Introdução
A regulamentação do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) como um dos instrumentos de avaliação das Instituições de Ensino Superior (IES) foi estabelecida no art. 3.º da Lei n.º 10.86, de 14 de abril de 2004, que criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). O artigo prevê que, no processo de avaliação das IES, sejam identificados o perfil, a missão institucional e o significado da atuação dessas instituições nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, bem como a responsabilidade social e a sua contribuição para as ações de inclusão social, de desenvolvimento econômico e social e de defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural (BRASIL, 2004).
A obrigatoriedade de identificação desses e de outros aspectos entrou em vigência com a aprovação do Decreto n.º 5773, de 9 de maio de 2006, que “dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino” e estabeleceu a obrigatoriedade de elaboração e de apresentação de um PDI pelas IES (BRASIL, 2006). No art. 16 desse decreto, são elencados os eixos temáticos que devem constar no documento. A composição desses eixos expressa as demandas das instituições, de forma objetiva e sistemática (SCHUH; BASSI, 2017), e sinaliza para a concepção de PDI defendida pelo Ministério da Educação (MEC) - trata-se de um documento que identifica a instituição em relação “à sua filosofia de trabalho, à missão a que se propõe, às diretrizes pedagógicas que orientam suas ações, à sua estrutura organizacional e às atividades acadêmicas que desenvolve e/ou que pretende desenvolver” (BRASIL, 2006).
A partir dessa definição, o PDI figura no contexto das IES como um documento de planejamento estratégico1 primordial para a gestão e para os diversos processos de avaliação institucional, entre eles o Sinaes2. Esse constitui o entendimento de autores como Segenreich (2005), Francisco, Nakayama, Ramos e Oliveira (2012), Lopez (2015), Galvão (2016), Schuh e Bassi (2017), que defendem a importância do PDI como um instrumento de avaliação, norteador das práticas institucionais nas IES. Partilhamos aqui dessa visão e, por isso, argumentamos que os agentes envolvidos na elaboração dos PDIs assumem uma posição importante no âmbito dos debates travados na comunidade acadêmica, nas formulações das metas e nas definições de ações no âmbito institucional.
Sendo assim, este trabalho pretende traçar o perfil acadêmico e profissional dos agentes elaboradores do PDI de 12 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Institutos Federais ou Ifets) e identificar o lugar ocupado por esses atores na elaboração de tal documento. Para tanto, adotamos os seguintes procedimentos metodológicos: identificação dos PDIs vigentes durante o período analisado (2014-2019); consultas aos PDIs para a identificação dos agentes partícipes das comissões de elaboração; levantamento do currículo Lattes dos 204 agentes elaboradores identificados no procedimento anterior; e acesso ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-Sic) para a obtenção de informações sobre a escolha desses agentes elaboradores. Para a sistematização e a categorização dos dados, recorremos à técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2016). Já para subsidiarmos as nossas reflexões sobre o lugar ocupado pelos agentes elaboradores nas discussões e formulações do documento, adotamos as noções conceituais de Bourdieu (1996) de campo e de habitus.
Em relação à exigência da elaboração do documento em questão neste trabalho, frisamos que essa decorre das diretrizes estabelecidas no Decreto n.º 6.095, de 24 de abril de 2007, um dos marcos legais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCPT), à qual os Ifets estão vinculados. Nesse decreto, são estabelecidas as regras para a integração dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), das Escolas Técnicas Federais (ETFs), das Escolas Agrotécnicas Federais (EAFs) e das escolas técnicas vinculadas às universidades federais e aos Ifets. O referido decreto dispõe também sobre o funcionamento dos institutos e a obrigatoriedade de elaboração, em cada unidade de ensino, de um PDI com vigência para cinco anos, conforme as normas determinadas no Decreto n.º 5.773, de 9 de maio de 2006 (BRASIL, 2007).
Um ano depois da aprovação do Decreto n.º 6.095, de 24 de abril de 2007, o art. 14 da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 reiterou a incumbência do reitor da instituição de promover, no prazo máximo de 180 dias, a elaboração e o encaminhamento da proposta de PDI ao MEC. Nas normas orientativas para a elaboração desse documento, determinam-se a participação da comunidade acadêmica e a utilização de um modelo de planejamento estratégico (ORTIGARA, 2014). Pode-se argumentar, portanto, que os agentes que participam dos processos de elaboração do PDI assumem uma posição sine qua non nas formulações das metas e nas definições das ações que serão implementadas no campo educacional. Nesse cenário, a atuação desses agentes simboliza a representação3 de percepções e demandas muitas vezes divergentes.
