidade pública e 84,2% no politécnico público. Cerca de 45% encontravam-se em instituições privadas, dos quais 29,4% na universidade e 15,8% no politécnico. O curso de PE 1º CEB era frequentado por 54,5% na universidade pública e 45,5% na privada; 93,3% dos estudantes no politécnico estavam numa instituição pública. Não se verificou a frequência de estudantes dos cursos de 2º CEB em universidade, seja pública ou privada. Neste caso, são cursos que habilitam para a docência em 1º CEB e em Mestrado em Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Português e História e Geografia de Portugal no 2º Ciclo do Ensino Básico (MPHGP) e Mestrado em Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico e de Matemática e Ciências Naturais no 2º Ciclo do Ensino Básico (MMCN). Dos/as alunos/as dos cursos de 2º CEB, todos frequentavam o politécnico, sendo 94,1% numa instituição pública e 5,9% numa instituição privada.
CURSO | TOTAL N (%) | NATUREZA JURÍDICA | SUBSISTEMA | ||
UNIVERSIDADE | POLITÉCNICO | ||||
MEPE | 55 (47,8) | ||||
pública | 44 (45,8) | 12 (70,6) | 32 (84,2) | ||
privada | 11 (57,9) | 5 (29,4) | 6 (15,8) | ||
PE 1o CEB | 26 (22,6) | ||||
pública | 20 (20,8) | 6 (54,5) | 14 (93,3) | ||
privada | 6 (31,6) | 5 (45,5) | 1 (6,7) | ||
2o CEB | 34 (29,6) | ||||
pública | 32 (33,3) | 0 (0,0) | 32 (94,1) | ||
privada | 2 (10,5) | 0 (0,0) | 2 (5,9) |
Fonte: Elaboração das autoras, com base nos dados do questionário.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Com o objetivo de identificar padrões de prática dos/as estudantes-estagiários/as relativamente às reflexões escritas sobre a PES, recorreu-se a uma ACM. O cruzamento das variáveis, apresentadas em coluna, através deste procedimento estatístico, permitiu a identificação de duas dimensões responsáveis por 68,5% da inércia total (valor próprio da primeira dimensão=0,382; valor próprio para a segunda dimensão=0,303), conforme se pode verificar na Tabela 2. Ambas apresentam níveis adequados de consistência e bons valores de inércia.
DIMENSÃO 1 (REFLEXÕES SOBRE A PES) | DIMENSÃO 2 (SUBSISTEMA E MODELOS) | |||
DISCRIMINAÇÃO | CONTRIBUIÇÃO | DISCRIMINAÇÃO | CONTRIBUIÇÃO | |
Pública ou privada | 0,006 | 0,24% | 0,313 | 17,2% |
Universidade ou politécnico | 0,003 | 0,14% | 0,456 | 25,0% |
Modelos pedagógicos | 0,294 | 12,8% | 0,331 | 18,2% |
Impacto das reflexões | 0,859 | 37,4% | 0,027 | 1,5% |
Justificação do impacto das reflexões | 0,909 | 39,6% | 0,423 | 23,3% |
Áreas científicas da PES | 0,224 | 9,8% | 0,270 | 14,8% |
Total | 2,295 | 100,0 | 1,820 | 100,0 |
Inércia | 0,382 | 0,303 | ||
% de variância explicada | 55,7 | 44,3 |
Fonte: Elaboração das autoras, com base nos dados do questionário.
As variáveis impacto das reflexões (ter ou não ter impacto) e justificação do impacto das reflexões discriminam mais na dimensão 1, pelo que se optou pela designação de reflexões sobre a PES. Por sua vez, as variáveis pública ou privada (frequência de um curso numa instituição de ensino superior de natureza pública ou privada), universidade ou politécnico e modelos pedagógicos têm maior destaque na dimensão 2. Nesse sentido, considerou-se ser a dimensão que descreve subsistema e modelos.
A apresentação dos resultados é feita em duas partes: síntese do posicionamento dos/as estudantes em relação à PES; e identificação das práticas dos/as estudantes sobre PES no que diz respeito às reflexões escritas, ao subsistema de ensino superior que frequentam e aos modelos pedagógicos que privilegiam durante a PES.
