INTRODUÇÃO
A busca por um entendimento aprofundado sobre o processo de evasão no Ensino Superior tem acontecido de maneira contínua ao longo dos anos (TINTO, 1975; BRASIL, 1996; DURSO; CUNHA, 2018; TEIXEIRA; MENTGES; KAMPFF, 2019; COIMBRA; SILVA; COSTA, 2021). De modo geral, este fenômeno educacional pode ser definido como ato de abandono do curso antes da sua conclusão, configurando-se como um evento multifatorial que provoca impactos nos indivíduos, na sociedade e no sistema educacional (SANTOS JUNIOR, 2015; DURSO; CUNHA, 2018). Tal fenômeno é tido como um dos problemas que mais preocupam as instituições de Ensino Superior, fazendo com que a busca de suas causas seja objeto de inquietações e pesquisas voltadas para a educação (TEIXEIRA; MENTGES; KAMPFF, 2019).
Dentre os modelos que buscam explicar a evasão educacional já concebidos, o proposto por Vicent Tinto tem sido o mais utilizado como referência, denominado de Teoria de Integração do Estudante (TIE). O autor propõe que os principais fatores relacionados ao fenômeno da evasão são os que envolvem a relação entre o estudante e os sistemas acadêmico e social. Assim, os estudantes que apresentam menos envolvimento com a instituição de ensino tendem a evadir do curso superior, devido à sua não integração com os demais discentes ou com a instituição como um todo. Tais percepções trazidas em seus estudos foram sendo revistas com o passar dos anos, levando-se em consideração mudanças relacionadas a questões sociais, econômicas e políticas (TINTO, 1975, 1982, 1993, 2006).
No Brasil, os primeiros esforços para identificar as possíveis causas da evasão educacional datam de 1995, a partir da criação da Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras (SANTOS JUNIOR; REAL, 2017). Entre os resultados apresentados pela comissão estão os possíveis fatores relacionados à evasão, os quais são divididos em três grupos: 1) fatores referentes às características individuais do estudante, que abrangem aspectos relativos à personalidade, à formação escolar anterior, às habilidades de estudo, entre outros; 2) fatores internos às instituições que englobam questões acadêmicas, questões didático-pedagógicas, questões de infraestrutura e outros; e 3) fatores externos às instituições que estão relacionados, por exemplo, ao mercado de trabalho, ao reconhecimento social da carreira escolhida, à desvalorização da profissão, entre outros (BRASIL, 1996).
O entendimento dos fatores associados à evasão e reprovação dos discentes no Ensino Superior é de extrema importância e deve ser obtido de modo crítico e reflexivo. Entender esses fatores permite encontrar processos acadêmicos que precisam ser revistos ou até mesmo implementados com o objetivo de resolver essa problemática. Ademais, reforça-se a necessidade de estudos voltados para a graduação em Farmácia, tendo em vista a escassez de informações sobre a evasão neste curso (LAMERS; SANTOS; TOASSI, 2017; CARVALHO, 2018) e a necessidade do desenvolvimento de estratégias educacionais e/ou organizativas adequadas às necessidades e particularidades deste curso.
Segundo o Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2019), o Brasil conta, atualmente, com 762 cursos de Farmácia em atividade espalhados por todo o País. A literatura aponta que os cursos de Farmácia apresentaram valor médio de evasão de 18,7%, ou seja, quase dois em cada dez ingressantes do curso evadem (LOZZI et al., 2016). Nesse sentido, diante de um número crescente de vagas para a formação de novos farmacêuticos, a avaliação da evasão e reprovação torna-se primordial para a busca de ferramentas facilitadoras que permitam a manutenção dos discentes nos cursos de Farmácia (POIRIER; KERR; PHELPS, 2013).
Assim, objetivou-se com o presente estudo avaliar os possíveis fatores associados à retenção e à intencionalidade de evasão do curso de Farmácia da Universidade Pública de Sergipe, considerando que o conhecimento desses elementos permite o desenvolvimento de estratégias educacionais e/ou organizativas para a manutenção do discente na universidade
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal realizado com os estudantes dos cursos de graduação em Farmácia, da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão e Campus Lagarto, no período de julho a dezembro de 2019. O curso de Farmácia do Campus São Cristóvão foi iniciado no ano 2000 e conta com uma carga horária total de 4.365 horas. Atualmente o curso é ministrado no turno vespertino, utilizando-se de metodologias tradicionais de ensino-aprendizagem O curso de Farmácia do Campus Lagarto, inaugurado em 2011, possui uma carga horária total de 4.410 horas e é realizado em período integral, empregando metodologias ativas de ensino-aprendizagem, principalmente a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).
Utilizou-se uma amostragem por conveniência, e assim a amostra foi composta por discentes matriculados nos Cursos de Farmácia dos referidos campi e que possuíam mais de 18 anos. Foi realizado o cálculo do tamanho amostral, baseado nos dados da instituição em julho de 2019, tendo em vista a população total de 373 discentes matriculados no Campus São Cristóvão e 218 estudantes em Lagarto. Para tanto, o cálculo amostral considerou erro de 5% e confiança de 95%, totalizando, assim, a amostra mínima de 234 estudantes do total da população.
Diante do pouco contato com o curso, os discentes que estivessem no primeiro semestre da graduação durante a coleta dos dados foram excluídos do estudo. No momento de captação e convite, os objetivos de métodos da pesquisa foram apresentados, bem como a natureza voluntária da pesquisa, o sigilo das informações e os riscos envolvidos aos estudantes.