Sendo assim, a posição ocupada por eles na estrutura social do campo educacional demarca os embates que são travados e a forma de agir e de se posicionar nas tomadas de decisão nesse espaço social (BOURDIEU, 2004). Esse aspecto sinaliza também que a maior parte das ações dos agentes figura como produto do habitus incorporado nas relações de força e de dominação simbólica estabelecidas nesse campo. A dominação simbólica segundo Bourdieu (2009, p.09-10) funciona no plano estrutural das estruturas objetivas como um “instrumento de poder que atua na construção e ordenação da realidade a ser percebida e vivenciada”. Deste modo, ela contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social no campo, uma vez que, por meio do habitus incorporado pelos agentes são definidos os princípios organizadores e geradores da prática desses atores em determinado espaço social.
Apontamentos sobre os processos de elaboração do PDI nos Institutos Federais
Localizados nas cinco regiões do Brasil, distribuídos por 38 unidades, os Ifets, com sua estrutura multicampi, totalizam 644 campi em todo o país. Cada instituto encontra-se organizado conforme os preceitos da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 e de outros documentos normativos, tais como o Regimento, o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o já referido PDI. Com finalidades prescritas no art. 6.º da Lei n.º 11892, de 29 de dezembro de 2008, e com uma gestão de caráter sistêmico e autônomo, cada instituto define seus objetivos e coordena os processos de tomadas de decisão intermediados pelos seus órgãos colegiados: o Colégio de Dirigentes (Codir) e o Conselho Superior (Consup) (SILVA; VIDOR, PACHECO; PEREIRA, 2009).
Com a representatividade de membros da comunidade acadêmica, deliberações importantes são aprovadas por meio do Consup - entre elas, está a aprovação do PDI. Vale notar que os processos de elaboração desse documento e a sua regulamentação em âmbito institucional ocorrem mediante as intervenções dos agentes elaboradores. Debates e lutas em defesa da conservação das normas e/ou da sua subversão são travados entre esses atores, ocupantes de posições distintas no campo (BOURDIEU, 1996). Embora a estrutura organizacional dos Ifets seja similar à lógica de funcionamento de cada unidade, essas instituições obedecem a normas próprias, que são demarcadas pelos agentes nas relações estabelecidas no campo. A partir desse contexto, apontaremos, em seguida, os processos de elaboração do PDI por instituto pesquisado e região de localização.
No Centro-Oeste, o Instituto Federal de Brasília (IFB), com dez campi ao todo, compõe a nossa amostra de pesquisa. O PDI (2014-2018) desse instituto figura como o instrumento pelo qual os gestores definem “o que fazer, quando fazer e como fazer”. Registra-se, nesse documento, que os processos de elaboração foram constituídos por agentes membros das comissões central e temática; integrantes da comissão central foram os responsáveis pela deliberação das ações estruturantes do PDI.
Na região Sul, têm destaque o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e o Instituto Federal da Farroupilha (IFFAR). O primeiro, composto por 17 campi, define o PDI como o instrumento que estabelece os rumos da instituição e cujos processos de elaboração foram conduzidos por agentes pertencentes a três comissões: a central, a temática e a local. Segundo o PDI (2014-2018) desse instituto, os membros da comissão central assumiram uma posição estratégica na tomada de decisão, pois coordenaram o desenvolvimento de todas as ações e realizaram a sistematização da versão final, submetida à apreciação e à aprovação pelo Consup. Em relação ao IFFAR, trata-se de uma instituição com 11 campi, cujo PDI constitui o instrumento que conduz as ações futuras. Nesse instituto, coube a três comissões a elaboração do documento (2014-2018): a central, a local e a específica. A primeira teve a função de definir os objetivos e as metas que integraram a versão final do documento.
No Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), na região Sudeste do país, o PDI constitui um instrumento que identifica a filosofia da instituição e a legitimidade dos 17 campi. Tal documento (2014-2018) foi elaborado por três comissões: central, a local e a temática. À primeira, coube a responsabilidade de sistematização dos dados coletados pelos integrantes das comissões Local e Temática.
