O texto que motiva a presente resenha foi submetido à avaliação aberta do periódico intitulado: Educação em Revista, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trata-se de uma pesquisa que propôs como objetivo verificar a correlação entre as práticas docentes e a evasão discente em um curso técnico. Estudos como este, que trazem como abordagem central as temáticas da permanência e da evasão discente, são sempre muito importantes para o campo da educação. Apesar de não se tratarem de temáticas novas, essas questões estão sempre presentes no cotidiano escolar e, especialmente nos últimos anos, têm assumido configurações que chamam a atenção. Isso porque, além da crise sanitária, humana, social e econômica intensificada pela pandemia do novo coronavírus causador da doença Covid-19, a educação vivencia transformações recorrentes e sucessivas que afetaram não apenas a organização do ensino, mas também do trabalho docente. A título de exemplo, é possível citar o avanço da chamada “educação híbrida” e do “teletrabalho” após a experiência do ensino remoto emergencial, bem como a ampliação das atividades e atribuições docentes (Silva, 2020).
Quando o foco da questão da evasão é direcionado para a forma de oferta concomitante/subsequente da modalidade da educação profissional ofertado pela Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede Federal), tal como é o caso do artigo que antecede esta resenha, nos deparamos com números que, não apenas maximizam a importância do debate, mas também o qualificam como urgente e necessário. É a conclusão que se pode chegar após conhecer os dados disponibilizados pela Plataforma Nilo Peçanha2. No período de 2017 a 2022, a taxa de conclusão nos cursos concomitante/subsequente da Rede Federal caiu de 38,26% para 22,27%. Essa queda pode ser explicada por outro dado preocupante: a taxa de retenção deste mesmo tipo de curso, que subiu de 7,3% em 2017 para 23,89% em 2022. Chama a atenção ainda que, no mesmo período, apesar de registrar uma pequena diminuição, a taxa de evasão se manteve alta, a saber: 56,11% em 2017 e 55,36% em 2022. Ou seja, mais da metade dos estudantes que ingressaram nos cursos, por algum motivo, não conseguiu concluí-los.
Neste ponto, convém esclarecer que permanência diz respeito à frequência escolar. Costa (2020) avalia que a frequência escolar está associada ao direito do estudante e às condições acadêmicas, sociais e pedagógicas para a permanência no espaço escolar. Além disso, está associada a fatores subjetivos como superação, persistência, disciplina e esforço pessoal do estudante. Já a evasão compreende uma diversidade de situações, que vai desde a retenção e repetência, saída da instituição ou do sistema de ensino, a não conclusão do nível de ensino e, até mesmo, o abandono da escola com posterior retorno do estudante, e ainda se refere aos estudantes que nunca ingressaram em determinado nível de ensino previsto na educação compulsória (Dore e Lüscher, 2011). Assim sendo, concordando com Cotrim-Guimarães (2022), ela reconhece a evasão como uma manifestação das desigualdades sociais na escola. Esse fenômeno é constituído no contexto do processo pedagógico e se caracteriza como um processo complexo, que apresenta uma diversidade de situações e fatores.
Neste sentido, a evasão na educação profissional e tecnológica apresenta-se como uma manifestação de desigualdades sociais e econômicas em um espaço que, historicamente, foi pensado para filhos dos “desfavorecidos de fortuna” ou dos “pobres e desvalidos da sorte”. Um espaço que, ao mesmo tempo que pode ser percebido como assistencialista e utilitário, volta-se para o discurso da inclusão e da transformação social. Um espaço que, por meio do processo de interiorização, chegou em regiões que não são as principais do estado, e isso tem impactado em todos os níveis, econômico, cultural e político, nas pequenas e médias cidades (Frigotto, 2018). E por isso, se revela como um espaço de formação que, mesmo se assentando sob a dualidade educacional estrutural que destina um tipo de educação para os ricos e outro para os pobres, favorece a apreensão da realidade e das relações circunscritas, podendo impulsionar ou conduzir transformações. No entanto, quando esse espaço é esvaziado e/ou abandonado, as possibilidades de transformação da realidade são limitadas.
Assim sendo, à medida que as desigualdades sociais são intensificadas, como tem se observado nos últimos anos, a evasão escolar mostra a sua face oculta e escancara as mazelas da sociedade capitalista. Entretanto, isso não é prerrogativa para tecer análises céticas e/ou deterministas sobre o fenômeno da evasão. Pelo contrário, a motivação primordial deve ser o impulso para investigar as causas da evasão e sua relação com a realidade da instituição e dos alunos; para investir em ações de combate à evasão escolar e para reunir esforços individuais e coletivos, garantindo, assim, a permanência e o êxito escolar.
