INTRODUÇÃO
É imprescindível considerar a necessidade de procedimentos investigativos ancorados em modo viável e adequado de produzir conhecimento, bem como atentar-se aos procedimentos éticos de pesquisa e ao contexto da investigação explorado pelo pesquisador. Por esse ângulo, Medeiros, Varela e Nunes (2017, p. 177) defendem que a abordagem de pesquisa qualitativa é “[...] flexível, mas não significando ausência de rigor metodológico. Isso demonstra a complexidade existente ao se pesquisar o social, haja vista que é preciso saber se adaptar ao contexto e daí extrair análises pertinentes”.
São diversos os estudos qualitativos produzidos no âmbito de diferentes áreas de conhecimento, tempos e espaços, configurando importante inventário publicado e disponível a aprofundamentos teóricos. A área da Educação não fica a margem do processo de investigação por meio da pesquisa de cunho qualitativo, pois dela derivam-se inúmeros fenômenos de natureza diversificada, dinâmica e complexa.
Considerando essas conjecturas, este estudo objetiva analisar características de teses de doutoramento que adotaram a abordagem qualitativa, defendidas em um Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) de uma Universidade da Região Nordeste do Brasil, no quadriênio 2013-2016.
Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa documental (GIL, 2002), do tipo quali-qualitativa (SOUZA; KERBAUY, 2017). Adotando o critério de uso da abordagem qualitativa em teses, dados derivados dos resumos referentes às partes constituintes desse tipo de trabalho acadêmico (temática; método; procedimento para coleta de dados; técnica de análise de dados) foram extraídos, organizados e analisados. Essas partes são basilares em qualquer tipo de investigação acadêmica. Segundo Gil (2002), devem esclarecer, detalhadamente, o processo de pesquisa com base em suas etapas, procedimentos adotados e recursos alocados para atingir os objetivos propostos.
Na sequência, trazem-se conceitos sobre abordagem qualitativa na pesquisa em educação, contemplando a caracterização e a contextualização do programa de pós-graduação do qual as teses analisadas se originaram. Também se apresenta a metodologia desta pesquisa, com seus procedimentos de coleta e análise de dados, bem como os resultados e discussões, expondo os achados em relação ao critério em evidência, no âmbito do PPGE investigado. Por fim, são expostas as considerações finais, sintetizando os resultados e indicando possibilidades para o uso da pesquisa educacional de natureza subjetiva.
ABORDAGEM QUALITATIVA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Fenômenos educacionais (ensino, aprendizagem, formação de professores, avaliação, etc.) carregam em si problematizações subjetivas passíveis de percepção por olhares atentos. Considerando esse pressuposto, Rodrigues (2016) entende que a abordagem qualitativa surgiu da compreensão da pesquisa como caminho aberto, feito e refeito no decorrer do trajeto investigativo. A referida autora se baseia em Ghedin e Franco (2011) e afirma que tal abordagem se afasta dos pressupostos da filosofia positivista, em que se sustenta a perspectiva tradicional de ciência na modernidade, percebida como uma entidade superior, dotada de características metafísicas como neutralidade e imparcialidade.
O positivismo científico exacerbado tolhe a criticidade e criatividade do pesquisador durante a condução da pesquisa, enfraquecendo a construção do conhecimento baseado na qualidade dos fatos pesquisados. Com efeito, a realidade investigada em perspectiva positivista busca ser separada do olhar e da sensibilidade humana. Por essa causa, conforme Roman, Marchi e Erdmann (2013), a pesquisa qualitativa foi demandada em meio a críticas epistemológicas, metodológicas, políticas e éticas sobre a pesquisa científica social em campos que fizeram uso de estratégias de pesquisa experimental, correlacional e de levantamentos.
A pesquisa qualitativa tem por objetivo compreender a multiplicidade de significados e sentidos que marcam as subjetividades dos sujeitos na relação com o social. Considera que a dimensão ampla e o caráter complexo do objeto de estudo não podem ser compreendidos à luz da racionalidade tecnopositivista, que normalmente se detém friamente na realidade exterior dos fatos (RODRIGUES, 2016), pois
[...] não é permitido tomar distância em relação ao seu objeto, como exige o método das ciências naturais. A objetividade, a neutralidade e o distanciamento do sujeito em relação a seu objeto, pretensão das ciências naturais, torna-se alienação se aplicados no estudo dos fenômenos humanos. O distanciamento não permitiria conhecer o objeto em toda a sua riqueza, no seu contexto histórico. (GHEDIN, 2004, p. 8).