Na região Norte, três Institutos foram examinados por este trabalho. O primeiro foi o IFPA, no qual o PDI (2014-2018) constitui um documento norteador das ações institucionais dos 18 campi. A sua elaboração nesse instituto foi realizada pelos membros da comissão central e contou com a participação da comunidade acadêmica em oficinas e/ou Grupos de Trabalho. Por sua vez, o Instituto Federal do Tocantins (IFTO), que possui 11 campi, vê o PDI (2015-2019) como um instrumento que contribui para a garantia da qualidade da educação ofertada na região. Os elaboradores, nesse instituto, organizaram-se em duas comissões: a central e local. Coube à primeira a coordenação das atividades, e à segunda, a elaboração da minuta. Por último, o Instituto Federal de Rondônia (IFRO), distribuído por nove campi, elaborou seu PDI (2014-2018) por meio de duas comissões: a central e a local. Contudo, não identificamos como exatamente ocorreram os processos de elaboração do documento nesse instituto.
Em relação à região Nordeste, foram incluídos nesta pesquisa cinco instituições: o Instituto Federal de Alagoas (IFAL), o Instituto Federal de Sergipe (IFS), o Instituto Federal do Maranhão (IFMA), o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e Instituto Federal do Ceará (IFCE). No IFAL, a condução dos processos de elaboração do PDI (2014-2018) ficou a cargo dos membros das comissões central e local. Coube à local o planejamento das ações e coleta de dados nos 14 campi, e à central, a sistematização das informações e a elaboração da versão final do documento. No IFS, o PDI se figura como um instrumento de gestão pelo qual se torna possível estabelecer os objetivos e as ações para a sua concretização nos dez campi. Nesse instituto, para os processos de elaboração do PDI (2014-2019) houve duas comissões, a central e local. A composição e as atribuições de ambas não diferiram das demais comissões dos Ifets já citados neste trabalho. Composto por 29 campi, o IFMA define o PDI como o documento que sistematiza os compromissos que nortearão a prática educativa no âmbito institucional. Nesse instituto, a elaboração do documento (2014-2018) foi organizada por intermédio das comissões central, local e sistematizadora. Esta última foi responsável pela consolidação do documento e apresenta uma nomenclatura que difere das demais comissões já mencionadas neste trabalho. Formado por 16 campi, o IFPE define o PDI como um instrumento de gestão por meio do qual a instituição trilha o caminho para a consolidação da sua missão institucional. Nesse instituto, os processos de elaboração do documento para os anos de 2014 a 2018 foram conduzidos por quatro comissões: a central, a temática e/ou específica, a local e a logística. Com atribuições distintas, coube especificamente à comissão central uma posição estratégica, de coordenação das atividades de todas as comissões. Por último, o IFCE conceitua o PDI (2014-2018) como um instrumento definidor das diretrizes institucionais nos 16 campi da instituição. Os processos de elaboração desse documento foram realizados por duas comissões: a local e a central. As atribuições de ambas não foram identificadas nos documentos examinados.
Dadas essas considerações, cabe destacarmos que a ausência de identificação de um padrão na definição e na constituição das comissões fornece-nos elementos para ponderarmos que cada instituto conduziu as atividades de construção do PDI de forma autônoma, conforme a recomendação do MEC. Todavia, também de acordo com as orientações do Ministério, caberia a cada Ifet apresentar no documento, com clareza e objetividade, o modo pelo qual o documento foi construído e como se deram as suas interferências na dinâmica da instituição. Tal aspecto não foi identificado com clareza na maioria dos documentos examinados.
Outro item mencionado nos PDIs refere-se à adoção de uma gestão democrática e participativa nas ações de construção do documento. Nesse modelo de gestão, a participação de membros da comunidade acadêmica assume um papel primordial, uma vez que, por meio da atuação desses agentes, os pontos fortes e fracos da instituição podem ser identificados e discutidos. Além disso, as ações voltadas para o atendimento das diversas demandas podem ser planejadas (LOPEZ, 2015). As próprias orientações do MEC recomendam a participação da comunidade acadêmica interna e externa, uma vez que os aspectos abordados no documento devem contemplar os anseios institucionais e da sociedade local na qual os Ifets encontram-se inseridos. A partir disso, há que se ponderar que a materialização dessa demanda advém das discussões, dos embates e das tomadas de decisão que ocorrem, direta ou indiretamente, por intermédio dos agentes envolvidos nos processos de elaboração do PDI.