Para coleta de dados, utilizou-se um instrumento aplicado tanto de modo remoto quanto presencial. Vale ressaltar que a aplicação por meio das duas estratégias não influi nos resultados obtidos (KONGSVED et al., 2007; DESCONBE, 2008). Para a aplicação de modo remoto, o questionário foi inserido na plataforma GoogleForms® e enviado para os e-mails dos estudantes, disponibilizados pelos departamentos de Farmácia dos respectivos campi, Lagarto e São Cristóvão, ao passo que, para a aplicação presencial, os instrumentos foram impressos e disponibilizados pelos pesquisadores aos estudantes em sala de aula.
O instrumento utilizado consistiu em um questionário autoaplicável elaborado pelos pesquisadores com base no instrumento desenvolvido por Feitosa (2016). Estava dividido em duas partes: 1) Dados sociodemográficos, como idade, sexo, naturalidade, renda familiar e individual, exercício de atividade remunerada, escolaridade (Analfabeto, Ensino Fundamental Incompleto, Ensino Fundamental Completo, Ensino Médio Incompleto, Ensino Médio Completo, Ensino Superior Incompleto, Ensino Superior Completo, Pós-graduação), e outros; e 2) Avaliação de fatores ligados à intencionalidade de evasão, além da abordagem de questões sobre trancamento e reprovação em módulos/disciplinas.
Vale destacar que os dados coletados relacionadas à variável “Escolaridade” foram categorizados para a realização das análises estatísticas, em que a categoria Baixa Escolaridade representou os níveis de educação “Analfabeto”, “Ensino Fundamental Incompleto” ou “Ensino Fundamental Completo”; a Média Escolaridade caracterizou os níveis “Ensino Médio Incompleto ou Ensino Médio Completo”; e a Alta Escolaridade equivaleu aos níveis “Ensino Superior Incompleto”, “Ensino Superior Completo” ou “Pós-graduação”.
Os possíveis fatores de evasão foram classificados nos três domínios, segundo o Ministério da Educação (1996): “Fatores Institucionais”, “Fatores Externos” e “Características Pessoais do estudante”. A influência de cada um dos fatores na intenção de evadir foi avaliada pela Escala Likert de cinco pontos, que variava de “Discordo Totalmente” a “Concordo Totalmente”. Vale salientar que somente os estudantes que já haviam apresentado a intencionalidade de evadir deveriam responder à influência de cada um dos itens.
Os dados coletados foram tabulados e organizados em planilha do Microsoft Office® Excel 2017. Para a estatística descritiva dos dados obtidos, utilizou-se a frequência absoluta e relativa (%) para as variáveis categóricas; para as variáveis quantitativas, foi utilizada a média e desvio padrão, ou mediana, mínimo e máximo.
As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa JASP (v. 0.12.2)1. Potenciais associações entre variáveis sociodemográficas e reprovação ou intencionalidade de evasão foram analisadas por meio do Teste de Qui-quadrado. O Teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar os escores dos fatores relacionados à intencionalidade de evasão de acordo com os campi estudados. Neste estudo, os fatores relacionados à intencionalidade de evasão foram considerados importantes quando apresentaram mediana igual ou superior a três.
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, de acordo com a Resolução CNS nº 466/2012, e aprovado pelo Parecer número 3.467.504.
RESULTADOS
A partir da aplicação do instrumento, foram obtidas respostas de 335 estudantes, sendo 132 do Campus de Lagarto e 203 estudantes de São Cristóvão. Os dados sociodemográficos dos estudantes de cada campus são detalhados na Tabela 1.
Entre os participantes, 69,30% (n=232) eram mulheres, a maioria (81,20%) apresentou idade entre 18 e 24 anos. Ao mesmo tempo, 60,90% (n=204) se autodeclaram pardos; 96,70% (n=324) eram solteiros; e apenas 5,10% (n= 17) afirmaram possuir filhos. Em relação ao tipo de moradia, 54,60% (n=183) residiam em imóveis próprios; e 51,30% (n=172) não precisaram mudar de estado e/ou cidade para ter acesso à universidade.
Quanto ao tipo de escola, de acordo com a dependência administrativa onde cursaram o Ensino Médio, 54,90% (n=184) dos estudantes frequentaram integralmente a Escola Pública. Em relação à escolaridade dos pais, 45,10% (n=151) afirmaram que o pai possui Média Escolaridade, enquanto 49,00% (n=164) informaram que as mães também possuem Média Escolaridade. No que se refere à renda familiar, 35,80% (n=120) dos participantes apresentam entre um e dois salários mínimos como renda, ao passo que 74,60% (n=250) não realizam atividade remunerada.