Com base nos preceitos da pesquisa qualitativa, problemáticas sociais da contemporaneidade passaram a ser compreendidas por diferentes olhares não restritos à descrição da realidade por técnicas de quantificação. Nesse sentido, segundo André (2001), a partir da década de 1980, sobretudo no Brasil, as pesquisas apresentaram mudança na abordagem, impulsionadas pela percepção diferenciada do pesquisador acerca dos fenômenos sociais. A autora destaca ainda a emersão do reconhecimento da subjetividade no processo de investigação:
Se, nas décadas de 1960 a 1970, o interesse se localizava nas situações controladas de experimentação, do tipo laboratório, nas décadas de 1980 a 1990, o exame de situações “reais” do cotidiano da escola e da sala de aula é que constituiu uma das principais preocupações do pesquisador. Se o papel do pesquisador era sobremaneira o de um sujeito de “fora”, nos últimos dez anos, tem havido uma grande valorização do olhar “de dentro”, fazendo surgir muitos trabalhos em que se analisa a experiência do próprio pesquisador ou em que este desenvolve a pesquisa com a colaboração dos participantes. (ANDRÉ, 2001, p. 54).
Esse movimento da história da pesquisa qualitativa no contexto da educação brasileira, em busca de credibilidade e garantia de rigor, enveredou por caminhos teórico-metodológicos alternativos. Mostrou-se atenta à complexidade dos fenômenos educacionais como prática eminentemente humana, capaz de refletir sobre a produção de conhecimento baseada em múltiplas e variáveis influências externas e internas da própria realidade focada.
No País, a quantidade de Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEs) cresce significativamente desde o século passado (GONDRA; NUNES; MARTINS, 2018). Com relação ao século atual, é possível observar, no Gráfico 1, aumento de 135,9% no número desses programas de 2006 (Trienal 2007) a abril/2019, de acordo com dados disponibilizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, 2019). Essa expansão foi intensificada nos últimos anos do período, mediante oferta de cursos em distintas modalidades (acadêmica e profissional) por instituições de ensino superior públicas, principalmente.
Até abril de 2019, a área de Educação contava com 270 cursos de pós-graduação, organizados em 184 Programas, dos quais 48 ofereciam apenas mestrado acadêmico, 88 ofertavam mestrado e doutorado acadêmicos, 47 possuíam somente mestrado profissional e um disponibilizava mestrado e doutorado profissionais (CAPES, 2019).
A expansão do número de PPGEs ocorreu em todas as cinco Regiões do Brasil, acompanhando o crescimento da Pós-Graduação brasileira nas distintas áreas de cohecimento (CAPES, 2019; GONDRA; NUNES; MARTINS, 2018). No Nordeste, onde está situado o Programa objeto desta pesquisa, mais que triplicou o número de Programas de Pós-Graduação em Educação nesse intervalo de tempo: de 11 em 2006 (último ano da Trienal 2007, referente ao período 2004-2006), saltou para 34 em abril/2019 (CAPES, 2019). Esse crescimento na quantidade de PPGEs impacta no aumento de pesquisas educacionais com relevância acadêmica e social realizadas no País e, particularmente na Região Nordeste, favorecendo, ademais, a formação doutoral na área.
Dada a complexidade atinente a fenômenos específicos, como os educacionais, é imprescindível que estes sejam investigados, também, por pesquisa de abordagem qualitativa, que focaliza diversos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes emergentes. Esse tipo de pesquisa se consolida em dados e aspectos subjetivos, expressos por meio de discursos, experiências, histórias de vida, ações, percepções, interesses, emoções, etc. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a preocupação com a análise de dados qualitativos se dá tanto com o processo que os gerou, quanto pelos resultados alcançados, importando-se com o significado do que foi analisado e discutido. Desse modo, a pesquisa qualitativa em educação pode acarretar em
[...] contribuições ao avanço do saber na dinâmica do processo educacional e na sua estrutura como um todo: reconfigura a compreensão da aprendizagem, das relações internas e externas nas instâncias institucionais, da compreensão histórico-cultural das exigências de uma educação mais digna para todos e da compreensão da importância da instituição escolar no processo de humanização. (ZANETTE, 2017, p. 159).