Esse aspecto reforça o nosso argumento de que os agentes elaboradores do PDI assumem uma posição estratégica nas discussões e proposições apresentadas no documento. A atuação de cada um deles está movida pela defesa das suas concepções e dos interesses da classe a que pertencem. Entendemos o conceito de classe como um “conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm [...] atitudes e interesses semelhantes” (BOURDIEU 2009, p. 136).
Dito isso, compreende-se que as formas de agir, de se posicionar em relação às questões discutidas e de tomar decisões são diferentes de um agente para o outro, a depender da posição ocupada no espaço social. O espaço social se define, nesse contexto, pelo modo como se distribuem numa dada sociedade as diferentes formas de força, de poder e de capitais (BOURDIEU, 2009). E as relações de poder, denominada por Bourdieu (2009) como um “poder simbólico” são expressas pelos agentes por meio das relações estabelecidas entre quem exerce o poder e os que estão sujeitos a ele. Já o acúmulo de capitais, intitulado pelo autor como o estoque de elementos e/ou componentes que podem ser possuídos pelos agentes no espaço social, expressa o poder num campo, seja como propriedades materiais e/ou como mecanismos que garantam a produção de uma categoria de bens. Logo, as posições ocupadas pelos agentes e/ou grupos de agentes no espaço social são definidas mediante a acumulação dos capitais valorizados e legitimados no campo.
O perfil acadêmico dos agentes elaboradores dos PDIs nos Institutos Federais
Inicialmente, convém informarmos as estratégias adotadas para traçar o perfil acadêmico e profissional dos elaboradores dos PDIs dos 12 Ifets pesquisados. Para isso, foram estabelecidas três etapas distintas e complementares. A primeira fase foi realizada por meio do levantamento e da consulta aos PDIs dos Ifets pesquisados. Essas duas ações possibilitaram a verificação dos parâmetros que estruturaram os processos de elaboração desses documentos, bem como a identificação dos agentes elaboradores. Na tabela 1, destacamos o quantitativo de agentes por institutos pesquisados nas cinco regiões do país. Ao todo, foram identificados 204 agentes elaboradores. O maior quantitativo verificou-se no IFAL, e o menor, no IFS - ambos pertencem à região nordeste.
Região | Institutos | Quantitativo de agentes elaboradores |
---|---|---|
Centro-Oeste | IFB | 25 |
Sul | IFRS | 13 |
IFFAR | 26 | |
Sudeste | IFMG | 19 |
Norte | IFPA | 11 |
IFRO | 14 | |
IFTO | 13 | |
Nordeste | IFAL | 29 |
IFS | 10 | |
IFCE | 11 | |
IFPE | 13 | |
IFMA | 20 |
Fonte: Consulta realizada nos PDIs dos Institutos Federais (2019).
Na segunda etapa, realizamos uma consulta à Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq), para a coleta de dados sobre a trajetória acadêmica e profissional dos agentes elaboradores. A terceira e última etapa consistiu-se na organização, sistematização e categorização dessas informações. Todos os dados foram categorizados a partir dos conceitos de Bardin (2016). Para traçarmos o perfil acadêmico dos agentes, definimos as seguintes categorias: titulação; área de formação inicial e final; vinculação a grupo de pesquisa; inserção das produções no campo acadêmico; qualis dos periódicos em que publicam; e área de concentração das publicações.
O processo formativo inicial e contínuo dos agentes elaboradores merece destaque, uma vez que a formação “constitui um processo dinâmico e complexo, direcionado ao desenvolvimento permanente da qualidade social do sujeito”, que garante “[...] a produção e difusão de conhecimentos de determinada área do conhecimento” (BRASIL, 2015, p. 3). Além disso, a obtenção desse capital cultural por meio da formação certamente possibilita aos agentes uma possível inserção na rede de relações institucionais e nos processos de definição das políticas internas nos institutos. De fato, a titulação conferida por meio de um diploma e/ou certificado figura, nos termos de Bourdieu (2007), como um capital cultural institucionalizado, uma vez que apresenta um efeito poderoso na classificação dos agentes nas diferentes hierarquias sociais do campo. Dada a relevância que a formação inicial e continuada assume nos processos de inserção dos agentes elaboradores do PDI no campo educacional dos Ifets, convém atentarmos para os dados no gráfico 1, que apresenta a titulação e a área de formação inicial e final de tais agentes.
