Introdução
Nosso estudo discute a gestão das universidades comunitárias brasileiras. As universidades comunitárias são uma herança pública e têm um forte vínculo com suas comunidades (ALMEIDA, 2006). Embora sem fins lucrativos, a maioria já adotou o sistema de gestão democrática e participativa e são autênticas instituições públicas não estatais. Essas universidades trabalham em um ambiente atual, com mudanças contínuas e rápidas que exigem que os gerentes compreendam os tipos e formas dessas mudanças para ajustes e intervenções estratégicas. Para permanecer nesse ambiente competitivo, a universidade deve ter uma gerência ciente dos tipos de mudanças às quais está disposto a se sujeitar (ALMEIDA FILHO, 2008).
Para que as universidades sigam e permaneçam no mercado, são necessárias mudanças paradigmáticas em termos de visões, estratégias e desenvolvimento de atitudes empreendedoras e proativas que possibilitem a lealdade dos clientes e a detecção de novos nichos de mercado (MOÇO, 2007; DITTADI, 2008 ) No campo da educação, caracterizado como pertencente ao setor de serviços, há um número crescente de instituições privadas de ensino, ganhando, assim, um espaço significativo na economia global. No entanto, esse segmento ainda precisa receber mais atenção de seus gestores, devido à crescente proliferação de novas instituições, maior competitividade no fornecimento de produtos e, sobretudo, existência de uma cultura administrativa baseada em comportamentos intuitivos.
As instituições de ensino superior, independentemente de sua natureza e objetivos, ou seja, sejam públicas, governamentais, comunitárias ou privadas, têm como característica comum sua inserção no setor de serviços. Assim, devem profissionalizar sua gestão, começando com a formação de sua liderança. Essa necessidade é demonstrada por Ésther (2011) ao estudar as habilidades gerenciais dos reitores federais no estado de Minas Gerais no Brasil. A habilidade política foi enfatizada quando comparada com outras, consideradas importantes para a gerência, como habilidade administrativa, acadêmica e gerencial.
Nesse contexto, de acordo com Janeiro, Proença e Gonçalves (2013), as universidades capacitam profissionais, realizam pesquisas e desenvolvem conhecimentos aplicados. Assim, a universidade é uma das fontes de desenvolvimento e inovação em um mundo caracterizado por mudanças contínuas. Segundo Bernheim (2008), estamos vivendo um novo paradigma econômico e produtivo, onde o fator mais crítico é o uso intensivo de conhecimento e informação. Síveres (2011) reforça a missão da universidade desde o seu período de fundação como instituição formativa, que contribui para as pessoas e aprofunda as relações sociais, políticas e econômicas por meio de seus processos pedagógicos e sociais. Os objetivos se estendem à formação profissional e qualificação para a cidadania promovida por meio de ensino, pesquisa e extensão.
Ao se reportar às instituições comunitárias, se encontram no mesmo cenário. Elas formam um segmento específico de instituições de ensino superior sem fins lucrativos que, devido à sua conexão e compromissos com a sociedade, são criadas como organizações públicas não estatais. Têm como marco legal a Lei nº 12.881, de 2013, que confere determinadas prerrogativas específicas às instituições públicas, como participação em licitações governamentais e diferenciação daquelas voltadas exclusivamente para interesses lucrativos no mercado educacional. Essa nova base jurídica leva as instituições comunitárias de educação superior a uma responsabilidade única em relação à capacidade de gestão. Eles devem cumprir compromissos e responsabilidades sociais por causa de sua condição comunitária e precisam ser competentes em estratégias de marketing.
Portanto, a relevância do estudo é estabelecida pela necessidade de descrever o perfil do gestor desse tipo de instituição de ensino superior. Esse é o nosso foco, justificado porque acreditamos que os talentos humanos de uma instituição de ensino são responsáveis pela transferência de conhecimento para os alunos, seja gerando inovação por meio de pesquisas ou criando um relacionamento com a comunidade. Da mesma forma, a qualificação técnica dos colaboradores em suas respectivas áreas de conhecimento é essencial. Falta o desenvolvimento de liderança com capacidade de governança para garantir que as universidades ofereçam as respostas inovadoras e empreendedoras necessárias para os dias atuais.