Em educação, a reflexão sobre os pressupostos da ciência tradicional torna-se mais relevante ao evidenciar a necessidade de se conceber o conhecimento científico com base na dialética entre sujeito e objeto. Rodrigues (2016) defende que, no exercício de fazer pesquisa educacional, há impregnação e imbricação entre pesquisador, objeto e sujeito pesquisado, que possuem atributos socioculturais permeando suas histórias de vida e entornos sociais. Esse novo modo de perceber, compreender e apreender o conhecimento científico impulsiona novas metodologias capazes de lançar olhares mais atentos, sensíveis e criativos sobre vicissitudes educacionais contemporâneas.
Em busca de investigar e desvelar uma realidade por meio da pesquisa qualitativa, o pesquisador em Educação mantém interação constante e permanente com seu objeto de estudo, tendo por objetivo, às vezes, obter respostas à dada problemática educacional. Esse tipo de interação possibilita a obtenção de entendimento e compreensão da realidade posta em evidência.
Ressalta-se que a escolha por essa abordagem se relaciona à natureza da investigação empreendida, objetivos traçados, contextos a serem explorados e sujeitos específicos. Para Medeiros, Varela e Nunes (2017, p. 181), a pesquisa qualitativa no âmbito das Ciências Humanas e Sociais requer “[...] experiências individuais, exigindo, no processo da pesquisa, sensibilidade para situações locais”. Ademais, os autores citados esclarecem que o pesquisador “[...] tende a descrever os fenômenos, com riqueza de detalhes e como eles estão situados e incorporados em seus contextos” (p. 182). Com a escolha da abordagem qualitativa para promover investigação, busca-se, por vezes, a imersão no mundo dos sujeitos, desvelando contextos e significados na constituição de novos sentidos.
Diante desse cenário de crescimento da Pós-Graduação em Educação no Nordeste e da adoção da abordagem qualitativa nas pesquisas da área, a próxima seção traz a caracterização do Programa selecionado para a realização desta pesquisa.
CARACTERIZAÇÃO DO PPGE
De acordo com informações contidas no site do Programa, ele foi criado na década de 1970, ofertando, atualmente, cursos de mestrado e doutorado acadêmicos na Região Nordeste do Brasil. O escopo do Programa é a investigação da realidade educacional brasileira, para que, a partir da realização de estudos e pesquisas, ela possa ser desenvolvida no sentido de melhoria de sua qualidade, sobretudo em escolas e demais espaços que proporcionam momentos educativos.
Proporcionar a formação de pessoal de alto nível acadêmico é o principal objetivo do PPGE, viabilizado pela integração entre ensino, pesquisa e orientação, prospectando a ressignificação da educação e, consequentemente, da sociedade brasileira.
No Programa, até o ano de 2020, já haviam sido defendidas 933 dissertações de mestrado e 288 teses de doutorado, principalmente em 2009 e 2013. Esses produtos envolvem assuntos diversos e atinentes a vários campos da educação. Considerando que a oferta do curso de doutorado aconteceu em 2002, as primeiras teses datam de 2006. O Gráfico 2 expõe, até 2020, sua distribuição percentual (n=288) em 16 categorias temáticas, sendo 15 únicas e uma composta (Outra) que congrega outras sete de menor frequência.
As temáticas observadas denotam múltiplas facetas de objetos de investigação que contemplam distintas modalidades educacionais. As temáticas mais frequentes são: formação humana (16,0%; n=46); educação básica (10,4%; n=30); prática docente (10,0%; n=29); e política pública (9,0%; n=26). A categoria Outra (9,3%) é constituída pelas seguintes temáticas pouco pesquisadas no Programa: aprendizagem, educação inclusiva e educação de jovens e adultos (1,7%; n=5, cada); educação do campo (1,4%; n=4); educação a distância e tecnologias digitais da informação e comunicação (1,0%; n=3, cada); e condição socioemocional docente (0,7%; n=2).
Além dos cursos de mestrado e doutorado, o PPGE oferece outras atividades como estágio pós-doutoral, que conta com mais de 20 pesquisas em andamento/concluídas, e intercâmbio para os doutores, na modalidade de doutorado sanduíche. O Programa, sob a tríade institucional ensino, pesquisa e extensão, propõe ofertar formação acadêmica, profissional, crítica e de democratização da educação. Outras informações relativas ao Programa, que viabilizaram este estudo, foram tratadas analiticamente e estão expostas a seguir.
METODOLOGIA
Esta pesquisa é do tipo quali-quantitativa (mista). Identificou, com fundamento na complementariedade entre quantidade e qualidade em estudos educacionais (SOUZA; KERBAUY, 2017), o uso da abordagem qualitativa em pesquisas educacionais expressas em teses de doutoramento, defendidas em um PPGE da Região Nordeste do Brasil, nos anos de 2013 a 2016.
