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Educação em Revista

versão impressa ISSN 0102-4698versão On-line ISSN 1982-6621

Educ. rev. vol.38  Belo Horizonte  2022  Epub 11-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/0102-469835876 

Artigos

A LÍNGUA ESTRANGEIRA NO ENSINO SUPERIOR: UMA ANÁLISE DE SUA OFERTA EM UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

LA LENGUA EXTRANJERA EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR: UN ANÁLISIS DE SU OFERTA EN LAS UNIVERSIDADES BRASILEÑAS

ELAINE DE CASTRO1 
http://orcid.org/0000-0003-1195-6836

ULISSES TADEU VAZ DE OLIVEIRA1 
http://orcid.org/0000-0002-5479-4905

1Universidade Federal de Mato Grosso do Sul(UFMS). Três Lagoas, Mato Grosso do Sul (MS), Brasil. <elainec.teacher@gmail.com>; <ulisvaz@gmail.com>


RESUMO:

O presente estudo tem como enfoque a oferta de disciplinas de Língua Estrangeira (LE) no ensino superior nacional, em vista das demandas das esferas acadêmica e profissional mediante os parâmetros da sociedade globalizada e sua influência no processo de internacionalização das universidades. Para tanto, é apresentado um breve histórico das Instituições de ensino superior no país, até a configuração dos modelos institucionais recentes, tendo como enfoque a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, a qual viabilizou a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e a reformulação curricular de todos os níveis da educação. Deste modo, seguindo a necessidade de domínio de uma LE, sobretudo da Língua Inglesa (LI), considerada como língua franca acadêmica, é realizada uma pesquisa pela oferta de LE nos cursos de graduação com base nos pareceres e decretos que norteiam seus currículos nas duas últimas décadas, disponibilizados publicamente pelo site do Ministério da Educação e do Desporto (MEC). A partir da análise dos arquivos, foram percebidas menções ao domínio de LE, por vezes definidas como LI e Língua Espanhola, sendo sua oferta relacionada sobretudo ao desenvolvimento da competência comunicativa e da habilidade leitora. Deste modo, observou-se que a LE tem como papel permitir o acesso, a participação e a divulgação das atividades acadêmicas de pesquisa e extensão em âmbito global, além de estar relacionada à atuação do profissional em formação em vista das demandas vigentes.

Palavras-chave: Língua Estrangeira; Ensino superior; Diretrizes Curriculares Nacionais

RESUMEN:

Este estudio se centra en la oferta de disciplinas de Lengua Extranjera (LE) en la Educación Superior nacional, ante las demandas del ámbito académico y profesional a través de los parámetros de la sociedad globalizada y su influencia en el proceso de internacionalización de las universidades. Para estos fines, se presenta una breve historia de las instituciones de educación superior en el país, hasta la configuración de modelos institucionales recientes, enfocándose en la Nueva Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional (LDB) de 1996, que permitió la elaboración de las Directrices Curriculares Nacionales (DCN) y reformulación curricular en todos los niveles educativos. De esta forma, ante la necesidad de dominio de una LE, especialmente la Lengua Inglesa (LI), considerada como lengua franca académica, se realiza una investigación cerca de la oferta de LE en cursos de grado a partir de dictámenes y decretos que han guiado sus planes de estudio durante las últimas dos décadas, puestos a disposición del público en el sitio del Ministerio de Educación y Deportes (MEC). A partir del análisis de los archivos se percibieron menciones al dominio de LE, en ocasiones definido como LI y la lengua española, y su oferta está relacionada principalmente con el desarrollo de la competencia comunicativa y la capacidad lectora. Así, se observó que LE tiene el rol de permitir el acceso, participación y difusión de las actividades de investigación y extensión académica a nivel global, además de estar relacionado con el desempeño del profesional en formación ante las demandas actuales.

Palabras clave: Lengua Extranjera; Educación superior; Directrices Curriculares Nacionales

ABSTRACT:

This study focuses on offering Foreign Language (FL) disciplines in national Higher Education given the demands of the academic and professional spheres through the parameters of the globalized society and its influence on the university internationalization process. Therefore, a brief history of higher education institutions in the country is presented, up to the configuration of recent institutional models, focusing on a new law of 1996, LDB (Guidelines and Bases of the Brazilian Education), which enabled the preparation of the National Curriculum Guidelines (DCN) and the reformulation of the curricula at all levels of education. This way, following the need for mastery of a FL, especially the English Language, considered as an academic lingua franca, a survey was carried out for the provision of FL in undergraduate courses based on opinions and decrees that they have guided their curricula over the last two decades, publicly available on the Ministry of Education and Sports website. By analyzing the files, mentions to the domain of FL were perceived, sometimes defined as FL and the Spanish language. Its offer is mainly related to developing communicative competence and reading ability. Thus, we observed that the FL has the role of allowing access, participation, and dissemination of academic research and extension activities globally, in addition to being related to the performance of the professional in training given current demands.

Keywords: Foreign Language; Higher education; National Curriculum Guidelines

INTRODUÇÃO

Com um histórico tardio, as primeiras instituições de ensino superior no Brasil datam do período colonial, sob os interesses da coroa portuguesa e com a influência de instituições religiosas e modelos de formação europeus. Passando por poucas mudanças até a Proclamação da República em 1889, as primeiras universidades brasileiras surgiram com o processo de modernização do país na década de 1920.

Nessa ordem, o último século foi marcado por reformas educacionais em todos os níveis de ensino no país, sendo um marco para este contexto a promulgação das Novas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, com a configuração do ensino superior nos parâmetros recentes. Associadas a esse conjunto de leis, foram propostas diretrizes curriculares para a reformulação dos currículos desse contexto, com análise da relevância das disciplinas ofertadas pelos cursos e suas cargas horárias, além de outras questões relevantes aos pilares da pesquisa, ensino e extensão.

