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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.57 no.53 Natal jul./set 2019  Epub 19-Set-2019

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2019v57n53id17118 

Artigos

O ensino das convenções gráficas na alfabetização

La enseñanza de las convenciones gráficas en la alfabetización

Cleonara Maria Schwartz1 
http://orcid.org/0000-0003-4411-2234

Fernanda Zanetti Becalli2 
http://orcid.org/0000-0002-8628-6550

Gilciane Ottoni Pinheiro3 
http://orcid.org/0000-0002-1012-4168

1Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil)

2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Brasil)

3Sistema Municipal de Educação (Brasil)


Resumo

O artigo discute enfoques priorizados no ensino das convenções gráficas que regem a escrita, atendo-se aos conhecimentos que envolvem a compreensão da orientação da escrita, a função da segmentação dos espaços em branco entre as palavras e a pontuação. Trata-se de uma pesquisa documental que teve como corpus 28 cadernos escolares de crianças que cursaram o primeiro ano do ensino fundamental durante os anos 2000 em um município do estado do Espírito Santo e 22 cadernos de professores que atuaram nas escolas desse município no mesmo período. Concluímos que a escrita vem sendo tratada de forma fragmentada e desvinculada do seu contexto de produção e os aspectos que a caracterizam graficamente trabalhados desconsiderando que essas convenções foram produzidas no decorrer do desenvolvimento da história da escrita. As atividades mostram que as características da língua escrita não vêm sendo reconhecidas como produções históricas e culturais elaboradas nas interações sociais e, portanto, carregadas de significações.

Palavras-chave: Alfabetização; Linguagem escrita; Convenções gráficas; Ensino e aprendizagem

Resumen

El artículo discute enfoques priorizados en la enseñanza de las convenciones gráficas que rigen la escritura, atendiendo a los conocimientos que envuelven la comprensión de la orientación de la escritura, la función de la segmentación de los espacios en blanco entre las palabras y la puntuación. Se trata de una investigación documental que tuvo como corpus 28 cuadernos escolares de niños que cursaron el primer año de la enseñanza fundamental durante los años 2000 en un municipio del estado de Espírito Santo y 22 cuadernos de profesores que actuaron en las escuelas de ese municipio en el mismo, período. Concluimos que la escritura viene siendo tratada de forma fragmentada y desvinculada de su contexto de producción y los aspectos que la caracterizan gráficamente trabajados desconsiderando que esas convenciones fueron producidas en el transcurso del desarrollo de la historia de la escritura. Las actividades muestran que las características de la lengua escrita no vienen siendo reconocidas como producciones históricas y culturales elaboradas en las interacciones sociales y, por lo tanto, cargadas de significaciones.

Palabras clave: Alfabetización; Lengua escrita; Convenciones gráficas; Enseñanza y aprendizaje

Abstract

The article discusses prioritized approaches in the teaching of graphic conventions that govern writing, focusing on the knowledge that involves the understanding of writing orientation, the segmentation function of white spaces between words and punctuation. It is a documentary research that had as corpus 28 schoolbooks of children who attended the first year of elementary education during the years 2000 in a municipality of the state of Espírito Santo and 22 notebooks of teachers who acted in the schools of that municipality in the same period. We concluded that writing has been treated in a fragmented way and disconnected from its context of production and the aspects that characterize it graphically worked disregarding that these conventions were produced in the course of the development of the history of writing. The activities show that the characteristics of the written language are not recognized as historical and cultural productions elaborated in social interactions and, therefore, full of significations.

Palavras-chave: Literacy; Written language; Graphic conventions; Teaching and learning

Considerações Iniciais

Estudos desenvolvidos por Cook-Gumperz (1991), Braggio (1992), Graff (1995), Macedo (2000), Mortatti (2000), Gadotti (2005), Gontijo (2003, 2005, 2008) e Pérez (2008) mostram que a alfabetização tem se configurado como um processo sociocultural de natureza múltipla e complexa e apontam para uma variedade de concepções e práticas acerca do ensino da leitura e da escrita que vêm fazendo parte historicamente de diferentes projetos educacionais do Brasil.

Esses conceitos e suas apropriações traduzem concepções de linguagem e de sujeito que interferem nas formas de organização do ensino da leitura e da escrita nas escolas, pois, de acordo com Cagliari (1998, p. 41), dependendo da maneira como uma pessoa interpreta o que é linguagem e seu funcionamento, ela organiza o trabalho de ensino na alfabetização. Segundo o autor, "[...] pode-se ver com clareza na prática em sala de aula, nos métodos que a escola usa, qual é a concepção de linguagem subjacente [....]" a eles.

Nesse sentido, Saviani (2008, p. 51) argumenta que todo ato educativo carrega consigo determinada perspectiva política. Assim, a prática do professor tem sempre um sentido político em si, independentemente de que se tenha consciência disso ou não, uma vez que a postura em sala de aula "[...] não se explica por si mesma, mas ganha este ou aquele sentido, produz este ou aquele efeito social, dependendo das forças sociais que nela atuam e com as quais ela se vincula". Alinhando-se a esse posicionamento, Geraldi (2006) afirma que

[...] qualquer metodologia de ensino articula uma opção política - que envolve uma teoria de compreensão [...] os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por queoptamos (GERALDI, 2006, p. 40).

