Introdução
O Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) é uma iniciativa governamental portuguesa que apresenta como objetivo principal a prevenção e a redução do abandono escolar precoce e do absentismo, a redução da indisciplina e a promoção do sucesso educativo de todos os alunos. Atualmente, esse programa está implementado em 136 agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas que se localizam em territórios econômica e socialmente desfavorecidos.
As escolas do agrupamento ou a escola não agrupada integrantes de um TEIP devem elaborar e implementar um plano de melhoria (Portugal, 2012b) que dê resposta às efetivas necessidades de todos/as os/as alunos/as. Para tal, é fundamental a realização prévia de um diagnóstico dos principais problemas e a definição de áreas de intervenção prioritárias.
A possibilidade e o direito dos/as alunos/as exprimirem as suas opiniões acerca do ambiente escolar e do processo de ensino e aprendizagem, bem como de verem a sua participação ser considerada, é essencial para a melhoria do processo pedagógico (Amorim; Azevedo, 2017; Freire, 1996; Portugal, 2021) e para o desenvolvimento do espírito e da prática democrática, tal como consignado na Lei de Bases do Sistema Educativo Português (Portugal, 1986).
A partir desses pressupostos e do papel de “amigas críticas” de um agrupamento de escolas integrado ao Programa TEIP, o principal objetivo desse estudo foi dar voz aos/às alunos/as da escola sede do agrupamento, através da aplicação de um questionário e da realização de focus group, procurando compreender as suas perceções sobre os processos de participação vivenciados na escola e sobre os fatores que dificultam ou promovem as suas aprendizagens. Esse objetivo é particularmente relevante, uma vez que raramente a voz dos/as alunos é escutada no âmbito de processos de autoavaliação e de desenvolvimento de planos de melhoria de escolas TEIP (Canário; Alves; Rolo, 2000; Tomás; Gama, 2011; 2014). A problematização de questões relativas à participação e à aprendizagem é fundamental em qualquer escola, mas ganha ainda mais relevo nesses territórios dadas as suas singularidades. Compreender as condições que, segundo os/as alunos/as, promovem ou dificultam a participação e a aprendizagem será um contributo importante para assinalar eventuais direções no âmbito da renovação das práticas organizacionais e didático-pedagógicas e, em última instância, da promoção do sucesso escolar.
Esse artigo está organizado em cinco pontos. No primeiro ponto começamos por definir o conceito de participação das crianças e os tipos de participação. No segundo ponto contextualizamos o programa TEIP 3, bem como o papel que assumimos no acompanhamento e monitorização do Plano de Melhoria. De seguida, no terceiro ponto, descrevemos as questões metodológicas seguidas nesse trabalho de investigação. No quarto ponto apresentamos a análise e discussão dos dados. E, por fim, no quinto ponto tecemos algumas considerações finais.
O que é a Participação?
O conceito de participação, tal como acontece com outros conceitos, tem uma diversidade de definições e de usos. Etimologicamente, participação tem a sua gênese na palavra latina participatio, -onis, sendo “1. um acto ou efeito de participar; 2. aviso, parte, comunicação” (Política, 2022), estando evidenciado nessas duas definições que a participação resulta de uma ação que terá efeitos sobre a pessoa que participa, e que fazer parte e a comunicação são cruciais para essa participação.
Para além da multiplicidade de significado, a palavra participação surge, dependendo do contexto, associada a outros termos, como democracia e cidadania, o que denota a complexidade inerente a essa temática.
Para Paulo Freire, só pela prática de uma participação crítica e cidadã é possível a aprendizagem democrática, assim como a construção ou democratização da democracia (Freire, 1994). Adepto de uma democracia participativa inevitavelmente social e cultural, Paulo Freire perspetiva a democratização da escola pública como um elemento de mudança crucial. Para esse autor, a participação é perspetivada como um fim da educação e, simultaneamente, como um elemento da prática educativa, pois “[…] só decidindo se aprende a decidir e só pela decisão se alcança a autonomia” (Freire, 1996, p. 119).
Na perspetiva de Roger Hart (1993), a participação é um direito fundamental de cidadania e o meio através do qual se constrói e se avalia a democracia. Contempla todos os processos em que, de forma partilhada, se tomam decisões que afetam a vida da própria pessoa, mas também da comunidade onde se vive.