O aspecto quantitativo do estudo é justificado por suas vantagens, destacadas por Johnson e Onwuegbuzie (2004), em: 1) útil para obtenção de dados que permitem inferências quantitativas sobre o objeto de estudo; 2) processos rápidos de coleta e análise de dados, inclusive com uso de softwares; 3) fornecimento de dados que quantificam e podem dimensionar a realidade investigada; 4) resultados da pesquisa são obtidos, de modo geral, independente do pesquisador; 5) pode ser aplicada a um grande número de sujeitos e/ou objetos. Os dados quantitativos referentes às categorias temática, método, procedimento de coleta de dados e técnica de análise de dados foram analisados com auxílio de estatística descritiva, considerando a frequência de cada um desses elementos nos resumos.
O aspecto qualitativo do estudo é justificado pela necessidade de se compreender fenômenos educacionais imperceptíveis utilizando-se somente técnicas quantitativas de análise. Nessa lógica, mais do que produzir inferências sobre os dados, é possível desvelar significados epistêmicos embutidos neles (JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004). Os dados qualitativos referentes às categorias supracitadas foram compreendidos como recortes textuais dos resumos, sendo comparados entre si e, então, analisados com base na análise temática proposta por Bardin (2010).
O método da pesquisa documental foi utilizado, por conseguinte, para responder o objetivo da investigação. Segundo Gil (2002), esse método se caracteriza por buscas em fontes primárias, que ainda não receberam tratamento analítico em relação a um tema de pesquisa. Os resumos das teses de doutoramento no PPGE foram considerados documentos submetidos à análise (GARCIA; YASUDA; BENE, 2020).
A escolha do resumo como objeto de análise se justifica por sua constituição e objetivo em um texto acadêmico-científico. A esse respeito, a Norma 6028 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2021) e Pereira (2013) respaldam a utilização do resumo como fonte de captação de dados confiáveis de uma pesquisa, ainda que este não dê conta de apresentar todas as informações disponíveis no restante do texto no qual está inserido.
A Norma 6028 estabelece que o resumo de um texto científico apresente, sucintamente, pontos centrais do documento ao qual se refere. Para Pereira (2013, p. 707-708), a elaboração de resumos de alta qualidade é um processo meticuloso, o qual requer procedimento específico: “[...] faça-o autoexplicativo. [...] Assegure-se de que não haja conflito de informações entre o resumo e o artigo. [...] Certifique-se de que objetivo e conclusão combinem. [...] Inclua as palavras-chave (ou descritores) que identifiquem o artigo”.
O recorte temporal 2013-2016 foi definido em razão de ser igual ao período da avaliação quadrienal da CAPES, que resultou no Relatório de Avaliação 2013-2016 Quadrienal 2017 (CAPES, 2017). O PPGE escolhido é um dos sete programas da área de Educação, localizados na Região Nordeste do País, avaliado com nota 5 pela CAPES. No Nordeste, ainda não há programas nessa área com notas 6 ou 7.
Expostos os critérios de realização desta pesquisa, é importante destacar que a análise de cada resumo se constituiu em constante movimento de interpretação de dados, indo além do descrito. Possibilitou a compreensão dos dados apreendidos e a ampliação do conhecimento em torno da temática pesquisada (MINAYO et al., 1994).
Procurou-se realizar a análise com base nos documentos oficiais (teses) disponíveis para acesso público no repositório digital da Instituição, preservando-se tanto a identidade do PPGE como dos sujeitos autores das pesquisas de doutoramento. Como compreende informações de acesso público, o estudo está dispensado de registro no Sistema CEP/CONEP (Comitê de Ética em Pesquisa/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), conforme estabelece a Resolução nº 510/2016 (BRASIL, 2016).
O próximo tópico apresenta os resultados obtidos com a análise das características das teses, com base no ano de defesa e nas quatro categorias definidas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foi realizado o levantamento das teses defendidas no PPGE, no período 2013-2016, gerando um montante de 57, assim distribuídas: sete em 2013, 14 em 2014, 19 em 2015 e 17 em 2016, correspondendo a 19,8% do total de 288 teses defendidas em 15 anos de oferta do curso de doutorado acadêmico pelo Programa (2006-2020). Na análise, não se identificou tese cuja abordagem de pesquisa fosse exclusivamente quantitativa. Percentual de 12,3% (n=7) das teses selecionadas foram classificadas como pesquisa com abordagem mista (qualitativa e quantitativa). O restante (87,7%; n=50) adotou a abordagem qualitativa, mostrando, como em outros estudos empíricos (LEITE; SILVA; MARTINS, 2017; LEITE et al., 2021; MEDEIROS; VARELA; NUNES, 2017) e teóricos (ANDRÉ, 2001; GHEDIN; FRANCO, 2011; ZANETTE, 2017), a aderência por essa abordagem na área de Educação.