As reflexões de Cagliari (1998), Saviani (2008) e Geraldi (2006) permitem entender que qualquer proposta teórica e metodológica é a articulação de uma concepção de mundo e de educação e, por isso, uma concepção de ato político e uma concepção epistemológica do objeto de reflexão. É nesse sentido que podemos afirmar que a prática pedagógica não é neutra. Ela reflete interesses sociais, políticos, econômicos e culturais das classes que compõem a sociedade e pode contribuir para a manutenção ou superação de práticas pedagógicas que "[...] naturalizam o desenvolvimento da leitura e da escrita nas crianças" (GONTIJO, 2002, p. 3).

De acordo com Bakhtin (2008, p. 209), "[...] a linguagem só vive na comunicação dialógica daqueles que a usam". Ou seja, a língua, em sua integridade concreta e viva, não se apresenta acabada, sistematizada, pois, constituindo o discurso cotidiano, ela resiste a essa rigidez. Quando interagimos com os indivíduos, produzimos unidades de significações que estão sempre contextualizadas, circunscritas a situações específicas e repletas de intencionalidade.

Assim, no movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se transforma e se constitui como conhecimento humano a partir de suas próprias realizações e do uso contínuo em diferentes situações. Esse processo dinâmico do uso da linguagem possibilita que as crianças, como usuárias da língua, mesmo antes de entrarem na escola, elaborem ideias e utilizem informações de diversas fontes e em diferentes situações sociais, compreendendo a finalidade da linguagem de acordo com exigências e situações específicas de uso.

Nessa direção, a linguagem escrita se coloca como uma forma de ampliar as possibilidades de interação e interlocução entre os sujeitos. Em outros termos, pode ser compreendida como um meio de interação dialógica, que tem origem na interlocução e se organiza para funcionar na interlocução. Desse modo, torna-se importante considerar na alfabetização a escrita como um sistema discursivo, estruturado no uso e para o uso, por meio do qual os sujeitos produzem sentidos para seus enunciados.

Nessa condição, é importante que o processo de ensino e aprendizagem da escrita se fundamente em princípios que valorizem o uso da língua nas diferentes situações sociais, com sua diversidade de funções e sua variedade de estilos e que fomentem uma proposta de ensino da língua que se organize em torno do uso e da valorização da reflexão dos alunos sobre as diferentes possibilidades do emprego da língua. Isso implica, certamente, o conhecimento da complexidade que envolve o trabalho com a linguagem escrita para além de um processo de codificação e decodificação de sinais gráficos, preocupado em oferecer aos alunos conceitos e regras prontas. Diante disso, entende-se a alfabetização como

[...] uma prática social em que se desenvolve a formação da consciência crítica, as capacidades de produção de textos orais e escritos, de leitura e de compreensão das relações entre sons e letras (GONTIJO, 2006, p. 8)1.

Nessa concepção de alfabetização, a língua é tida como uma atividade sociocultural, desenvolvida na interação verbal entre sujeitos e, como tal, obedece a convenções de uso fundadas em normas socialmente instituídas que devem servir de base para que os indivíduos se entendam. Com essa perspectiva, o processo de alfabetização, uma das condições para o aprendizado da linguagem escrita, envolve a apropriação de conhecimentos sobre o sistema de escrita, que abrangem características do sistema de escrita,

[...] a história dos alfabetos, a distinção entre desenho e escrita, o nosso alfabeto, as letras do nosso alfabeto (categorização gráfica das letras, categorização funcional das letras, direção dos movimentos da escrita ao escrever as letras), a organização da página escrita nos diversos gêneros textuais, os símbolos utilizados na escrita, os espaços em branco na escrita, as relações entre letras e sons e entre sons e letras (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009, p. 16, grifos nossos).

Logo, considera-se que tais conhecimentos integram o sistema linguístico discursivo e que demandam ser ensinados de forma contextualizada e integrados às dimensões de leitura e de produção de textos, a fim de promover a reflexão sobre a língua e as relações dessas formas com o contexto em que são usadas, possibilitando que o educando compreenda sua utilização no cotidiano, ampliando as possibilidades de atuar criticamente na sociedade. É oportuno pontuar que a língua, como sistema, possui, evidentemente, um rico arsenal de recursos linguísticos, lexicais, morfológicos e sintáticos. No entanto, esses recursos se revestem de neutralidade, se não forem definidos pelas condições de produção discursiva que concorrem para a manifestação de sentido.

Com base nessas colocações, neste artigo, procura-se refletir sobre os enfoques priorizados no ensino das convenções gráficas que regem a escrita, atendo-se aos conhecimentos que envolvem a compreensão da orientação da escrita, a função da segmentação dos espaços em branco entre as palavras e a pontuação. Para isso, o texto apoia-se em atividades registradas em cadernos escolares de crianças no 1º ano da alfabetização como de suas professoras em um dos municípios do Espírito Santo nos anos 2000.

Além dessas considerações iniciais, este artigo apresenta, inicialmente, reflexões sobre perspectivas teóricas que discutem o ensino da escrita na alfabetização. Em seguida, delineia os aportes metodológicos que orientaram o estudo e analisa as atividades constantes em cadernos escolares, que revelam sobre a forma como os professores vêm tratando, na sala de aula, o ensino dessas convenções gráficas que regem a escrita. Por fim, apresenta as considerações finais.