Os dados do gráfico 1 permitem identificar que os níveis stricto sensu e lato sensu apresentaram o maior percentual de titulação dos agentes elaboradores - 31% são mestres, 30% são doutores e 18% são especialistas. Em menor número, temos os formados no ensino médio (4%) e os graduados (6%). A ausência da informação acerca da titulação dos agentes foi identificada em 11% dos currículos Lattes analisados. Os resultados assinalam que a formação dos agentes elaboradores dos PDIs dos Ifets investigados se deu, em sua maioria, com alcance de 79%, em nível de mestrado, doutorado e especialização. Em relação a esse aspecto, cabe ponderarmos que a titulação nesses três níveis constitui um elemento valorizado nos processos de seleção via concursos públicos para o ingresso na carreira de docente nos institutos. Além disso, partimos da hipótese de que o elevado percentual de agentes elaboradores com titulação de mestre e doutor advém dos resultados obtidos com a política de incentivo à qualificação dos servidores dos Ifets. A obtenção de uma titulação stricto sensu qualifica os agentes elaboradores dos PDIs nos debates, na defesa dos argumentos e nas tomadas de decisão no campo educacional, tanto pela qualificação acadêmica que essa titulação representa, quanto pela possibilidade que ela abre de uma articulação numa rede de relações e de ações socializadoras e potencializadoras. Isso se deve ao fato de que o acesso aos níveis mais avançados de escolarização possibilita aos agentes detentores desse capital cultural institucionalizado uma maior aquisição de lucros simbólicos no campo (BOURDIEU, 2007).
Em relação à área de formação inicial dos agentes elaboradores dos PDIs, identificamos que predominaram os cursos pertencentes às grandes áreas Ciências Humanas, Ciências Exatas e Ciências Agrárias. Como podemos visualizar no gráfico 2 a seguir, o grupo geral desses agentes foi constituído por 19 Administradores, 18 Pedagogos, 15 profissionais das áreas de Informática e Agronomia, dez Matemáticos, nove licenciados em Letras e nove Engenheiros Elétricos. Essa diversificação na área de formação inicial dos agentes elaboradores evidencia uma especificidade no campo de atuação dos Ifets: a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e superior (art. 6.º, Inciso III da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008). Tal especificidade tem um impacto na composição do quadro funcional dos servidores admitidos para o exercício de múltiplas atividades em âmbito institucional.
No que se refere à formação final dos agentes elaboradores, observamos que a área de Educação, seja em nível de mestrado ou doutorado, assume a liderança, com o quantitativo de, respectivamente, 17 e 13 elaboradores. As áreas de Administração, em nível de mestrado, e Agronomia, em nível de doutorado, também alcançaram maior expressão, com sete atores em cada.
Outro aspecto que merece destaque nas discussões sobre o perfil acadêmico dos agentes elaboradores dos PDIs diz respeito à vinculação a grupos de pesquisa, uma vez que a realização de “pesquisas aplicadas voltadas para o desenvolvimento de soluções, técnicas e tecnológicas constitui-se um dos escopos de atuação dos Ifets” (art. 7.º da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008). Nessa dimensão, os agentes atuantes no desenvolvimento de pesquisas nos Ifets têm como função estimular a produção de conhecimento científico e tecnológico e de inovação, de modo a contemplar as exigências das políticas de ciência e tecnologia vigentes no país. O atendimento a tal demanda se consolida em âmbito institucional a partir das atividades de investigação e produção científica desenvolvidas nos grupos de pesquisas. Estes são definidos por um conjunto de indivíduos agrupados hierarquicamente em torno de uma ou duas lideranças, cujos objetos de estudo são organizados a partir de linhas de pesquisas comuns (CNPq, 2019). Cada grupo tem como líder um pesquisador que se difere dos demais na estrutura do campo científico em razão do volume de capital científico acumulado nesse espaço social (BOURDIEU, 2004). O acúmulo desse capital confere aos seus detentores duas espécies de poder: um poder temporal/político, que se vincula à ocupação de posições importantes nas instituições científicas, ao pertencimento a comitês de avaliação etc.; o um poder funciona como uma espécie de capital simbólico e confere aos agentes atos de conhecimento e/ou reconhecimento entre os pares no campo científico.
