Inquietações iniciais
O estudo de Soares e Silva (2019), que investigou o perfil docente da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), revelou um contexto com 5% de docentes negras(os), ou seja, uma instituição com corpo docente hegemonicamente branco. Considerando esse contexto, algumas questões se colocam: a Unipampa tem, em seus editais de ingresso docente, ofertada reserva de vagas para candidatas(os) negras(os) como prevê a Lei Federal n° 12.990/2014, de 09 de junho de 2014? Candidatas(os) negras(os) têm procurado as reservas de vagas nesses concursos? O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da universidade alinha-se com a Lei n° 12.990/2014?
A partir dessas questões investigamos a aplicação da Lei n. 12.990/2014, a procura e o ingresso das(os) de candidatas(os) negras(os) pelas reservas de vagas raciais no âmbito dos editais de concursos públicos para ingresso na carreira docente de nível superior da Unipampa.
Antes de seguirmos adiante, é necessário compreendermos que a Lei n° 12.990/2014 é uma conquista no âmbito das políticas afro-reparatórias, que reserva 20% das vagas em concurso público para candidatas(os) negras(os). Segundo Mello e Resende (2019, p. 164), essa foi a “[...] primeira lei federal a prever ação afirmativa fundada exclusivamente em critério de raça/cor no Brasil [...]”, visto que a Lei n° 12.711/2012, para ingresso de estudantes nas universidades e institutos federais, associa outros critérios de ordem socioeconômica ao pertencimento racial. Com isso, a Lei n° 12.990/2014 é uma importante estratégia para o rompimento das desigualdades baseadas em hierarquias raciais que estruturam a sociedade brasileira e que perpassam o ambiente acadêmico.
Mello e Resende (2019) enfatizam que as universidades não estão aplicando a reserva de vagas como prevê a Lei n° 12.990/2014, seja por sua interpretação restritiva ou por ofertarem número reduzido de vagas – já que a Lei prevê o mínimo de três vagas no total para aplicação da reserva. Portanto, é essencial questionarmos se essas medidas de combate à desigualdade racial nos ambientes universitários estão sendo cumpridas. Por outro lado, parte da sociedade ainda questiona a sua necessidade, uma vez que atravessada pelo discurso do mérito não compreende que o debate que envolve as ações afirmativas é sobre oportunidades. Segundo Ribeiro (2019), esse pensamento está intimamente ligado ao fato das pessoas brancas não questionarem os seus privilégios históricos e acharem que as vagas no ensino superior são suas por direito o que as faz entender as cotas como “esmola”. E para romper tal entendimento, é necessário compreendermos que “[...] por causa do racismo estrutural a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade [...]” (RIBEIRO, 2019, p. 41) o que se reflete no campo do emprego e renda, por exemplo.
Partindo dessas reflexões, o artigo abrangerá inicialmente o lugar das(os) negras(os) na sociedade brasileira com vistas a demonstrar a necessidade das políticas afro-reparatórias ilustrando que o debate é sobre oportunidades. Logo, analisaremos os editais de ingresso docente da Unipampa problematizando não só a aplicação da reserva de vagas, mas lançando olhares sobre a sua procura, posterior ingresso na carreira docente e, numa perspectiva de gênero e raça, quem ingressa na docência superior via cotas raciais. Alinhado a essa discussão, analisaremos o PDI da instituição na perspectiva de olhar para além do cumprimento da Lei n° 12.990/2014, investigando se a Unipampa compromete-se com as políticas de ações afirmativas. Por fim, teceremos considerações enfatizando a importância de estratégias que visem o enegrecer do quadro docente das universidades.
A Lei de Cotas como ferramenta para superação das desigualdades raciais no Brasil
Composta por 56,10% de pessoas autodeclaradas(os) negras(os), categoria que inclui pretas(os) e pardas(os), a população negra está em maioria na sociedade brasileira, no entanto, essa superioridade numérica não se reflete no campo social (IBGE, 2019a). Assim, não podemos pensar a estrutura social como um campo em que todas e todos têm direitos e oportunidades de maneira igualitária, seja para usufruir de direitos básicos como saúde, lazer, saneamento básico e educação; seja para ingressar no mercado de trabalho e/ou consumir bens e serviços.