POSICIONAMENTOS EM RELAÇÃO À PES
Nesta secção, apresentam-se, de forma sintética, os posicionamentos dos/as estudantes-estagiários/as relativamente à importância da PES, aos modelos pedagógicos que privilegiam durante a PES, às áreas científicas que consideram mais relevantes durante a PES, assim como aos/às autores/as que mais convocam, à fundamentação teórica e à periodicidade das reflexões escritas sobre a PES.
Relativamente à importância da PES, 33,0% dos/as estudantes referiram que se trata de uma aprendizagem em contexto, atribuindo valor ao papel do/a orientador/a cooperante, e, para 30,4%, é o lugar para pôr em prática a teoria. A PES também é vista como um processo de crescimento pessoal e/ou profissional (28,7%). Para 7,8% dos/as estudantes, as respostas inserem-se na categoria outras respostas, maioritariamente críticas.
Os modelos pedagógicos mais privilegiados na PES (χ2 (24)=43,167, p=0,010) são: o Movimento da Escola Moderna (MEM) (27,0%); a Pedagogia de Projeto (10,4%); “um pouco de cada” (9,6%); o HighScope (9,6%); o MEM e HighScope (9,6%); um modelo em função do contexto (6,1%); e outros (16,5%). Para além desses modelos identificados, 7,0% dos/as estudantes mencionaram não recorrer a modelos e 4,3% não souberam identificar um modelo ou não responderam à questão colocada.
Neste campo, importa destacar não só os modelos privilegiados pelos/as estudantes, que se adequam aos públicos com quem interagem na PES, mas também a elevada percentagem de referência a outros modelos, ora incorretamente identificados, ora inexistentes.
Relativamente às componentes de formação, 63,5% dos/as estudantes reconheceram que a área científica Educacional Geral é aquela que mais suporta a PES, seguida do duo Educacional Geral e Didáticas Específicas (10,4%), especificamente referentes às áreas dos mestrados. Destacam-se como áreas científicas o par Psicologia e Pedagogia (48,7%), a Pedagogia (26,3%) e a Psicologia (14,5%). Com valores pouco relevantes, o trio Psicologia-Pedagogia-Sociologia (6,6%), o par Pedagogia-Sociologia (1,3%) e Sociologia (1,3%).
Em relação à reflexividade e à teorização da prática pedagógica, tão necessária quão difícil de se fazer, da opinião dos/as estudantes, quando questionados acerca dos autores/as que mais convocaram para a PES, sobretudo nas reflexões teóricas, parece sobressaírem duas premissas: a valorização de autores clássicos da Psicologia, como Lev Vygotsky e Jean Piaget; e a existência de alguma especificidade em relação ao curso de maior expressão em autores/as nacionais.
A maioria dos/as estudantes (74,8%) afirmou que convocam fundamentação teórica quando da realização das reflexões escritas, 12,2% indicaram não o fazer e 13,0% não responderam à questão. Daqueles que o fazem, 89,6% consideram que as reflexões têm impacto na prática pedagógica. Apenas 10,4% afirmaram o contrário.
No que diz respeito à periocidade das reflexões (χ2 (8)=8,085, p=0,425), 41,7% mencionaram realizá-las semanalmente, 20,9% fazem diária e semanalmente, 14,8% quinzenal/mensalmente e 7,0% indicaram diariamente. Dentro desta periodicidade, verifica-se que, de um modo geral, quem faz reflexões no âmbito da PES recorre à fundamentação teórica. No entanto, aqueles/as que as realizam semanalmente são os que mais recorrem à fundamentação teórica (29,6%), em oposição a quem realiza reflexões numa base diária (5,2%). São também os/as estudantes que realizam reflexões semanalmente que não recorrem à fundamentação teórica (7,8%) ou que não responderam a esta questão (4,3%).
A maioria dos/as estudantes (71,8%) afirmou que as reflexões se configuram como um mecanismo de regulação/avaliação da ação. Para 23,3%, as reflexões assumem-se como um processo de introspeção.
Em síntese, há um reconhecimento da importância da mobilização teórica no momento das reflexões escritas, parecendo possível inferir-se que existe uma consciência de que os marcos teóricos ajudam na construção da profissão e no desenvolvimento profissional do/a futuro/a educador/a ou professor/a.