O campo científico figura-se, nesse contexto, como um “[...] mundo social no qual se faz imposições, solicitações, que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que os envolve [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 21). Assim, no campo científico no qual se inserem os pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, no sentido de Bourdieu (2003), também são travadas lutas e estratégias de conservação, sucessão e/ou subversão do monopólio da autoridade científica. Tal autoridade pode ser definida como uma espécie acumulada de capital social e/ou científico, que assegura aos pesquisadores detentores desses capitais a definição no campo de um conjunto de objetos relevantes, “[...] das questões que importam para os pesquisadores sobre os quais eles vão concentrar seus esforços e, se assim posso dizer ‘compensar’, determinando uma concentração de esforços de pesquisa” (BOURDIEU, 2004, p. 25).
A partir dos dados obtidos por meio dos currículos Lattes, identificamos que 46% dos agentes elaboradores dos PDIs integram grupos de pesquisa e 45%, não possuem qualquer vínculo. Observa-se, no gráfico 3 a seguir, que, dos agentes que possuem vínculo, 39% concentram-se na área de Ciências Humanas e 21% nas Ciências Agrárias. Um dos elementos primordiais para a vinculação dos pesquisadores a grupos de pesquisas está no envolvimento com as atividades de pesquisa científica e/ou tecnológica e a produção do conhecimento (CNPq, 2019). Esse aspecto se coaduna com a produção científica dos agentes elaboradores dos PDIs e constitui um demarcador da posição ocupada por eles enquanto pesquisadores no campo científico (BOURDIEU, 2004).
Com o intuito de verificarmos as produções dos agentes publicadas em revistas científicas, delimitado o período de 2013 a setembro de 2018, realizamos um levantamento nos currículos Lattes. Consideramos esse aspecto relevante, pois a publicação em revistas com qualis configura-se como um dos instrumentos no campo científico que confere aos agentes uma autoridade científica, ou seja, o reconhecimento (reputação, prestígio, competência e técnica) do valor de sua produção aos olhos dos pares. Esse reconhecimento garante aos pesquisadores o seu “valor distintivo”, a sua visibilidade em relação aos pares (BOURDIEU, 2003). A análise dos dados encontrados na Plataforma Lattes, entre junho e julho de 2019, indicou que 22% dos agentes elaboradores não possuem qualquer produção científica. Ou seja, embora 46% dos agentes elaboradores dos PDIs possuam vínculo com grupos de pesquisa, apenas 22% publicam artigos em periódicos. Dos 131 artigos localizados no período de 2013 a setembro de 2018, 37% encontram-se publicados em revistas que não possuem nenhum qualis. Cabe ressaltar que a classificação dos periódicos, segundo os indicativos de qualidade A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, realiza-se por meio da avaliação de um comitê composto por consultores de diferentes áreas do conhecimento.
Ainda em relação à qualificação das produções, localizamos três artigos publicados em periódicos A1, sendo que o maior percentual das publicações com qualis concentra-se nas revistas com indicativo nos extratos B2 (16%), B4 (11%) e B1 (10%). As publicações científicas em revistas qualificadas conferem aos/as autores/as a obtenção de outras espécies de capitais. Elas possibilitam que os pesquisadores ocupem a “[...] mais alta posição na hierarquia dos valores científicos [...]” (BOURDIEU 2003, p. 117). Com isso, esses atores podem desempenhar funções como pareceristas ad hoc em revistas com alto padrão de qualidade e ser membros de conselhos editoriais de revistas qualis e avaliadores de projetos de pesquisas. Além disso, estes agentes têm a possibilidade de acesso a bolsas e/ou auxílios em agências de fomento de pesquisa, bem como o recebimento de convites e de distinções como prêmios. Dessa forma, esse reconhecimento garantido por intermédio de um conjunto de sinais de consagração confere aos pesquisadores um “valor distintivo” (BOURDIEU, 2003, p. 121) para as suas produções científicas que serão objeto de avaliação por aqueles/as pesquisadores/as consagrados/as e avalizados pelo campo.
No que diz respeito às áreas de escopo das revistas que incluem as produções dos agentes elaboradores, a área de Educação e Ensino figura como a de maior representatividade, com 28%, e, na sequência, vêm as áreas interdisciplinares, com 18%, e a de Ensino e Interdisciplinar, com 17%. Dos 131 artigos, 36 abordam a temática da produção internacional e 17 tratam do tema gestão ambiental. Inferimos que, embora 28% dos artigos estejam concentrados em periódicos com escopo para a área de concentração Educação e Ensino, o quantitativo de temáticas que tratam especificamente dessa área se apresenta pouco representativo.
