O presente trabalho tem por objetivo traçar um panorama das ações afirmativas instituídas na pós-graduação de universidades públicas, entre janeiro de 2002 e janeiro de 2018, identificando as características gerais das políticas, tais como modalidades adotadas, forma de instituição, principais beneficiários e perfil dos programas. Por se tratar de políticas recentes e pouco discutidas pela literatura acadêmica, é fundamental examinarmos seus principais aspectos procedimentais e desenho institucional.
O estudo do processo de criação de ações afirmativas por cursos de pós-graduação apresenta diversas dificuldades práticas, entre as quais se destacam a grande quantidade de programas acadêmicos reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (2.763 programas) e o fato de que cada um deles estabelece normas e critérios próprios para a seleção de seus estudantes. Assim, diferentemente do que ocorre em pesquisas sobre cursos de graduação, para os quais cada universidade divulga anualmente um edital único com as regras do processo seletivo válidas para todos os seus cursos, na pós-graduação cada programa é responsável por publicar seus editais de seleção, cuja periodicidade e data de publicação são bastante variáveis.1 A graduação ainda conta com a normatização da Lei de Cotas2 nas universidades federais e do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), que contribuem para a homogeneização de critérios que regulam procedimentos e elegibilidade de beneficiários, algo que não se observa na pós-graduação.3
Para analisar a criação das ações afirmativas na pós-graduação, realizou-se um levantamento de todos os editais de seleção dos 2.763 programas de pós-graduação acadêmicos4 publicados de 1º de janeiro de 2002 até 31 de janeiro de 2018.
Algumas políticas decorreram de decisões dos próprios programas, enquanto outras foram criadas por determinação de leis estaduais. Mas a difusão significativa e crescente desse tipo de política nos últimos quatro anos decorre principalmente do fato de que muitas universidades aprovaram resoluções em seus conselhos universitários, determinando que todos os programas de pós-graduação criassem ações afirmativas em seus processos de seleção.
Tendo em vista a existência de 4.175 programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil credenciados pela Capes, primeiramente foi necessário definir o recorte da pesquisa. Restringimos o universo aos programas de pós-graduação acadêmicos (mestrado e doutorado), os quais representam 83,2% do total de programas do país. Em seguida, optamos por analisar apenas os programas acadêmicos de universidades públicas, uma vez que estas “constituem o principal suporte institucional para a pesquisa e para a formação de pesquisadores” (DURHAM, 1998, p. 1) e são sede da maior parte dos programas. Por fim, limitamos a análise aos programas credenciados e recomendados pela Capes na última avaliação quadrienal, que são aqueles com notas de 3 a 7.5 Os critérios definidos permitiram a análise de dados representativos de 2.763 programas de pós-graduação, que correspondem a 79,6% de todos os programas acadêmicos e a 66,2% de todos os programas do país. Essa seleção possibilita examinar não somente uma parcela muito significativa da pós-graduação brasileira, mas também as instituições que concentram a maior parte da pesquisa e ensino acadêmico de qualidade no país.
A partir da lista de programas com notas de 3 a 7 de universidades públicas na avaliação quadrienal da Capes, divulgada em 19 de setembro de 2017, buscamos os editais de seleção nos sítios eletrônicos de cada programa. É importante destacar que, nos casos de programas para os quais não se localizaram editais na internet,6 foram realizados contatos por e-mail ou telefone. Aqueles que, mesmo assim, não responderam à nossa consulta foram codificados como não tendo ação afirmativa. Por fim, foram analisados todos os editais e separados e codificados aqueles que continham ações afirmativas quanto às seguintes características: universidade; nome do programa; código do programa conforme dados da Capes; área do conhecimento; modalidade de ação afirmativa; beneficiários; tipo de instituição pública (federal, estadual ou municipal); nota da Capes; estado (UF); e região. As variáveis escolhidas têm por objetivo estabelecer os principais beneficiários das políticas, o tipo de norma regulamentadora e o perfil acadêmico e regional das instituições.
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA PÓS-GRADUAÇÃO
Em 1999, a primeira parte da proposta de cotas apresentada à Universidade de Brasília (UnB) já mencionava que, para estudantes negros, a pós-graduação era de mais difícil acesso do que a graduação, apresentando dados sobre o baixo número de docentes negros em universidades públicas, como a Universidade de São Paulo (USP) e a própria UnB. Nota-se, portanto, que desde o final da década de 1990 já havia um debate, ainda que incipiente, a respeito da inclusão no acesso à pós-graduação.