Amorim (2017) denuncia a falta de novos líderes educacionais e destaca a demanda por um novo perfil gerencial contemporâneo que transforme instituições educacionais em verdadeiros laboratórios de aprendizado e inovação, com novas metodologias de ensino e aprendizagem. Para tornar essa realidade possível, é necessário um gerente que trabalhe em parceria com colegas, professores, estudantes e a comunidade. Além disso, Cancino e Monrroy (2017) abordam políticas educacionais para reforçar a liderança educacional no Chile, dada a influência do gerente educacional na qualidade educacional. No entanto, observamos a necessidade de desenvolvimento e capacitação de gerentes educacionais (MUGHAL; MUHAMMAD; SHARIF; SABA; REHMAN, 2017), principalmente porque os gerentes de IES também são professores e pesquisadores (HOTHO, 2013).
Dado esse cenário de "apagão" de líderes educacionais, nos perguntamos: quais seriam as oportunidades de capacitação em liderança que atendam às demandas institucionais do século XXI? Friga, Bettis e Sullivan (2004) apresentam opções estratégicas para as escolas de negócios atuais. Eles indicam a importância da educação gerencial na tentativa de garantir as instituições educacionais no futuro, considerando as grandes forças da globalização, tecnologias de ruptura, mudanças demográficas e desregulamentação. Na tentativa de resolver isso, Barbosa e Mendonça (2016) sinalizam para a alternativa de formação de professores para a gestão universitária. Por sua vez, independentemente da natureza institucional, Muzzio (2017) e Beech e Macintosh (2012) abordam o problema da falta de criatividade gerencial, falta de gerenciamento estratégico da alta gerência e a urgência de resolver essa lacuna com treinamento específico para gestão da criatividade com ações efetivas envolvendo pessoas, líderes e cultura organizacional. Portanto, isso pode ser uma vantagem competitiva no mundo acadêmico e de inovação.
Este estudo contribui para a compreensão do perfil do gestor das universidades comunitárias, diferenciando-o dos pesquisadores e cientistas (GOEL; SAUNORIS, 2017; PERKMANN; KING; PAVELIN, 2011). Ao mesmo tempo, a relevância das universidades comunitárias para a sociedade, especialmente para suas comunidades no sul do Brasil, destacadas pela ampla gama de campos de ensino, pesquisa e extensão comunitária associados à gestão, dando espaço à disseminação do conhecimento de volta à indústria ( FISCHER; SCHAEFFER; VONORTAS, 2018). Nesses termos, esse tema é justificado pela necessidade e falta de mercado de gestores com perfil compatível com as novas demandas institucionais do século XXI, como apontado nesta pesquisa.
Metodologia
Esse é um estudo de caso em que a abordagem quantitativa baseia a abordagem qualitativa. Essa investigação inclui 14 instituições de ensino superior de Comung (Universidades e Faculdades) que possuem as mesmas características de IES comunitárias sem fins lucrativos, de acordo com a Lei 12.881 (Brasil, 2013). Nosso estudo escolheu esse grupo pelos seguintes motivos: devido aos poucos e remotos estudos similares no ensino superior da Comung que problematizam esse assunto; a relevância deste estudo para as instituições comunitárias de educação superior (ICES) de Comung; a necessidade de capacitar gerentes universitários da Comung para responder melhor aos desafios atuais da gestão acadêmica e da gestão de sustentabilidade de suas ICES; e a expressão do ICES de Comung na comunidade do sul do Brasil, considerando a tradição e a qualidade da educação. Isso é mostrado no número de 208.000 alunos regularmente matriculados em seus programas de graduação e pós-graduação.
Para responder ao problema investigativo, que dialoga com o perfil do gerente de uma universidade comunitária, realizamos essa pesquisa qualitativa por meio de dados empíricos e secundários. Nesse sentido, entrevistamos 67 gestores (reitores, assistentes de reitores, diretores ou funções equivalentes) de 14 universidades que fazem parte do Consórcio das 15 Universidades da Comunidade Gaúcha (Comung, Consórcio de Universidades Comunitárias Gaúchas). O critério de inclusão nesse estudo exigiu que o sujeito ocupasse o cargo de reitor, reitor Assistente ou vice-reitor em qualquer centro universitário ou universidade de Comung, uma vez que são considerados os cargos de gerência mais altos em nossa amostra. As etapas constituintes da abordagem metodológica e dos instrumentos de coleta de dados incluíram: a) revisão bibliográfica; b) análise de documentos das disposições legais que norteiam as instituições estudadas; c) análise das informações nas páginas oficiais das instituições de ensino superior aqui estudadas; d) análise curricular dos reitores, reitores assistentes e vice-reitores; e) aplicação de um questionário on-line para reitores, assistentes reitores e vice-reitores com perguntas fechadas e abertas sobre gerenciamento acadêmico e gerenciamento de sustentabilidade; f) entrevista semiestruturada com reitores, assistentes reitores e vice-reitores, seguindo os princípios éticos da pesquisa.