A hierarquia dos objetos e a definição dos temas “dignos” de interesse no campo científico são, via de regra, delimitados a partir de duas dimensões: “[...] segundo o grau de legitimidade que o objeto de discussão ocupa no campo científico e segundo o grau de prestígio no interior dos limites da definição [...]” (BOURDIEU, 2007, p. 36). Dessa forma, os pesquisadores (in) conscientemente tendem a se concentrar na escolha dos objetos de estudos que tragam, em um dado momento, contribuições valiosas ou novas descobertas para o campo científico e lhes possibilite a obtenção de lucros simbólicos, já que “[...] o que se produz deve ser avaliado como relevante e interessante aos olhos dos seus pares” (BOURDIEU, 2003, p. 115). Assim, os interesses que motivam os pesquisadores nas suas escolhas e recusas dependem da posição ocupada no campo, do capital científico e do poder que lhes está conferido no espaço de produção científica.
Sendo assim, o acesso e o deslocamento dos agentes no campo científico dependem da acumulação dos capitais científico e institucionalizado. Inferimos, a partir dos dados do perfil acadêmico anteriormente apresentados, que, embora grande parte dos agentes se encontre vinculado a grupos de pesquisa, o capital científico não se apresenta como um capital que garante a eles a obtenção de lucros simbólicos - a saber, a autoridade científica e o reconhecimento frente aos pares no campo científico. Tal aspecto se evidencia a partir do quantitativo de publicações em periódicos qualificados.
O perfil profissional dos agentes elaboradores dos PDIs nos Institutos Federais
Partimos do entendimento de que conhecer o perfil profissional de um agente nos possibilita tecer reflexões em relação ao campo, já que a posição que ocupa nesse espaço social depende, especificamente, do seu percurso enquanto profissional e do volume de capital acumulado no campo. Desse modo, consideramos fundamental traçar o perfil profissional dos agentes elaboradores dos PDIs, pois essa ação nos permite identificar o lugar ocupado por esses atores nos processos de formulação documento.
Dito isso, cabe apresentarmos os aspectos que demarcam o perfil profissional dos agentes elaboradores dos PDIs. Em relação ao cargo ocupado nos Ifets, identificamos que a maior representatividade é de professores do ensino básico, técnico e tecnológico (64%); na sequência temos, com 7%, os agentes que ocupam cargos técnico-pedagógico e, com 6%, os assistentes administrativos. O gráfico 4 ilustra a vinculação dos elaboradores aos cargos nos Ifets.
Convém destacarmos que os agentes da comunidade externa não foram inseridos nas comissões de elaboração dos PDIs, conforme recomenda o art. 56 da Lei n.º 9.394/1996, cabe às IES “assegurar a participação dos segmentos da comunidade institucional, local e regional, nos processos de planejamento e tomada de decisão” (BRASIL, 1996). Outro aspecto relevante refere-se ao fato de que, nos documentos orientativos para a elaboração do PDI, não são definidos os critérios que estabelecem o quantitativo de agentes de cada segmento, tampouco os requisitos para as suas designações. Cada instituição tem autonomia para a escolha dos representantes que farão parte da formulação do documento.
No intuito de identificarmos os critérios que nortearam a escolha dos agentes participantes das diferentes comissões de elaboração do PDI (Central, Temática e/ou Local), realizamos uma consulta ao e-Sic, sistema que permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação a órgãos e entidades do Executivo Federal. Constatamos que a designação dos agentes pertencentes às comissões foi realizada, em sua maioria, pela indicação de servidores que ocupam cargos de gestão nos Ifets - ou seja, reitores, pró-reitores e diretores dos campi. Encontramos um instituto, dos 12 pesquisados, que realizou a escolha dos membros de uma das comissões por meio de um edital público. Além disso, nos Ifets que realizaram a indicação dos agentes elaboradores, não localizamos, nas informações obtidas via e-Sic, os critérios utilizados pelos gestores para tal seleção. Como já mencionamos, apenas identificamos que os selecionados para as comissões ocupam diferentes cargos nos institutos e, consequentemente, assumem posições diferentes nos processos de tomadas de decisão no campo, pois são movidos por interesses diversos (BOURDIEU, 1996). Fazemos a reflexão de que o trabalho dos membros investidos numa comissão terá uma missão de interesse geral, na qual os agentes são conclamados a transcender seus interesses particulares para produzir propostas universais (BOURDIEU, 1996).