Já para Trilla e Novella (2001, p. 141) participar pode significar “[…] estar presente, tomar decisões, estar informado de algo, dar opinião, gerir e executar; desde estar simplesmente nomeado, ou ser membro de, a implicar-se em algo de corpo e alma”. Esses autores adotam uma visão do conceito de participação que reflete diferentes formas, tipos, graus, níveis e âmbitos de participação.
A escada de participação (Hart, 1993) é um dos modelos mais conhecidos para refletir sobre a participação das crianças. Nessa escada, os três primeiros degraus correspondem a situações de não participação, ou de participação aparente, e os restantes cinco, a diferentes tipos de genuína participação.
Com base nesse modelo, Trilla e Novella (2001), apresentam uma nova tipologia, composta por quatro grandes tipos participação, qualitativa e fenomenologicamente diferentes; nomeadamente: participação simples, participação consultiva, participação projetiva e metaparticipação. A participação simples acontece quando os sujeitos apenas seguem indicações e respondem a estímulos. Já a participação consultiva implica a auscultação dos sujeitos. Na participação projetiva, contrariamente à participação simples e consultiva, o sujeito não se limita a ser o destinatário de uma ação, convertendo-se em agente. O último tipo, a metaparticipação, surge quando os sujeitos pedem, exigem ou geram novos espaços e mecanismos de participação.
O modelo desenvolvido por Harry Shier (2001) – os caminhos de participação – também baseado na proposta de Hart (1993), é composto por cinco níveis de participação, a saber: as crianças são ouvidas; as crianças são apoiadas, no sentido de expressarem as suas opiniões; as opiniões das crianças são levadas em consideração; as crianças são envolvidas no processo de tomada de decisão; e as crianças partilham poder e responsabilidade na tomada de decisão. Em cada um dos cinco níveis de participação são descritos três níveis diferenciados de compromisso no processo de empoderamento das crianças: abertura, oportunidade e obrigação.
Outros autores têm em comum o facto de considerarem como proposta de nível máximo de participação os “alunos investigadores” e, nos níveis imediatamente anteriores, os alunos como co-investigadores, como participantes ativos e como fontes de dados, respetivamente (Fielding, 2001; Fielding; Bragg, 2003). Mais tarde, Fielding (2011) aumenta e reorganiza as categorias anteriores, propondo seis níveis que culminam num novo nível denominada democracia participativa, na qual os adultos e os alunos assumem um compromisso e uma responsabilidade partilhada com vista à gestão do bem comum.
A análise da participação dos alunos pode ter em conta, para além da intensidade da participação, o objetivo da participação dos alunos (Rada; Lopéz, 2012). Uma vez mais é interessante comentar que vários autores têm proposto diferentes classificações que diferem, essencialmente, no nível de detalhe adotado. Fielding e Bragg (2003) propõem apenas três objetivos: o processo de ensino e aprendizagem, a escola e a política curricular; e, por fim, a organização escolar e o meio envolvente. Já, segundo Rada e Lopéz (2012), a participação do aluno pode ter como objetivo a melhoria da organização e gestão educativa, a negociação do currículo escolar, alterações de aspetos físicos e sociais da escola, a melhoria dos docentes e a intervenção na comunidade. Trilla e Novella (2001) não focam em objetivos, mas partem do direito à participação da necessidade de estarem reunidas três condições: reconhecimento do direito das crianças a participar; desenvolvimento das capacidades necessárias ao exercício desse direito; e existência de meios e espaços adequados à participação.
Mas será que as escolas públicas portuguesas trabalham no sentido de garantir essas três condições para a participação das crianças?
Se partirmos do que está vigente na Lei de Bases do Sistema Educativo1, mais especificamente no artigo 3º (Princípios organizativos), o sistema educativo português deve:
Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adoção de estruturas e processos participativos na definição da política educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias
(Portugal, 1986, p. 3068).
É nesse sentido que as escolas devem criar espaços e tempos que possibilitem a participação das crianças em estruturas e processos participativos. Também no Estatuto do Aluno (Portugal, 2012a), é evidenciado que os alunos têm o direito de participar, através dos representantes eleitos por eles, nos órgãos da escola, na criação e execução do projeto educativo e na elaboração do regulamento (alíneas m e n do artigo 7º). Ainda, segundo o mesmo artigo, todos os alunos têm o direito de apresentar críticas e sugestões relativas ao funcionamento da escola junto dos professores e outros órgãos de administração e gestão da escola em assuntos que sejam do seu interesse (alínea o).