A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) foi a primeira instituição de ensino superior pública a estabelecer, em 2002, uma política de ação afirmativa voltada para a entrada de negros e indígenas em cursos de pós-graduação (CARVALHO, 2006). Tal episódio é bastante significativo, pois naquele mesmo ano a Uneb e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) tornaram-se as primeiras universidades no país a adotar ações afirmativas de recorte racial para o acesso à graduação, o que reforça a hipótese de que as medidas para a pós-graduação nasceram ao mesmo tempo que aquelas voltadas à graduação, ainda que seu desenvolvimento tenha se dado de forma diferente em termos de ingresso na agenda governamental e difusão pelas instituições do país.
A criação de ações afirmativas em cursos de pós-graduação foi incentivada pela Fundação Carlos Chagas (FCC) e pela Fundação Ford (FF) por meio de duas iniciativas: o Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, também conhecido como International Fellowship Program (IFP), criado em 2001; e o Programa de Dotações para Mestrado em Direitos Humanos no Brasil, criado em 2003. Ambos são considerados as primeiras iniciativas de inclusão de candidatos pertencentes a grupos sub-representados na pós-graduação (ROSEMBERG, 2013; SANTOS, 2010; UNBEHAUM; LEÃO; CARVALHO, 2014).
No entanto, foi somente a partir de 2012 que começaram a surgir mais propostas de ações afirmativas para ingresso nesse nível educacional. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se tornou referência no debate sobre ações afirmativas para pós-graduação ao começar a discutir uma política em 2007 e aprová-la em 2012 (VENTURINI, 2017). Vale destacar ainda que, até o momento, há apenas um estado com leis que tornam obrigatório o sistema de cotas para ingresso nos cursos de pós-graduação de suas universidades estaduais,7 o Rio de Janeiro.8
Em 2015, quando se iniciou a presente pesquisa, eram poucos os programas que possuíam algum tipo de ação afirmativa. Porém, os dados coletados até janeiro de 2018 indicam um total de 737 programas de pós-graduação acadêmicos com algum tipo de ação afirmativa,9 o que representa 26,4% de todos os programas. Isto é, em quatro anos, houve um crescimento vertiginoso dessas iniciativas. Algumas políticas decorreram de decisões dos próprios programas, enquanto outras foram criadas por determinação de leis estaduais ou de resoluções do Conselho Universitário válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade.
A difusão crescente desse tipo de política decorre, principalmente, do fato de que muitas universidades aprovaram resoluções em seus conselhos universitários, determinando assim que todos os programas de pós-graduação criassem ações afirmativas em seus processos de seleção.
Os dados do Gráfico 1 indicam que, entre 2015 e 2018, o número de políticas decorrentes de resoluções das universidades quintuplicou. Em 2015, havia apenas três universidades com resolução sobre ação afirmativa na pós-graduação: a Uneb (aprovada em 2002), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal do Piauí (UFPI) (ambas de 2015). Em 2016, outras duas universidades aprovaram resolução (Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Federal do Amazonas (Ufam)) e, em 2017, mais 14 o fizeram. No que se refere às políticas adotadas por decisão dos próprios programas, nota-se que tais iniciativas aumentaram de 45, em 2017, para 134, em janeiro de 2018. A concentração dessas ações em 2017 aponta para o papel indutor da Portaria Normativa MEC n. 13 (BRASIL, 2016), a qual determinou que todas as instituições federais de ensino superior deveriam enviar propostas de inclusão de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação.
MODALIDADES
Um dos principais pontos de discussão acerca das ações afirmativas é a denominação das políticas como “cotas”. Essa modalidade de programa, também conhecida como sistema de reserva de vagas, corresponde à destinação de uma parcela das vagas a estudantes pertencentes a certos grupos sociais e/ou étnico-raciais. Todavia, nem todos os programas de pós-graduação adotam cotas.
Entre os 737 programas de pós-graduação com políticas afirmativas analisados, 63,9% aplicam exclusivamente o sistema de cotas, no qual um percentual das vagas disponíveis é reservado para determinados grupos, como nos exemplos a seguir.
DAS VAGAS
Serão ofertadas 08 vagas, sendo 01 vaga ofertada a portadores de necessidades especiais a serem preenchidas de acordo com os critérios de aprovação. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ - UEPA, 2017)
Das Cotas PPI
25% das vagas ofertadas serão reservadas para candidatos Pretos, Pardos e Indígenas (cotas PPI), de acordo com a ordem de classificação dos candidatos que declararem interesse em concorrer a tais vagas. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - UFES, 2017)
Das vagas
Estão abertas 18 (dezoito) vagas para o Mestrado em Comunicação. 6 (quatro) destas vagas estão reservadas para cota étnico-racial (negros, pardos e índios). Caso não sejam preenchidas, as vagas desta reserva serão destinadas aos demais candidatos. (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF, 2017)