A análise qualitativa dos dados coletados da pesquisa foi realizada por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Essa análise integra um conjunto de técnicas que, através de procedimentos sistemáticos de descrição de conteúdo, fazem inferências sobre a produção e/ou recepção de uma determinada mensagem (BARDIN, 2011). Em relação ao processo de análise de conteúdo, Bardin (2011) apresenta três etapas, que são realizadas em nosso estudo: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Além disso, o conteúdo foi considerado manifesto e latente, segundo Fox (1981).
Contextos teóricas
Universidades brasileiras: das origens às instituições comunitárias
Desde o seu período de fundação, a universidade tem se caracterizado como uma instituição formativa que contribui para as pessoas aprofundarem as relações sociais, políticas e econômicas, tanto por seus processos pedagógicos quanto por seus projetos sociais. No conjunto de propósitos de uma universidade, há formação humano e profissional, além da qualificação para a cidadania promovidos por meio de ensino, pesquisa e extensão (SÍVERES, 2011).
Seguindo o exemplo da América hispânica, o ensino superior brasileiro também foi influenciado pela igreja. Segundo Cunha (1983), os cursos de Teologia, oferecidos pelos jesuítas a partir do século XVI, e os cursos de Filosofia e Teologia, dos Franciscanos no Rio de Janeiro, eram superiores em estrutura e duração curricular ao modelo correspondente praticado na Europa. No Brasil, a primeira universidade relevante a funcionar com base na concepção de ensino e pesquisa foi a Universidade de São Paulo (USP) em 1934. O ensino da pós-graduação stricto sensu começou a ser implementado como programas credenciados nos anos setenta para a qualificação do ensino e pesquisa (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2011).
Portanto, a universidade moderna, baseada no ensino, pesquisa e extensão, é extremamente nova no contexto universal e histórico e de pouca prática no Brasil. Segundo Pereira (2009), mesmo as instituições que vinculam educação e pesquisa muitas vezes veem seus objetivos prejudicados por um corpo docente pouco engajado no desenvolvimento da pesquisa e/ou por restrições de recursos.
Desde os anos 1990, houve uma intensa proliferação de instituições de ensino superior no Brasil, através de um processo radical de desregulamentação que abriu o sistema para investimentos privados locais. Essa realidade ampliou o número de vagas, mas não correspondeu a melhor qualidade no ensino (UFBA, 2011). Além disso, há o mercado transnacional defendido pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial do Comércio como uma solução global para os problemas da educação. Nesse novo cenário, a globalização neoliberal da universidade está em andamento (SANTOS, 2008).
Assim, em termos de oferta, o ensino superior no Brasil é classificado como instituições públicas, com ensino gratuito nos níveis federal, estadual e municipal; instituições privadas, mantidas e gerenciadas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado; e desde 2013, a Lei nº 12.881 (BRASIL, 2013) estabeleceu universidades comunitárias sem fins lucrativos. Enfatizamos que esse é nosso objeto de estudo. No entanto, é necessário distinguir entre um sistema privado com fins lucrativos e um sistema público comunitário sem fins lucrativos. Deve-se notar também que, segundo alguns autores (que não distinguem entre o que é privado com fins lucrativos e o público/comunitário sem fins lucrativos), o que temos hoje é o conhecimento mercantilizado, tanto em relação à educação nacional e objetivos históricos de Humboldt quanto aos objetivos educacionais, técnicos e instrumentais nacionais de Napoleão (PEREIRA, 2009). No entanto, as melhores universidades brasileiras alcançaram essa posição privilegiada, seguindo a inspiração humboldtiana de ensino, pesquisa e extensão (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008).
O principal motivo para a abertura do mercado de ensino superior no Brasil deveu-se, principalmente, à falta de políticas públicas que afetaram a "crise" das universidades federais. Também não houve reconhecimento do papel social das universidades públicas na comunidade como parceiras para atender as necessidades do ensino superior no país.
Com a nova lei para as comunidades universitárias, elas agora recebem o status de instituições públicas não-governamentais, permitindo-lhes competir por recursos a serem utilizados para pesquisa e extensão em pé de igualdade com as universidades públicas estaduais. As universidades comunitárias mais sólidas do país estão localizadas, em sua maioria, na região sul e, principalmente, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O setor de universidades comunitárias do Rio Grande do Sul possui 15 instituições tradicionais de grande porte, associadas entre si, por meio do Consórcio de Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung, Consórcio de Universidades Comunitárias Gaúchas) (SCHMIDT; CAMPIS, 2009).