O contexto educativo português também apresenta, pelo menos do ponto de vista das políticas curriculares, um forte compromisso e alinhamento com uma pedagogia para a participação. Entre as várias políticas e instrumentos que espelham este compromisso, destaca-se o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (Martins et al., 2017). Esse documento constitui o ideário orientador de todo o currículo e de todo o trabalho a realizar em cada escola, procurando responder aos desafios sociais e econômicos do mundo atual e ao desenvolvimento de competências do século XXI. O edifício curricular português contempla, ainda, aprendizagens essenciais, assim como a assunção da autonomia das escolas estendida ao plano curricular e sua flexibilização. Foi ainda implementada, recentemente, a componente de Cidadania e Desenvolvimento no currículo, como uma área de trabalho presente nas diferentes ofertas educativas e formativas, com vista ao exercício da cidadania ativa e de uma participação democrática. Além disso, com base na legislação em vigor, as escolas devem, numa filosofia de autonomia e flexibilização, desenvolver a sua própria estratégia de educação para a Cidadania (Portugal, 2018).
Porém, vários estudos têm apontado que a participação dos/as alunos/as na vida escolar está maioritariamente ao nível de uma participação simples (Tomás; Gama, 2011; 2014). Os/as alunos/as participam apenas na medida em que são espectadores de determinados processos ou atividades. Trata-se de um tipo de participação muito incipiente e que não contribui para que as crianças e os jovens possam se expressar e exercer o seu direito a uma participação efetiva na vida da escola. Desse modo, é fundamental levar em conta não só as relações de poder como a luta pela igualdade de direitos, uma vez que as crianças e os jovens são aqueles que menos poder possuem e mais dificuldade têm em exercer os seus direitos (Hart, 1993).
O Programa TEIP 3: o Plano de Melhoria e o perito externo
Desde os anos 90 do século passado, que, em Portugal, vêm se criando e concretizando algumas medidas políticas educativas para dar resposta a problemas de insucesso e de abandono escolar. O programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária é um desses exemplos. Criado em 1996 pelo Despacho Normativo nº 147-B/ME/96, de 1 de agosto (Portugal, 1996), esse programa foi retomado em 2006 para as escolas/agrupamentos de escolas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, tendo sido alargado a todo o território nacional dois anos mais tarde. Nessa segunda geração do programa, cada agrupamento de escolas TEIP, de acordo com o artigo 16 do Despacho Normativo nº 55/2008, de 23 de outubro (Portugal, 2008), deveria ter uma equipe multidisciplinar que coordenaria as várias intervenções e possibilitaria a articulação em rede. Essa equipe constituída por professores, técnicos e representantes da comunidade também passou a ser integrada por peritos externos que tinham funções de acompanhamento, monitoração e avaliação do projeto educativo.
Inspirado em programas similares desenvolvidos na França – Zones Educatives Prioritaries – e Inglaterra – Education Action Zones – o programa encontra-se atualmente na sua terceira geração, tendo sido criado pelo Despacho Normativo nº 20/2012 de 3 de outubro de 2012 (Portugal, 2012b). Essa geração do programa TEIP tem como objetivos melhorar a qualidade da aprendizagem; prevenir e reduzir o abandono escolar precoce e o absentismo; criar condições que promovam a transição da escola para a vida ativa; e aumentar a articulação com os parceiros dos territórios educativos de intervenção prioritária.
No sentido de operacionalizar os objetivos do programa, e de acordo com o artigo 3º do Despacho Normativo nº 20/2012, de 3 de outubro de 2012 (Portugal, 2012b), as escolas têm que definir e implementar um Plano de Melhoria que integra um conjunto diversificado de medidas e ações de intervenção na escola e na comunidade. Na elaboração desse documento, é necessário que sejam “[…] ponderadas as circunstâncias e interesses específicos da comunidade e contempladas as intervenções dos vários parceiros” (Portugal, 2012b, p. 33345). Nesse processo, o diagnóstico é uma das etapas cruciais, uma vez que é a partir dele que se identificam as potencialidades e fragilidades do contexto e da escola, que depois serão a base para a formulação dos objetivos e das ações do plano. Na construção desse diagnóstico, é necessário implicar todos os atores da escola e da comunidade, incluindo os/as alunos/as. No entanto, esses/as devem ter uma participação efetiva, e não simples, na identificação de necessidades, mas também no desenvolvimento do plano de melhoria. Porém, ao longo das várias gerações do programa, alguns estudos têm evidenciado que a participação das crianças e dos jovens nas escolas TEIP é ainda reduzida (Canário; Alves; Rolo, 2000; Gama; Tomás, 2011).