Aliado a essa reformulação, o contexto político, social e econômico recente surge como parâmetro para direcionamento desses rumos, no que tange ao perfil dos egressos dos cursos de graduação das variadas áreas do conhecimento ofertados pelas instituições de ensino vigentes, uma vez que seu papel diz respeito ao atendimento às demandas tanto acadêmicas quanto do mercado de trabalho.

Nesse cenário, o fenômeno da globalização ampliou as modalidades de comunicação, interação e troca entre povos, ressaltando a importância do domínio de Língua Estrangeira (LE), sobretudo da Língua Inglesa (LI), considerada a língua de uso mais corrente desse processo. Nesse âmbito, novos letramentos também surgiram e o domínio de LI se estendeu como meio de acesso e divulgação de pesquisa e produção científica, além de sua vinculação à tecnologia e à informação. Mais especificamente no ensino superior, um outro desdobramento é o processo de internacionalização das universidades, o qual tem como uma de suas bases o domínio de LE.

Partindo desses pressupostos, numa temática tão mencionada em pesquisas em linguística nas últimas 3 décadas, esse estudo tem como objetivo analisar a incorporação da LE nos currículos de cursos superiores, e parte de uma pesquisa pelos documentos norteadores desta reformulação curricular, os quais se encontram disponibilizados online no site do Ministério da Educação, visando verificar a presença ou não da LE nos planejamentos curriculares.

Para o desenvolvimento desta discussão, trazemos primeiramente um breve histórico dos cursos superiores no Brasil (MARTINS, 2002; OLIVEN, 2002; DURHAM, 2003; FÁVERO, 2006; SOUZA, 2012; MACHADO, CAMPOS E SARUNDERS, 2007; SAVIANI, 2010), seguindo pela configuração dos cursos de graduação a partir das diretrizes curriculares (BRASIL, 1996/1997; FRAUCHES, 2008). Discutimos, em um terceiro momento, a presença da LE na educação superior sobretudo com relação aos fenômenos de globalização e internacionalização das universidades brasileiras (ASSIS-PETERSON e COX, 2007; MACIEL, 2011; FINARDI e PORCINO, 2014; SEGRERA, 2015; FINARDI, SANTOS e GUIMARÃES, 2016; AMORIM e FINARDI, 2017). Em seguida, detalhamos o processo de busca e análise de documentos que pautam a oferta de LE nos cursos de graduação do país. Por fim, apresentamos algumas considerações sobre os dados analisados e sugerimos alguns pontos de discussão no âmbito da presença de LE no Ensino superior.

BREVE HISTÓRICO DOS CURSOS SUPERIORES NO BRASIL

Como legado do processo de colonização pela coroa portuguesa, o Brasil teve tardiamente suas primeiras instituições de ensino superior em 1808, com a mudança forçada dos membros da corte real ao território em vista da ameaça de invasão napoleônica. Este princípio monárquico foi marcado pela criação das escolas autônomas, com destaque nas primeiras décadas às escolas de Cirurgia e Anatomia da Bahia e do Rio de Janeiro e das Academias de Guarda da Marinha e Real Militar.

Embora independentes, tais escolas se mantiveram sob o monopólio da coroa portuguesa até a Proclamação da República, em 1889, momento no qual houve uma expansão para instâncias estaduais e municipais, bem como para a iniciativa privada, na criação de novas instituições de ensino. Segundo Durham (2003), até a proclamação havia no país 24 escolas autônomas, sendo que até 1918, 56 novas escolas surgiram seguindo o modelo de formação de profissionais liberais. A este respeito, Martins (2002, p. 1) aponta que:

Até a proclamação da república em 1889, o ensino superior desenvolveu-se muito lentamente, seguia o modelo de formação dos profissionais liberais em faculdades isoladas, e visava assegurar um diploma profissional com direito a ocupar postos privilegiados em um mercado de trabalho restrito além de garantir prestígio social. Ressalte-se que o caráter não universitário do ensino não constituía demérito para a formação superior uma vez que o nível dos docentes devia se equiparar ao da Universidade de Coimbra, e os cursos eram de longa duração.

Conforme mencionado pelo autor, até o momento não haviam universidades no país. Tal fato permaneceu até a década de 1920, com o processo de modernização do país por meio da urbanização, industrialização e consequentemente, da renovação cultural e educacional desencadeada. Nesta ordem, todos os níveis de ensino passaram por reformas, desde o ensino primário “público, universal e gratuito” (DURHAM, 2003, p. 6). No caso do Ensino superior, em contraposição aos modelos de escola autônoma vigentes, Martins (2002, p.1) afirma que:

o debate sobre a criação de universidades não se restringia mais a questões estritamente políticas (grau de controle estatal) como no passado, mas ao conceito de universidade e suas funções na sociedade. As funções definidas foram as de abrigar a ciência, os cientistas e promover a pesquisa. As universidades não seriam apenas meras instituições de ensino, mas centros de saber desinteressado (MARTINS, 2002, p.1).

É importante ressaltar que esse debate ganhou forças na década de 1920 devido à atuação da Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), as quais, dentre as questões mais importantes, discutiam a concepção, as funções e a autonomia da universidade, bem como buscavam um modelo a ser adotado em contexto nacional (FÁVERO, 2006).

Ainda neste âmbito, Durham (2003) ressalta a forte presença da igreja no campo educacional, desde a criação das escolas confessionais no período republicano. Com esta modernização do nível superior de ensino, a elite católica conservadora perdeu espaço na concessão de fundos econômicos para a criação das universidades, sobretudo com a oposição de intelectuais liberais. Assim sendo:

O que se propunha era bem mais que a simples criação de uma universidade: era a ampla reforma de todo o sistema de ensino superior, substituindo as escolas autônomas por grandes universidades, com espaço para o desenvolvimento das ciências básicas e da pesquisa, além da formação profissional. O sistema seria necessariamente público e não confessional (DURHAM, 2003, p. 6).