A criação de instituições de base comunitária deve-se, principalmente, ao espírito associativo encontrado, prioritariamente, nas correntes migratórias que contribuíram para a formação do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente as colônias italiana e alemã. O surgimento de universidades comunitárias na segunda metade do século XX resultou da mobilização de comunidades regionais, dada a incapacidade do Estado de prestar esse serviço (SCHMIDT; CAMPIS, 2009). Nesse cenário, apresentamos o Comung como o sistema público comunitário mais extenso de ensino superior do Rio Grande do Sul. Possui 15 instituições de ensino superior, cujas universidades representam uma rede efetiva de educação, ciência e tecnologia que abrange quase todos os municípios do estado. No conjunto, as instituições do Comung reúnem mais de 40 campi universitários, em mais de 380 municípios em suas áreas de influência, e contam com cerca de 208 mil estudantes de graduação e pós-graduação (COMUNG, 2014). Nesse contexto, consideramos apropriado abordar o ICES da Comung por sua expressão no ensino superior no Rio Grande do Sul e por seu compromisso com a educação por meio do ensino, pesquisa e extensão da comunidade, sendo responsável por capacitar líderes comunitários em vários setores da economia e da sociedade (CRASTO; MARÍN; SENIOR, 2016).
Ensino superior brasileiro e sua gestão
O ensino superior brasileiro compreende 2.407 instituições de ensino, de acordo com o censo de ensino superior de 2016. Desse total, 197 universidades, 166 centros universitários, 2.004 faculdades e 40 Institutos Federais (IF) e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) 2018). A profissionalização da gestão nas IES é cada vez mais necessária. Ao analisar a gestão universitária, Tachizawa e Andrade (2006) também apontam o enfoque sistêmico e os princípios de qualidade que direcionam seus esforços para a ferramenta de gestão de uma instituição de ensino superior. Entendem que a gerência toma decisões que visam equilibrar a missão, os objetivos, os meios e as atividades administrativas e acadêmicas. Barbosa e Mendonça (2016) também destacam a formação de professores para a gestão universitária.
O ambiente competitivo leva as organizações a trabalhar sistematicamente para criar uma imagem sólida e positiva entre seu público. Assim, as Universidades criam planos para aprimorar sua imagem pública para competir com mais sucesso por um público mais amplo e por mais recursos. O desenvolvimento dos atributos criados na organização passa pela existência de um interesse motivador comum entre a organização e os grupos específicos de colaboradores.
De acordo com o estudo seminal de Mannheim (1957), esses grupos estão organizados e são sujeitos a algumas características resumidas abaixo: persistência; divisão de atividades; hábitos tradicionais individuais; padrões; ideologias diferentes entre os membros; interesse coletivo; interesse pessoal; forma organizacional; distribuição de poder; tensões típicas; repressão e conflitos. Portanto, uma organização se consolida com pessoas que estão na vanguarda dos processos, ou seja, seus líderes. Seu sucesso depende principalmente da qualidade da formação dos líderes, de seus discursos, práticas, atitudes e relacionamentos estabelecidos.
No caso das instituições de ensino, essa preocupação é crítica, pois são pessoas que assumem a responsabilidade de contribuir com a educação e a capacitação de outras pessoas. Investir no conhecimento da experiência (MARIUCCI, 2014; BONDÍA, 2002) no potencial humano parece ser a primeira estratégia no âmbito da gestão acadêmica sustentável (ETZKOWITZ; ZHOU, 2006). Nesse contexto, não devemos negligenciar as orientações de Falconi (2009), considerando que um método bem-sucedido de ações corporativas se baseia em três pilares: liderança (entendida como o cumprimento de metas por meio da equipe), método e conhecimento do processo.
Abordamos aqui a importância da liderança como foco deste estudo (STUART; SÁNCHEZ, 2011; FOSSATTI; CONTRERAS; JUNG, 2017; CABRERA, 2004). Ela deve estar ciente de vários fatores, como a redução de custos, o aumento da produção, a qualificação dos funcionários, desenvolvimento do atendimento ao cliente e aprimoramentos do produto. Termos como participação, parceria (CROPPER; EBERS; HUXHAM; SMITH RING, 2014; NOTEBOOM, 2014; TOMLINSON, 2005), processo, planejamento, visão sistêmica, autossustentabilidade e relações de interdependência tornaram-se essenciais no vocabulário e nas ações administrativas. Portanto, uma organização se consolida com a qualidade das pessoas e a qualidade de vida no trabalho (GUTHS, 2016), que estão na vanguarda dos processos. O sucesso de uma organização depende principalmente da qualidade da formação, dos discursos, das práticas (NEIDHART; LAMB, 2016), das atitudes e dos relacionamentos estabelecidos. No caso das instituições de ensino, essa preocupação é vital porque são as pessoas que assumem a responsabilidade de contribuir com a educação e a formação das outras pessoas. Investir no potencial humano (PALMEIRAS; SGARI; SZILAGYI, 2015), especialmente de seus principais gerentes, parece ser a primeira habilidade no escopo da gestão estratégica.