É no âmbito do trabalho que desenvolvemos junto de um agrupamento de escolas TEIP como peritas externas, assumindo o papel de “amigas críticas” (MacBeath et al., 2005), e tendo em conta os pressupostos acima referidos, que decidimos dar voz aos/às alunos/as da escola sede do agrupamento. Porque, e tal como Lodge (2005) defende, consideramos que são os/as alunos/as que têm mais propriedade para falarem sobre a sua própria experiência na escola.
Metodologia
O presente trabalho teve como principais objetivos: caracterizar o que pensam os/as alunos/as, de um agrupamento TEIP do concelho de Sintra, sobre a sua participação na escola e a origem das dificuldades de ensino e aprendizagem; recolher junto dos/as alunos/as sugestões com vista à melhoria da participação dos/as aluno/as e do processo de ensino e aprendizagem.
Foram utilizadas duas técnicas de recolha de dados. Em primeiro lugar, foi aplicado um questionário às turmas de 2º e 3º Ciclo do Ensino Básico (CEB). O questionário contemplava essencialmente perguntas de resposta aberta. A taxa de resposta foi de 91,6% (Tabela 1).
Ano | Nº turmas |
Nº de questionários respondidos |
Nº de delegados no focus group |
Total | 36 | 33 | 34 |
5º ano | 7 | 5 | 7 |
6º ano | 7 | 7 | 7 |
7º ano | 9 | 8 | 8 |
8º ano | 7 | 7 | 6 |
9º ano | 6 | 6 | 6 |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Posteriormente, e com o objetivo de explorar as respostas fornecidas nos questionários, foram realizados 5 focus group com os/as delegados/as de turma, um por cada ano de escolaridade. No total, participaram 34 delegados/as. A recolha de dados teve lugar no final do ano letivo 2020/2021.
Após a transcrição dos focus group, foi realizada a análise de conteúdo categorial (Bardin, 2004), tendo sido utilizado um programa de análise de conteúdo. Foram tidas em conta as questões éticas da investigação, nomeadamente o consentimento informado e também a codificação dos/as participantes de forma a garantir o anonimato.
Resultados
No presente ponto, apresentamos a análise e discussão dos resultados estruturada em dois eixos. Em primeiro lugar, descreve-se a forma como os/as alunos/as perspetivam a sua participação na escola e, em segundo lugar, a perspetiva dos/as alunos/as sobre as dificuldades de ensino e aprendizagem e a origem dessas dificuldades.
Participação dos/as alunos/as na Escola
Das 33 turmas que responderam ao questionário, 29 consideram participar na escola. No entanto, as formas de participação descritas denotam uma perspetiva muito superficial do conceito de participação. Para a maioria das turmas, a participação é equiparada à mera presença dos/as alunos/as nas atividades propostas pelos/as professores/as. O seguinte exemplo, invocado por uma das turmas de 6º ano, ilustra bem esta visão: “Participamos com interesse nas diferentes atividades propostas pelos professores dentro e fora das salas de aula”. Apenas quatro turmas descrevem processos de participação que já implicam a escuta dos/as alunos/as, nomeadamente, a realização de assembleias de turma e o preenchimento de inquéritos no âmbito do programa Eco-Escolas.
A grande maioria dos/as delegados/as de turma considera que a escola não ouve os/as alunos/as e revela dificuldades em dar exemplos de espaços e momentos de escuta durante o ano letivo em que foram entrevistados/as. O Gabinete de Apoio à Família, as reuniões para o orçamento participativo da escola (destinado apenas a alunos/s do 3º CEB e da iniciativa do ministério da educação), algumas assembleias de turma e o próprio processo desenvolvido pelas “amigas críticas” constituem os parcos exemplos invocados pelos/as delegados/as.