Perspectivas sobre o ensino da escrita

A apropriação da linguagem escrita pelas crianças foi objeto de estudo de Ferreiro e Teberosky (1985). As autoras, fundamentando-se nos estudos psicogenéticos de Piaget sobre o desenvolvimento infantil, conceberam a escrita como um sistema de representação e consideraram que as crianças na aprendizagem se relacionavam com esse sistema como objeto conceitual. Nesse sentido, entenderam que a escrita se colocava para o processo de aprendizagem como objeto de conhecimento. Para as autoras, as crianças elaboram hipóteses sobre o funcionamento da escrita e, por isso, consideram que seja necessário, para que os estudantes compreendam como funciona e como se estrutura a linguagem escrita, que a escola deve possibilitar aos alunos a construção dos conceitos de leitura e de escrita. Acreditam que, depois disso, as crianças se tornem autônomas para fazer uso da linguagem na vida.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1985), no processo de apropriação da linguagem escrita, a criança, ao formular hipóteses a respeito do que a escrita representa e de como se escreve, passa a compreender o princípio da base alfabética do sistema. A partir daí, outras aprendizagens são necessárias como as regras de registro ortográfico das palavras que são, essencialmente, de natureza arbitrária, a fluência no processo de leitura e a estruturação adequada do que escreve, tanto no nível da frase como no do texto. As teorizações das autoras buscam mostrar que a criança precisa desenvolver as habilidades de leitura e de produção de textos, resultantes da compreensão do funcionamento da linguagem escrita.

As investigações de Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a psicogênese da escrita colocaram em dúvida a noção de prontidão e a crença de que haja pré-requisitos para a alfabetização, o que deslocou a ênfase dos aspectos relacionados a habilidades de coordenação motora e de acuidade auditiva para os aspectos relacionados à construção do mecanismo de representação. Na perspectiva das autoras, a aprendizagem da leitura e da escrita na alfabetização pressupõe que a criança tenha compreendido que a escrita é um modo de representar realizado por meio do sistema alfabético. Os estudos das pesquisadoras levaram a valorização da ideia de "erro construtivo" no processo de aprendizagem da escrita e deram centralidade nesse processo ao próprio sujeito e não somente ao conteúdo abordado. A concepção de sujeito da qual as autoras partem é a que fundamenta a teoria piagetiana. A criança é vista como um sujeito cognoscente, que busca compreender o mundo ativamente, ou seja, agindo sobre ele e sobre os objetos de conhecimento.

A trajetória que as crianças percorrem ao aprender a ler e a escrever também foi objeto de interesse de Vygotsky (1989) e Luria (1988), que, bem antes de Ferreiro e Teberosky, investigaram a pré-história da linguagem escrita e mostraram, a partir de pesquisas, que a aprendizagem da escrita pelas crianças começa com o aparecimento do gesto, que contém a futura escrita. Luria (1988), a partir de seus experimentos, constatou que o desenvolvimento da escrita na criança se dá por meio de transformação de um rabisco não diferenciado para um signo diferenciado. Esse processo, para Luria (1988), tem início mesmo antes de a criança entrar na escola e de lhe serem ensinadas a como pegar no lápis. A alfabetização, de acordo com o autor, envolve a apropriação de mecanismos da escrita simbólica e de uso de meios simbólicos para possibilitar a recordação.

Seguindo esse mesmo pressuposto, Vygotsky (1989, p. 121) considera que o "[…] gesto é a escrita no ar [...]". Assim, por meio dos gestos (apontar com o dedo, dramatizações, mímicas, rabiscos e jogos - no sentido de brincadeiras infantis inventadas quando as crianças estão sozinhas ou junto com outras crianças), as crianças atribuem a função de signo ao objeto e lhe dão significado. Para o autor, a representação simbólica na brincadeira é uma forma particular de linguagem em um estágio precoce, que leva à linguagem escrita. Por isso, no processo de alfabetização, as crianças precisam aprender não apenas o uso e as funções do código escrito, mas sim a diversidade de aspectos que caracterizam a linguagem escrita. Os trabalhos de Vygotsky (1989) e Luria (1988) evidenciaram que, além dos gestos, os rabiscos e os jogos são meios utilizados pelas crianças para atribuir significado aos objetos e ao mundo. Portanto, a aprendizagem da escrita abrange aprender a produzir significados.

Para Gontijo e Schwartz (2009), a escrita é uma forma de linguagem, porque possibilita a apropriação de novas formas de expressão e de comunicação. Desse modo, seu aprendizado se constitui numa ferramenta fundamental para assegurar às crianças sua inserção cultural e social, tendo em vista que ao

[...] se apropriarem da escrita, os indivíduos se afirmam como sujeitos, transformam e potencializam as capacidades naturais, além de passar a refletir sobre a linguagem que utilizam no cotidiano e ampliar as possibilidades de se relacionar com outras pessoas (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009, p. 19).

No entanto, a condição básica para o uso escrito da língua envolve, por parte dos alunos, apropriação de conhecimentos muito específicos que, por sua vez, se constituem em um dos eixos norteadores do trabalho de ensino e aprendizagem que demanda ser conduzido de forma consciente e intencional pelo professor alfabetizador. Gontijo e Schwartz (2009) ressaltam que iniciar a alfabetização trabalhando os conhecimentos sobre o sistema de escrita é dar às crianças condições de compreenderem a relação simbólica que constitui a produção escrita, isso porque elas precisam entender que esse sistema simbólico inclui regras vinculadas às relações das formas linguísticas entre si e às relações dessas formas com o contexto em que são usadas nas práticas de leitura e de escrita. Ou seja, no processo de alfabetização, compreender a escrita para fazer uso dela envolve se apropriar de seus aspectos característicos.

Os estudos mencionados evidenciam que a aprendizagem da escrita, na alfabetização, abrange vários conhecimentos que, por sua vez, se constituem em conteúdos do trabalho de ensino e aprendizagem que se realizam nas salas de aula. As convenções gráficas da linguagem escrita é um dos conhecimentos fundamentais de serem trabalhados com as crianças na alfabetização. Cagliari (1998) chama atenção para o fato de que as crianças na aprendizagem inicial da linguagem escrita vivenciam conflitos entre as pausas na fala e na escrita, uma vez que não há uma correspondência fixa entre as pausas da fala com os sinais que as representam na escrita, como a vírgula e os pontos. O autor ainda destaca que a "[...] segmentação das palavras na escrita, indicada pelo espaço em branco, corresponde menos ainda a pausas ou segmentações na fala" (CAGLIARI, 1998, p. 127).