A evolução da quantidade de teses do PPGE, no período considerado, permite identificar crescimento de 142,9%. Esse aumento expressivo está relacionado à expansão da pós-graduação stricto sensu em Educação no Brasil, principalmente em nível de doutorado, inclusive na Região Nordeste (CAPES, 2019). Considerando somente aquelas cuja abordagem é qualitativa, houve aumento de 325,0%, como pode ser observado no Gráfico 3. Trata-se de crescimento expressivo, principalmente se comparado ao quadriênio anterior (2009-2012), quando se observou queda de 23,5% no número de pesquisas qualitativas entre as 65 teses defendidas.
Vale salientar que nem todas as teses de interesse explicitam o uso da abordagem qualitativa em seu resumo, ou seja, descrevem no texto alguma expressão que remeta a isto, como, por exemplo, pesquisa qualitativa, abordagem qualitativa, etc. Isso dificultou o estabelecimento da relação entre objeto de estudo e procedimentos metodológicos empregados, considerando somente o resumo como fonte de informações de uma investigação de natureza qualitativa.
Essa relação é mediada pelo pesquisador, que se aproxima cada vez mais da realidade subjetiva enfocada na proporção em que se aprofunda em sua investigação. Nesse sentido, a aproximação entre problemática, meios de resolvê-la e pesquisador elucida o conhecimento de determinado objeto de estudo em toda a sua riqueza (GUEDIN, 2004), considerando seu delineamento histórico, social e cultural construído pela colaboração de outros sujeitos (ANDRÉ, 2001). Para Zanete (2017), o contato recíproco entre o pesquisador e o contexto da pesquisa exerce forte influência no modo como a investigação é conduzida, favorecendo a delineação do objeto de estudo.
De posse dessas especificidades das teses, quantitativo de 50 fizeram uso da abordagem qualitativa, sendo essas analisadas doravante. Dentre as teses selecionadas, apenas 32,0% (n=16) explicitam o uso dessa abordagem no resumo. Em 68,0% (n=34) delas, é possível a dedução de tal abordagem, seja pelo procedimento de coleta de dados, técnicas de análise de dados ou verbo constituinte do objetivo geral do trabalho, pois esses se reportam ao tratamento de dados qualitativos na pesquisa.
Apesar da existência dessas lacunas entre os resumos da maioria das teses, que não delineiam a metodologia em sua totalidade, a leitura e análise deles serviram para categorizar os dados desta pesquisa em relação a temática, método, procedimento de coleta de dados e técnica de análise de dados. Com relação à presença dessas categorias, 30,0% (n=15) das teses informam todas nos resumos, enquanto 70,0% (n=35) não identificaram algumas delas. Das teses que não apontaram as quatro categorias, 42,0% (n=21) enunciam três; 22,0% (n=11), duas; e 6,0% (n=3), apenas uma.
Conforme o Gráfico 4, entre as temáticas abordadas nas teses, “Outra” é a mais frequente (20,0%; n=10), representando conjunto de temas cuja frequência é inferior a três e que associam educação a outra área do conhecimento, como, por exemplo, Sociologia. Em seguida, aparecem as temáticas sobre política pública (16,0%; n=8), formação de professores (14,0%; n=7) e representações sociais e formação humana (12,0%; n=6, cada). As temáticas menos observadas entre as teses foram: prática docente e profissionalização docente (10,0%; n=5, cada), além de alfabetização (6,0%; n=3).
Há prevalência da formação inicial e do trabalho docente entre os resumos das teses que tiveram como temática política pública e/ou formação de professores, com destaque para percursos formativos orientados por currículos com conteúdos específicos da licenciatura, a exemplo de estética, cultura, educação inclusiva, livro didático e estágio supervisionado. A discussão realizada nas teses sobre formação inicial evidenciou a necessidade de os cursos de licenciatura efetivarem, de modo prático, atividades formativas pautadas na docência na educação básica, em modelos de formação que cumpram a exigência mínima necessária para a formação docente, seja pelas demandas curriculares emanadas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96), ou por ações educativas que supram as necessidades formativas do professorado, como defende Mello (2000).