Já na década de 1930, com o Governo Provisório de Getúlio Vargas, “o contexto político e econômico colocou em pauta a estrutura do ensino vigente no país e iniciaram-se as discussões para fazer prevalecer alguns dos princípios básicos em que se fundamentava o novo regime” (MACHADO, CAMPOS e SAUNDERS, 2007, p. 2). Nesta ordem, a educação passou a ser considerada como aspecto fundamental na formação nacional e no processo de modernização em curso e, portanto, o ensino público foi promovido mais intensamente com a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.

Neste mesmo ano, o ministro mineiro Francisco de Campos organizou uma reforma em todo o ensino nacional para atender aos novos paradigmas educacionais, criando o Conselho Nacional de Educação e introduzindo à educação básica a seriação, frequência obrigatória, além dos ciclos fundamental e complementar (MACHADO, CAMPOS e SAUNDERS, 2007). Mais especificamente com relação ao Ensino superior, houve a aprovação do Estatuto das Universidades Brasileiras, o qual estabelecia que:

a universidade poderia ser oficial, ou seja, pública (federal, estadual ou municipal) ou livre, isto é, particular; deveria, também, incluir três dos seguintes cursos: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. Essas faculdades seriam ligadas, por meio de uma reitoria, por vínculos administrativos, mantendo, no entanto, a sua autonomia jurídica (OLIVEN, 2002, p. 27).

No entanto, à margem de um regime autoritário e centralizador do poder promovido por Vargas na segunda metade da década de 1930, o então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, reformulou a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920 seguindo o sistema de faculdades autônomas, instaurando a Universidade do Brasil, instituição que sugeria um modelo de ensino superior para todo o país. Ao longo do governo de Vargas, houve o surgimento das primeiras universidades nacionais, as quais Souza (2012, p. 54) subdivide entre:

- início da Era Vargas (1930): três universidades (Universidade do Rio de Janeiro e Universidade de Minas Gerais e Escola de Engenharia de Porto Alegre);

- fim da Era Vargas (1945): cinco universidades (Universidade do Brasil, Universidade Técnica do Rio Grande do Sul, Universidade de São Paulo, Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade do Distrito Federal).

Com a queda de Getúlio em 1945 e a redemocratização do país, houve a propagação de mais universidades públicas no território nacional. No entanto, Fávero (2006) ressalva que as instituições de ensino ainda se caracterizavam pela formação profissional e eram desvinculadas da pesquisa e produção de conhecimento. De acordo com Durham (2003), essa tendência se observou a partir de 1964, com um novo regime autoritário implantado no país, o qual perdurou até meados de 1980 e impulsionou o surgimento de universidades privadas.

Ao longo das décadas seguintes, houve projetos importantes para a consolidação das universidades nos parâmetros mais recentes, a partir da Constituição de 1988. Retomando a Constituição de 1934, a qual conferia à União a responsabilidade pelas diretrizes nacionais da educação, o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), visando regularizar o sistema de educação brasileiro foi encaminhado ao poder legislativo em 1948, e foi promulgado em 1961 (Lei n° 4.024). De acordo com Oliven (2002, p. 32), a primeira LDB fortaleceu a centralização deste sistema de educação, pois:

mesmo possibilitando certa flexibilidade na sua implementação, na prática, essa lei reforçou o modelo tradicional de instituições de ensino superior vigente no país. Em termos organizacionais, deixou ilesas a cátedra vitalícia, as faculdades isoladas e a universidade composta por simples justaposição de escolas profissionais; além disso, manteve maior preocupação com o ensino, sem focalizar o desenvolvimento da pesquisa.

Neste âmbito, em 1968, sob influência de experiências de instituições de ensino superior internacionais, houve a aprovação da Lei da Reforma Universitária (Lei n° 5540/68), a qual propunha uma modernização institucional. Entre as principais reformas, estava a criação de departamentos, a implantação do exame vestibular de caráter classificatório, além da concepção de indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão, o que possibilitou melhorias na capacitação docente e promoveu as atividades de pós-graduação e extensão no país. Esta expansão levou ao aumento de instituições privadas e estabelecimentos isolados de ensino, devido ao crescimento da demanda de vagas na educação superior.

É importante ressaltar que no período de 1964 a 1985, “as universidades passaram a ser objeto de uma ingerência direta do governo federal” (OLIVEN, 2002, p. 33), uma vez que vários professores foram afastados de suas funções e houve a criação de Assessorias de Informação atuando na coibição de “atividades de caráter ‘subversivo’, tanto de professores quanto de alunos” (id., p. 33).

Com o fim da ditadura, em 1985 se iniciou um novo processo de redemocratização do país. Após a Constituição de 1988, houve a promulgação de uma nova LDB de 1996 (Lei 9.394/96), a qual atribuiu oito finalidades ao ensino superior em seu artigo 43, as quais, de modo breve, referem-se ao estímulo a criação cultural, ao desenvolvimento do espírito científico e ao pensamento reflexivo; a formação profissional em diferentes áreas de conhecimento; o incentivo à pesquisa e investigação científica; a promoção de conhecimentos culturais, científicos e técnicos; a possibilidade de aperfeiçoamento cultural e profissional; o estímulo ao conhecimento dos problemas globais e locais atuais; a promoção da extensão; e a universalização e do aprimoramento da educação básica via capacitação profissional (BRASIL, 1996).

A partir deste conjunto de leis, também foi introduzido um processo de avaliação regular dos cursos de graduação e das instituições de ensino superior pela União, o qual garante o credenciamento e recredenciamento destas por meio de seu desempenho. Segundo Oliven (2002), estas avaliações abrangem aspectos dos cursos de graduação e do espaço físico da universidade, e têm mostrado que as universidades públicas apresentam os melhores resultados.

Neste âmbito, Saviani (2010, p.11) afirma que:

No Brasil, apesar da tendência à privatização que se esboçou no final do império e ao longo da Primeira República, até a Constituição de 1988 prevaleceu o modelo napoleônico caracterizado pela forte presença do Estado na organização e regulação do ensino superior, em especial no caso das universidades.