DO NÚMERO DE VAGAS
2.1 Número de vagas para candidatos residentes no país (ver no Anexo 6 o número de vagas por Linha de Pesquisa):
2.1.1 Doutorado: 16 (dezesseis) vagas;
2.1.2 Mestrado Acadêmico: 28 (vinte e oito) vagas.
2.2 Vagas específicas para candidatos com residência permanente no exterior:
2.2.1 Doutorado: 2 (duas);
2.2.2 Mestrado Acadêmico: 2 (duas).
2.3. Em conformidade com deliberação aprovada em reunião do dia 14 de outubro de 2016 pelo PPGHIS-UnB de instituir uma política de Ação Afirmativa, 20% das vagas serão destinadas aos(às) candidatos(as) negros(as) aprovados(as) que optarem concorrer pela política de Ação Afirmativa.
2.3.1. Do total das vagas descritas nos itens 2.1 e 2.2 serão destinadas 4 (quatro) vagas do Doutorado e 6 (seis) vagas do Mestrado Acadêmico para candidatos(as) autodeclarados(as) negros(as), que optarem concorrer pela política de ação afirmativa do PPGHIS-UnB, segundo as definições apresentadas no item 3.10. (UNB, 2017a)
Além dessa modalidade de cota, outros programas optaram por criar vagas suplementares, as quais são reservadas para candidatos que preenchem os requisitos exigidos.10 Apesar de não receber a denominação de “cota”, trata-se também de uma modalidade de reserva de vagas; a única diferença é que o número de vagas de ampla concorrência permanece o mesmo, sendo, portanto, uma variante mais branda dessa modalidade de política. Nota-se, ainda, a adoção de formatos mistos, nos quais há cotas para determinados grupos e vagas suplementares destinadas a outro(s) grupo(s) de beneficiários.11
Ademais, na maioria dos programas, todos os candidatos, independentemente da reserva de vagas, são submetidos a um processo seletivo regulado por edital único com todas as regras e critérios de admissão. Outros programas, por sua vez, optaram por submeter os candidatos às vagas reservadas a processos seletivos separados e regulados por editais diferentes e com regras distintas da ampla concorrência.12
Por fim, foi identificado apenas um programa de pós-graduação que criou cotas para determinados grupos e também prevê bônus para esses candidatos em certas etapas do processo seletivo.13 Isso mostra que a modalidade bônus, adotada anteriormente na graduação, foi praticamente ignorada nas políticas da pós-graduação, não sem razão, visto que estudos apontam que os bônus proporcionam uma inclusão racial e social tímida em comparação às cotas (VENTURINI, 2015, 2016; VENTURINI; FERES JÚNIOR, 2018).
Assim, foi possível identificar seis modalidades de ação afirmativa nos programas de pós-graduação:
cota - cotas para determinados grupos;
cota + vagas suplementares reservadas - cotas para um determinado grupo e vagas adicionais destinadas exclusivamente a outro(s) grupo(s) de beneficiários, todos submetidos a processo seletivo regulado por edital único;
cota + vagas suplementares reservadas (com processo seletivo separado) - cotas para um determinado grupo e vagas adicionais destinadas exclusivamente a outro(s) grupo(s) de beneficiários, os quais são submetidos a um processo seletivo separado e com regras distintas;
cota + vagas suplementares reservadas (com processo seletivo separado) - vagas adicionais destinadas exclusivamente para pessoas pertencentes a determinados grupos e todos os candidatos são submetidos a processo seletivo regulado por edital único;
vagas suplementares reservadas (com processo seletivo separado) - apenas vagas adicionais destinadas exclusivamente a determinados grupos, os quais são submetidos a processos seletivos separados e com regras distintas;
cota + bônus - cotas para determinados grupos e bônus em etapas do processo seletivo.
BENEFICIÁRIOS
Nas ações afirmativas para cursos de graduação, os principais beneficiários são alunos egressos da rede pública de ensinos médio e fundamental, seguidos de candidatos de baixa renda e grupos étnico-raciais (pretos, pardos e indígenas), especialmente nas universidades federais, em razão da Lei n. 12.711 (BRASIL, 2012).14
Essa situação não se verifica nos programas de ação afirmativa da pós-graduação, nos quais estudantes pretos são os principais beneficiários, sendo alvo de 687 iniciativas, o que corresponde a 92% das políticas analisadas. Foram identificados editais nos quais apenas candidatos autodeclarados pretos podem solicitar a participação via ação afirmativa,15 não havendo benefício para pardos. Trata-se de casos excepcionais, uma vez que na maioria dos programas que têm benefício étnico-racial há referência expressa a pretos e pardos (682 iniciativas). Outros grupos bastante beneficiados pelas ações afirmativas são os indígenas (675 iniciativas) e as pessoas com deficiência (583 iniciativas). Em menor proporção, há também políticas em favor de estudantes de baixa condição socioeconômica,16 quilombolas,17 pessoas transexuais e travestis18 e portadores de visto humanitário (refugiados),19 conforme mostra o Gráfico 3.