Análise e discussão dos resultados
Os dados foram examinados considerando o conteúdo manifesto e latente, seguindo Fox (1981). A análise de conteúdo (BARDIN, 2011) permitiu a identificação de três categorias: experiência de ensino junto à gerência; liderança estratégica e habilidades técnicas, humanas e comportamentais, como veremos na análise e discussão abaixo.
Experiência de ensino concorrente com a gerência
Os entrevistados possuem uma identidade profissional híbrida em que o ensino e a gestão coabitam, semelhante à percepção de Hotho (2013), que observou a confusão de papéis entre gerentes acadêmicos, professores e pesquisadores. Em nossa pesquisa, a maioria começou como professores e depois acumulou as atividades de gerentes. Outros começaram pela administração e estenderam sua formação para atender à demanda de ensino. Todos os gerentes entrevistados pelas instituições de ensino superior da Comung realizam simultaneamente atividades de ensino. Tal realidade é vista pelos entrevistados como uma característica peculiar dos gestores da Comung. Eles afirmam que essa dupla função é relativamente bem conciliada. Eles afirmam que essa condição, embora muitas vezes sobrecarregue o gerente e ocorra através do "aprender fazendo", traz elementos-chave da experiência e da gestão do ensino na tomada de decisões. Assim, eles se sentem mais seguros para se deslocar entre essas duas atividades. No entanto, ao lidar especificamente com a gerência, a grande maioria admite lacunas de capacitação para administração e fragmentação da atenção gerencial com "pré-ocupações" e ocupações em nível tático, com pouco tempo para questões estratégicas.
Barbosa e Mendonça (2016) analisaram a formação de professores para a gestão universitária. Seus dados mostram uma falta de políticas institucionais para aprimorar as habilidades gerenciais esperadas desses gerentes acadêmicos, assim como relataram nossos entrevistados.
Quanto nível de graduação dos gerentes entrevistados, 38% possuem mestrado e 62%, doutorado. Os altos índices de pessoas com mestrado e doutorado mostram atenção à qualificação do ensino, perante o Ministério de Educação (MEC) para atender a qualificação exigida para o ensino universitário. Na maioria das vezes, os gerentes-professores ou gerentes acadêmicos justificam sua qualificação de mestre ou doutor não por causa da gerência (muitos doutores frequentaram algum curso de MBA), mas por causa dos pré-requisitos de diplomas exigidos para o ensino.
Quanto à função gerencial, a ênfase nas entrevistas está no conhecimento advindo da experiência (MAIRUCCI, 2014). Aprender fazendo desde o início de uma carreira profissional tem sido demonstrado em anos de experiência em gestão universitária (BONDÍA, 2002). De 3 a 5 anos em gestão, temos 4%; de 6 a 10 anos, 39%; e de 11 a 15 anos, o percentual sobe para 57% dos gerentes entrevistados. A realidade apresentada pelos gerentes da Comung nos faz entender que as atividades de ganhos e perdas são acumuladas, sendo muitas delas táticas e operacionais, tirando o gerente de seu foco estratégico. Quais seriam as consequências desse perfil de gerente? Como esses gerentes podem lidar com as demandas estratégicas de suas instituições, uma vez imersos em muitas demandas que distraem suas melhores energias com atribuições operacionais?
Liderança estratégica: relacionamento, governança e hélice quádrupla
Apesar de estarem cientes de um hibridismo entre ensino e gestão operacional, taticamente e minimamente estratégica, esses gerentes manifestam o desejo e precisam evoluir para a consolidação da gestão estratégica, como veremos a seguir. O líder estratégico emergente e timidamente, de acordo com os participantes, sabe como se relacionar com as pessoas, promove a evolução da administração à governança e promove um relacionamento com a tripla hélice e a comunidade. Segundo os entrevistados, a liderança estratégica passa, necessariamente, pelo conhecimento e pela experiência da identidade institucional. Segundo Almeida (2006), vários pesquisadores reforçam que a cultura fornece o contato que responde à questão central da identidade nas organizações e contribui para o material simbólico da construção. Para este autor, por se tratar de uma construção de significado, a identidade organizacional não é estável nem fixa, mas social e historicamente construída, sujeita a contradições, revisões e mudanças, uma vez que é a essência da organização desenvolver uma direção estratégica (BEECH; MACINTOSH, 2012).