No que tange ao enquadramento das instituições de ensino superior enquanto universitárias, a LDB de 1996 estabeleceu que:

para que uma instituição possa ser considerada universidade e, portanto, gozar de autonomia para abrir ou fechar cursos, estabelecer número de vagas, planejar atividades etc., ela deve ter, no mínimo, um terço do seu corpo docente com titulação de mestre ou doutor e um terço, contratado em tempo integral. Assim, a melhoria da qualificação do corpo docente e de suas condições de trabalho, aliada a avaliações periódicas e ao credenciamento condicional das instituições, por tempo determinado, foram fatores que levaram à institucionalização da pesquisa (OLIVEN, 2002, p. 37).

A partir da promulgação desta nova LDB, o ensino superior no Brasil, também regulamentado na Constituição, se encontra composto por um sistema diversificado de programas e cursos de graduação e pós-graduação, pertencentes a instituições públicas e privadas de ensino. Com a vinculação da pesquisa à educação superior, no final da década de 1980 houve uma tendência a alterar esse modelo.

Contando com inúmeros decretos, regulamentos e portarias complementares, a LDB de 1996 passou a contar com diretrizes curriculares, propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto (doravante MEC) para os diversos níveis de ensino, inclusive cursos de graduação. Neste âmbito, os currículos dos cursos superiores passam a ser redefinidos e, portanto, a subseção a seguir apresenta algumas das deliberações das Diretrizes Curriculares Nacionais (doravante DCN) nas instituições de ensino superior (doravante IES) do país.

CONFIGURAÇÃO DAS GRADUAÇÕES A PARTIR DAS DCN

Entre as LDB de 1961 e 1996, é possível destacar como ponto convergente a necessidade de capacitação docente. No primeiro caso, com a Lei da Reforma Universitária, houve também uma movimentação em prol das atividades de pesquisa e extensão, enquanto que, na mais recente, a questão da titulação docente ampliou horizontes tanto em questões trabalhistas neste contexto, quanto na promoção da pesquisa (OLIVEN, 2002).

No entanto, ao observar as questões curriculares inerentes ao ensino superior, as DCN vieram para quebrar alguns paradigmas existentes neste nível de ensino. Na compilação de pareceres e resoluções de orientação geral sobre a implantação das DCN no Ensino superior, disponibilizada virtualmente no site do MEC, é possível verificar que os currículos eram fixos, constituindo os denominados currículos mínimos, os quais detalhavam as disciplinas componentes de cada curso, implicando em questões relacionadas à relevância de disciplinas e extensão de carga horária para atender às demandas sociais e profissionais vigentes. De acordo com o Parecer CNE/CES nº 776/97:

A orientação estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no que tange ao ensino em geral e ao ensino superior em especial, aponta no sentido de assegurar maior flexibilidade na organização de cursos e carreiras, atendendo à crescente heterogeneidade tanto da formação prévia como das expectativas e dos interesses dos alunos. Ressalta, ainda, a nova LDB, a necessidade de uma profunda revisão de toda a tradição que burocratiza os cursos e se revela incongruente com as tendências contemporâneas de considerar a boa formação, no nível de graduação, como uma etapa inicial da formação continuada (BRASIL, 1997, p. 2).

Neste formato de currículo, prevaleciam “interesses de grupos corporativos interessados na criação de obstáculos para o ingresso em um mercado de trabalho marcadamente competitivo”. Uma vez esta ineficiência na formação profissional, as DCN vieram no intuito de “assegurar maior flexibilidade na organização de cursos e carreiras, atendendo à crescente heterogeneidade tanto da formação prévia como das expectativas e dos interesses dos alunos” (FRAUCHES, 2008, p.33).

Numa perspectiva de expansão para os chamados currículos plenos, as DCN objetivavam auxiliar as IES na organização curricular, promovendo uma abertura a diversas formações em cada área do conhecimento e, consequentemente, atendendo às novas demandas educacionais.

No caso concreto das instituições de ensino superior, estas responderão necessariamente pelo padrão de qualidade na oferta de seus cursos, o que significa, no art. 43, preparar profissionais aptos para a sua inserção no campo do desenvolvimento, em seus diversos segmentos, econômicos, culturais, políticos, científicos, tecnológicos etc. Disto resultou o imperioso comprometimento das instituições formadoras de profissionais e de recursos humanos com as mudanças iminentes, no âmbito político, econômico e cultural, e até, a cada momento, no campo das ciências e da tecnologia, nas diversas áreas do conhecimento, devendo, assim, a instituição estar apta para constituir-se resposta a essas exigências. (FRAUCHES, 2008, p.42)

No edital nº 4, de 10 de dezembro de 1997, citado por Frauches (2008, p. 45-49) o MEC, juntamente à Secretaria de Educação Superior (SESu), afirmam uma maior autonomia às IES quanto aos currículos dos cursos superiores, estabelecem sete orientações básicas às finalidades das DCN, no que tangem: ao perfil e às competências e habilidades desejados pelo formando; aos conteúdos curriculares, divididos em básicos e profissionais; à duração mínima dos cursos; à otimização da estruturação modular; ao estágio e atividades complementares adquiridas fora do ambiente escolar; e sua conexão com a inovação e qualidade dos projetos pedagógicos de ensino em prol dos indicadores de qualidade observados na avaliação institucional.

A partir destas orientações, o referido edital propunha que:

A discussão das Diretrizes Curriculares deverá ser realizada de forma a integrar ampla parcela da comunidade interessada, legitimando o processo de discussão. Assim, é desejável a integração das IES com as sociedades científicas, ordens e associações profissionais, associações de classe, setor produtivo e outros setores envolvidos, por meio de seminários, encontros, workshops e reuniões, de forma a garantir Diretrizes Curriculares articuladas tanto às reformas necessárias à estrutura da oferta de cursos de graduação, quanto aos perfis profissionais demandados pela sociedade (FRAUCHES, 2008, p.47).