Nota-se, portanto, que os principais alvos das políticas para pós-graduação são os estudantes pretos, pardos e indígenas, o que demonstra uma mudança em relação à graduação, na qual as cotas sociais foram por muito tempo maioria (FERES JÚNIOR; DAFLON; CAMPOS, 2011). A UFG, por exemplo, foi a segunda instituição de ensino superior a aprovar uma resolução determinando que todos os programas deveriam criar políticas de reserva de vagas. A primeira iniciativa para adoção de cotas étnico-raciais nessa universidade partiu do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, que criou seu próprio programa em agosto de 2014. Um ano depois o Conselho Universitário (Consuni) dessa instituição ampliou a medida para toda a universidade (DINIZ FILHO et al., 2016).20 A respeito da escolha do critério étnico-racial na UFG, os participantes do grupo que elaborou a resolução descrevem que:
Àquela circunstância, não havia na UFG um marco legal acerca do tema, não no sentido exato em que propunha do Edital do PPGAS. Do relatado anteriormente, conclui-se que a política de ações afirmativas integrava de maneira consistente a prática institucional na UFG há algum tempo. Ainda assim, duas eram as novidades instadas pelo Edital: a adoção de uma política afirmativa no âmbito da Pós-Graduação stricto sensu e a utilização do critério étnico-racial, desvinculado de outros marcadores sociais, a exemplo do nível de renda. (DINIZ FILHO et al., 2016)
Tal preferência por políticas étnico-raciais fica clara não apenas pela prevalência desses grupos entre os beneficiários, mas também pelas justificativas apresentadas pelos programas para a criação de ações afirmativas, visto que muitos utilizaram argumentos relacionados às desigualdades raciais existentes no Brasil, à baixa representatividade desses grupos nos cursos de pós-graduação, bem como à importância da diversidade étnica e cultural do corpo discente. Ademais, essa preferência pode demonstrar uma maior aceitação de ações afirmativas raciais, além de um reconhecimento por parte de alguns programas de pós-graduação de que o Brasil não é uma “democracia racial” (GUIMARÃES, 2012), isto é, de que há barreiras para que as pessoas pretas e pardas alcancem postos de prestígio na estrutura social.
Em alguns casos, o benefício para grupos étnico-raciais vem vinculado à cláusula de carência socioeconômica, como na política instituída pela Lei Estadual n. 6.914 (RIO DE JANEIRO, 2014), que regula todas as universidades estaduais do Rio de Janeiro. Nos termos da lei, no máximo 30% do total de vagas existentes nos cursos de pós-graduação deverão ser reservadas e distribuídas aos estudantes carentes de acordo com os seguintes critérios: 12% para estudantes graduados negros e indígenas; 12% para graduados da rede pública e privada de ensino superior; e 6% para pessoas com deficiência, filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária mortos ou incapacitados em razão do serviço. Contudo, a hipossuficiência econômica é precondição para que os candidatos sejam beneficiados pelas cotas, isto é, estudantes negros e indígenas apenas poderão ser beneficiados caso comprovem a situação de carência econômica. Segundo o manual elaborado pela Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UERJ,21 serão considerados carentes e poderão concorrer às vagas reservadas os estudantes que tiverem renda familiar per capita mensal bruta igual ou inferior a R$ 1.086,00.22 Chama atenção o fato de a UERJ incluir no cálculo da renda familiar per capita não apenas salários, aposentadorias e participação em lucros de empresas, mas também os valores de bolsas de estudos recebidos pelos candidatos, de forma que estudantes de iniciação científica e mestrado que possuam bolsa de estudos poderão não ser considerados carentes e aptos a ingressarem via cotas em processos seletivos para o doutorado naquela universidade.
Outro aspecto que chama atenção é o fato de que as medidas voltadas para a pós-graduação têm incluído, entre os beneficiários, grupos que não haviam sido alvo de políticas para o ingresso em cursos de graduação, tais como as pessoas transexuais, travestis e refugiados. A UFBA aprovou, no início de 2017, uma política afirmativa para todos os seus programas de pós-graduação e tornou-se uma das primeiras universidades a se preocupar com a inserção de pessoas transgênero nesse nível educacional. Os programas de pós-graduação em História da UFRGS e em Artes Cênicas da UnB também possuem medidas em favor de pessoas trans.