Variáveis | Campus São Cristóvão | Campus Lagarto | Geral | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Sexo | ||||||
Masculino | 60 | 29,60 | 43 | 32,60 | 103 | 30,70 |
Feminino | 143 | 7,40 | 89 | 67,40 | 232 | 69,30 |
Faixa etária | ||||||
18 a 24 anos | 164 | 81,30 | 106 | 81,10 | 272 | 81,20 |
25 a 29 anos | 21 | 10,30 | 18 | 13,60 | 39 | 11,60 |
30 anos ou mais | 13 | 6,40 | 4 | 3,00 | 17 | 5,10 |
NI* | 4 | 2,00 | 3 | 2,30 | 7 | 2,10 |
Raça | ||||||
Amarela | 9 | 4,40 | 4 | 3,00 | 13 | 3,90 |
Branco | 47 | 23,20 | 23 | 20,50 | 74 | 22,10 |
Parda | 116 | 57,10 | 88 | 66,70 | 204 | 60,90 |
Preta | 27 | 13,30 | 13 | 9,80 | 40 | 11,90 |
Não sabe | 4 | 2,00 | 0 | 0,00 | 4 | 1,20 |
Estado Civil | ||||||
Solteiro | 195 | 96,00 | 129 | 97,70 | 324 | 96,70 |
Casado | 5 | 2,50 | 3 | 2,30 | 8 | 2,40 |
Divorciado | 3 | 1,50 | 0 | 0,00 | 3 | 0,90 |
Filhos | ||||||
Sim | 9 | 4,40 | 8 | 6,10 | 17 | 5,10 |
Não | 194 | 95,60 | 124 | 93,90 | 318 | 94,90 |
Tipo de Moradia | ||||||
Imóvel Próprio | 113 | 55,70 | 70 | 53,00 | 183 | 54,60 |
Imóvel Alugado | 74 | 36,50 | 45 | 34,10 | 119 | 35,50 |
Residência Universitária | 8 | 3,90 | 12 | 9,10 | 20 | 6,0 |
Outro | 8 | 3,90 | 5 | 3,80 | 13 | 3,90 |
Mudança de cidade e/ou estado | ||||||
Sim, somente de cidade | 47 | 23,20 | 34 | 25,80 | 81 | 24,20 |
Sim, mudança de estado | 46 | 22,70 | 33 | 25,00 | 79 | 23,60 |
Não | 108 | 53,20 | 64 | 48,50 | 172 | 51,30 |
NI* | 2 | 1,00 | 1 | 0,80 | 3 | 0,90 |
Escolaridade do Pai | ||||||
Baixa Escolaridade | 67 | 33,00 | 54 | 40,90 | 121 | 36,10 |
Média Escolaridade | 94 | 46,30 | 57 | 43,20 | 151 | 45,10 |
Alta Escolaridade | 35 | 96,60 | 16 | 12,10 | 51 | 15,20 |
NI* | 7 | 3,40 | 5 | 3,80 | 12 | 3,60 |
Escolaridade da Mãe | ||||||
Baixa Escolaridade | 38 | 18,70 | 41 | 31,10 | 79 | 23,60 |
Média Escolaridade | 108 | 53,20 | 56 | 42,40 | 164 | 49,00 |
Alta Escolaridade | 57 | 28,10 | 35 | 26,50 | 92 | 27,50 |
Renda Familiar | ||||||
Até 1 salário mínimo | 44 | 21,70 | 41 | 31,10 | 85 | 25,40 |
Entre 1 e 2 | 74 | 36,50 | 46 | 34,80 | 120 | 35,80 |
Entre 2 e 3 | 36 | 17,70 | 25 | 18,90 | 61 | 18,20 |
Entre 3 e 4 | 24 | 11,80 | 10 | 7,60 | 34 | 10,10 |
Mais de 4 | 25 | 12,30 | 10 | 7,60 | 35 | 10,40 |
Realiza atividade remunerada | ||||||
Sim | 57 | 28,10 | 28 | 21,20 | 85 | 25,40 |
Não | 146 | 71,90 | 104 | 78,80 | 250 | 74,60 |
Ensino Médio | ||||||
Todo em Escola Pública | 105 | 51,70 | 79 | 59,80 | 184 | 54,90 |
Todo em Escola Privada | 88 | 43,30 | 47 | 35,60 | 135 | 40,30 |
Maior parte em Escola Pública | 2 | 1,00 | 2 | 1,50 | 4 | 1,20 |
Maior parte em Escola Privada | 5 | 2,50 | 2 | 1,50 | 7 | 2,10 |
NI* | 3 | 1,50 | 2 | 1,50 | 5 | 1,50 |
*NI= Não informado. Fonte: Os autores.
Outros dados obtidos tratam sobre o tempo gasto e o meio de transporte utilizado pelo estudante para se locomover até a universidade. De modo geral, 47,80% (n=160) dos participantes levam até 30 minutos para se deslocarem até a universidade, ao passo que 60,60% (n=203) o fazem por meio de transporte público. O mesmo pode ser percebido se os campi forem analisados separadamente. No Campus São Cristóvão, 68,00% (n=138), utilizam transporte público, e 43,30% (n=88) levam até 30 minutos para efetuar o percurso. No Campus Lagarto, por usa vez, 54,50% (n=72) dos discentes completam o percurso até a IES em até 30 minutos, e 49,25% (n=65) também utilizam transporte público.
Em relação aos dados sobre a reprovação dos estudantes nas disciplinas da graduação, 176 (52,50%) afirmaram já terem reprovado em alguma disciplina. Na amostra do Campus São Cristóvão, esse dado correspondeu a 54,20% (n=110) dos estudantes, enquanto no Campus Lagarto esse valor caiu para 50,00% (n=66). De modo geral, o número médio de vezes que os estudantes reprovaram foi de 2,91. Já em relação à intencionalidade do discente em evadir do curso, 62,10% (n=208) dos estudantes já apresentaram, em algum momento, a intenção de desistir. O mesmo perfil pode ser percebido nos dois campi, sendo que 61,10% (n=124) dos discentes do Campus São Cristóvão e 63,60% (n=84) dos discentes do Campus Lagarto já demonstraram essa intenção.
Por meio de análise estatística, percebeu-se uma associação entre o fato de o estudante ter reprovado em alguma disciplina/módulo com a intencionalidade de evasão (p=0,002). A Tabela 2 apresenta as outras possíveis associações entre os dados sociodemográficos e de deslocamento até a universidade com a reprovação do estudante durante a graduação e sua intencionalidade em evadir. Variáveis “faixa etária”, “filhos”, “renda familiar” (um a dois salários mínimos), “Ensino Médio” (integralmente em Escola Pública) e “meio de deslocamento até a Universidade” (transporte público) apresentaram significância estatística (quando p<0,05).