Gatti (2014) endossa o exposto asseverando ser preciso atenção às atuais demandas de formação inicial de professores no Brasil, superando impasses nesse campo, como a instauração de uma política pública de espectro nacional para as licenciaturas, a desfragmentação curricular e um projeto de acompanhamento do estágio supervisionado inerente a esses cursos.
Sobre os métodos de pesquisa empregados nas teses, foram identificados seis tipos destes, apresentados no Gráfico 5. A maioria das teses (58,0%; n=29) não apresenta o método de pesquisa no resumo, em desacordo ao estipulado pela Norma 6028 (ABNT, 2021) e Pereira (2013). Na solução de problemas desse tipo, Ghedin e Franco (2011) discorrem pormenorizadamente acerca dos princípios investigativos intrísicos ao método de produção de conhecimento em educação, fato que induz a utilização adequada das teorias educacionais que suportam elementos metodológicos de pesquisa.
Entre as teses que explicitam o método de pesquisa no resumo (42,0%; n=21), há predominância do uso da pesquisa documental (14,0%; n=7), da etnografia e do estudo de caso (8,0%; n=4, cada). Os dados indicam que a maioria dos pesquisadores não tomaram os devidos cuidados de esclarecer o método de pesquisa norteador de sua investigação. No entanto, de modo geral, eles procuraram situar o método da pesquisa em torno dos procedimentos de coleta e análise de dados adotados, baseados em fontes primárias de dados provindas do Poder Público, nas esferas Federal, Estadual e Municipal. Tais fontes constituem-se, sobretudo, em textos referentes a políticas públicas educacionais do tipo curricular e de programas.
O método mais evidente entre as teses foi a pesquisa documental, que pode ser uma prática eficaz na elucidação de fenômenos educacionais, uma vez que o documento pode constituir-se em fonte de informações sobre o contexto investigado, bem como fundamentar afirmações e declarações do pesquisador (LUDKE; ANDRÉ, 1986). A delineação do contexto investigado pode ser direcionada pelo estudo de caso, pois este se trata de um método de investigação empírico sobre um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidos (YIN, 2010).
Como complemento para o método de pesquisa suportado por fontes documentais (pesquisa documental), a etnografia e o estudo de caso constituíram-se em procedimentos utilizados nas depreensões sobre o alinhamento de práticas pedagógicas/docentes com diretrizes curriculares, políticas educacionais de inclusão e o desenvolvimento da profissionalidade de professores em formação.
Sobre os procedimentos de coleta de dados, 32,0% (n=16) das teses fizeram uso de apenas um procedimento. A distribuição da quantidade de procedimentos utilizados pelo restante das teses é: dois (22,0%; n=11), três (32,0%; n=16) e quatro (14,0%; n=7). O Gráfico 6 expõe as frequências de utilização desses procedimentos entre as teses, que, em sua maioria, adotaram o uso conjugado de meios para a extração de dados, a exemplo das combinações entre documento e entrevista, assim como observação e questionário.
A entrevista é o procedimento de coleta de dados mais utilizado entre as teses (76,0%; n=38); seguida pela recolha de documentos (58,0%; n=29) e a observação (38,0%; n=19). O questionário está presente em 20,0% (n=10) delas, seguido pela categoria “Outro” (18,0%; n=9), dotada de procedimentos cuja frequência é igual ou inferior a dois, como o grupo focal e a narrativa de vida. Os menos utilizados são: teste de associação livre de palavras (TALP) (10,0%; n=5) e uso de livros (8,0%; n=4).
Por conta da complexidade do objeto de estudo, percebeu-se que a maioria das teses (68,0%; n=34) optou por utilizar mais de um procedimento de coleta de dados. A coleta e a análise, realizadas com base em determinado procedimento, foram utilizadas como critério para execução de etapas posteriores da pesquisa baseadas em outras técnicas, como, por exemplo, a aplicação de um questionário para seleção de sujeitos, que, posteriormente, concederam entrevistas.
Foi possível identificar, entre as teses, o uso de entrevistas como dispositivos de construção de dados e ideias úteis à pesquisa qualitativa, pela capacidade de expressar livremente o pensamento dos participantes. Por exemplo, a entrevista semiestruturada foi utilizada para compreender como diferentes sujeitos se engajam com políticas educacionais inclusivas, bem como a implementação de sistema de ensino, o processo de constituição profissional e de diversos tipos de aprendizagem. De acordo com Lüdke e André (1986, p. 34), “[...] a vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela nos permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.