Garantir a permanência na escola e investigar o combate à evasão corrobora com a luta contra as desigualdades, não apenas as desigualdades escolares, mas também as sociais e econômicas. Ainda mais quando se percebe a educação como um processo de reprodução social que oportuniza o desenvolvimento integral do indivíduo, um desenvolvimento holístico que o deixe livre para explorar e usufruir todas as suas potencialidades intelectuais e físicas. Ou melhor, quando reconhecemos a educação como um dos pilares da busca pela emancipação humana.
A literatura da área revela que são escassas as investigações sobre a evasão (Dore e Lüscher, 2011; Dore, Araújo e Mendes, 2014; Silvas, 2018; Feitosa e Oliveira, 2020; Cotrim-Guimarães, 2022, entre outros). Em geral, as pesquisas discutem os fatores mais significativos associados ao problema da evasão na educação profissional. Dentre estes, mencionam: a instabilidade familiar; a crise econômica e ingresso no mercado de trabalho; dificuldade de o estudante compatibilizar estudos e trabalho; a falta de identificação do estudante com o curso técnico; preferência por curso superior; a falta de formação e atualização dos docentes do ensino médio; a ausência de ferramentas, metodologias e de preparação para acompanhar, motivar a permanência dos estudantes. Ao passo disso, a literatura é, de certa forma, unânime em afirmar que a melhor forma de lidar com o fenômeno da evasão é a prevenção. É esse o caminho que o texto em pauta percorre, investigando ações de prevenção com foco na prática pedagógica.
Em Araújo (2021), é possível encontrar um levantamento sobre trabalhos voltados ao estudo da evasão nos institutos federais. A pesquisadora observa que ainda são escassos trabalhos sobre evasão na produção científica na pós-graduação brasileira no período de 2010 a 2020. Alerta para o fato de esse fenômeno ser um problema que há muito tempo vem afetando a qualidade da educação, já que impede o direito à permanência escolar seja garantido. Segundo Araújo (2021), é preciso deslocar esse problema para fora da zona de obscuridade, colocando-o como centro de investigações e, dessa forma, direcionar o interesse e o conhecimento científico para a própria escola e sobre os perfis de seus alunos. Com isso, seria possível avançar em direção a mudanças de atitudes, colocando em prática as políticas públicas educacionais existentes, ou alterando e criando outras que se fizerem necessárias, em prol da melhoria da qualidade da educação ofertada.
A proposta do artigo em foco, nesta resenha, é investigar a relação das práticas pedagógicas e da ação docente no trabalho de prevenção e combate à evasão. Observa-se que o papel da ação docente como prática intervencionista e transformadora ganha espaço no debate, sem cair na armadilha das políticas de accountability3 e do discurso da responsabilização docente. O terreno, palco escolhido para esse debate, é o da práxis. Onde as ações são planejadas com o auxílio de bases teóricas capazes de sustentar o discurso; as ações são tomadas de forma consciente; e a avaliação surge como aliada formativa e, ao mesmo tempo, como ponto de partida para a reconfiguração da ação pedagógica como ação potencialmente transformadora.
Ademais, o texto evidencia algumas implicações do fazer docente e da intervenção pedagógica na prevenção à evasão discente no Curso Técnico Subsequente de Eletromecânica no Campus Avançado do Pecém do Instituto Federal do Ceará (IFCE). Ao fim, constata a importância das práticas pedagógicas para a permanência dos discentes no curso, bem como a insuficiência das ações identificadas na realidade estudada. Os dados apontam “a necessidade de capacitar professores visando a melhoria das metodologias utilizadas, mas também do relacionamento existente entre professores e alunos”, destacando, portanto, a importância da formação contínua. Além disso, revelam também a necessidade de “elaborar e executar programas de permanência e êxito” e de “aumentar a oferta de bolsas, como: auxílio formação, monitoria, PIBIC Jr”.
Receber trabalhos investigativos como este no meio acadêmico traz a todos nós, que estamos no cotidiano da Rede Federal, uma grata satisfação. Ainda mais, quando a iniciativa de investigar práticas pedagógicas efetivas de prevenção e combate à evasão, parte do campo das ciências exatas, onde historicamente, a evasão e a retenção, são tão naturalizadas. Não é natural. Não é normal. Desse modo, é uma excelente escolha relacionar o estudo desse fenômeno à prática pedagógica. Afinal de contas, a ação pedagógica e a abordagem de conteúdos diz muito sobre como chegamos até aqui, onde estamos e onde queremos chegar.