FORMAS DE INSTITUIÇÃO E APROVAÇÃO DAS POLÍTICAS
A análise da forma de instauração das políticas afirmativas pelos programas de pós-graduação é relevante, pois permite identificar as instituições que criaram tais políticas por iniciativa própria e aquelas que foram forçadas a tanto. A origem da iniciativa indica se havia uma vontade real de transformação interna à instituição, bem como tem relação direta com o tipo de modificação institucional promovido pelos tomadores de decisão.
Os dados coletados possibilitaram identificar quatro formas de instituição e aprovação das políticas:
programas que criaram as ações afirmativas por iniciativa própria e decisão de seus colegiados;
programas que criaram as ações afirmativas por decisão de seus colegiados, mas por iniciativa de órgãos externos, tal como o edital da FF e FCC;
universidades e programas que criaram ações afirmativas em cumprimento a leis estaduais;
programas que criaram ações afirmativas em razão de resoluções do Conselho Universitário válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade.
Os dados coletados apontam que, até janeiro de 2018, apenas 18,3% dos programas criaram medidas por iniciativa própria,23 enquanto a grande maioria o fez em decorrência de resoluções dos conselhos universitários.
Dentre as políticas instituídas por iniciativa dos programas, também se destacam os casos em que um instituto composto por vários programas de pós-graduação aprovou a criação de ações afirmativas, mas cada programa teve autonomia para definir a modalidade a ser adotada, os beneficiários e os ajustes aos editais de seleção. Esse é o caso, por exemplo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, que aprovou o princípio das ações afirmativas em uma reunião do colegiado realizada em 11 de março de 2015 (SILVA, 2016), mas a especificação da política e sua execução ficou dentro da esfera de autonomia de cada programa de pós-graduação.25
Até a data de corte da presente pesquisa (janeiro de 2018), foram identificadas políticas de cotas na pós-graduação aprovadas pelos conselhos universitários de 19 universidades públicas:
Universidade do Estado da Bahia (Uneb)26
Universidade Federal de Goiás (UFG)27
Universidade Federal do Amazonas (Ufam)28
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)29
Universidade Federal da Bahia (UFBA)30
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)31
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)32
Universidade Federal do Tocantins (UFT)33
Universidade Federal de Pelotas (UFPel)34
Universidade Federal do Piauí (UFPI)35
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)36
Universidade Federal de Roraima (UFRR)37
Universidade Federal de Sergipe (UFS)38
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)39
Universidade Federal do Amapá (Unifap)40
Universidade Federal do Pampa (Unipampa)41
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)42
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)43
A UFG foi a segunda a aprovar uma resolução determinando que todos os seus programas de pós-graduação adotassem ações afirmativas, o que ocorreu mais de uma década após a aprovação do programa de cotas para a pós-graduação da Uneb. De acordo com artigo publicado por atores envolvidos no processo de formulação da política, a primeira iniciativa para adoção de cotas étnico-raciais na UFG partiu do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social em agosto de 2014 e, posteriormente, foi ampliada para toda a universidade e aprovada em 2015 (DINIZ FILHO et al., 2016).44
Apesar de não determinar a obrigatoriedade de políticas afirmativas nos cursos de pós-graduação, a Portaria Normativa n. 13 do Ministério da Educação (MEC) tem sido mencionada como um incentivo para a criação dessas medidas por diversos programas (BRASIL, 2016). É fato que o número de programas com reservas de vagas aumentou significativamente nos dois anos posteriores à sua promulgação.
É possível também que o relatório final do grupo de trabalho instituído pela Capes e pelo MEC em 2015, para debater o tema da inclusão na pós-graduação, tenha tido o efeito de induzir os programas a adotarem medidas, pois ele recomendou que a coordenação utilizasse critérios de inclusão de grupos vulneráveis na avaliação quadrienal da pós-graduação.
NOTA CAPES
Um dos principais aspectos do debate sobre a criação de ações afirmativas para ingresso em cursos de pós-graduação é a preocupação com a excelência acadêmica dos programas. Em universidades como USP e Unicamp, ao longo das discussões sobre a instituição dessas medidas, foram apresentadas objeções relacionadas a uma possível redução da qualidade e excelência dos programas em razão da criação das cotas (DE FIORI et al., 2017; SILVA, 2016).
Embora não seja possível dizer com certeza que a mudança de critérios nas admissões resultaria em uma redução da excelência, há preocupações com impactos na qualidade dos programas e consequente avaliação da Capes, devido a uma suposta necessidade de ampliação dos prazos de defesa das teses e dissertações, aproveitamento dos estudantes, impacto de suas publicações, entre outros (DE FIORI et al., 2017).