Deveras, a entrevista pode ser um dispositivo ideal para a captação de significados referentes a determinado objeto de investigação e presentes em um discurso situado em um contexto singular. Perspectivando tal possibilidade na pesquisa educacional, Guedin e Franco (2011, p. 159) asseveram que:
A compreensão da significação dá-se no contexto; com efeito, todo discurso que quer expressar e expressa algum objeto em particular ou o real em seu todo está sempre situado num contexto determinado e condicionado historicamente. Por conta disso, a compreensão é dialógica e ativa à medida que é uma forma de expressão e conhecimento dessa realidade historicamente situada. Toda forma de discurso constitui um modo de inserção num contexto específico.
Como segundo procedimento mais empregado, a recolha de documentos se mostrou recurso importante para a extração de dados necessários às pesquisas. Atentando ao uso desse tipo de recurso, Gil (2002) entende que um documento pode auxiliar na caracterização de um fenômeno atinente a algo, a exemplo de uma instituição ou de uma pessoa, pois pode permitir sua descrição detalhada com base em evidências registradas em um texto de cunho oficial.
A observação se apresentou nas teses como um procedimento utilizado pelo pesquisador para buscar pistas de informações acerca do objeto de investigação delineado na metodologia de sua pesquisa. De modo prático, as pesquisas doutorais que utilizaram a técnica de observação tiveram a intenção de realizar um movimento de perceber se o discurso do sujeito/professor, sobre sua própria práxis, condiz ou não com o que é efetivado por ele enquanto desempenha a regência de aulas. Destarte, foi observado se ele realiza intervenções significativas que oportunizaram condições à aprendizagem de estudantes dos níveis de educação básica e superior.
Sobre o uso qualificado da observação como procedimento de coleta de dados, Farias et al. (2010) não a apontam como uma contemplação inocente ou passiva, pois exige olhar ativo e inquietador do pesquisador, uma disposição aberta para desvelar entrelinhas e nuances da realidade observada, o que se revela e se oculta na preocupação da problemática.
Entre as teses que utilizaram o questionário para coletar dados, foi predominante o processo de identificação de alguns tipos de perfis dos sujeitos de pesquisa (pessoal, profissional, etc.), bem como a seleção de alguns desses sujeitos para realização de outras etapas metodológicas, como a concessão de entrevista para a compreensão de assuntos ligados ao objeto de estudo. Foi percebido que as repostas ao questionário se converteram em dados geradores de padronizações, comparações, generalizações e informações quantificáveis com precisão. Esses procedimentos com uso do questionário são defendidos por Gil (2002), que expressa a possiblidade desse instrumento abranger elevado número de sujeitos participantes, garantindo tanto o anonimato deles como menores gastos com a pesquisa.
Considerando a descrição explícita da técnica de análise de dados no resumo, 54,0% (n=27) das teses não atendem a esse critério, enquanto 46,0% (n=23) garantiram que essa informação estivesse presente, conforme expresso no Gráfico 7.
Detalhar o modo como os dados da pesquisa foram coletados e analisados são processos que conferem rigor científico ao trabalho de pesquisar. Afinal, não é possível dissociar os resultados de uma pesquisa dos processos que os geraram (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Devido às especificidades dos objetos de estudos presentes nas teses, as técnicas de análise de dados se complexificam. Eles (objetos) tendem a ser investigados por procedimentos que se complementam (SOUZA; KERBAUY, 2017) e, durante as análises que visam responder problemas de cunho educacional, “[...] torna-se necessário recorrer a diferentes enfoques entre as múltiplas disciplinas e campos teóricos” (ZANETTE, 2017, p. 158). No entanto, a falta de clareza da técnica de análise de dados no início do relatório final de uma pesquisa dificulta a compreensão sobre essa etapa do trabalho (ABNT, 2021; PEREIRA, 2013), fato constatado na maioria das teses. Dentre as técnicas identificadas, análise de conteúdo foi a mais empregada (30,0%; n=15), seguida pela teoria do discurso foucaultiana (10,0%; n=5) e análise do discurso (6,0%; n=3).
A compreensão da linguagem humana é a mola propulsora da análise de dados das pesquisas qualitativas desenvolvidas no PPGE, seja pelo conteúdo ou discurso presentes em textos de autoria diversificada e que apresentam como matéria prima a fala de interlocutores distintos.