Historicamente a sociedade brasileira legitimou discursos produzindo desigualdades e abismos nas relações sociais (JACCOUD, 2008; RIBEIRO, 2019). Percebemos que aqueles que administraram o Brasil desde a colônia traçaram um projeto de sociedade sustentado no embranquecimento da população e afirmando que somente um país branco seria capaz de desenvolver-se e consolidar-se como nação (RIBEIRO, 2010; ROMANELLI, 2010). Com todos os processos e tentativas de branqueamento o racismo potencializa-se na estrutura da sociedade produzindo desigualdades baseadas em hierarquias raciais.
Com isso, compreendemos o racismo como estrutura fundamental que integra a organização econômica e política da sociedade, ou seja, “[...] o racismo como processo histórico e político, cria as condições sociais para que direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática” (ALMEIDA, 2019, p. 51). Podemos perceber a operação do racismo estrutural na sociedade brasileira nos dados de desigualdade racial no mercado de trabalho, na distribuição de renda, nos mapas da violência, nos dados da população carcerária e nos índices educacionais da educação básica e da educação superior.
No campo da educação, a população negra encontra-se ainda em desvantagens, de acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica organizado pela ONG Todos Pela Educação (2019), entre a população de 18 a 29 anos, a taxa média de escolarização é de 10,8% para negras(os) e 12,1% para brancas(os). Na proporção de pessoas de 25 anos ou mais que tem o ensino médio completo a população negra corresponde a 40,3%, já a população não negra corresponde a 55,8%. No ensino superior, as(os) estudantes negras(os), pela primeira vez, compõem a maioria (50,3%) nas instituições públicas de ensino superior (IBGE, 2019b). Diante disso, é importante observar que a proporção de estudantes negras(os) de 18 a 24 anos cursando o ensino superior em 2018 chegou a 55,6%, ainda abaixo dos 78,8% de estudantes brancas(os) da mesma faixa etária e no mesmo nível de ensino.
Ao perpassarmos os quadros docentes da educação de nível superior, percebemos que 16% das(os) docentes se autodeclaram negras(os)(BRASIL, 2017), uma falta de representatividade negra que varia conforme os níveis de especialização. Segundo o Inep (BRASIL, 2017), do total de docentes com nível de mestrado, 23% são negras(os), representatividade que cai para 17,6% de docentes negras(os) com doutorado. O que nos revela que conforme o nível de escolaridade aumenta, a presença de negras(os) é reduzida.
Ainda, quando olhamos para a docência de ensino superior a participação feminina chega a 45% de docentes na educação superior (BRASIL, 2017). Porém, ao articularmos os marcadores de gênero e raça, essa representação cai para 14% de mulheres negras inseridas nos quadros docentes da educação de ensino superior (NOGUEIRA, 2017), e, esse quadro, se reduz ainda ao olharmos para as professoras negras doutoras nos quadros da pós-graduação, pois essas representam apenas 0,4% do corpo docente da pós-graduação no país (BRASIL, 2017). Portanto, precisamos continuar problematizando tais desigualdades para que os espaços historicamente negados sejam ocupados por essa população.
No entanto, como afirma Ribeiro (2019, p. 18), “[...] é preciso identificar os mitos que fundam as peculiaridades do sistema de opressão operado aqui [...]”, uma vez que essa análise da sociedade brasileira não é de fácil compreensão e percepção. Mitos e discursos hegemônicos são reproduzidos nos meios de comunicação, nas escolas, nas universidades, nos materiais didáticos a todo o momento para legitimar e nos instituir como uma sociedade de relações raciais harmônicas em que inexiste o racismo.
Tendo em vista que a educação é um dos direitos para emancipação do sujeito, o estado brasileiro adotou uma série de medidas a partir dos anos 2000 com o objetivo de ampliar e democratizar o acesso ao ensino superior, no que tange à rede pública: a institucionalização do sistema de cotas, que reserva vagas a candidatas(os) de determinados grupos populacionais; o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o Sistema de Seleção Unificada (SiSU); e, na rede privada, a expansão dos financiamentos estudantis, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (Prouni).
No entanto, precisamos entender que essas ações e medidas são conquistas de incessantes lutas e reivindicações dos movimentos sociais, ou seja, nada foi dado e/ou surgiu sem prévio estudo e debate(NUNES, 2013; ROSA, 2016; GOMES,2017). Essa reflexão é para que não esqueçamos que os movimentos sociais são os principais responsáveis pelas conquistas de políticas públicas que colaboram com o enfrentamento das desigualdades raciais.