Variáveis | Reprovação | p | Intencionalidade de evadir | p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim | Não | Sim | Não | |||
Sexo | ||||||
Masculino | 57 | 46 | 0.494 | 65 | 38 | 0.798 |
Feminino | 119 | 113 | 143 | 89 | ||
Faixa etária | ||||||
18 a 24 anos | 126 | 146 | <0,001* | 172 | 100 | 0,409 |
25 a 29 anos | 32 | 7 | 24 | 15 | ||
30 anos ou mais | 16 | 1 | 8 | 9 | ||
Raça | ||||||
Amarela | 8 | 5 | 0.880 | 9 | 4 | 0.717 |
Branca | 37 | 37 | 43 | 31 | ||
Parda | 110 | 94 | 126 | 78 | ||
Preta | 19 | 21 | 28 | 12 | ||
Não sabe | 2 | 2 | 2 | 2 | ||
Estado Civil | ||||||
Solteiro | 169 | 155 | 0.253 | 201 | 123 | 0.312 |
Casado | 4 | 4 | 4 | 4 | ||
Divorciado | 3 | 0 | 3 | 0 | ||
Filhos | ||||||
Sim | 14 | 3 | 0.012* | 11 | 6 | 0.819 |
Não | 162 | 156 | 197 | 121 | ||
Moradia | ||||||
Imóvel próprio | 94 | 89 | 0.695 | 116 | 67 | 0.899 |
Imóvel alugado | 67 | 52 | 73 | 46 | ||
Residência Universitária | 9 | 11 | 11 | 9 | ||
Outro | 6 | 7 | 8 | 5 | ||
Escolaridade do Pai | ||||||
Baixa Escolaridade | 62 | 59 | 0,085 | 75 | 46 | 0,922 |
Média Escolaridade | 74 | 77 | 93 | 58 | ||
Alta Escolaridade | 34 | 17 | 33 | 18 | ||
Escolaridade da Mãe | ||||||
Baixa Escolaridade | 39 | 40 | 0,771 | 46 | 33 | 0,705 |
Média Escolaridade | 89 | 75 | 103 | 61 | ||
Alta Escolaridade | 48 | 40 | 59 | 33 | ||
Renda familiar | ||||||
Até 1 salário mínimo | 40 | 45 | 0.038* | 49 | 36 | 0.669 |
1-2 salários mínimos | 70 | 50 | 79 | 41 | ||
2-3 salários mínimos | 26 | 35 | 40 | 21 | ||
3-4 salários mínimos | 24 | 10 | 19 | 15 | ||
Mais de 4 salários mínimos | 16 | 19 | 21 | 14 | ||
Atividade remunerada | ||||||
Sim | 47 | 38 | 0.556 | 55 | 30 | 0.565 |
Não | 129 | 121 | 153 | 97 | ||
Ensino Médio | ||||||
Todo em escola pública | 104 | 80 | 0.060* | 113 | 71 | 0.912 |
Todo em escola privada | 62 | 73 | 84 | 51 | ||
Maior parte em escola pública | 4 | 0 | 2 | 2 | ||
Maior parte em escola privada | 3 | 4 | 5 | 2 | ||
Mudança de cidade | ||||||
Sim, apenas de cidade | 45 | 36 | 0.775 | 51 | 30 | 0.922 |
Sim, mudança de estado | 43 | 36 | 48 | 31 | ||
Não | 88 | 84 | 109 | 63 | ||
Meio de deslocamento | ||||||
A pé | 41 | 49 | 0.011* | 52 | 38 | 0.708 |
Transporte pessoal | 17 | 19 | 23 | 13 | ||
Transporte público | 115 | 82 | 127 | 70 | ||
Transporte privado | 1 | 8 | 5 | 4 | ||
Tempo de deslocamento | ||||||
Até 30 minutos | 73 | 87 | 0.067 | 94 | 66 | 0.219 |
31-45 minutos | 33 | 19 | 36 | 16 | ||
46-60 minutos | 42 | 28 | 40 | 30 | ||
Acima de 60 minutos | 28 | 24 | 37 | 15 | ||
Cotas | ||||||
Sim | 92 | 73 | 0.245 | 102 | 63 | 0.920 |
Não | 84 | 86 | 106 | 64 |
*p<0,05 Fonte: Os autores.
Os dados referentes à análise dos fatores que podem estar relacionados com a intenção de evasão são apresentados na Tabela 3. Entre os fatores institucionais, após a análise, levando-se em consideração os valores das medianas obtidas, é possível identificar que os fatores “horário das disciplinas ofertadas”, “matriz curricular”, “metodologia de ensino”, “forma de avaliação”, “relação entre aluno e professor/coordenador”, “relações interpessoais” e “assistência aos alunos” se apresentam como impactantes na intencionalidade de evasão dos estudantes participantes da pesquisa.
Ademais, é possível notar também que existem diferenças estatísticas entre os dois campi quanto à influência de alguns fatores sobre uma possível evasão. Os fatores “horário das disciplinas ofertadas” e “matriz curricular” apresentam um impacto maior na intencionalidade de evasão para os estudantes do Campus São Cristóvão, enquanto o fator “forma de avaliação” foi identificado como variável mais impactante na intencionalidade de evasão entre os estudantes do Campus Lagarto.
Quanto ao domínio de “fatores externos”, foi possível perceber que os fatores “baixa remuneração do profissional” e “dificuldades financeiras” estão associados à intencionalidade de evasão pelos participantes da pesquisa, sendo considerados como impactantes e importantes aspectos associados a um possível acontecimento desse fenômeno. Em contrapartida, o fator “baixa remuneração do profissional” apresenta diferença estatística entre os dois campi, ou seja, essa variável mostra-se mais influente em relação à intencionalidade de evasão entre os discentes do Campus São Cristóvão, se comparado ao Campus Lagarto.