Diante disso, os programas mais bem avaliados poderiam apresentar maior resistência à criação de políticas de ação afirmativa em virtude da preocupação com sua qualidade e com a avaliação feita pela Capes. Estudo sobre o estado das políticas de ação afirmativa para a graduação antes da vigência da Lei Federal n. 12.711 (BRASIL, 2012) mostra que as universidades com melhor desempenho no Índice Geral de Cursos (IGC)45 eram as que menos inclusão promoviam (FERES JÚNIOR et al., 2013). Assim, é importante analisar se as políticas também estão sendo instituídas por programas de pós-graduação bem avaliados.
Para tal, cruzamos as políticas afirmativas com o conceito obtido pelos programas de pós-graduação na última avaliação quadrienal da Capes (Gráfico 5). A maioria dos programas que criaram ações afirmativas recebeu notas 3 (30%) e 4 (41%), enquanto apenas 11,5% das iniciativas foram instituídas por programas com notas 6 (7,6%) e 7 (3,9%), aqueles com o maior padrão de excelência segundo a Capes. Em outras palavras, a tendência de maior resistência a essas políticas por parte dos programas com melhores avaliações foi confirmada em nosso estudo.
A análise da distribuição dos programas em cada nota da Capes, segundo a existência ou não de ação afirmativa, mostra resultado bastante similar ao do gráfico anterior.46 Ou seja, totalizando as proporções por categoria (100%) controlamos para o número de programas em cada uma delas (Gráfico 6).
Na distribuição dos programas segundo as formas de instituição das políticas afirmativas em cada uma das notas da avaliação (Gráfico 7), é possível constatar que as maiores proporções de programas que criaram ações afirmativas por iniciativa própria encontram-se entre aqueles com notas mais altas. Isto é, 31,6% dos programas com nota 6 e 24,1% dos programas com nota 7 que criaram ações afirmativas o fizeram por iniciativa própria. De qualquer forma, os dados apontam que, em todas as notas, a maioria dos programas criou as medidas por determinação dos conselhos universitários ou leis estaduais.
PERFIL DAS UNIVERSIDADES
No que se refere ao perfil das universidades adotantes de ação afirmativa, nota-se a predominância das federais, com 85,9% das políticas identificadas, seguidas pelas universidades estaduais, com 14,1%. Não foram encontrados programas de universidades municipais com ação afirmativa.
Se analisada a distribuição dos programas em cada tipo de universidade pública, segundo a criação ou não de ações afirmativas (Gráfico 8), a predominância das universidades federais em relação às estaduais fica ainda mais clara, já que aquelas têm mais do que o dobro de programas com essas medidas. A maior adesão das universidades federais está diretamente ligada à edição da Portaria Normativa n. 13 (BRASIL, 2016) e ao fato de que diversas universidades aprovaram resoluções via decisões de seus conselhos universitários.
ÁREAS DO CONHECIMENTO
Estudos demonstram que, apesar de o acesso à universidade ter se democratizado e do aumento expressivo do número de pretos e pardos no ensino superior, isso não ocorreu de forma igual em todas as carreiras: áreas menos valorizadas pelo mercado de trabalho, tais como Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, incluíram mais do que as áreas duras (RIBEIRO; SCHLEGEL, 2015). Assim, examinamos a distribuição das políticas afirmativas para pós-graduação nas diversas áreas do conhecimento, segundo a definição da Capes: Ciências Exatas e da Terra,47 Ciências Biológicas,48 Engenharias,49 Ciências da Saúde,50 Ciências Agrárias,51 Ciências Sociais Aplicadas,52 Ciências Humanas,53 Linguística, Letras e Artes54 e a área Multidisciplinar.55
Dentre os 737 programas que criaram ações afirmativas no período analisado, verificamos que mais de 1/5 pertence à área de Ciências Humanas (Gráfico 9). Em seguida, aparecem as áreas Multidisciplinar, Ciências da Saúde e Ciências Sociais Aplicadas.
Ao analisarmos a proporção de programas de pós-graduação de cada área do conhecimento, segundo a existência ou não de ações afirmativas (Gráfico 10), independentemente da sua forma de instituição, nota-se que as áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas são as que têm maior número de programas com tais políticas. Já a área de Engenharias apresenta a menor proporção de programas com medidas afirmativas.
No tocante aos programas que instituíram ações afirmativas por iniciativa própria, desconsiderando assim aqueles que as criaram por determinação legal ou dos conselhos universitários (Gráfico 11), percebe-se que as áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas continuam sendo as campeãs (50% e 20,1%, respectivamente).