Portanto, não é simples para a criança na alfabetização compreender que não se escreve como se fala e que há, além de uma normalização ortográfica para a linguagem escrita, convenções gráficas como a de que se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo. A aprendizagem da escrita pelas crianças requer um processo de ensino sistemático das convenções ortográficas, mas também das convenções gráficas como a da colocação de espaços em branco na escrita alfabética, a direção da escrita ao escrever textos.

Vale destacar que os critérios para a colocação de espaços em branco são baseados na compreensão das classes morfológicas, que ainda não são entendidas pelas crianças no início da alfabetização. Desse modo, é comum as crianças realizarem, durante a alfabetização, separações além das previstas pela ortografia convencional, o que a literatura da área denomina por hipersegmentações.

Silva (1994) alerta que as crianças fazem uso de critérios para a colocação de espaços em branco baseados, na maioria das vezes, em estratégias de segmentação indiossincráticas e particulares. Segundo o autor, no processo de construção da segmentação da escrita, a criança incorpora soluções de segmentação observadas na própria escrita e também propõe soluções pessoais para cada caso, baseadas na experiência com a escrita a que está exposta no contexto escolar. Há momentos em que segmenta de acordo com as convenções ortográficas.

Essas reflexões, independente de suas perspectivas teóricas, apontam que os aspectos relacionados as convenções gráficas se colocam também como conhecimentos específicos a serem trabalhados na alfabetização, levando-se em consideração a linguagem escrita na sua dimensão linguística e discursiva.

Aportes metodológicos da pesquisa

Realizamos uma pesquisa documental que teve como corpus 28 cadernos escolares de crianças que cursaram alfabetização durante os anos 2000 em um município do Estado do Espírito Santo e 22 de professores que atuaram nas escolas desse município no mesmo período. A proposta foi buscar compreender o que é priorizado no ensino das convenções gráficas que regem a escrita na alfabetização, atendo-se aos conhecimentos que envolvem a compreensão da orientação da escrita, a função da segmentação dos espaços em branco entre as palavras e a pontuação.

Desse modo, assumimos na pesquisa a abordagem qualitativa que, no campo da pesquisa educacional, parte do pressuposto de que as ciências humanas tem seu ponto de partida no texto, pois as ciências humanas

[...] são as ciências do homem em sua especificidade, e não de uma coisa muda ou um fenômeno natural. O homem em sua especificidade humana sempre exprime a si mesmo (fala), isto é, cria texto (ainda que potencial). Onde o homem é estudado fora do texto e independentemente deste, já não se trata das ciências humanas [...] (BAKHTIN, 2003, p. 312).

Os cadernos escoolares foram tomados como suporte de discursos sobre o ensino das convenções gráficas que regem a escrita. De acordo com Marcuschi (2008), apesar de todos os textos se materializarem em algum suporte, a definição do que seja um suporte textual ainda suscita discussões no campo teórico, mas o autor alerta que o suporte de um texto é "[...] uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto [...]" (MARCUSCHI, 2008, p. 8). Desse modo, cada fonte documental que integra o corpus foi tomada como suporte de discursos produzidos por sujeitos situados e datados, social e historicamente.

Os 50 cadernos escolares que compõem nosso corpus foram tomados como documentos que testemunham práticas de leitura e escrita realizadas na escola. Estudos realizados por Hérbrard (2001), Chartier (2007), Vinão (2008) e Mignot (2008) demonstram que, ao longo da história das instituições educativas, formas de escolarização criaram modos de documentar as práticas escolares dos sujeitos. Dentre elas, podemos afirmar que os cadernos escolares se constituíram em suportes por excelência do ensino da leitura e da escrita na escola. Desse modo, os cadernos foram compreendidos como testemunho das culturas escolares, dos currículos, dos conhecimentos da história dos países, dos valores e das ideias que circulavam em determinadas épocas e contextos.

De acordo com o Hébrard (2001), antes do primeiro terço do século XIX, o ensino da leitura antecedia o ensino da escrita e uma das principais inovações pedagógicas desse século foi a não separação temporal entre o ensino da leitura e da escrita, o que significou um fato importante na evolução da alfabetização escolar. Segundo Hébrard (2001), a escola muda, então, sua forma de alfabetizar. Com isso, o caderno se destina à realização das atividades propostas pela professora para o ensino da língua materna, ao mesmo tempo em que presta contas aos pais e/ou responsáveis das aprendizagens dos alunos e cria visibilidade ao trabalho intelectual do professor. Esse autor ainda afirma que o caderno, tanto por sua inserção na história da escola como pela preocupação de conservação da qual foi objeto, é "[...] certamente um testemunho precioso do que pode ter sido e ainda é o trabalho escolar" (HÉBRARD, 2001, p. 121).

Revelando um crescente interesse pelas escritas cotidianas ou ordinárias, Vinão (2008) afirma que os pesquisadores de educação encontraram, nos cadernos escolares, vantagens indubitáveis de se chegar às instituições de ensino para conhecer e estudar essa "caixa preta" da realidade das práticas escolares. A progressiva introdução dos cadernos no espaço escolar, em substituição às folhas brancas, como espaço gráfico adequado para o registro das atividades/trabalhos a serem desenvolvidos, vem se afirmando desde a metade do século XIX. Por essa razão,

[...] esses constituem a fonte mais idônea, caso exista, para o estudo do ensino, da aprendizagem e dos usos escolares da língua escrita, ou seja, da alfabetização escolar e da difusão, nesse âmbito, da cultura escrita (VINÃO, 2008, p. 17).