No que se refere ao domínio “características pessoais dos estudantes”, percebe-se que os aspectos “falta de habilidades de estudo”, “dificuldades de adaptação à universidade”, “desencanto ou desmotivação com o curso”, “dificuldades de aprendizagem, traduzidas em reprovação e baixa frequência”, “inadaptação com o curso” e “problema de saúde mental” são considerados como fatores importantes na intencionalidade de evasão. Percebe-se também que os tópicos “falta de habilidades de estudo” e ‘inadaptação com o curso” apresentaram uma maior associação à intencionalidade de evasão do estudante do Campus Lagarto, quando comparado ao Campus São Cristóvão.
Fatores para evasão | São Cristóvão (n=122) | Lagarto (n=83) | p | Total (n=205) |
---|---|---|---|---|
Md (Q1-Q3) | Md (Q1-Q3) | Md (Q1-Q3) | ||
Fatores institucionais | ||||
Equipamentos e instalações do curso | 1 (1-3) | 1 (1-1) | 0.002* | 1 (1-2) |
Horário das disciplinas ofertadas | 3 (1-4) | 2 (1-3) | 0.005* | 2 (1-4) |
Matriz curricular | 3 (2-4) | 2 (1-4) | 0.011* | 3 (1-4) |
Qualidade do ensino | 2 (1-3) | 1 (1-3.75) | 0.765 | 2 (1-3) |
Metodologia de ensino | 3 (2-4) | 4 (2-4) | 0.118 | 3 (2-4) |
Forma de avaliação | 3 (2-4) | 4 (3-5) | 0.005* | 4 (2-4) |
Relação entre aluno e professor/coordenador | 3 (2-4) | 3 (1-4) | 0.954 | 3 (2-4) |
Relações interpessoais | 3 (2-4) | 3 (1-4) | 0.778 | 3 (1-4) |
Assistência aos alunos | 3 (2-4) | 3 (1-4) | 0.184 | 3 (2-4) |
Fatores externos | ||||
Mercado de trabalho saturado | 2 (1-3) | 1 (1-3) | 0.401 | 1 (1-3) |
Baixa remuneração do profissional | 3 (1-4) | 2 (1-3) | 0.038* | 2 (1-4) |
Carreira instável | 2 (1-3) | 1 (1-3) | 0.544 | 2 (1-3) |
Casamento, gravidez/filho | 1 (1-1) | 1 (1-1) | 0.057 | 1 (1-1) |
Dificuldades financeiras | 3 (1-4) | 3 (1-4) | 0.774 | 3 (1-4) |
Localização da instituição x moradia | 2 (1-4) | 1 (1-3.75) | 0.448 | 2 (1-4) |
Trabalho | 1 (1-3) | 1 (1-2) | 0.032 | 1 (1-3) |
Baixa qualidade do ensino básico | 2 (1-4) | 1 (1-3) | 0.064 | 1 (1-3) |
Problema de saúde de familiares | 1 (1-3) | 1 (1-3) | 0.931 | 1 (1-3) |
Características pessoais | ||||
Escolha precoce da profissão | 2 (1-4) | 2 (1-3) | 0.921 | 2 (1-4) |
Falta de habilidades de estudo | 3 (1-4) | 3 (2-4) | 0.048* | 3 (1-4) |
Problemas de personalidade | 2 (1-4) | 3 (1-4) | 0.026* | 2 (1-4) |
Deficiência da formação escolar anterior | 2 (1-4) | 3 (1-4) | 0.296 | 2 (1-4) |
Dificuldades de adaptação à universidade | 3 (1.75-4.25) | 4 (2.25-4) | 0.281 | 4 (2-4) |
Incompatibilidade entre vida acadêmica e trabalho | 1 (1-3) | 1 (1-3) | 0.710 | 1 (1-3) |
Desinformação sobre o curso | 2 (1-3) | 1 (1-3) | 0.475 | 1 (1-3) |
Desencanto ou desmotivação com o curso | 3 (2-4) | 3 (1-4) | 0.146 | 3 (1-4) |
Dificuldades de aprendizagem, traduzidas em reprovação e baixa frequência | 2 (1-4) | 3 (1-4) | 0.911 | 2 (1-4) |
Inadaptação com o curso | 2 (1-3) | 3 (1-4) | 0.026* | 2 (1-4) |
Descobertas de novos interesses e busca de uma nova profissão | 1.5 (1-3.25) | 1 (1-3) | 0.627 | 1 (1-3) |
Problemas de saúde física | 1 (1-2.25) | 1 (1-3) | 0.441 | 1 (1-3) |
Problemas de saúde mental | 3 (1-4) | 3 (1-5) | 0.214 | 3 (1-4) |
*p<0,05
Fonte: Os autores.
DISCUSSÃO
De modo geral, é possível perceber que ambos os campi apresentam perfis sociodemográficos semelhantes. A feminilização do curso pode ser percebida na amostra estudada, algo que é corroborado por estudos que demonstram esse processo entre os ingressantes em cursos da saúde (MATOS; TOASSI; OLIVEIRA, 2013; DE MELO COSTA et al., 2017). Percebe-se também que, em relação a raça, a amostra conta com pouco mais de 10% de autodeclarados pretos, o que aponta o avanço, ainda lento, das Políticas de Ações Afirmativas (NEVES; FARO; SCHMITZ, 2016; TREVISOL; NIEROTKA, 2016; ANDIFES, 2019).