A técnica de análise de conteúdo foi utilizada para analisar mensagens constantes em componentes de políticas públicas como legislações, diretrizes e normas, bem como as que expressam o contexto das práticas docente e pedagógica, formação de professores e profissionalidade docente. Com o propósito de compreender conteúdos presentes em relatos textuais, a análise de conteúdo subsidia a leitura e a interpretação de mensagens de diversas classes de documentos, desvelando aspectos da vida social (OLABUENAGA; URIBARRI, 1989).
Assim como a análise de conteúdo, a análise do discurso foi empregada nas teses para desvelar implicações da implementação de políticas públicas educacionais e a profissionalidade docente, além de ter suportado vozes discursivas relativas a temas específicos, como formação humana em contexto educacional. Pêcheux (1993) esclarece que a distinção entre as análises de conteúdo e do discurso e, consequentemente, a escolha de uma em vez da outra, se dá pelo modo de acesso ao objeto, uma vez que a segunda trabalha com o sentido e não com o conteúdo, focalizando a materialidade empírica do texto.
As teses que utilizaram a teoria do discurso foucaultiana realizaram análise de enunciados advindos de discursos evocados por diversas fontes originadoras, como no Parlamento, nas campanhas de alfabetização, no campo reflexivo da Pedagogia e em ambientes informais de aprendizagem. Notou-se que a significação desses enunciados foi viabilizada pelo sentido empírico das palavras e suas respectivas relações com as coisas e com o mundo, constituído de modo complexo e histórico, sendo o discurso compreendido para além do conteúdo representado por signos. Esse processo se expressa em práticas de construção de implicações, de objetos de quem se fala e de subjetividades, uma vez que a subjetividade do sujeito é fomentada no (pelo) discurso (FISCHER, 2001).
Diante do cenário exposto, é possível afirmar que, parte da formação doutoral (tese) desenvolvida no PPGE investigado explicita as múltiplas facetas do fazer pesquisa em educação de modo subjetivo, situação que será tratada em seguida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atendendo demandas situacionais, contextuais e científicas de investigação, a abordagem qualitativa de pesquisa possibilita apropriação e variedade de métodos, técnicas, perspectivas diversas dos sujeitos participantes, reflexividade do pesquisador, desenvolvimento de conceitos sensíveis ao cenário investigado e descrição de realidades múltiplas. Essa abordagem não se apresenta como proposta rigidamente estruturada, permitindo imaginação e criatividade na proposição de trabalhos que explorem enfoques variados. Destarte, acredita-se que as teses analisadas representam o caráter multifacetado da abordagem qualitativa, inovando e contribuindo com pesquisas no campo da educação.
Somente 30,0% (n=15) das 50 teses identificadas com abordagem qualitativa indicaram em seus resumos as quatro categorias investigadas nesta pesquisa - temática, método, procedimento de coleta de dados e técnica de análise de dados. Essas categorias constituem informações necessárias para a caracterização de uma investigação com viés científico.
Sem a devida descrição dos constituintes fundamentais da pesquisa educacional, em geral, e da pesquisa qualitativa, em específico, seu rigor científico e metodológico está à mercê de críticas que podem apontar fragilidades no conhecimento produzido por esse tipo de investigação. Portanto, cabe ao pesquisador explicitar, logo no início de seu manuscrito, as características que tornam confiável seu trabalho, respaldando assim seus achados.
No quadriênio 2013-2016, houve crescimento expressivo de 325,0% em pesquisas de abordagem qualitativa no PPGE investigado, principalmente se comparado ao quandriênio anterior (2009-2012), quando se observou queda de 23,5% no número de estudos qualitativos entre as 65 teses defendidas. Considerando o recorte temporal desta investigação, é possível destacar, entre os resumos das teses que explicitaram as categorias analisadas: temáticas de política pública e formação de professores; método da pesquisa documental; entrevista e recolha de documentos como procedimentos de coleta de dados; e técnica de análise de conteúdo.
O avanço do conhecimento impulsionado pela pesquisa qualitativa se desvela de forma diversificada na pós-graduação brasileira, pelo arcabouço conceitual para abordar a realidade, pelos métodos de pesquisa diversificados e procedimentos de coleta e análise de dados para investigar o objeto em perspectiva educacional.
A postura flexível do investigador que utiliza pesquisa qualitativa lhe permite iluminar aspectos e processos que podem se apresentar ocultos em determinado fenômeno. Pelo bom uso dos elementos metodológicos desse tipo de pesquisa, que viabiliza, também, a atividade de compreender as vicissitudes educacionais, é possível enfrentar o desafio de analisar qualitativamente dados coletados a partir de variados materiais empíricos, aprimorando habilidades criativas que legitimam a produção de conhecimento.