Identificamos também que 63% dos agentes elaboradores dos PDIs nos Ifets pesquisados não assumem cargos de gestão. Dos que atuam nessas posições, 37% desempenham as funções de diretores gerais dos campi ou de pró-reitores. Esses dois cargos são atribuídos, de acordo com os art. 12 e 13 da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008, mediante os seguintes critérios: os pró-reitores são indicados pelos reitores, e os diretores gerais são nomeados após um processo de consulta à comunidade acadêmica.
Evidencia-se, a partir do perfil profissional dos agentes elaboradores do PDI, que a categoria de docentes alcançou maior representatividade nas comissões, o que possibilitou uma maior movimentação e mobilidade desses atores nas discussões e nas tomadas de decisão nos processos de elaboração do PDI no campo educacional.
Considerações finais
A partir dos dados apresentados, evidenciamos que os aspectos que motivam e demarcam hierarquicamente as escolhas dos agentes elaboradores do PDI nos Ifets pesquisados apresentam natureza diversa. Ainda que os membros das comissões tenham sido constituídos, em sua maioria, por servidores não atuantes em cargos de gestão, o teor do documento expressa uma linha de atuação, daquela gestão em especial, em consonância com a legislação vigente. Isso ocorre, pois, os processos de elaboração dos PDIs são operados por agentes que são conclamados, mandatários legitimados, a incorporarem habitus profissional e técnico por intermédio de uma cumplicidade objetiva.
Dessa maneira, embora reconheçamos o esforço dos Ifets pesquisados de imprimir uma dimensão democrática aos processos de elaboração dos PDIs - algo enfatizado nos documentos examinados - ainda há muito que se avançar especificamente no tocante a uma maior inserção dos agentes dos diversos segmentos da comunidade acadêmica interna e externa nas comissões de formulação do documento. Uma vez que 64% dos 204 agentes elaboradores pertencem à categoria de professores nos Ifets estudados. Essa representatividade favorece e legitima uma estrutura hierárquica do campo educacional dos Ifets na qual os docentes ocupam uma posição de maior prestígio e poder de decisão em relação aos demais membros das comissões.
Além disso, inferimos que parte dos agentes que compõem as comissões de elaboração dos PDIs nos Ifets pesquisados fora indicada pelos gestores da instituição sem a explicitação de critérios precisos e claros, que sejam consonantes com a tarefa de pensar a instituição, estruturalmente, em relação às dimensões dos campos do ensino e da Educação. Esse contexto se evidencia especialmente quando o perfil acadêmico dos agentes elaboradores destoa, não raras vezes, desses dois campos do conhecimento estruturantes nos processos de discussão e formulação do PDI no âmbito institucional, especificamente no que tange a produção científica.
Por conseguinte, ao assumirem uma posição sine qua non nos processos de formulação do PDI, os agentes elaboradores, desprovidos das habilidades e das competências técnicas necessárias para as discussões e tomadas de decisão, tendem a incorporar, quase correntemente, um habitus ajustado aos conhecimentos adquiridos em seus processos de formação inicial e/o continuada.
Desse modo, a ação dos agentes, no espaço social, se consolida a partir das suas percepções e posições teóricas que orientam e sustentam as estratégias de manutenção e/ou subversão que serão utilizadas por eles nas tomadas de decisão no campo. Logo, a partir dessa premissa, podemos inferir que as práticas dos agentes elaboradores têm forte impacto na definição das metas e ações que serão implementadas, por meio do PDI, no campo educacional.
Frente aos aspectos mencionados cabe ponderarmos que os perfis acadêmicos de 79% agentes elaboradores dos PDIs demonstram a detenção de um capital cultural institucionalizado 30% de doutores, 31% de mestres e 18% de especialistas valorizado no campo educacional dos Ifets. A obtenção dessa titulação nesses três níveis, sem dúvida, apresenta-se como um elemento estruturante para a classificação dos agentes nas diferentes hierarquias do espaço social. Sendo assim, pressupomos que o monopólio desse capital cultural institucionalizado certamente possibilitou a esses agentes “um valor distintivo” nos processos de formulação dos PDIs seja na defesa de suas posições, recusas, escolhas e tomadas de decisão.