Ainda no contexto da análise de fatores sociodemográficos, o modelo teórico proposto por Tinto (1975, 1982, 1993, 2006), bastante utilizado por pesquisadores da área para o entendimento de tais fenômenos, não traz esses fatores como protagonistas no processo de evasão e retenção, dando destaque às relações interpessoais entre os estudantes e os componentes das instituições de ensino. Nesse aspecto, percebe-se também a necessidade de se ter cuidado ao utilizar tal modelo explicativo dentro do cenário nacional, devido principalmente às suas limitações na adaptação transcultural. Os estudos apresentados por Tinto têm como cenário de pesquisa ambientes constituídos majoritariamente por indivíduos brancos e de alta renda, o que por vezes não se assemelha à realidade brasileira, como pôde ser percebido neste estudo. Dessa forma, a partir dessas análises, é possível inferir a necessidade e importância de se compreender o perfil sociodemográfico do grupo estudado, a fim de se obter um perfil que represente a realidade do objeto de estudo.
Outro ponto percebido nesta análise estatística que merece destaque é a associação encontrada entre a reprovação dos estudantes em disciplinas/módulos com a sua intencionalidade em evadir do curso superior. Santos Júnior e Real (2020) apresentam em seu estudo que as reprovações acabam por influenciar diretamente no aumento do tempo de permanência do estudante no curso, devido à possível retenção, o que configura um fator importante para a evasão ou, nesse caso, possível evasão. Vale ressaltar que reprovações, sejam elas únicas ou múltiplas, consecutivas ou não, tendem a tornar o estudante desmotivado e frustrado com o prosseguimento de seu processo formativo, levando-o a refletir sobre sua permanência na graduação (SILVA et al., 2005; PINTO; SANTOS; DE ANDRADE SANTOS, 2019).
Em relação a outras variáveis, por meio das análises é possível fazer associações entre a reprovação dos estudantes e o meio de transporte utilizado por eles para o deslocamento até a Universidade. Santos et al. (2019) apresentam em seu estudo que a falta de transporte próprio é uma das características comuns entres os estudantes que evadem do Ensino Superior e que, para parte desses discentes, o meio de transporte pode ser classificado como “importante” ou “muito importante” na permanência em um curso superior, levando-se em consideração que esse fator está diretamente associado à facilidade de acesso às instalações da Universidade. Tendo esse aspecto em vista, torna-se evidente a necessidade de implementação de estratégias que possam oferecer transporte universitário, a fim de diminuir essa barreira e favorecer a melhoria do desempenho dos estudantes bem como sua permanência na instituição.
Quanto à necessidade de mudança de estado e/ou cidade para o estudante ter acesso à Universidade, pôde ser percebido que, de modo geral, esse fenômeno não ocorreu para a maioria dos participantes da pesquisa. Tal fato pode estar associado às políticas de expansão e interiorização do Ensino Superior. O Campus Lagarto localiza-se na região Centro-Sul de Sergipe, o que permite que estudantes locais e de cidades circunvizinhas tenham acesso à instituição. Tais políticas surgiram diante de um constante desfavorecimento das populações mais afastadas dos grandes centros urbanos, o que acabava por desencadear migrações dos estudantes, geralmente de modo definitivo, para locais onde existia oferta ampla e diversificada de um Ensino Superior. Como consequência, as regiões abandonadas acabaram por perder profissionais qualificados, bem como a população desfavorecida financeiramente ficou impedida de migrar e buscar qualificação profissional (BRASIL, 2014).
Outros dados sociodemográficos chamam a atenção a partir da análise estatística. Variáveis como “filhos”, “renda familiar”, “Ensino Médio” e “faixa etária” demonstram o impacto e a importância diante da reprovação. Filhos, sejam eles planejados ou não, nascidos durante a graduação ou não, podem estar associados à evasão e a reprovações dos estudantes na graduação, o que, por sua vez, pode estar atrelado à diminuição do tempo disponível para a execução das atividades acadêmicas. Mesmo em se tratando de uma pequena parcela dos participantes da pesquisa, Santos Baggi e Lopes (2011)destacam o fator “filhos” como diretamente relacionado a possíveis evasões e reprovações durante o Ensino Superior. Vale salientar que dados referentes às idades dos(as) filhos(as) das estudantes não foram coletados, o que limita o entendimento mais aprofundado da associação entre essa variável e a reprovação, pois tal fator pode influir diretamente na disponibilidade de tempo para a execução de atividades ligadas à graduação e ao processo formativo da discente.
Ainda nesse contexto, outro aspecto que merece destaque é a discussão de políticas de acesso e permanência no Ensino Superior para mulheres. A inserção feminina nas universidades apresenta um histórico de lutas pautadas pelo fim da desigualdade de acesso e de oportunidades. Em decorrência dessa luta, atualmente existem políticas que permitem a inserção da mulher na universidade e consequentemente no mercado de trabalho, por meio de estratégias voltadas à assistência à moradia, alimentação, ao transporte e até mesmo ao acesso a creches para as que possuem filhos. Esse cenário corrobora a necessidade do fortalecimento dessas estratégias, tendo em vista que este é um fator impactante para a reprovação das estudantes (BRASIL, 2010; RICOLDI; ARTES, 2016; PEREIRA; NUNES, 2018).
O fator sociodemográfico “renda familiar” é destacado como aspecto associado à evasão, bem como a reprovação durante a graduação (LOZZI et al., 2016; SILVA, 2016; BARRETO et al., 2019). O mesmo pôde ser percebido nos dados obtidos nesta pesquisa. Constatou-se uma associação entre a renda familiar, principalmente daqueles que apresentam ganhos entre um e dois salários mínimos, com reprovações em módulos/disciplinas, o que impulsiona um direcionamento para a implementação e manutenção de políticas de concessão de bolsas estudantis, a fim de garantir a dedicação majoritária do estudante na realização das atividades da graduação. Ademais, essa baixa renda pode ser agravada caso se leve em consideração a situação atual do País, em que essas mesmas políticas sofreram drásticas reduções, dificultando o acesso a esse subsídio por parte dos estudantes tidos como vulneráveis financeiramente; como consequência, aspectos que apresentam relação direta com fatores econômicos (moradia, alimentação, deslocamento etc.) são atingidos, impactando diretamente no aproveitamento da aprendizagem pelo estudante (VARGAS; HERINGER, 2017).