Mesmo entre os/as delegados/as que fazem uma avaliação mais positiva, todos/as consideram necessário melhorar, em número e em qualidade, os processos de participação. A análise dos focus group revelou, ainda, que esses delegados/as têm consciência que nem sempre é fácil as suas sugestões serem concretizadas:
Delegada de turma – […] eles às vezes não ouvem o que nós queremos, mas às vezes o que nós queremos também não pode ser sempre. Por exemplo, há coisas que as pessoas pedem que não podem ser concretizadas porque não há dinheiro que chegue para isso […] Vou dar um exemplo, os alunos gostariam de ter outra baliza no campo, mas a direção diz que não colocam, porque acho que não têm dinheiro, e os alunos usam, mas a culpa de não terem baliza é dos alunos. Mas a escola em geral poderia ouvir mais
(FG, 8º ano).
Além disso, eles têm consciência que algumas sugestões requerem tempo para serem implementadas e que, por vezes, as mudanças não são visíveis e/ou usufruídas pelos proponentes delas. Esse aspeto é particularmente evidente no discurso dos/as delegados/as de 6º ano ao reportarem mudanças que ocorreram na escola do 1º CEB quando já se encontravam a frequentar o 2º CEB:
Delegada de turma – eu só vi evolução, evolução depois de eu sair, ou seja, no ano passado, agora já tem parque, já vedaram a parte dos canteiros, para não se ter tantos acidentes, não estragar os canteiros, também trocaram o campo, várias evoluções sobre coisas que, quando eu andava lá eu dizia eu quero isto pois eu acho que fica melhor na escola
(FG, 6º ano).
Para minimizar o efeito negativo, decorrente do hiato temporal entre a realização de sugestões e a sua operacionalização, os/as delegados/as consideram importante que a escola aposte numa comunicação célere, transparente e esclarecedora com a comunidade escolar, tal como evidenciado no seguinte excerto: “Os professores ou a direção, podiam-nos dar a certeza de que tal coisa que nós dizemos ou sugerimos vai acontecer, porque muitas vezes nós dizemos que queremos isto, e depois nós não sabemos se aquilo vai realmente acontecer” (FG, 6º ano).
Os dados também apontam para diferenças entre os/as delegados/as do 2º ciclo e do 3º ciclo. Os primeiros consideram que no 1º CEB os processos de participação eram mais frequentes e, consequentemente, consideram que tinham mais voz:
Delegada – desde que eu andava na escola lá em baixo, sempre houve essas reuniões de delegados de turma, subdelegados, os professores perguntavam várias vezes o que é que nós achávamos que tinha que mudar na escola, no agrupamento, os professores, os funcionários, toda a escola.
Moderadora – estás-te a referir aquando andavas no primeiro ciclo?
Delegada – sim, no ano passado só houve duas reuniões se eu não me engano
(FG, 6º ano).
Importa referir que a pandemia poderá ter alguma influência nessas opiniões, uma vez que os delegados/as do 2º ciclo ainda não vivenciaram um ano letivo completo em modo presencial. No caso dos/as delegados/as do 3º CEB e, em particular, nos que frequentam o agrupamento há mais tempo, há várias referências a uma evolução positiva relativamente à participação dos/as alunos/as na escola – “Eu estudo aqui desde o quinto ano e então acho que tem evoluído” (FG, 8º ano).
Por fim, todos/as os/as delegados/as valorizaram as assembleias de turma como espaço privilegiado de participação dos/as alunos/as. Porém, em virtude da pandemia, elas não foram realizadas de forma sistemática em todas as turmas, tal como era habitual em anos anteriores. Segundo uma delegada do 6º ano “[…] a escola não tem espaços ou momentos para os alunos participarem. No ano passado tínhamos uma aula com a DT, mas agora com o corona já não temos”.
Os/as delegados/as de turma consideram que para melhorar os processos de participação na escola seria muito importante que tivessem reuniões não só com os diretores de turma, mas também com a direção. Outra proposta, evidente em algumas turmas, está relacionada com o retomar das assembleias de turma, ainda que sugiram que esse espaço não seja apenas para resolver problemas da turma, mas que assuma uma lógica mais proativa. A criação de eventos na escola pelos/as alunos/as é outra proposta que foi apontada por alguns entrevistados/as. Nesse caso, consideram que a sua participação passaria por um envolvimento em todo o processo de organização desses eventos, incluindo a sua participação na tomada de decisões. Por fim, uma proposta com uma natureza diferente diz respeito ao Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família que poderia ter “mais espaço e tempo” para ouvir os/as alunos/as.