Com esta proposta, a discussão das IES em torno de seus currículos mediante as orientações para elaboração de suas propostas de DCN, ocorreram com a data limite de 3 de abril de 1998 para o envio ao SESu/MEC. De acordo com Frauches (2008, p. 18), este prazo “foi prorrogado por duas vezes, pelos editais 5 e 6/98, sendo concluído em 15/7/98”. Nesse sentido, cursos superiores das variadas áreas do conhecimento enviaram suas propostas aos órgãos competentes, sendo possível encontrar as resoluções e pareceres por curso também no site do MEC.

No quadro a seguir, são apresentadas as grandes áreas do conhecimento, de acordo com a compilação de documentos realizada por Frauches (2008), e os respectivos cursos de graduação nacionais listados pelo portal do MEC.

Fonte: os autores.

Quadro 1 Lista de cursos de graduação por áreas de conhecimento com base nos dados do MEC 

Além dos 66 cursos listados ao longo das 5 grandes áreas do conhecimento - Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Sociais Aplicadas e Engenharias e Tecnologias - o site do MEC também apresenta pareceres para Cursos Superiores Tecnológicos e para Formação de Docentes para a Educação Básica, ou seja, diretrizes para cursos de formação tecnológica e para cursos de licenciatura destinados à formação de professores para o nível básico.

Mediante o exposto, a partir das LDB, com a reformulação dos currículos dos cursos superiores mediada pelas DCN, nas últimas duas décadas observou-se o crescimento da educação superior no Brasil e a diversificação de formas de atendimento, sobretudo na graduação, o que para Franco (2008) não ocorreu juntamente de um aprimoramento na relação entre os projetos pedagógicos dos cursos superiores e as reais demandas do mercado de trabalho.

Nesse sentido, como proposto neste estudo, as atuais demandas da educação presumiram a presença da LE neste nível de ensino e, portanto, cabe apresentar na seção 3 as motivações e as formas pelas quais essa inserção, sobretudo da LI, ocorreu nos currículos de cursos superiores.

A PRESENÇA DA LE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Ao localizar o ensino e aprendizagem de LE no contexto da educação superior nacional, é importante retomar um aspecto ressaltado por diversos pesquisadores ao explicarem fenômenos relacionados a este domínio: a globalização. Numa perspectiva econômica, Finardi, Santos e Guimarães (2016) afirmam que a globalização se dá pelas relações baseadas em operações de mercados livres, alterando fronteiras e fluxos de informação e migração.

Para Finardi e Porcino (2014), iniciada na década de 1990, a globalização diz respeito ao livre fluxo de bens e serviços, diretamente relacionado à tecnologia e, consequentemente, à velocidade da informação. Referindo-se aos avanços tecnológicos, sobretudo nas últimas duas décadas, as autoras pontuam que estes:

[...] possibilitaram um fluxo mais ágil, democrático e barato de informação, produtos e serviços, o que numa economia globalizada significa milhões de usuários conectados a dispositivos móveis, Internet e redes sociais. Todo esse fluxo de informação tem alterado a forma de nos vermos e posicionarmos nesse novo cenário global e local, seja ele presencial ou virtual (FINARDI e PORCINO, 2014, p. 242).

Nesse sentido, Assis-Peterson e Cox (2007) afirmam que sempre houve interação entre falantes de diferentes línguas por meios de comunicação diversos, sendo o advento da Internet o ápice desta troca, uma vez que comprimiu a distância entre os homens. Consequentemente, surgiu a necessidade de uma língua comum, a qual foi ocupada pela LI, sobretudo por razões econômicas e políticas.

Antes de falar inglês o mundo falou latim e francês. Contudo, diferentemente do que ocorrera com o latim e o francês, línguas usadas, sobretudo, para a enunciação da alta cultura e, portanto, domínio restrito de uma elite intelectual e dirigente, nos tempos da globalização, o inglês se dissemina por todas as esferas de atividades sociais (ASSIS-PETERSON e COX, 2007, p. 5).

Esta posição privilegiada ocupada pelo idioma em si, tem sido analisada por pesquisadores, sobretudo das áreas das ciências sociais e da linguagem, como um fenômeno imperialista, marcado por interesses neocoloniais em benefício das culturas norte-americana e britânica (Phillipson, 1992; Pennycook, 2004; Ortiz, 2006). Muito embora, a LI esteja presente em diversas atividades sociais, seu domínio ainda é restrito a grupos sociais específicos, cujas condições sociais e econômicas são mais abastadas.

Na esfera educacional, por sua vez, a associação da LI como língua oficial da globalização deixa implícita uma nova forma de letramento, com vistas à integração dos aprendizes aos parâmetros sociais vigentes (MACIEL, 2011). Assim sendo, seu ensino e aprendizagem se torna uma questão mercadológica, com a produção de materiais didáticos padronizados e a disseminação de escolas particulares de línguas.

No que tange ao ensino de LI no Ensino superior, Finardi e Porcino (2014, p. 243-244) ressaltam que há distinção entre o impacto da globalização na educação básica e superior nacionais. No segundo caso, tal impacto foi percebido primeiro, juntamente de outros efeitos, como a massificação e internacionalização deste nível de ensino e do uso do inglês como língua internacional e acadêmica.

Inerente a esta discussão, Finardi, Santos e Guimarães (2016, p. 234), com base em Jenkins (2013), também associam ao fenômeno de globalização esse processo de internacionalização da educação superior, ao qual definem como “a estratégia pela qual as universidades respondem à globalização, integrando uma dimensão intercultural na sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão”. Nessa ordem, a LI atua mais uma vez como língua comum, ou nos termos de Jenkins, uma língua franca acadêmica, a qual permite maior mobilidade em níveis acadêmico, cultural e linguístico.