A variável “faixa etária” também apresentou associação estatística com a reprovação entre os estudantes participantes da pesquisa. Dessa forma, vale destacar que tal fator também pôde ser percebido em estudos anteriores (FERREIRA, 2016; BARRETO et al., 2019). Ainda nesse sentido, torna-se importante entender que no presente estudo o intervalo de idade “25 a 29 anos” foi o determinante para a associação estatística. Tal fato pode estar relacionado ao maior quantitativo de reprovação e consequente retenção no curso, que acaba por influir diretamente no tempo de permanência na graduação, levando a se inferir que possivelmente os estudantes se enquadram em uma faixa etária mais alta por permanecerem mais tempo no curso.
Outro ponto avaliado, ainda nas variáveis sociodemográficas, trata do tipo de Ensino Médio apresentado pelos discentes que compõem a amostra de estudo. A maioria dos estudantes cursou o Ensino Médio integralmente em escola pública. Tal fator pode estar associado a maiores índices de reprovação em módulos/disciplinas, como mostra Diogo et al. (2016) em seu estudo, no qual se percebeu que, independentemente do curso ou área de estudo, os discentes, no momento em que entram em contato com o Ensino Superior, se deparam com diferenças em relação ao Ensino Médio, tendo que lidar com módulos/disciplinas de alto grau de complexidade, o que pode gerar sensação de despreparo. Tal aspecto reforça a necessidade da implementação de estratégias, como cursos de nivelamento, para que os efeitos dessa transição sejam minimizados, tanto para os egressos do ensino público quanto para os discentes provenientes do ensino privado (LOZZI et al., 2016; PINTO; SANTOS; DE ANDRADE SANTOS, 2019).
Todos os fatores sociodemográficos supracitados apresentam relações entre si, o que torna ainda mais complexo o entendimento amplo do fenômeno da reprovação durante a graduação. Percebe-se que um aspecto acaba por influenciar em outro, o que sugere a necessidade da discussão de políticas de acesso e permanência estudantil no Ensino Superior. Mediante a análise dos resultados obtidos em relação aos fatores que têm importância e impacto na intencionalidade de evasão pelos estudantes participantes da pesquisa, possíveis associações podem ser estabelecidas. Vale mencionar o fato de que a maioria dos participantes da pesquisa apresenta ou já apresentou a intencionalidade de evasão; dessa forma, compreender o impacto de fatores relacionados à instituição, externos à instituição e pessoais, é de fundamental importância para traçar medidas de permanência do estudante no Ensino Superior.
No que diz respeito aos fatores institucionais, aspectos como “matriz curricular”, “metodologia de ensino” e “forma de avaliação” chamam a atenção, tendo em vista que eles se apresentaram impactantes na intenção de evasão de forma diferente entre os campi. Dessa forma, vale ressaltar que o Campus Lagarto, desde sua criação, adota metodologias ativas para a formação de novos profissionais de saúde, permitindo aos estudantes o protagonismo na busca pelo conhecimento, enquanto o Campus São Cristóvão utiliza metodologias tradicionais associadas a iniciativas pontuais do uso de metodologias ativas.
Os aspectos relacionados à estruturação do currículo bem como o método de ensino-aprendizagem empregado no curso de Farmácia do Campus São Cristóvão demostraram maior impacto em uma possível evasão desses estudantes. Pode-se observar que, por meio da utilização de metodologias tradicionais de ensino, o conhecimento está centrado no docente, o que diminui o protagonismo do discente e gera um decorrente desinteresse no processo ensino-aprendizagem (DE SOUZA; LOPES, 2018). Além disso, nota-se a necessidade de um reajuste na forma como é planejada a estruturação curricular deste curso, levando-se em consideração as novas demandas e a necessidade da continuidade na formação de farmacêuticos críticos, humanizados e competentes para a atuação profissional (BRASIL, 2017).
Ao mesmo tempo, foi possível identificar a associação mais impactante entre as formas de avaliação empregadas no curso de Farmácia do Campus Lagarto com a intencionalidade de evasão por parte dos estudantes. Minuzi et al. (2019) trazem em seu estudo que, mesmo observando uma potencialidade no desejo de inovar nas formas de avaliação em metodologia ativa, os docentes tendem a permanecer na aplicação de técnicas tradicionais para a mensuração do conhecimento, o que merece ser revisto. Esse comportamento é percebido em algumas disciplinas/módulos que compõem a matriz curricular do curso de Farmácia do Campus Lagarto. Percebe-se uma dualidade na aplicação das metodologias, ou seja, enquanto se utilizam metodologias ativas para o ensino, a aplicação de métodos tradicionais de avaliação é mantida por parte do corpo docente, dado confirmado pelo último Projeto Pedagógico do Curso, o que impacta na intencionalidade da evasão por parte dos discentes (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE, 2015).
Outros fatores institucionais também apresentam significância sobre a intencionalidade da evasão: “relação entre professor/coordenador” e “relações interpessoais” demonstram impacto em uma possível evasão entre os estudantes de ambos os campi. Tinto (1975, 1982, 1993, 2006) apresentou em seus estudos que as relações criadas entre os estudantes são um fator relevante para a integração acadêmica, o que funciona muito bem como ferramenta para se evitar a evasão do Ensino Superior. Nesse ponto, a Universidade pode se fazer presente estimulando momentos de integração entre os discentes, docentes e técnicos da instituição, além de apoiar entidades estudantis, como Centros Acadêmicos, Atléticas Esportivas, que fortalecem o processo de integração social.