Segundo o autor, há ainda outras duas vantagens em analisar os cadernos escolares. A primeira é que seus registros permitem entrever diferentes ideologias e valores escolares, possibilitando estudar de maneira bem próxima as práticas escolares. A outra é que a regularidade desses registros, em função de um tempo prolongado, também permite constatar "[...] a defasagem ou distância existente entre as propostas teóricas, a legalidade e as práticas docentes e discentes" (VINÃO, 2008, p. 17).

Assim, por meio da escrita organizada no suporte caderno, é revelada uma realidade tanto interior quanto exterior, subjetiva e objetiva, representada e instituída. Entretanto, o autor ressalta que os cadernos escolares imortalizam parte do ensino e do aprendizado, mas se sabe que jamais retratarão o que de fato aconteceu, porque "[...] silenciam, não dizem nada sobre as intervenções orais ou gestuais do professor e dos alunos" (VINÃO, 2008, p. 25).

Apesar dessas limitações, consideramos neste estudo, com base em Mignot (2008, p. 7), que os cadernos são portadores de "[...] memórias coletivas e individuais", dialogando com o contexto institucional, construindo significados. Segundo a autora, conhecer o caderno escolar de uma instituição de ensino permite refletir sobre os processos de aprendizagem, o currículo, as memórias, as histórias de vida, os registros de conteúdo ensinados e avaliados, a comunicação entre pais e responsáveis, considerando que os cadernos falam da prática relativa ao discurso escolar e não só da prática pedagógica.

O acesso aos cadernos escolares se deu após o envio de um informativo, distribuído em todas as escolas com turmas de alfabetização do município de Viana, Espírito Santo. O informativo expunha os objetivos da pesquisa e solicitava a colaboração do corpo docente das escolas para localização de cadernos de alunos e de professores. Depois disso, foram realizadas visitas às escolas para contatos com professores e alunos e coleta do material. De posse dos cadernos, foi realizado o mapeamento de todas as atividades registradas que tratavam de conhecimentos sobre o sistema de escrita trabalhados no 1º ano do Ensino Fundamental. Do mapeamento das atividades foi possível identificar os eixos da alfabetização que se mostraram mais recorrentes nos cadernos, o que será tratado na próxima seção.

O ensino das convenções gráficas desvelado pelos cadernos escolares

O corpus documental da pesquisa permitiu identificar 8.927 atividades registradas nos cadernos escolares, tanto de professores como de alunos, que revelaram que os conhecimentos sobre o sistema de escrita tem sido um dos eixos mais privilegiados na alfabetização de crianças, como mostra a tabela 1.

Tabela 1 Eixos da alfabetização localizados nos cadernos 

  F %
Conhecimentos sobre o sistema de escrita 5.257 58,89
Leitura 2.615 29,29
Produção de texto 1.055 11,82
Total 8.927 100

O percentual de 58,88% representa um quantitativo de 5.257 ocorrências de atividades relacionadas aos conhecimentos sobre o sistema de escrita; seguido pelas práticas de leitura com 29,29%, que representam 2.615 exercícios propostos e, com apenas 11,82% de frequência, aparece as atividades de produção de texto, num total de 1.055 exercícios. Dentre os conhecimentos sobre o sistema de escrita, nota-se a ênfase atribuída ao conhecimento do alfabeto, às relações entre sons e letras, à categorização gráfica e funcional das letras, à orientação e alinhamento da escrita e aos sinais de pontuação. Nesse conjunto, por sua vez, nota-se um percentual bem menor de atividades destinadas ao domínio das convenções gráficas, o que revela que aspectos considerados complexos pelos estudiosos da área, como a apropriação da escrita, podem estar sendo desconsiderados na alfabetização de crianças, como evidencia o quantitativo mostrado na tabela 2.

Tabela 2 Conhecimentos sobre o sistema de escrita identificados nos cadernos 

Conhecimentos sobre o sistema de escrita F %
Conhecer as letras do nosso alfabeto, incluindo sua categorização gráfica e funcional. 3.726 69,43
Dominar as relações entre fonemas e grafemas 1.452 28,72
Dominar as convenções gráficas 99 1,85
Total 5.277 100

Os dados apontam que as letras do alfabeto, incluindo sua categorização gráfica e funcional, têm maior incidência nas práticas alfabetizadoras, perfazendo 69,43% (de 3.726 do total de ocorrências) do que os conhecimentos associados às relações entre fonemas e grafemas com 28,72% (de 1.452 das ocorrências) e, sobretudo, do trabalho desenvolvido com as convenções gráficas, que totalizaram 1,85% (de 99 ocorrências).

Devemos ressaltar que, no conjunto das atividades relacionadas aos conhecimentos relativos às aprendizagens sobre o sistema de escrita da língua portuguesa, a categorização gráfica e funcional das letras, a direção convencional da escrita e a compreensãoda segmentação dos espaços em branco entre as palavras e a pontuação foram trabalhadas de forma simultânea. Trataremos, inicialmente, da direção convencional da escrita.