Na distribuição das formas de instituição das ações afirmativas dentro de cada área do conhecimento (Gráfico 12), é possível constatar que os programas de Engenharias apenas criaram essas medidas em decorrência de resoluções dos conselhos universitários (16,4%) e de leis estaduais (83,6%), isto é, nenhum programa dessa área criou ações afirmativas por iniciativa própria. Eles só o fizeram quando obrigados por suas universidades ou por lei. Isso deve-se, provavelmente, a uma cultura de conservadorismo meritocrático presente nas Engenharias que redunda em maior resistência à mudança de processos seletivos e à criação de políticas afirmativas.
Na área de Ciências Humanas, por sua vez, 52% das políticas afirmativas foram criadas em cumprimento a resoluções de conselhos universitários, 39,2% por iniciativa própria e 8,8% em decorrência de lei estadual. Isto é, essa área apresenta as maiores proporções de medidas criadas autonomamente, seja na distribuição dos programas com essa forma de instituição (50%), seja apenas dentro da sua área (39,2%). A predominância das áreas de humanidades (Humanas e Sociais Aplicadas) parece ter relação com seus objetos de estudo e com a proximidade de questões ligadas a grupos vulneráveis, tais como estratificação social, estudo de línguas indígenas, distribuição dos grupos na cidade, índices de violência e vulnerabilidade, entre outros.
DISTRIBUIÇÃO REGIONAL
No tocante à distribuição das políticas pelo território nacional, se analisarmos apenas os 737 programas que criaram ações afirmativas, as regiões Sudeste e Nordeste apresentam as maiores proporções de iniciativas, o que está relacionado ao fato de que mais de 60% das universidades com resolução sobre o tema se encontram nessas regiões. O Sul tem a menor proporção, com apenas 8,3% das ações afirmativas objeto do levantamento.
Já quando controlamos para o total de programas, a região Norte aparece como aquela com a maior proporção de programas com ações afirmativas (52,8%), seguida pelo Centro-Oeste (39,5%). O Sul apresenta a menor proporção de iniciativas, com apenas 11,4% dos programas com ações afirmativas. Vale destacar que o Sudeste - maior região em número de programas de pós-graduação - tem o dobro (23,7%) da proporção do Sul e metade da do Norte.
Se considerarmos apenas os programas que instituíram ações afirmativas por iniciativa própria, desconsiderando assim aqueles que as criaram por determinação legal ou dos conselhos universitários, a região Sudeste também concentra a maior proporção de iniciativas (37,3%), dado diametralmente oposto ao que ocorreu com as cotas na graduação até pelo menos 2012, pois o Sudeste foi então a região mais resistiva (FERES JÚNIOR; DAFLON; CAMPOS, 2011).
Na distribuição das iniciativas pelos estados da Federação, há aqueles em que todos os programas de pós-graduação adotaram ações afirmativas, como é o caso do Acre, Amapá, Sergipe e Tocantins. Todavia, Acre e Amapá são estados com um baixíssimo número de programas - 9 e 4, respectivamente.
Por outro lado, no Maranhão, nenhum programa possui esse tipo de política. Em seguida, os estados com a maior proporção de programas com ações afirmativas são Amazonas (81,1%), Goiás (86,8%), Piauí (94,1%) e Roraima (75%).
Já em termos numéricos, os estados com maior número de políticas são Minas Gerais (151 programas), Bahia (77) e Rio de Janeiro (100). Já os com menor número são Pernambuco (dois programas) e Santa Catarina (três).
O estado de São Paulo concentra um dos maiores números de políticas afirmativas criadas pelos próprios programas de pós-graduação na região Sudeste, com 20 iniciativas no total, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro, com 22 iniciativas.
Paradoxalmente, São Paulo foi até hoje o estado que mais resistiu à implantação de cotas raciais na graduação, haja vista a ineficiência dos programas de bônus implantados por Unicamp (VENTURINI, 2016; VENTURINI; FERES JÚNIOR, 2018) e USP (VENTURINI, 2015), ou o enorme atraso com que Unesp, Unicamp e USP as adotaram. Ademais, quando examinamos a proporção de programas com políticas afirmativas, como no Mapa 1, constatamos que São Paulo apresenta de fato porcentagem diminuta (3,6%), similar às dos estados do Paraná (3,2%) e de Santa Catarina (3,2%).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho buscou apresentar um panorama das ações afirmativas criadas em cursos de pós-graduação no período de 2002 até o início de 2018. Em linhas gerais, é possível observar que, em um universo de 2.763 programas de pós-graduação acadêmicos (mestrado e doutorado) de universidades públicas, mais de um quarto (26,4%) já tinha algum tipo de ação afirmativa em janeiro de 2018. Os dados coletados apontam para uma difusão significativa desse tipo de política nos últimos quatro anos, especialmente em razão da aprovação de resoluções pelos órgãos superiores de universidades, determinando a criação dessas medidas por todos os programas de pós-graduação. A difusão dessas políticas a partir de 2017 e a predominância das universidades federais apontam para o papel indutor da Portaria Normativa MEC n. 13 (BRASIL, 2016) e de sua interpretação como obrigatória por programas e universidades.