A liderança estratégica considera a crescente concorrência no ensino superior brasileiro, também por instituições privadas estrangeiras. A preocupação com a pesquisa e a extensão, além do compromisso com suas comunidades, reforça mais uma vez o motivo da existência das universidades públicas da comunidade. Portanto, o grande desafio das ICES, no atual contexto socioeconômico e de ensino superior no Brasil, é o cumprimento de sua missão focada na gestão estratégica de suas lideranças, com sustentabilidade e competitividade necessárias para garantir a missão, desenvolvimento e continuidade de suas atividades. trabalhos.
Deixar o operacional e focar no que é estratégico é considerado pelos gestores atuais uma atitude crítica e necessária para melhor construir estratégias de sustentabilidade diante de um cenário instável na gestão das instituições de ensino superior. O termo "sustentabilidade" surgiu em 1987 e é definido como: "[...] capacidade de atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender as suas necessidades" (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 9, nossa tradução). Com o crescente número de leis e regulamentações, o pensamento sobre o gerenciamento sustentável das organizações se tornou quase obrigatório. À luz desse conceito, é possível entender a formação dos gerentes estratégicos e a criação da identidade das universidades comunitárias. Esse entendimento deve levar em consideração, por exemplo, sua pedagogia, história, objetivos, valores, crenças, o relacionamento com os funcionários e com a comunidade em particular, bem como o compromisso com a ciência, o conhecimento, a ética e o bem-estar social.
A natureza constitutiva, as origens e o objetivo fazem com que as universidades comunitárias se identifiquem com a universidade moderna, que, segundo Fernandes (2011), se baseia em três pilares inseparáveis: ensino, pesquisa e extensão. No entanto, para cumprir essa missão, é necessária uma gestão estratégica e profissional que ultrapasse as práticas operacionais e meramente intuitivas.
Essa liderança estratégica renuncia à sua rede de relacionamentos no cotidiano da administração. O investimento na estruturação de redes de relacionamento funciona nas parcerias com a comunidade externa e interna da universidade. Essa cultura institucional gera redes de contatos significativas que se materializam em parcerias, ideias e ações de engajamento com ações sociais voluntárias (CROPPER; EBERS; HUXHAM; SMITH RING, 2014; NOTEBOOM, 2014; TOMLINSON, 2005). Os conceitos e práticas da tríplice hélice da inovação (WEBSTER; ETZKOWITZ, 1991; ETZKOWITZ, 2002), juntamente com a tríplice hélice da sustentabilidade (ETZKOWITZ; ZHOU, 2006) permitem que essas instituições exerçam uma gestão direcionada a parcerias e acordos de colaboração que facilitam políticas de pesquisa e extensão, visando o desenvolvimento local e regional.
Os líderes, como os gerentes, têm uma presença acolhedora que reflete e percebe as demandas pessoais e comunitárias. O líder está lá "para" e "com" sua comunidade acadêmica. Essa qualidade relacional legitima sua rede de relacionamentos e a coloca nos círculos de parcerias com as hélices.
Ser um líder estratégico, na percepção dos entrevistados, é um facilitador para o exercício da governança da universidade. Saber gerenciar pessoas (papel do líder), evoluir para a governança, relacionar-se com a sociedade, entidade pública, um perfil nos movimentos de liderança é outra característica digna de nota nesta pesquisa. Fossatti, Contreras e Jung (2017), ao analisar a governança universitária latino-americana, apontam para a importância da
Qualificação em sua forma de governo, academia e administração; com governança inovadora, criativa, governança responsável, autônoma, mostra-se eficaz perante a sociedade e o setor público, com o desenvolvimento de seu ambiente, com evidente progresso da região e até do país (FOSSATTI; CONTRERAS; JUNG, 2017, p. 1, tradução nossa).
Finalmente, o líder estratégico considera os princípios da hélice quádrupla, isto é, articula relacionamentos e parcerias com outras instituições de ensino, governos, empresas e suas comunidades. As entrevistas mostram que suas gerências mantêm forte contato com instituições de ensino superior no Brasil e no exterior, visando principalmente a internacionalização do ICES e seu desenvolvimento focado no empreendedorismo e inovação.