Ainda nos aspectos institucionais, questões ligadas à assistência aos discentes bem como um aspecto atrelado a dificuldades financeiras, apontado no bloco de fatores externos, apresentam associação importante, em ambos os campi, com a intencionalidade de evasão. De modo geral, as instituições de educação tendem a assumir a responsabilidade pela manutenção de direitos básicos aos estudantes que não possuem recursos (SOUZA, 2017; IMPERATORI, 2017). Os estudantes em situação de vulnerabilidade social são o foco das políticas de permanência, e, devido à expansão contínua do Ensino Superior, o acesso por essa população aumentou, demandando ações específicas para o atendimento de suas necessidades. Nesse aspecto, reivindicações e lutas são suscitadas, estando diretamente vinculadas à criação do movimento estudantil, numa busca pelos direitos dos estudantes (SANTANA, 2015).
Outro aspecto abordado, já entre os fatores externos, que apresentou significância estatística na associação com a intencionalidade de evasão, principalmente no Campus São Cristóvão, diz respeito à baixa remuneração do profissional farmacêutico. Tal dado pode ser justificado pelo fato de que o Campus São Cristóvão está localizado próximo à capital do estado; dessa forma, os estudantes tendem a residir na capital ou próximo a ela. Assim, constata-se um maior custo de vida, o que tende a refletir em suas projeções de ganhos após a graduação. O Campus Lagarto, por seu turno, está localizado no interior do estado e demanda um custo de vida inferior quando comparado à capital Aracaju.
No que concerne ao grupo de fatores ligados às características pessoais dos estudantes, percebe-se que alguns aspectos apresentam impacto na intencionalidade de evasão por estudantes em ambos os campi. Tais aspectos tratam sobre as dificuldades de aprendizagem e inadaptação com a Universidade. Dessa forma, devem ser levados em consideração os perfis e estilos de aprendizagens distintos entre os estudantes tanto em metodologia ativa quanto tradicional. A identificação desses estilos permite o planejamento, pelo docente, de estratégias a serem utilizadas nos módulos/disciplinas, a fim de minimizar as dificuldades apontadas pelos discentes de Farmácia de ambos os campi. (DE JESUS et al., 2017).
Além disso, torna-se necessária a implementação e manutenção de estratégias que permitam a aproximação dos estudantes com a Universidade já no início da graduação, tendo em vista que a desmotivação e o desencanto pelo curso acontecem, de modo geral, nos primeiros semestres quando a relação estudante-instituição ainda não está bem estabelecida e fortalecida (SILVA FILHO et al., 2007).
Outros fatores ligados às características pessoais, como a falta de habilidades de estudo e inadaptação com o curso, apresentam maior impacto em uma possível evasão pelos estudantes do Campus Lagarto, o que pode ser justificado caso se leve em consideração o processo de transição entre os tipos de metodologias de ensino-aprendizagem (tradicional para ativa) ao qual o discente é submetido. Tais aspectos reforçam a necessidade de uma reflexão do processo de ensino-aprendizagem por parte do corpo docente, a fim de que se possam assumir ações diagnósticas e de intervenção (DORNELAS et al., 2016).
Por fim, Castro (2012) destaca que grande parte dos estudos direcionados ao entendimento desses fenômenos educacionais é realizada em cenários específicos e focados em problemáticas locais, sendo tais estudos majoritariamente descritivos e exploratórios, o que acaba por caracterizar também a presente análise. No entanto, destaca-se aqui também a importância dessas pesquisas para a manutenção de políticas públicas, da mesma forma que se assinala a importância da implementação de novas estratégias e de programas, sejam eles departamentais e/ou institucionais, que subsidiem os estudantes durante a graduação, a fim de reduzir o impacto das variáveis já citadas anteriormente na retenção e na evasão escolar no Ensino Superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se inferir, por meio da realização do estudo, que fatores sociodemográficos e socioeconômicos bem como variáveis relacionadas a fatores institucionais, externos à instituição e pessoais, apresentaram relação com a intencionalidade de evasão e com a retenção dos estudantes analisados em ambos os campi. Fatores como “meio de transporte”, “filhos”, “renda familiar” e “tipo de Ensino Médio” que apresentaram relação com a retenção entres os participantes apontam a importância da compreensão das variáveis sociodemográficas e socioeconômicas para a minimização desse fenômeno educacional.
Ademais, por meio da análise dos fatores ligados à instituição, externos à instituição e pessoais, também foi possível depreender dados importantes para a compreensão da intencionalidade de evasão entre os participantes da pesquisa. É importante destacar que tal análise possibilitou um entendimento maior em relação aos dois campi de maneira comparativa e também isolada sobre tal fenômeno, além de ressaltar o papel dos docentes e coordenadores de curso, bem como dos próprios discentes nesses cenários.
Mediante o exposto, vale ressaltar que este estudo apresentou limitações que não possibilitaram esgotar todas as análises estatísticas que poderiam ser propostas, o que sugere a perspectiva de novos desdobramentos, como, por exemplo: entender qual seria a faixa mínima de renda para possibilitar a manutenção do estudante no Ensino Superior; avaliar a influência da idade dos(as) filhos(as) das estudantes em sua reprovação e/ou possível evasão. Sugere-se também que sejam avaliados os discentes que já evadiram dos cursos, a fim de se obterem informações sobre as razões que estão por trás desse fenômeno educacional recorrente, por meio de pesquisas qualitativas e longitudinais. Vale destacar também a necessidade da ampliação dos estudos referentes à evasão e retenção, tanto no âmbito geral do Ensino Superior quanto no ensino direcionado à Educação Farmacêutica, levando-se em consideração que esta área ainda é incipiente, principalmente no Brasil.