Como Manoel de Barros, este texto trata da visão comungante de ser velho pensado pela criança, verso de infâncias e envelhecidos, o que é um grande desafio para alguém que vem investigando crianças há tanto tempo. Como escrever sobre envelhecimento, se ainda não consegui me desligar das infâncias e logo quando estou chegando a minha velhice. Como tratar de crianças e velhos desprezíveis para tantos, desprezados por muitos. Obrar na escrita deste texto que faz emergir o que dizem as crianças pesquisadas sobre velhos, desprezando ideias impostas pela modernidade em que elas estão por aqui para serem dirigidas, ensinadas, faladas, ordenadas e nem sempre ouvidas, terem voz ou serem chamadas à conversa. Ou de velhos que precisam ser cuidados, nem sempre ouvidos e, muitas vezes, retirados das conversas. Tais controvérsias me lembram das deambulações de Silva (2011):
As próprias imagens pré-sociológicas (James, Jenks e Prout, 1988) que nos ficam da infância e das crianças são de uma imensa controvérsia e contradição, tanto nos falando de um ser mau (Hobes), quanto inocente (Rousseau), como imanente (Locke), de desenvolvimento natural (Piaget), porém libidinoso, impulsivo e agressivo (Freud) (Silva, 2011, p. 92).
Andar por essa linha feiticeira que trata de tantas controvérsias e contradições me parece não ser um privilégio quando se trata de crianças, mas que se impõe, também, quando se fala sobre envelhecimento. Ainda se faz um desafio maior em obrar sobre o tema, sobre como as crianças pensam o ser velho em brincadeiras com boneco-corpo-de-velho. Para tentar dar conta do pesquisar com crianças sobre envelhecimento, remeto-me ao título deste texto quando chamo para a conversa crianças de seis e sete anos, sobre o que era para elas ser velho, ter um corpo de velho a partir de brincadeiras com bonecos1. Tentei pensar seu pensamento quando se trata de pensar a velhice, o envelhecimento dos idosos que com eles conviviam ou de que tinham notícias. Levei para o trabalho de investigação cinco bonecos que representavam corpos-velhos, de avós homens e mulheres. Procurei observar a brincadeira das crianças e como colocavam em ação tal tema. Fiz uso de autores como Ramos (2011), Dornelles (2007) Ramos (2013), Doll e Karl (2006), Ramos (2009), Silva (2011), Prout (2010), dentre outros. Tais leituras me levaram a investir nas minúcias que envolvem uma pesquisa que fizesse uso de bonecos-corpos-de-velhos e de como eles não são simplesmente um brinquedo, mas são instrumentos que apresentam marcas corporais da cultura de um tempo, em uma determinada sociedade. Também no corpo dos bonecos, podem-se observar os efeitos do investimento feito em seus corpos para que entrassem nas brincadeiras das crianças, o efeito que produz o brincar com corpos-velhos com crianças e o quanto esse tipo de corpo não compõe o cotidiano dos seus brinquedos. Atento para o fato de que as crianças não têm tido oportunidade de manipular, jogar, brincar com corpos que estejam além do corpo-Barbie. Estudar como as crianças pensam sobre o envelhecimento e a constituição do corpo-velho ajudou a entender o efeito de se ter e pensar apenas sobre um corpo-certo (o jovem, sem rugas, magro e branco).
A primeira ação das crianças, ao pegarem os bonecos-velhos, foi a de brincarem de faz de conta, de convidar os outros bonecos para tomarem um chá. Essa ação em si já nos mostra de que lugar as crianças pensam o ser velho. Não convidavam os outros para tomarem um refrigerante, uma cerveja, um vinho, mas, chá.