PERFIS EXPLORATÓRIOS DOS/AS ESTUDANTES-ESTAGIÁRIOS/AS
A análise das duas dimensões permitiu verificar os principais eixos estruturantes deste espaço topográfico, bem como identificar três perfis exploratórios de estudantes-estagiários/as (Figura 1).
Uma primeira dimensão, orientada segundo o eixo horizontal, estabelece uma diferenciação do impacto das reflexões escritas na PES (ter ou não ter) e a justificação para esse impacto e uma segunda dimensão, correspondente ao eixo vertical, é estruturada segundo diferenciados perfis de subsistema de ensino superior que os/as estudantes frequentam e os modelos pedagógicos adotados na PES.
Uma observação preliminar permite realçar que é no quadrante superior esquerdo (quadrante 2) que as reflexões escritas têm impacto na PES e que se localizam as categorias reveladoras de maior informação relativamente às variáveis em análise.
Identifica-se, assim, no quadrante inferior direito, um primeiro perfil (quadrante 4), que informa de maneira sintética a associação entre a adoção do modelo pedagógico em função do contexto e a proximidade da categoria relativa ao ensino universitário.
No quadrante superior esquerdo, observa-se outra configuração que associa um segundo perfil integrado por estudantes que afirmaram que as reflexões escritas têm impacto na PES e se configuram como um mecanismo de regulação/avaliação da ação ou como um processo de introspeção. Os/as estudantes parecem privilegiar as componentes de formação de Educacional Geral-Área da Docência e de Educacional Geral e, quanto aos modelos pedagógicos, destacam-se o MEM e o HighScope. Regista-se ainda, neste perfil, a frequência do politécnico público.
O perfil 3, por oposição ao anterior, é marcado pelo facto de as reflexões não terem impacto na PES e por privilegiar as Didáticas Específicas. É ainda possível destacar uma associação entre as referidas Didáticas Específicas, o modelo pedagógico do MEM e estudantes que não sabem ou não responderam à questão.
A Figura 2 permite confirmar que a variável curso (variável suplementar) é diferenciadora na definição dos perfis. As categorias estão dispostas de forma diferenciada pelos vários quadrantes. São os/as estudantes do MEPE e do 2º CEB que se concentram mais no perfil 2, ou seja, são aqueles que reconhecem que as reflexões escritas sobre a PES têm impacto na sua prática. Esse perfil 2 é constituído por estudantes que frequentam o politécnico público e privilegiam o MEM e o HighScope como modelos pedagógicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS OU UMA LENTIDÃO QUE SE EXIGE NA PES
Não deixando de assinalar a importância simbólica e substantiva que a PES ocupa nos cursos de formação de educadores/as e/ou professores/as, ouvir os/as estudantes possibilitou mapear um conjunto de significações e valores que poderão potenciar uma discussão mais ampla e uma avaliação sobre a formação destes/as futuros/as profissionais pós-Bolonha. Trata-se de uma tentativa de “pôr ordem na complexidade da realidade” (DEMAZIÈRE, 2013, p. 333).
A formação de educadores/as e professores/as parece, no atual modelo, ter sido estruturada em torno de um modelo aditivo, em que se privilegia a temporalidade mais ou menos curta em relação à PES, que, para além de intensificar os ritmos de trabalho, da “performance pedagógica” dos/as estudantes e dos/as docentes de ensino superior, impõe uma espécie de inversão epistemológica e educativa, pouco congruente com os processos e as dimensões que a investigação neste campo defende, ou seja, um outro tempo e outras relações com o saber.
Os resultados parecem revelar realidades que não deixam de ser surpreendentes, ainda que captadas de forma aparentemente passageira e feita uma análise cautelosa. Tratando-se, de acordo com o pesquisado, do primeiro estudo desta natureza em Portugal, ousamos refletir sobre os dados recolhidos.
Parece que se mantêm os mesmos problemas, talvez agravados por imposição de modelos de formação (tempos, componentes e estruturas) que aparentam ter efeitos cristalizadores em face de alguns problemas apontados para a formação de educadores/as e professores/as.