Outro tipo de parcerias trabalha em conjunto com empresas locais e regionais. Os parques de inovação facilitam a criação de novos protótipos e soluções para os problemas das empresas em relação a essas universidades. Mais do que o financiamento monetário, a contribuição do capital humano, a credibilidade da marca das universidades comunitárias, que torna leais as empresas locais e regionais, tornam-se um diferencial competitivo no desenvolvimento da economia.
O desenvolvimento da hélice quádrupla é necessário para as universidades reconhecerem e serem reconhecidas por seus pares, governos, mercados e comunidade acadêmica. A consequência de uma história que remonta a um passado recente mostra o Brasil com desempenho inferior a outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em relação a empresas que colaboram com universidades e governo para gerar inovação (OCDE, 2014). Os gerentes dessas universidades comunitárias estão reescrevendo outras páginas da história sobre a hélice quádrupla. Vale a pena registrar essa evidência com o termo "comunidade", ocorrendo 375 vezes nas entrevistas. Esse termo se desdobra em compromisso com a região (73 ocorrências); status como extensão da comunidade (66 ocorrências); sinônimo de parcerias (66 ocorrências) e em projetos com o setor público (55 ocorrências).
A presença da quarta hélice (diálogo com a comunidade além do diálogo com outras instituições de ensino superior, com o governo e com as empresas) é um tópico emergente. Da mesma forma, a presença, o uso e o domínio das novas tecnologias são vistos na gestão educacional. Trabalhar com objetivos e não mais com empirismo, gerenciar com resultados e não com critérios emocionais, assumir a administração e com base em argumentos técnicos e gerenciais são imperativos categóricos que são impostos ao perfil atual do gerente, de acordo com nossos entrevistados.
Os dados mostram o importante papel que as universidades comunitárias desempenham no contexto do Rio Grande do Sul, tanto com seu compromisso com a educação de qualidade quanto com o envolvimento com outras instituições de ensino superior, governos, desenvolvimento local e regional e comunidades originais.
Habilidades técnicas, humanas e comportamentais
A terceira categoria, habilidades, se desdobra em três subcategorias: técnica, humana e comportamental (soft skill). As habilidades técnicas estão relacionadas à sua área em gestão educacional, gestão do conhecimento, principalmente nos principais conceitos administrativos e jurídicos. As competências técnicas requerem a profissionalização da gestão nas instituições de educação superior comunitárias.
Esse novo momento do ensino superior brasileiro determinou que as instituições que pretendem permanecer no mercado, sem ter que fechar as portas ou se fundir a grupos maiores, se envolvem em mudanças paradigmáticas em termos organizacionais e estratégicos. Da mesma forma, exigiu o desenvolvimento de ações empreendedoras e proativas, visando atrair novos clientes e reter os atuais. Isso passa pelo desenvolvimento de novos segmentos inovadores de mercado, produtos e serviços.
No Brasil, tradicionalmente, o segmento de instituições comunitárias de educação superior tem sido caracterizado por deficiências na profissionalização da gestão, enquanto se destaca uma cultura administrativa baseada em comportamento intuitivo, devido à demanda por vagas que garantam uma receita suficiente. Até então, a maior preocupação das instituições comunitárias era com os objetivos socioeducativos. Portanto, se por um lado as mudanças no contexto ambiental causavam "medos", por outro, eram apresentadas oportunidades e novas possibilidades. Para isso, as ICES devem se adaptar ao modelo de gestão da maioria das organizações do mercado concorrente (MOÇO, 2007; DITTADI, 2008). Destaca-se a diversidade de cursos de graduação em que os gestores entrevistados realizaram sua formação. Entre as porcentagens mais altas, encontramos: 9% em Educação; 8% em Administração; 4% em Saúde; 4% em Ciências Sociais; 3% em Filosofia; 3% em Economia; 2% em Direito; 2% em Gestão; 2% em Ciências Exatas; 2% em Engenharia. Os demais percentuais estão distribuídos em menos de 2% em diferentes cursos.
Segundo os entrevistados, as habilidades humanas, conforme exigidas no perfil atual dos gerentes, envolvem a capacidade de relacionamento motivacional e institucional que afeta diretamente a qualidade do clima institucional. Em outras palavras, mesmo considerando a motivação como um fator intrínseco, o gerente sempre será percebido como um elemento externo que pode ativar comportamentos, emoções, valores e atitudes de suas equipes. Portanto, o clima institucional derivará não apenas das condições materiais e ambientais para a qualidade de vida no trabalho, mas também das habilidades humanas do líder e de suas energias. Da mesma forma, Fossatti e Danesi (2018) discutem a identidade da universidade comunitária no Brasil, passando necessariamente pela formação técnica e humana de seus líderes, colaboradores e estudantes.