Trazendo a definição de internacionalização de Knight (2003) como “o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural e global na missão ou função da educação superior”, Amorim e Finardi (2017) destacam mais algumas tendências mundiais nas universidades atuais em relação à globalização, sendo elas o crescimento do uso de tecnologias da informação e comunicação e a privatização das IES (SEGRERA, 2015).

Nesse sentido, o momento atual é de reestruturação do ensino superior às novas demandas impostas pela globalização. Consequentemente, este processo de internacionalização das universidades aponta para “um padrão onde países no hemisfério norte se beneficiam mais da globalização e da internacionalização do que países no hemisfério sul” (FINARDI, SANTOS e GUIMARÃES, 2016, p. 236). Nesse sentido, este processo é o caminho da inserção de países em desenvolvimento no mundo globalizado, como é o exemplo do Brasil.

Dessa maneira, a supremacia da LI em âmbito internacional/global coloca em xeque a língua materna (LM) de países, sobretudo em desenvolvimento. Ao analisar a circulação de pesquisas da área de Letras em LI e LM, Finardi, Santos e Guimarães (2016, p. 242) afirmam que:

Apesar de o Brasil ser o país com a 13ª maior produção acadêmica no mundo, essa produção raramente tem impacto internacional já que é produzida em português e circula principalmente internamente e em países que falam português. Uma consequência disso, consideradas as ressalvas e o contexto do hemisfério sul já apontadas por Hamel (2013) e Vavrus e Pekol (2015), é que nossa produção acadêmica, apesar de robusta, não é computada e circulada internacionalmente.

Corroborando os pontos centrais deste estudo, no que tange a LE no ensino superior nacional, é incontestável a presença massiva da LI, sobretudo na mobilidade e circulação da pesquisa e produção científica, além de sua vinculação ao acesso à tecnologia e à informação. Certamente, há muitos pontos a serem discutidos sobre os efeitos da globalização e da internacionalização nesta esfera, uma vez que, como mencionado pelos autores supracitados nesta seção (FINARDI, SANTOS e GUIMARÃES, 2016), há pontos positivos e negativos de ambos os fenômenos. No entanto, ressaltamos com a presente pesquisa a questão da incorporação da LI nos currículos de cursos superiores e, portanto, não aprofundamos a discussão sobre os impactos destes processos neste momento.

Visando convergir o histórico de criação e organização dos cursos superiores até os parâmetros em que se encontram no momento deste estudo, quanto às demandas da sociedade globalizada pela oferta de LI no ensino superior nacional, foram pesquisados os documentos, entre pareceres e resoluções, disponibilizados no site do MEC, em busca da presença deste componente nas DCN e currículos dos 66 cursos mencionados na seção 3, processo este retratado na subseção seguinte.

A OFERTA DE LE NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO

Após apresentar um histórico da educação superior, seguindo pela elaboração das DCN na configuração dos cursos de graduação ofertados no país, a LE, sobretudo a LI, é apontada neste estudo como língua associada à globalização e, consequentemente, de internacionalização das universidades. Tendo em vista as demandas por uma língua franca, a qual permite acesso à era da informação e tecnologia, bem como a inserção, participação e divulgação de atividades acadêmicas de pesquisa e extensão, este estudo investiga a sua oferta neste contexto de ensino e aprendizagem do idioma.

Para tanto, como processo metodológico, optou-se por verificar a menção do ensino de LE nas DCN dos 66 cursos de graduação ofertados no país e listados no site do MEC, distribuídos entre as 5 áreas distintas do conhecimento, referentes as Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Sociais Aplicadas e Engenharias e Tecnologias, além de Cursos Superiores Tecnológicos e Formação de Docentes para a Educação Básica. Para tanto, os instrumentos de coleta de dados foram os documentos norteadores da elaboração dos currículos dos cursos, os quais se encontravam disponibilizados online no portal do MEC no momento da pesquisa. A partir do acesso, foi realizada a busca pelos termos ‘língua estrangeira’, ‘idioma estrangeiro’ e ‘língua inglesa’ nos textos de cada um dos arquivos, visando a verificar a presença da LI ou outras LE entre os conteúdos curriculares e/ou profissionais propostos mediante a aprovação de suas DCN.

Ao propor a análise desses documentos, foram encontrados um total de 190 pareceres e 98 resoluções, datados entre 1997-2021, e agrupados entre os 66 cursos superiores já apresentados no Quadro 1. Para tanto, visando lidar com o volume de materiais presentes no site, as buscas dos termos foram feitas somente em arquivos referentes às DCN de cada curso, sendo um total de 66 arquivos analisados. Destes, 36 não mencionaram os termos buscados, sendo os 30 que contiveram ao menos um dos termos de busca detalhados no Quadro 2.

Fonte: os autores (Grifos nossos).

Quadro 2 Menção da LE nos pareceres das DCN disponibilizados pelo MEC 

Quadro 2 Continuação... 

Quadro 2 Continuação... 

Após observar o quadro com os 30 cursos cujas DCN contemplaram ao menos um dos termos de busca em seu texto, foi possível descartar os seguintes 36 cursos presentes na listagem do MEC, por não fazerem menção a nenhuma das buscas deles: Administração Pública, Agronomia/Engenharia Agronômica, Arquitetura e Urbanismo, Arquivologia, Artes Visuais, Biblioteconomia, Ciências da Religião, Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Ciências Sociais - Antropologia, Ciência Política e Sociologia, Cinema e Audiovisual, Comunicação Social, Dança, Design, Direito, Economia Doméstica, Educação Física, Engenharia, Engenharia Agrícola, Engenharia da Pesca, Engenharia Florestal, Estatística, Física, Formação de Docentes para a Educação Básica, História, Matemática, Meteorologia, Museologia, Música, Oceanografia, Pedagogia, Saúde Coletiva, Teatro, Cursos Superiores Tecnológicos, Teologia e Zootecnia.