A direção convencional da escrita

Na alfabetização, o ensino da direção convencional da escrita é importante, pois os alunos nem sempre compreendem que se trata de uma convenção que necessita de ser seguida, uma vez que a escrita obedece a certos princípios de organização. A história da escrita mostra que, apesar de ser um modo comum entre os sistemas de escrita, nem todos usam a escrita da esquerda para a direita e de cima para baixo (CAGLIARI, 2007). Gontijo e Schwartz (2009) destacam a relevância de as crianças aprenderem que a direção da escrita segue padrões partilhados por usuários de um determinado sistema, possibilitando o seu entendimento por todos. As autoras assinalam que, para aqueles que já leem e escrevem,

[...] os princípios que regem a direção da escrita não trazem dificuldades, mas, para os aprendizes da leitura e da escrita não é assim e, por isso mesmo, eles devem ser ensinados. As crianças precisam compreender que, convencionalmente, escrevemos da esquerda para a direita e de cima para baixo (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009, p. 37).

Os cadernos mostram que as convenções gráficas como a direção e o alinhamento da escrita têm sido sistematizadas nas classes de alfabetização por meio de atividades que se voltam ao ensino de outros conhecimentos como o da categorização gráfica de letras do alfabeto. Junto a esse tipo de atividade, é possível inferir que a direção e o alinhamento convencional da escrita vêm sendo trabalhado pelo professor por meio do uso de marcações nos cadernos dos alunos para indicar as convenções a serem seguidas, como ilustra a fotografia 1.

Fonte: Caderno A1/2009 - região do grande Centro (Viana/Espírito Santo).

Fotografia 1 Atividade de ensino da direção e alinhamento convencional da escrita. 

Embora a atividade seja destinada ao ensino da categorização gráfica da letra "A", é possível verificar que, como estratégia de ensino da direção da escrita, foram utilizadas marcações na folha do caderno que servem para orientar o aluno a direção que ele deve seguir para a escrita do cabeçalho (nome da escola, data, série e nome da professora). Isso se verifica na margem superior esquerda, onde aparecem duas setas: indicativas do local onde a criança deveria iniciar a escrita e a direção que deveria seguir da esquerda para direita, de cima para baixo.

Ainda na parte superior da folha, é visível um "pontinho" feito a lápis, indiciando que essa marcação pode estar sendo utilizada para a demarcação do início da realização da tarefa escolar. Na parte inferior da folha de caderno, no lado direito, também é possível observar uma marcação que sugere uma delimitação da margem e do espaço a ser respeitado na escrita. Constatamos, ainda, nesse caderno, que a marcação da margem superior esquerda com um "pontinho" foi utilizada pela aluna por dez páginas consecutivas, muito provavelmente até o momento em que ela conseguisse seguir a margem esquerda com autonomia, sem precisar de algum tipo de marcação.

A marcação com ponto, setas e com a letra X parecem ser estratégias comuns utilizadas para se trabalhar esse conhecimento, pois aparecem registradas em outros cadernos com o mesmo objetivo de orientar as direções a serem observadas no uso da linguagem escrita, conforme é mostrado na fotografia 2.

Fonte: Caderno A 22/2003 - região do grande Centro (Viana/Espírito Santo).

Fotografia 2 Atividade realizada com demarcação da margem. 

A letra X, nesse caso, é utilizada como marca para referenciar o lugar em que a criança deve iniciar a escrita, como mostra a atividade que teve por objetivo o ensino da sílaba "BE" e das diferentes categorizações gráficas (maiúsculo, minúsculo, forma e cursiva) por meio de cópia sequenciada da própria sílaba e de palavras iniciadas com a sílaba em questão recortadas de jornais e revistas. Vale notar que a letra X foi utilizada como marca somente no lado esquerdo do caderno, assinalando que se tratou de uma forma de demarcação da margem e do espaçamento entre linhas que deveriam ser respeitados pelas crianças ao realizarem a atividade de escrita.

O conjunto dos cadernos evidencia que o ensino da direção convencional da escrita tem priorizado as próprias atividades voltadas, para o ensino do sistema de escrita para trabalhar esse conhecimento com as crianças, que, pelo que indicam os cadernos, vai sendo apropriado aos poucos pelos alunos. Assim, passam também a utilizar marcações próprias para fazer margens, delimitar espaço, dividir as atividades nas páginas do caderno e organizar seus escritos fazendo uso dessas mesmas demarcações utilizadas pelos professores. Desse modo, como apontado por Vygotsky (1989), as crianças na fase inicial de apropriação da escrita repetem gestos e ações dos adultos.

Vale destacar que o conjunto de atividades registradas nos cadernos e voltadas para o uso do ensino da direção convencional da escrita não envolveu textos de diferentes gêneros, o que assinala que o ensino desse conhecimento parece ficar restrito a atividades voltadas a escrita dos cabeçalhos diários e as próprias respostas a essas atividades, denotando, assim, que o ensino dessa convenção gráfica prioriza práticas de escrita que se realizam em contexto escolar.

Isso se corrobora pelo fato de que nos registros dos cadernos escolares, tanto de professores como de alunos, não se constatou atividades que pudessem levar as crianças explorarem características da direção convencional da escrita em diferentes materiais impressos, a fim de oportunizar a compreensão de que marcas na página de um impresso. Por exemplo, uma sequência de letras que expressam significados ou formas diferenciadas de alinhamento do texto na página, a depender do gênero textual e do suporte em que é veiculado. Mesmo assim, na linguagem escrita da língua portuguesa, a organização da escrita obedece a convenções de ordenamento e direcionamento (da esquerda para a direita e de cima para baixo).