Perspetiva dos/as Alunos/as sobre as Dificuldades de Ensino e Aprendizagem
Quando questionadas sobre as disciplinas em que sentiam mais dificuldades, 26 turmas indicaram a disciplina de Matemática, 11 a de Inglês e 10 a de Físico-Química e de Língua Portuguesa (Figura 1).
Nas entrevistas em foco, os/as delegados/as de turma invocaram diferentes razões para justificar as dificuldades sentidas em algumas disciplinas, sendo possível organizá-las em três dimensões distintas: processos de ensino; caraterísticas dos/as alunos/as; organização e gestão curricular (Tabela 2).
Categoria | Sub-categoria |
---|---|
Caraterísticas dos/as alunos/as | Comportamento inadequado |
Falta de empenho e estudo | |
Dificuldades de aprendizagem | |
Processos de ensino | Não identificação com as formas de ensinar |
Qualidade da relação aluno-professor | |
Dificuldades na gestão do comportamento | |
Organização e gestão curricular | Programas extensos |
Pouco tempo de aulas | |
Falta de professores | |
Abstração de alguns conteúdos programáticos |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
O mau comportamento que algumas turmas evidenciam e o fato de vários/as alunos/as não prestarem atenção nas aulas constituíram as principais dificuldades de aprendizagem associadas à dimensão “caraterísticas dos/as próprios/as alunos/as”:
Na minha turma o problema não são os professores, eles explicam muito bem. O problema são os alunos […] a minha turma é muito barulhenta e malcomportada e às vezes eles não prestam atenção na aula, ficam a conversar, ficam ali com uns com os outros e poucas vezes eles prestam atenção
(FG, 6º ano).
Além disso, os/as delegados/as de turma reconhecem que as dificuldades também resultam da falta de empenho e motivação dos/as alunos/as, dado que nem sempre estudam de forma regular. Segundo uma delegada de turma, a sua turma “[…] tem negativa em quase todas as matérias e é por falta de interesse deles porque eles não estudam, ou estudam no dia antes ou no próprio dia” (FG, 6º ano).
Há ainda referências a dificuldades de aprendizagem, habitualmente associadas a conteúdos considerados mais abstratos ou que requerem conhecimentos prévios não consolidados. Segundo um delegado de turma “[…] os professores costumam dizer que nós temos muita falta de bases, não temos muita base de matemática, então temos que ir lá para trás, e depois voltar, como se tivéssemos a voltar tudo do início” (FG, 9º ano). No caso da língua portuguesa, as dificuldades são ainda atribuídas ao elevado número de alunos/as que não possuem nacionalidade portuguesa e/ou no ambiente familiar não comunicam em português:
Nós temos o caso do português, porque a minha turma tem muitos alunos que têm problema com a língua por causa dos sítios de onde nós vimos, na minha turma tem alguns estrangeiros e nós temos muitas dificuldades em português
(FG, 8º ano).
O aspeto mais invocado, no âmbito dos processos de ensino, correspondeu à não identificação dos alunos com as “formas de explicar” de alguns professores/as. Para esses/as alunos/as, o ensino é menos eficaz quando: não se diversificam as estratégias de ensino; não se estabelecem relações entre os conteúdos e o quotidiano dos alunos; não se criam espaços e tempos para o esclarecimento de dúvidas; e as aulas são essencialmente expositivas.
Eu tinha um professor de matemática, ele quando explicava, explicava sempre com fruta, tens 5 bananas, mas a minha sora ela explica sempre numa linguagem matemática e eu não entendo às vezes. Por exemplo, o valor do π, a sora fala do π e eu não entendo. Está longe da minha realidade
(FG, 5º ano).
[…]
Mas a professora às vezes também não ajuda, parece que ela não dá bem a matéria, ela está a copiar uma coisa e diz para nós não copiarmos, que ela vai explicar, e depois vai dar tempo, mas depois quando ela acaba começa já a apagar, não dá para copiar nada, depois não entendemos a matéria e ela passa logo para outra, depois fica muito complicado
(FG, 5º ano).