Por fim, os participantes também apontam habilidades aqui identificadas como comportamentais (soft skills) porque envolvem tópicos emergentes, como capacidade de formação de redes e implementação da cultura de empreendedorismo e inovação institucional. Neidhart e Lamb (2016), em um estudo das características esperadas da liderança nas escolas católicas australianas, enfatizam a importância do conhecimento, habilidades e atitudes para envolver a liderança em um contexto social e cultural em mudança. Da mesma forma, isso incentiva os líderes a estabelecer metas, tomar decisões e ter um efetivo comprometimento com a ação social.
Guths (2016, p. 111, tradução nossa) trata a liderança da universidade como um macroelemento, com atividade contributiva para a qualidade de vida no trabalho em instituições de ensino superior no Brasil. O autor afirma a necessidade de: "[…] Líderes inspiradores; processos de sucessão; resistências a ruptura; engajamento de pessoas; envolvimento da liderança nos processos de construção; identificação do perfil da liderança".
O olhar fora do Brasil traz outros recursos transversais para a gestão da educação universitária. Crasto, Marín e Senior (2016) enfatizam em seus estudos a responsabilidade social da gestão universitária nas universidades venezuelanas como uma construção coletiva. Ao flexibilizar as estruturas, o gerente pode aproximar a universidade das realidades sociais. Por sua vez, Palmeiras, Sgari e Szilagyi (2015) concluem que a gestão universitária afeta a formação de capital humano em uma economia globalizada e no desenvolvimento informacional. Os resultados sugerem o perfil gerencial que atende um conjunto de habilidades técnicas, comportamentais e, principalmente, habilidades políticas para atender os diversos interesses e seus atores (professores, estudantes, funcionários, colegiados, comunidade externa etc.) no processo de tomada de decisão da universidade.
Cabrera (2004), ao analisar líderes educacionais espanhóis, defende uma liderança educacional transformacional, caracterizada pela participação dos membros da comunidade acadêmica, a satisfação com o trabalho docente e a eficácia pedagógica percebida com um senso de mudança que impulsiona todo o processo de liderança. Ao responder às habilidades dos líderes educacionais chilenos, Stuardo e Sánchez (2011) chamam a atenção para um sistema de formação homogêneo que não considera habilidades críticas para uma liderança eficaz. Esse sistema de formação pode comprometer a governança educacional.
Considerações finais
Os resultados deste estudo enfatizaram a complexidade do perfil do gerente e a necessidade de políticas de formação destinadas ao desenvolvimento de múltiplas habilidades gerenciais. Elas se tornam uma gama de três dimensões fortemente articuladas entre si: as habilidades técnicas, humanas e comportamentais (soft skills). As habilidades técnicas, como visto acima, estão relacionadas ao conhecimento da área de gerenciamento de atividades. Embora os dados da pesquisa mostrem que a maioria dos gerentes tem experiência de ensino, isso não garante que um bom professor seja um bom gerente. É necessária uma sólida capacitação técnica em gestão, porque o mercado não permite mais experiências baseadas em intuição, senso comum ou tentativa e erro.
Por outro lado, não devemos esquecer as habilidades humanas. Ou seja, o gerente também é, de acordo com os dados da pesquisa, responsável pelo clima organizacional, pela motivação de sua equipe e um mobilizador de energias. Como argumentam Fossatti e Danesi (2018), os líderes têm seguidores e não subordinados, com o objetivo de desenvolver o melhor que há no potencial de cada um de seus funcionários com qualidade de vida no trabalho.
Finalmente, as habilidades comportamentais (soft skills) exigem entender que a universidade, especialmente a universidade comunitária, desenvolve e trabalha em estreita coordenação com a comunidade global. Essa é a capacidade de vincular-se a questões emergentes que variam da questão da imigração à capacidade de implementar a cultura do empreendedorismo e da inovação institucional.
Uma das limitações da presente pesquisa é a escassa literatura científica dedicada a um estudo mais aprofundado do perfil dos gestores das ICES. Assim, esperamos estimular estudos futuros para explorar com mais detalhes e, possivelmente, encontrar outras características desse complexo perfil. Ou ainda experiências de políticas de formação voltadas para o desenvolvimento de múltiplas competências gerenciais, resolvendo, principalmente, a dificuldade de desenvolvimento e formação de gerentes educacionais nas IES.