Ainda, é importante ressaltar que no parecer CNE/CP nº 12/2018, aprovado em 2 de outubro de 2018, do curso de Ciências da Religião, aparece o termo ‘língua estrangeira’ no artigo 15º. citado em seu texto, referente à organização dos componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental com relação às áreas de conhecimento, sendo uma delas entre as Linguagens, ao lado de Língua Portuguesa, Língua Materna, para populações indígenas, Arte e Educação Física. No curso de Teologia, por sua vez, é mencionado ‘idioma’ e ‘’língua alemã na introdução do parecer (CNE/CES nº 60/2014, aprovado em 12 de março de 2014), se referindo apenas à língua oficial utilizada nas escolas de Teologia, orientadas pelo modelo de formação existente na Alemanha. Em ambos os casos, não houve associação dos termos à oferta de LE ou LI nos respectivos cursos e, portanto, não compuseram o quadro.

Ao longo das buscas, foi constatado que muitos dos pareceres se repetiram ao longo da listagem de cursos de graduação do site, uma vez que um mesmo documento trata das DCN de mais de um curso, associados a uma mesma área de conhecimento. Por isso, os trechos das diretrizes de diferentes cursos cujos textos eram similares, com mudanças somente nos termos referentes ao nome do curso e perfil do profissional formado, foram apresentados juntos no Quadro 2, como é o caso de: Enfermagem, Medicina e Nutrição; Computação (bacharelado e licenciatura), Engenharia da Computação e Engenharia de Software; Farmácia e Odontologia; e Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional. Deste modo, os trechos discutidos a seguir fazem referência a um total de 23 pareceres, os quais foram organizados em 3 aspectos comuns principais: LE como competência comunicativa, LE associada à leitura e LE associada a outras habilidades.

É importante ressaltar aqui que a preferência em referir aos aspectos comuns como LE e não LI se deu devido ao fato dos pareceres nem sempre definirem qual a LE a ser ofertada. Neste âmbito, os documentos dos cursos de Geografia, Letras, Química e Secretariado Executivo destacaram o domínio de LM e os de Jornalismo, Química e Hotelaria, sugeriram o domínio de outra LE, sendo essa o espanhol.

Quanto ao aspecto 1 - LE como competência comunicativa, foi observado que nos cursos das áreas das Ciências Biológicas apresentaram, entre as Competências e Habilidades listadas em seus pareceres - mais especificamente na seção III correspondente à comunicação do profissional formado - afirma-se a necessidade do “domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação”.

Nos pareceres destes 11 cursos - Biomedicina, Enfermagem, Medicina, Nutrição, Farmácia, Odontologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Medicina Veterinária e Psicologia - é possível perceber a semelhante redação dos trechos e destacar que características como acessibilidade, confidencialidade, confiabilidade e interatividade são qualidades requeridas ao profissional egresso, sendo a habilidade comunicativa embasada nas habilidades de escrita e leitura.

Embora não haja a definição de qual a LE a ser ofertada pelos cursos nos arquivos analisados, tal instrumentalização profissional do estudante das áreas biológicas indica uma maior possibilidade interacional aliada ao domínio de tecnologias, tanto em âmbito acadêmico quanto no mercado de trabalho, como elucidado por autores supracitados na seção (JENKINS, 2013; FINARDI e PORCINO, 2014; FINARDI, SANTOS e GUIMARÃES, 2016).

Quanto ao aspecto 2 - LE associada à leitura, entre as Competências e Habilidades de cursos das áreas de Engenharias e Tecnologias, sendo eles Ciências da Computação, Computação (bacharelado e licenciatura), Engenharia da Computação, Engenharia de Software e Geologia, espera-se que o aprendiz possa “ler textos técnicos na língua inglesa”. No caso destes 7 cursos, há a menção especificamente da LI no desenvolvimento desta competência. Similarmente, o curso de Filosofia menciona, na mesma seção de seu parecer, a capacidade de leitura e compreensão de textos filosóficos, porém em LE e não LI.

Outros dois cursos que mencionam a leitura em LE são os de Química e Relações Internacionais. No primeiro caso, é enfatizada a necessidade de “ler, compreender e interpretar os textos científico-tecnológicos em idioma pátrio e estrangeiro” tanto em LI como em espanhol. Já para Relações Internacionais, fala-se em compreensão em LE, com destaque para a LI.

Neste ponto, é possível destacar que os diferentes termos mencionados nos documentos - ‘textos técnicos’, ‘textos filosóficos’ e ‘textos científico-tecnológicos’ - se referem ao desenvolvimento da habilidade leitora dos profissionais em formação, uma vez que a leitura ou compreensão escrita diz respeito a textos voltados às áreas de especificidade de cada curso.

Diferentemente do primeiro aspecto analisado, quanto aos cursos das áreas Biológicas, que destacaram o aspecto comunicativo da LE tanto para a formação quanto atuação do profissional, no que tange ao desenvolvimento da habilidade leitora em LE, seja LI ou espanhol, objetiva-se a formação acadêmica e, portanto, percebe-se seu aspecto como a língua franca acadêmica, proposto por Jenkins (2013).

Finalmente, quanto ao aspecto 3 - LE associada a outras habilidades, nos pareceres dos cursos de Ciências Aeronáuticas, Letras e Química, também são mencionadas as habilidades escrita e ouvida, bem como a recepção e produção de textos, sendo a LI mencionada, com exceção do curso de Letras. Ainda, sobre a LI nestes dois cursos, as Ciências Aeronáuticas mencionam em seu 11º. artigo que o domínio do inglês permite ao profissional desenvolver sua capacidade empreendedora, enquanto que no curso de Química, o idioma permite a divulgação de projetos e resultados de pesquisas científicas desenvolvidas na área. Em ambos os casos, é possível perceber a função da LI enquanto um idioma de troca em situações profissionais e acadêmico-científicas.