A falta de empatia, a falta de motivação e o cansaço que alguns docentes evidenciam foi outro aspeto mencionado, pois acarreta consequências ao nível da qualidade da relação pedagógica aluno/a-professor/a e, consequentemente, ao nível da aprendizagem.
Como eu disse a nossa turma é difícil de lidar e a professora está cansada. E isso faz parecer, às vezes, eu sinto que a professora está cansada
(FG, 8º ano).
[…]
A professora é profissional, mas podia ter mais empatia com os alunos, como o professor que nos dava aulas, quando sabíamos que era para dar matéria a sério e ter aulas sérias, e também tínhamos aulas que brincávamos e algumas coisas assim. Ter mais empatia
(FG, 8º ano).
As dificuldades na gestão do comportamento em sala de aula foi também um aspeto mencionado por alguns/mas delegados/as. Para ilustrarem essas dificuldades, os delegados/as de turma tanto estabelecem comparações entre o comportamento de uma mesma turma com professores distintos, como descrevem situações que mereciam uma atitude mais assertiva por parte do/a docente.
Na aula de ciências eu sinto que às vezes, a culpa é um bocadinho da sora. Por exemplo, os alunos fazem uma piada com a sora, portam-se mal e a sora não faz literalmente nada. Obviamente que um professor que está toda a hora a marcar faltas, toda a hora a implicar conosco, obviamente, que não é bom. Mas a sora de ciências até é boa pessoa, explica bem, só que ela não impõe disciplina como deve ser na aula. Então, muitas das vezes, as aulas correm muito mal e a sora nem sequer faz uma ocorrenciazinha
(FG, 6º ano).
[…]
Com a DT eles [os meus colegas] portam-se todos bem, mas quando chega a aula de HGP parece que viram outras pessoas, por isso a professora fica a repreender, depois eles ficam a fazer muito barulho, ficam a mudar de lugar […] e perdemos muito tempo de aula
(FG, 5º ano).
Relativamente às razões associadas à dimensão “organização e gestão curricular”, os/as delegados/as de turma fazem referência a uma tríade prejudicial, composta pelos seguintes fatores: programas extensos, pouco tempo de aulas e falta de docentes.
A minha turma tem muitas dificuldades a matemática. O programa de matemática é muito grande e o tempo não é o suficiente. Esse ano, por exemplo, nós não temos professora de matemática, ela está grávida e não nos arranjaram ninguém
(FG, 8º ano).
Acresce ainda, à essa tríade, a perceção de que, em algumas disciplinas, principalmente Matemática e Físico-Química, os conteúdos programáticos são difíceis e abstratos, tal como é evidente na seguinte explanação de um delegado de 9º ano: “[…] na minha turma escolheram a matemática e físico-química, e penso que seja pelas mesmas razões, a matéria é um pouco mais complexa do que nas outras disciplinas” (FG, 9º ano).
Quando convidados/as a darem sugestões com vista à melhoria do ensino e da aprendizagem, os/as delegados/as de turma deram várias. Consideram que os/as docentes deviam apostar em recursos mais apelativos e em aulas menos teóricas. A utilização de mais PowerPoint, filmes, jogos, pesquisas, apresentações feitas pelos/as alunos/as, aulas no exterior e discussões em grande grupo foram alguns dos exemplos invocados:
Talvez por exemplo, fazer mais jogos, por exemplo a matemática, por exemplo a minha professora faz o jogo do 24, é muito divertido, toda a gente participa, em ciências a nossa professora passa powerpoints e às vezes fazemos jogos sobre isso que demos, português talvez pudéssemos fazer jogos de palavras
(FG, 5º ano).
[…]
Eu ia fazer algumas atividades experimentais, práticas, porque os alunos prestam mais atenção nas aulas práticas do que nas teóricas. Ia fazer uma aula prática e teórica. Também na questão aula, tem uma sora que faz a questão com consulta e no teste sem consulta. E eu faria igual, o mesmo
(FG, 7º ano).
Apesar de considerarem essas estratégias importantes, os/as entrevistados/as várias vezes indicaram que o mais importante era apostar na melhoria das “formas de explicar”. Para tal, era fundamental os/as docentes explicitarem de forma mais calma os conteúdos programáticos e com mais recurso a exemplos do mundo real.