Segmentação dos espaços em branco

Os espaços em branco entre as palavras também representam uma convenção social que precisa ser aprendida no início do processo de alfabetização. O trabalho com esse conhecimento proporciona aos alunos a compreensão de que, "[...] na fala, não existem, como na escrita, separações regulares entre as palavras, exceto em situações marcadas pela entonação do falante" (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009, p. 43). Para o ensino desse conhecimento, os cadernos mostram a preponderância de atividades que envolvem fragmentos de textos como músicas, parlendas e cantigas infantis, apresentados às crianças sem separação entre as palavras, para que elas escrevam cada palavra do texto dentro de um retângulo.

Fonte: Caderno A 20/2004 - região de Vila Bethânia (Viana/Espírito Santo).

Fotografia 3 Atividade com o nome próprio 

Esse tipo de atividade é frequente nos cadernos como uma estratégia utilizada para ensinar as crianças a segmentar as unidades da fala que serão representadas na escrita. Essa atividade favorece a compreensão das crianças de que a organização do sistema de escrita está relacionada com o fato de que a linearidade da escrita tem características diferentes da linearidade da fala. Desse modo, nota-se que o ensino da segmentação da fala para a escrita vem se efetivando por meio de atividades que levam as crianças a identificar palavras que compõem textos. Nesse caso, os cadernos apontam que há uma tendência, no início da alfabetização, de palavras que compõem textos.

São textos curtos e conhecidos pelas crianças usados para trabalhar esse conhecimento. O que se diferencia têm sido as estratégias utilizadas para orientar as crianças quanto aos espaços a serem respeitados entre as palavras e frases nos textos, uma vez que ora elas são demandadas a pintar cada palavra com cor diferente, ora são solicitadas a fazer um traço para indicar o espaço em branco entre as palavras, conforme exemplifica a atividade apresentada na fotografia 4.

Fonte: Caderno A 4/2009 - região de Areinha (Viana/ Espírito Santo).

Fotografia 4 Trabalho com a segmentação dos espaços em branco 

Os cadernos apontam que vem sendo usual na alfabetização trabalhar a segmentação de espaços em branco juntamente com o estudo de letras do alfabeto, como evidencia a fotografia 4, que mostra que a letra G também foi objeto de ensino no mesmo texto, uma vez que foi pintada de vermelho na palavra GATINHA, indiciando que o texto foi utilizado também como pretexto para o estudo da letra G no início de palavras.

Desse modo, esses tipos de atividades, como salientam Gontijo e Schwartz (2009), parecem estar servindo para trabalhar o reconhecimento de letras do alfabeto que é outro importante conhecimento a ser apropriado na alfabetização. As atividades trabalham a segmentação da fala e da escrita para mostrar que, tanto uma quanto em outra, são produzidas em uma sequência linear, uma vez que essa linearidade ocorre de forma diferente na fala e na escrita.

Apesar do texto da atividade conter sinais de pontuação, que também marcam, na escrita, as pausas sonoras, foi possível constatar que esses não são trabalhados junto com o espaçamento em branco entre palavras, diminuindo, assim, a possibilidade das crianças ampliarem a compreensão de que as pausas da fala nem sempre têm correspondência fixa com as pausas da escrita. De acordo com o apontado por Cagliari (1998), os sinais de pontuação na linguagem escrita também são recursos empregados para indicar pausas da fala para dar legibilidade e sentido ao que produzimos oralmente.

Os sinais de pontuação

Na linguagem escrita, os sinais de pontuação se constituem recursos específicos para resgatar sutilezas e nuances típicas da oralidade, uma vez que carregam consigo informações de cunho prosódico que interferem nos sentidos do texto produzidos durante a leitura. Por isso, é importante que as crianças compreendam que esses sinais ajudam na construção de sentido do texto, que o uso inadequado ou a falta de pontuação comprometem sua compreensão e que podem alterar o teor do texto lido. Para o texto escrito, os sinais de pontuação têm importância semântico-sintático-discursiva. Trata-se de um aspecto da convenção gráfica da linguagem escrita de suma importância de ser trabalhado na alfabetização.

Fonte: Caderno P 10/2006 - região Marcílio de Noronha (Viana/Espírito Santo).

Fotografia 5 Leitura sobre os sinais de pontuação 

O conjunto dos cadernos indica que esse conhecimento tem sido trabalhado de forma intencional nas classes de alfabetização. No entanto, as atividades mais recorrentes nos cadernos para o ensino dos sinais de pontuação apontam ainda para uma abordagem mecanicista de ensino, pois é comum os sinais de pontuação serem ensinados a partir da leitura de um texto que foi produzido para um fim didático explícito - o ensino dos sinais de pontuação.

Nessa direção, uma estratégia de ensino que se mostra usual é tomar um texto poético, em forma de versos, que tem por objetivo maior apresentar às crianças os sinais de pontuação (o ponto final, o sinal de exclamação, os dois pontos, o travessão e o sinal de interrogação) e as situações em que eles são empregados. Ou seja, esses sinais da escrita vêm sendo trabalhados de forma expositiva a partir da apresentação das regras para a sua utilização por meio de um texto que serve de pretexto para o ensino das regras. Segue-se a apresentação das regras, seguida de uma atividade para ser realizada pelas crianças em que são levadas a repetir os usos dos sinais de pontuação e a identificar as formas gráficas que os representam, como exemplifica a atividade apresentada na fotografia 6.

Fonte: Caderno P 10/ 2006 - região do Marcílio de Noronha (Viana/ Espírito Santo).