Nesse sentido, corroborando esta perspectiva, o parecer do curso de Geografia também faz menção à “produção e a difusão do conhecimento geográfico” em LE e ainda, Relações Públicas, que não traz o termo LE ou LI, mas menciona o “estudo de línguas de contato ou de relação (língua franca)”, mais uma vez se associando aos termos de Jenkins (2013).

Após verificar os 3 aspectos, um último ponto observado foi a ausência de uma habilidade ou competência específica a ser desenvolvida em LE ou LI pelos pareceres dos cursos de Administração Hoteleira, Publicidade, Turismo, Hotelaria e Secretariado Executivo. Estes documentos utilizaram-se predominantemente do trecho “domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira” para se referir à oferta de LE, sendo o curso de Jornalismo, o único a fazer menção ao domínio instrumental de idiomas.

Mediante à análise dos pareceres, na próxima e última seção deste artigo, buscamos listar algumas tendências entre seus textos quanto a oferta de LE em cursos superiores nacionais e ainda, sugerimos algumas discussões a partir do exposto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo abordou a oferta de LE no ensino superior no Brasil, seguindo pelo histórico de sua consolidação até os parâmetros recentes, com base na elaboração das DCN e em consonância com as demandas pela oferta, sobretudo de LI, como língua fundamental ao processo de inserção das universidades nacionais ao contexto global, por meio do acesso e divulgação da pesquisa científica.

Após observar 23 pareceres disponibilizados entre os 66 cursos superiores listados pelo site do MEC, percebeu-se que os pareceres nem sempre definem a LE a ser ofertada, sendo a LI mencionada em 9 pareceres correspondentes a 13 cursos (Ciências Aeronáuticas, Ciências da Computação, Computação bacharelado e licenciatura, Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Geologia, Jornalismo, Publicidade, Química, Relações Internacionais e Hotelaria) e a língua espanhola nos pareceres de 3 cursos (Jornalismo, Química e Hotelaria). Nesse sentido, é também evidente que menos de metade dos cursos de graduação ofertados no país ressaltam a necessidade de LE para propósitos acadêmicos ou profissionais.

Seguindo a análise, foram depreendidos 3 aspectos comuns aos textos, no que tange a competência comunicativa, a habilidade de leitura e as demais habilidades em LE de modo geral. No primeiro aspecto, quanto ao desenvolvimento da competência comunicativa por meio da LE, há uma tendência dos cursos das áreas das Ciências Biológicas em associar o domínio de uma LE, juntamente de conhecimentos tecnológicos de comunicação e informação na instrumentalização profissional dos graduandos.

Quanto ao segundo aspecto, a habilidade de leitura é mencionada predominantemente por cursos da área de Engenharias e Tecnologias, além de outros 3 cursos de áreas variadas (Filosofia, Relações Internacionais e Química). Nestes casos, a habilidade leitora é fundamental na formação profissional, uma vez que envolve a compreensão de textos específicos de cada curso, fortalecendo a perspectiva da importância da LE, e mesmo da LI, mencionada por pareceres de 8 destes cursos, como meio de acesso a estas áreas acadêmicas.

Num terceiro aspecto, quanto às demais habilidades, a compreensão oral e a produção escrita são mencionadas em 4 pareceres, havendo a menção da necessidade de uma língua franca num outro parecer, mais uma vez ressaltando a necessidade de LE nas atividades acadêmicas. Nesta ordem, os três aspectos pontuados apontaram para a função da LE como língua franca acadêmica ou instrumento de acesso a tecnologias e informação para a atuação profissional dos egressos de seus cursos, enfatizando a relação do domínio de LE em duas vertentes de inserção: a do profissional formado no mercado de trabalho atual e a das universidades nacionais na produção, divulgação e apreciação da pesquisa e produção científica das 5 áreas do conhecimento.

Nesse sentido, retomando o contexto político, econômico e social atual do ensino superior, mais relacionado aos reflexos da globalização e do consequente processo de internacionalização das universidades, ofertar a LI ou mesmo a língua espanhola, segundo idioma mais mencionado nos pareceres, evidencia a reação de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, na tentativa de acompanhar e participar do cenário acadêmico mundial. Finardi, Santos e Guimarães (2016) já discutiram a questão da expressividade da pesquisa acadêmica nacional, porém, por uma questão de LM, a disseminação dessas produções encontra uma barreira linguística também consecutiva aos processos de globalização e internacionalização aqui apontados.

Independentemente deste estudo analisar a oferta de LE nas DCN, a discussão não é somente em constatar que 23 cursos mencionam alguma necessidade pelo domínio de LE na graduação, sendo que 9 deles definem essa língua como a LI. Ainda que haja essa menção ao domínio de LE em pouco mais de aproximadamente 35% dos cursos de graduação nacionais, a oferta efetiva de LE na educação superior dependeria de diversos outros fatores mais relacionados as condições das IES, como a disponibilidade de carga horária e corpo docente para ministrar disciplinas de LE ou coordenar programas de extensão sob este enfoque.

Ainda, no que tange a importância da LE para o pertencimento à esfera acadêmica, tanto na veiculação da produção acadêmica nacional, quanto em aspectos mais gerais, como o desenvolvimento de competências e habilidades em LE dos graduandos e preparação profissional consonante às demandas globalizadas do mercado de trabalho vigente, a presença de LE nos pareceres dos cursos ainda é tímida. Por esse viés, pode-se depreender que há dificuldade na oferta de idiomas estrangeiros na educação superior nacional, fator que pode estar associado à demanda por profissionais aptos a atuarem em cursos de áreas diversas por meio de abordagens de ensino-aprendizagem de LE para fins específicos, além de questões didáticas como acesso a materiais e recursos que permitam o desenvolvimento efetivo dessa prática.

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Recebido: 31 de Agosto de 2021; Aceito: 26 de Agosto de 2022

Autora 1 - Coleta de dados, análise dos dados e escrita do texto.

Autor 2 - Supervisão da pesquisa, análise dos dados e revisão da escrita final.

Os autores declaram que não há conflito de interesse com o presente artigo

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