Já afirmei em outro lugar que os bonecos/as e toda a publicidade que gira em torno destes precisam ser cada vez mais tomados como um bloco tático de uma estratégia mais ampla de produção de verdades sobre o ser criança, o ser velho como no caso deste trabalho. Como as crianças pensam sobre o ser idoso hoje, sobre o mundo dos adultos que a cercam. Essa estratégia comporta outros blocos táticos em sua luta para tornar hegemônica a forma de subjetividade assim produzida (Dornelles, 2007). O corpo representado em cada boneco ou boneca é também o meio através do qual se age sobre o mundo. Neste incidem determinadas práticas discursivas, e essas práticas produzem um corpo envelhecido, marcado pela história. A história para Foucault é constituída como um a priori que tem que dar conta do fato de que o discurso não tem apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história, e uma história específica que não o reduz às leis de um devir estranho" (Dornelles, 2007, p. 27).
Texto na íntegra em PDF
Just as Manoel de Barros's poem, this text deals with the "communing view" of being old as thought by the child, verse of childhoods and grown-olds, which is a tall order for someone who has been studying children for so long. How do I write about ageing, if I have still not moved away from the childhoods, and when I am reaching my own old age? How do I deal with children and old people despicable for so many, despised by so many? To work on the writing of this text makes emerge what the children studied say about old people, forsaking ideas imposed by modernity in which they are here to be guided, taught, spoken to, or ordered and not always listened to, given voice or called into conversation. Or old people who need to be taken care of, not always listened to, and often removed from conversation. Such controversies remind me of the wanderings in Silva (2011):
The pre-sociological images (James, Jenks and Prout, 1988) that stay with us from childhood and from children are immensely controversial and contradictory, speaking to us about a being that is at the same time evil (Hobbes) and innocent (Rousseau) and immanent (Locke), of a natural development (Piaget), but libidinous and aggressive (Freud) (Silva, 2011, p. 92).
Treading this pixie line around so many controversies and contradictions does not seem to be a privilege of when we deal with children, but is pressed upon us also when we speak of ageing. The challenge is only heightened by working upon this theme, about how children think the being old in their playing with the old-person-body-puppet. To try and deal with the researching with children about ageing, I refer back to the title of this text when I call into conversation six and seven-year-olds about what it means for them to be old, to have an old person's body, based on plays with puppets1. I tried to think their thoughts when they think about old age, the ageing of the elderly who lived with them, or that they knew about. I brought into the work five puppets that represented old-bodies, of grandfathers and grandmothers. I tried to observe the playing of the children in how they put that theme in action. I made use of authors such as Ramos (2011), Dornelles (2007) Ramos (2013), Doll and Karl (2006), Ramos (2009), Silva (2011), Prout (2010), among others. These readings led me to invest in the small details that surround a study making use of old-people-bodied-puppets and on how they are not simply toys, but instruments that display the bodily marks of the culture of an era in a given society. In the puppets' bodies, one can also observe the effects of the investment made in their bodies so that they can enter children's plays, the effect that playing with old-bodies brings forth in the children, and how much this kind of body is not part of the daily life of their toys. Aware of the fact that children have not had much opportunity to handle, play and toy with bodies that are beyond the Barbie-like body. To study how children think about ageing and about the constitution of the old-person-body helps to understand the effect of having and thinking only about a right-body (the body young, wrinkle-free, lean and white).
The first action of the children when they got hold of the old-person-puppets was that of make pretend, of inviting the other puppets for tea. This action in itself already shows us where children think the old being comes from. They did not invite the other puppets for a soda, for a beer, for a wine, but for a tea.
I have said elsewhere that the puppets and all the publicity around them need to be taken as a tactic block in a wider strategy of producing truths about being a child, being an old person, as in the case of the present work. About how children conceive being elderly today, about the adult world that surrounds them. This strategy comprises other tactic blocks in its struggle to make hegemonic the form of subjectivity thus produced (Dornelles, 2007). The body represented in each puppet is also the means through which we act upon the world. On it, certain discursive practices impinge, and these practices produce an aged body, marked by history. History, for Foucault, is constituted as an a priori that has to deal with the fact that the discourse does not have just a meaning or truth, but a history, and a specific history that does not reduce it to the laws of a strange becoming" (Dornelles, 2007, p. 27).
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