Assim, precisamos ressaltar as conquistas de políticas afro-reparatórias no que concerne à educação. Conforme Rosa (2016), as principais iniciativas de políticas afro-reparatórias encontram-se no âmbito das valorativas ou afirmativas e das redistributivas.
As políticas valorativas ou afirmativas têm como objetivo promover uma valorização da contribuição dos povos africanos como marcos civilizatórios para a construção dos estados nacionais, enquanto as políticas redistributivas são aquelas que visam à redistribuição de bens e posições sociais com o intuito de promover uma mobilidade social vertical ascendente dos grupos discriminados (ROSA, 2016, p. 34).
Nessa perspectiva, entendemos a Lei n° 12.990/2014 enquanto uma política redistributiva, pois, com a reserva de vagas em concursos públicos para negras(os), colabora diretamente com sua mobilidade social, haja vista as desigualdades nas oportunidades enfrentadas pelas(os) negras(os). No entanto, a ideia de ascensão dessa população fez com que parte da sociedade questionasse a legitimidade e constitucionalidade das cotas. No ano de 2009, o Partido Democratas (DEM), através da apresentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADF 186), questionou a legitimidade da política de cotas para o ingresso de negras(os) nos cursos de graduação da Universidade de Brasília (UnB), que aderiu as cotas por iniciativa administrativa interna no ano de 2004 (ROSA, 2016). Entretanto, no ano de 2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por unanimidade, improcedente a ADF 186 que questionava a constitucionalidade do sistema de cotas (DEMOCRATAS, 2009; BRASIL, 2012).
Nessa conjuntura de questionamentos da legalidade das cotas, o Congresso Nacional recebeu a proposta para cotas em concursos públicos, em novembro de 2013, como objetivo de regular o disposto no Estatuto da Igualdade Racial (Lei n°12.888/2010), que estabelece que o poder público promova ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, incluídas às contratações no setor público (BRASIL, 2010). Assim, em 9 de junho de 2014, a Lei n°12.990/2014 foi sancionada, reservando a candidatas(os) negras(os) 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos da administração pública federal, nos três níveis de poder, pelo prazo de dez anos (BRASIL, 2014).
Cotas raciais nos editais de concurso docente da Unipampa: uma análise do período de 2014 a 2018
Sancionada no ano de 2014, a Lei n°12.990/2014 estabelece que “[...] a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a três (3) [...]” (BRASIL, 2014) e que os editais deverão especificar o total de vagas que corresponderão às(aos) candidatas(os) negras(os). Ainda, sempre que ocorrer fracionamento das vagas e esse for igual ou superior a cinco décimos (0,5) as vagas serão arredondadas para número inteiro subsequente. As vagas são reservadas a candidatas(os) que se autodeclarem pretas(os) ou pardas(os) no ato da inscrição do concurso, conforme o quesito raça ou cor utilizado pelo IBGE. Para o combate a qualquer tipo de fraude na autodeclaração são permitidos procedimentos administrativos às instituições, assim como a ampla defesa é assegurada no caso de indeferimento da autodeclaração às(aos) candidatas(os) (BRASIL, 2014)
Mello e Resende (2019) analisaram três mil editais de concursos para docentes em 63 universidades federais a fim de analisar a aplicação dessa Lei. Assim, nos alertam que mesmo com as normativas da Lei, os editais não têm uniformidade na sua aplicação, pois divergem na sua interpretação e/ou ofertam número muito reduzido de vagas. Esse estudo, com dados do período de nove de junho, de 2014 a trinta e um de janeiro, de 2018, aponta que trinta e oito (38) instituições não reservaram os 20% de vagas em seus concursos docentes, dezesseis (16) instituições não reservaram nenhuma vaga e nove (9) instituições contemplaram a reserva prevista em Lei para candidatas(os) negras(os), sendo a Unipampa uma delas. No entanto, mesmo respeitando a Lei, o estudo de Soares e Silva (2019) revela uma representação de 5% de negras(os) no quadro docente da Unipampa.