Quando se posicionam em relação à PES, os/as 115 estudantes-estagiários/as assumem esta experiência como um lugar importante no seu percurso formativo, manifestando consciência de que a profissão só se aprende na prática e numa relação dialógica com a reflexão sobre e na profissão.
Nesse campo da reflexão sobre e na profissão, a maioria afirmou fazer reflexões escritas durante o período da PES (74,8%) e, daqueles/as que as realizam, 89,6% dos/as estudantes-estagiários/as reconhecem que estas têm impacto na sua ação pedagógica. Apenas 10,4% afirmaram o contrário. Não obstante, é um valor que deve preocupar quem está implicado na formação desses/as profissionais, na medida em que se sabe que esse fator é um aliado de peso na formação da identidade profissional do/a educador/a e professor/a.
Um olhar adentro de outras variáveis permitiu encontrar algumas perplexidades e tensões, como a referência a modelos pedagógicos híbridos, inexistentes e/ou desconsiderados, e a eterna centralidade do par Psicologia e Pedagogia como as áreas científicas mais vezes referenciadas, ora pela valorização de autores clássicos da Psicologia, como Vygotsky e Piaget, ora pela maior expressão de autores/as nacionais. Este olhar analítico permite verificar a pouca atualizada bibliografia e diversificação de autores/as considerados/as neste percurso formativo. Não se pretende a desvalorização dos autores clássicos, nem das áreas científicas privilegiadas, estranha-se a ausência de opções bibliográficas que, pela sua própria natureza mais diversificada, traria uma reflexão mais rica, ampla e crítica do processo formativo de se construir a profissão.
Ainda assim, é possível concluir que os dados parecem apontar para o reconhecimento da importância da mobilização teórica no momento das reflexões escritas, realizadas em período de estágio.
No que diz respeito aos perfis exploratórios de práticas dos/as estudantes através de uma ACM, com projeção suplementar da variável curso, os resultados evidenciam três perfis distintos: dois deles diferenciados pelo impacto e a justificação das reflexões, pelo subsistema de ensino superior, natureza jurídica do subsistema e modelos pedagógicos; e um terceiro grupo diferenciado pelo modelo pedagógico adotado e o subsistema frequentado.
O primeiro perfil, marcado pela associação entre a adoção do modelo pedagógico em função do contexto e a proximidade da categoria relativa ao ensino universitário, é indício da volatilidade vivida nos dias de hoje. Parece indiferente que a profissão se construa assente em orientações pouco estruturadas.
O segundo perfil opõe-se ao primeiro, em particular na adoção clara de modelos pedagógicos - MEM e HighScope - e na frequência do ensino politécnico público. Sobressaem, ainda, o impacto que as reflexões escritas têm na PES e a assunção de que se configuram como um mecanismo de regulação/avaliação da ação ou como um processo de introspeção, necessários à consolidação da prática pedagógica desses/as estagiários/as. A Educacional Geral-Área da Docência e Educacional Geral são as componentes de formação privilegiadas.
O terceiro perfil é marcado pela ausência de impacto das reflexões na PES, destacando-se uma associação entre Didáticas Específicas, o modelo pedagógico do MEM e estudantes que não sabem ou não responderam à questão. Este perfil não deixa de revelar uma contradição evidente quando se confrontam a opção pelo modelo pedagógico do MEM e a desvalorização do impacto da reflexão escrita na PES, na medida em que este modelo pedagógico privilegia a abordagem reflexiva como elemento constitutivo e fundamental na formação do/a profissional de educação. É um perfil exploratório que não deixa de levantar questões relativamente à consistência da formação que é vivida. Será que o ritmo em que esta ocorre permite tomar consciência de todos os aspetos essenciais à apropriação do modelo pedagógico do MEM?
Em suma, o pluralismo interno que nos é dado pelos três perfis exploratórios parece tornar possível o registo de um período em que a própria PES, em particular, e a formação docente, em geral, se caracterizam pela sua constante instabilidade e incerteza. A refundação da formação de educadores/as e professores/as exige que se continue a investigar sobre a temática. Para que tenha alguma eficácia, a investigação terá que se ampliar, tanto no tamanho da amostra como na integração de outros atores educativos.