Em linhas gerais, é possível observar que há grande variação no formato das políticas adotadas pelos programas de pós-graduação, especialmente em relação aos critérios adotados nas seleções, às modalidades e aos grupos sociais beneficiados.
Predomina a modalidade de reserva de vagas, seja na ampla concorrência ou em vagas suplementares, enquanto a modalidade bônus, adotada anteriormente na graduação, foi ignorada nas políticas da pós-graduação. Há ainda modalidades mistas e a divisão dos processos seletivos em editais diferentes para determinados grupos-alvo.
Diferentemente dos cursos de graduação, nos quais os principais beneficiários são alunos egressos da rede pública de ensino, nas políticas para a pós-graduação prevalecem os beneficiários pretos, pardos, indígenas e com deficiência, além de haver a inclusão de novos grupos, tais como pessoas transexuais e travestis e portadores de visto humanitário (refugiados).
No que se refere à forma de instituição das políticas, a pesquisa identificou 19 universidades públicas que aprovaram resoluções em seus conselhos universitários determinando que todos os programas de pós-graduação devem adotar ações afirmativas. Apenas 18,3% dos programas criaram medidas por iniciativa própria e somente um estado da Federação passou lei estadual regulamentando as medidas (Rio de Janeiro).
Em razão das preocupações com impactos na qualidade dos programas e consequente avaliação da Capes, os programas mais bem avaliados poderiam ser mais resistentes à criação dessas políticas. No entanto, os dados indicam que há programas com notas 6 e 7 instituindo ações afirmativas, o que pode ser usado como argumento nas discussões de programas que ainda estão em fase de análise e aprovação dessas medidas. As áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas são as que possuem maior número de programas de pós-graduação com ações afirmativas. Os dados apontam para uma maior resistência de programas de áreas mais duras, especialmente as Engenharias, as quais apenas criaram esse tipo de política por determinação de lei estadual ou de resolução da universidade.
Por fim, a região Sudeste se destaca na distribuição regional dos programas com ações afirmativas, especialmente daqueles que criaram medidas por iniciativa própria. As proporções da região Sudeste são significativas, uma vez que o estado de São Paulo foi por muitos anos resistente à implantação de cotas raciais. Ademais, é interessante notar que há um estado - o Maranhão - no qual nenhum programa instituiu até agora esse tipo de política.
O crescimento bastante expressivo e rápido das ações afirmativas na pós-graduação é, pelo menos em parte, consequência do sucesso das políticas de ação afirmativa na graduação, criadas a partir de 2003, ou seja, praticamente dez anos antes - em que pese a extemporaneidade da iniciativa da UnB. Certamente essas duas ondas de iniciativas de inclusão são produto de um reconhecimento maior, por parte das instituições de ensino superior brasileiras, do problema da reprodução da desigualdade social via acesso ao ensino superior. Isto é, até a criação de políticas de ação afirmativa, a educação superior pública brasileira servia prioritariamente à classe média branca. Essa segregação social e racial era particularmente aguda nos cursos mais concorridos. A política de cotas transformou o perfil da educação superior, promovendo intensa inclusão social e racial (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR; FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS ESTUDANTIS, 2019). É claro que, como mostramos, algumas áreas da educação superior, como as Engenharias, são bastante avessas a políticas dessa natureza, mas mesmo elas são muitas vezes forçadas a adotá-las por normativas superiores advindas das universidades ou mesmo de leis estaduais ou federais.
Não foram somente as universidades públicas que se abriram para a inclusão. Como os dados de nosso estudo mostram, os legislativos estaduais vêm desempenhando papel importante na criação dessas iniciativas de inclusão, sendo cruciais para o advento da ação afirmativa na graduação e também têm tido seu papel nas iniciativas para a pós-graduação. Em outras palavras, o reconhecimento do problema e a disposição para experimentar soluções vão além dos muros da universidade e penetram o sistema político. Resta saber se, com a onda conservadora que varreu o país nas últimas eleições, quando forças políticas historicamente avessas à inclusão venceram a presidência e vários governos estaduais e conquistaram maioria nas duas casas legislativas federais, essa tendência de aumento da inclusão no ensino superior brasileiro vai persistir.