Na aula de matemática falar de dinheiro porque todo o mundo, é uma coisa do nosso dia a dia, é mais fácil. A sora está a fazer uma conta e estava a dar números negativos e positivos. Ela estava a dar o exemplo com o elevador porque temos o –1, –2, e isso é muito interessante porque agora eu no elevador, eu ficava confusa com isso, não sabia porque está aqui o –3, será que é para baixo ou para cima, mas depois da aula com a sora eu percebi, agora não tenho dificuldade com o elevador. Acho isso muito interessante fazer jogos assim com o nosso dia a dia, com o nosso quotidiano
(FG, 7º ano).
Por fim, a regulação do comportamento dos/as alunos/as, através do estabelecimento de regras claras e do seu cumprimento, foi igualmente uma recomendação com vista ao sucesso do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com um delegado de turma, se ele fosse professor “[…] seria mais exigente, até porque os professores que são menos exigentes acaba por ser só brincadeira, os alunos acabam por brincar muito nas aulas desses professores (FG, 7º ano).
Considerações Finais
O presente estudo procurou compreender as perceções dos alunos de um agrupamento TEIP relativamente aos processos de participação vivenciados na escola e aos fatores que dificultam ou promovem as suas aprendizagens. Os dados obtidos permitem-nos apontar algumas considerações.
Em primeiro lugar, é possível concluir que a participação dos/as alunos/as na vida escolar parece ser maioritariamente uma participação de nível simples. Os/as alunos/as revelam conceções muito superficiais do próprio conceito de participação e dificuldade em dar exemplos de espaços formais e informais de participação na vida escolar (Tomás; Gama, 2011; 2014).
Em segundo lugar, e tal como em outros estudos, os/as alunos/as evidenciam um elevado espírito crítico relativamente à avaliação que fazem do processo de ensino e aprendizagem (Rudduck; Mcintyre, 2007; Alves et al., 2014). Os/as participantes invocam causas internas ao próprio aluno e ao seu ambiente familiar para explicar o sucesso ou o insucesso escolar, mas também fatores externos ao aluno, relativos aos processos de ensino e à organização e gestão do currículo.
O comportamento inadequado, a falta de empenho e de estudo e as dificuldades de aprendizagem constituem as caraterísticas dos/as alunos/as que contribuem para o insucesso escolar. Em várias aulas e, em virtude do mau comportamento dos alunos, o clima de sala de aula parece não favorecer a aprendizagem. A importância do clima de sala aula na aprendizagem é igualmente evidente no estudo desenvolvido por Alves et al. (2014) em escolas TEIP. Por sua vez, o mau comportamento e a falta de empenho e de estudo aparentam resultar de atitudes e disposições dos alunos, mas também de caraterísticas associadas aos docentes e às próprias metodologias adotadas em sala de aula.
Já os processos de ensino incluem categorias intimamente associadas ao efeito professor, nomeadamente os modos de ensinar, o tipo de relação pedagógica que o professor privilegia e a sua (in)capacidade de gestão do comportamento. Essa centralidade atribuída ao efeito professor, igualmente identificada em outros estudos (Marzano, 2005; Alves et al., 2014; Baptista; Alves, 2017) realça a diferença que, segundo os/as alunos/as, esse ator educativo pode desempenhar na melhoria da aprendizagem.
A organização e a gestão curricular ganham igualmente relevo na explicação das dificuldades de aprendizagem. Nesse ponto os/as participantes fazem referência a uma tríade prejudicial que inclui programas extensos, pouco tempo de aulas e falta de docentes.
Embora tenhamos recolhido as visões dos/as alunos/as, que nos assinalam possíveis caminhos para uma renovação das práticas organizacionais e didático-pedagógicas, consideramos que essa etapa é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento de uma cultura de participação efetiva e para uma melhoria da aprendizagem. Desse modo, e no sentido de dar sequência ao diálogo com os/as alunos/as, os dados foram apresentados a todas as turmas. Com vista a que a sua voz chegasse às estruturas da escola, os dados foram também apresentados ao Conselho Pedagógico e à equipa TEIP. Essa partilha permitirá alimentar a reflexão sobre quais as melhores estratégias a introduzir no plano de melhoria a desenvolver no próximo ano letivo. Dessa forma o plano não será feito para os/as alunos/as, mas com os/as alunos/as sendo esses perspetivados/as como parceiros.