Fotografia 6 Atividades de fixação dos sinais de pontuação 

Conforme mostrado, é possível verificar uma preocupação com a aplicação de regras que tentam direcionar e sistematizar o uso dessas marcas na escrita. Entretanto, Cagliari (2007) sinaliza que o emprego dos sinais de pontuação é bastante variável, podendo mudar segundo o contexto de produção, ou seja, uma palavra como "um", por exemplo, pode vir acompanhada do sinal de interrogação, exclamação, reticências, dentre outros, dependendo da comunicação discursiva da qual faz parte.

Esses tipos de atividades recorrentes nos cadernos escolares demonstram que os sinais de pontuação têm sido tratados por meio de abordagens que dificultam aos educandos compreenderem as funções dos sinais como recursos para a produção de sentidos. O conhecimento acerca dos sinais de pontuação e de seus usos vai se constituindo na medida em que os sujeitos, falantes e interlocutores, fazem uso desses recursos linguísticos em processos de interlocução, de modo a compreender sua importância para o texto produzido oralmente ou por escrito.

As abordagens que se evidenciam por meio das atividades exemplificadas nas fotografias 5 e 6 se tornam difíceis para que as crianças se apropriarem dos sinais de pontuação como recursos da linguagem escrita que expressam sentidos na linguagem oral. Os sinais de pontuação, quando trabalhados de forma isolada do contexto em que pode ser empregado, redundam "[...] em formalismo e em uma abstração exagerada [...]" (BAKHTIN, 2003, p. 265), por não permitir que os alunos analisem sua função nas práticas discursivas. O autor assinala que não aprendemos a língua por meio de regras abstratas, como um sistema passível de descrição, mas na estrutura concreta da enunciação.

Outra atividade que se colocou como característica do ensino dos sinais de pontuação foi a solicitação de elaboração de frases que demandam o uso de um sinal específico de pontuação. A fotografia 7 exemplifica esse tipo de atividade que prioriza a técnica de utilização mecânica da pontuação em detrimento da discursividade.

Fonte: Caderno P 9/2007 - região do Marcílio de Noronha (Viana/Espírito Santo).

Fotografia 7 Atividade para trabalhar o sinal de interrogação 

A atividade demanda que as crianças organizem a priori o seu conteúdo do dizer, criando um interlocutor imaginário sem que tenham necessidade específica para fazer uma pergunta, a não ser cumprir uma atividade escolar. Entendemos que o conhecimento das regras de uso do sinal de pontuação exerce influência significativa na prática de ensino, cujo uso prescreve regras fixas associadas à sintaxe.

É indiscutível que a gramática tem uma função "[...] sociocognitiva relevante, desde que entendida como uma ferramenta que permite uma melhor atuação comunicativa" (MARCUSCHI, 2008, p. 57). No entanto, o uso dos sinais de pontuação, na escrita e, consequentemente, a sua percepção não se reduzem a fatores puramente de ordem da sintaxe.

No uso e, por extensão, na percepção desses sinais, outros fatores gramaticais atuam conjuntamente, como os de ordem semântica, morfossintática, prosódia e, sobretudo, discursivo. Por isso, é importante que haja diversidade de atividades que levem os alunos a reflexão sobre os efeitos que os sinais de pontuação operam na construção de sentido do texto tanto na dimensão linguística como discursiva.

Considerações Finais

As atividades registradas nos cadernos escolares, tanto de alunos como de professores, possibilitam inferir que o ensino das convenções gráficas na alfabetização de crianças segue mais próximo de perspectivas teóricas da alfabetização que se pautam em concepção de linguagem que se prende a aspectos formais do texto. Isso indica que a concepção de alfabetização que parece predominar nos anos 2000 trata a língua escrita como um sistema abstrato de formas linguísticas normativas e idênticas.

Desse modo, predomina ainda na alfabetização, nos anos 2000, a ideia de que as convenções gráficas do sistema de escrita podem ser ensinadas a partir de atividades que levam as crianças às perceberem como sinais a serem reconhecidos, a partir de exercício que as levem a reconhecerem as convenções. Portanto, há ainda em circulação nas escolas uma concepção equivocada de escrita tratada como um sistema de código fechado em que a aprendizagem deva priorizar atividades mecânicas de identificação, reconhecimento e repetição.

Sendo assim, a escrita aparece tratada de forma fragmentada e desvinculada do seu contexto de produção e os aspectos que a caracterizam graficamente vistos como destituídos de sentido produzidos pelos homens no decorrer do desenvolvimento da história da escrita. As atividades mostram que as características da língua escrita, reconhecidas como produções históricas e culturais elaboradas nas interações sociais e, portanto, carregadas de significações ainda estão distantes das salas de alfabetização.

1O citado conceito foi reorganizado pela autora em encontro ocorrido no mês de setembro de 2013, durante o processo de formação do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic): "[...] uma prática sociocultural em que as crianças, por meio do trabalho integrado com a produção de textos orais e escritos, a leitura, os conhecimentos sobre o sistema da língua portuguesa e com as relações entre sons e letras e letras e sons, exercem a criticidade, a criatividade e a inventividade". Porém, o conceito ainda não foi publicado em artigos ou livro para referenciar.

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Recebido: 18 de Março de 2019; Aceito: 15 de Abril de 2019

Profa. Dra. Cleonara Maria Schwartz, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo, ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-4411-2234. E-mail: cleonara.schwartz@gmail.com

Profa. Dra. Fernanda Zanetti Becalli, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, Campus Vila Velha, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades, Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo, ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-8628-6550. E-mail: fernanda.becalli@ifes.edu.com

Profa. Ms. Gilciane Ottoni Pinheiro, Sistema Municipal de Educação de Viana (Espírito Santo), Secretaria Municipal de Educação de Viana (Espírito Santo), Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo, ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-1012-4168. E-mail: gottonipinheiro@gmail.com

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