Nessa perspectiva, analisamos 74 editais de ingresso para docência na Unipampa, desses, 36 editais foram para a carreira docente e 38 de processos seletivos para professoras(es) substitutas(os). Para tanto, adotamos metodologicamente a etnografia de documentos a partir dos pressupostos de Adriana Vianna (2014), visto que a escrita e os documentos são tecnologias e objetos centrais nas burocracias e, assim, passam a ser também artefatos etnográficos especialmente rentáveis em pesquisas que, de alguma maneira, lidam com esse tipo de organização. No caso desse estudo, tomamos como documentos os editais, as instruções normativas e as resoluções internas da instituição, ou seja, os registros que perpassavam as burocracias dos certames analisados. O universo dessa pesquisa foi delimitado considerando os últimos cinco (5) anos a partir da data de promulgação da Lei 12.990/2014, dia 09 de junho de 2014. Assim, a coleta e organização dos dados deram-se no período de agosto a novembro do ano de 2019, via portal de editais no site da instituição.
Cabe ressaltar que consideramos os editais de concurso público para carreira docente e também os processos seletivos para docentes substitutas(os), pois em seu quadro geral docente a Unipampa não diferencia as(os) professoras(es) de carreira e substitutas(os). Assim, para as análises dos editais, consideramos o número geral de vagas ofertadas e o quantitativo de reserva de vagas raciais, observando as decisões administrativas internas via resoluções do Conselho Superior da Universidade (CONSUNI) para a normatização das reservas de vaga e os critérios estabelecidos na Lei n°12.990/2014 (Tabela 1). Após o mapeamento dos editais e levantamento das reservas de vagas raciais, procuramos notar se essas vagas estavam sendo procuradas por candidatas(os) negras(os) e se essas(es) avançavam nas etapas do concurso até edital de classificação final (Tabela 2).
Edital | Número do Edital | Número total de vagas | Reserva de vagas (número absoluto – %) | De acordo com a lei (20% – quantitativo fracionado) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano 2014 | ||||||
Carreira | 253/2014 | 2 | 0 | 0 | 0,4 | 0 |
Carreira | 257/2014 | 37 | 7 | 18,9% | 7,4 | 7 |
Subst. | 260/2014 | 26 | 5 | 19,2% | 5,2 | 5 |
Total | 3 | 65 | 12 | - | - | - |
Edital | Número do Edital | Número total de vagas | Reserva de vagas (número absoluto – %) | De acordo com a lei (20% – quantitativo fracionado) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano 2015 | ||||||
Subst. | 18/2015 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 27/2015 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Carreira | 58/2015 | 17 | 3 | 17,6% | 3,4 | 3 |
Subst. | 64/2015 | 5 | 2 | 40% | 1 | 1 |
Carreira | 83/2015 | 8 | 2 | 25% | 1,6 | 2 |
Subst. | 86/2015 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 119/2015 | 10 | 2 | 20% | 2 | 2 |
Subst. | 128/2015 | 15 | 3 | 20% | 3 | 3 |
Carreira | 203/2015 | 11 | 2 | 18,2% | 2,2 | 2 |
Subst. | 205/2015 | 12 | 2 | 16,6% | 2,4 | 2 |
Carreira | 222/2015 | 6 | 1 | 16,6% | 1,2 | 1 |
Subst. | 228/2015 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Carreira | 230/2015 | 19 | 4 | 21% | 3,8 | 4 |
Carreira | 285/2015 | 16 | 3 | 18,7% | 3,2 | 3 |
Subst. | 287/2015 | 10 | 2 | 20% | 2 | 2 |
Total | 15 | 149 | 30 | - | - | - |
Edital | Número do Edital | Número total de vagas | Reserva de vagas (número absoluto – %) | De acordo com a lei (20% – quantitativo fracionado) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano 2016 | ||||||
Subst. | 09/2016 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Subst. | 38/2016 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 43/2016 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Subst. | 61/2016 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Subst. | 110/2016 | 11 | 2 | 18,2% | 2,2 | 2 |
Carreira | 112/2016 | 13 | 3 | 23% | 2,6 | 3 |
Carreira | 117/2016 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 118/2016 | 9 | 2 | 22,2% | 1,8 | 2 |
Carreira | 120/2016 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Subst. | 121/2016 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Carreira | 123/2016 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Carreira | 124/2016 | 2 | 0 | 0% | 0,4 | 0 |
Carreira | 238/2016 | 16 | 3 | 18,7% | 3,2 | 3 |
Subst. | 240/2016 | 14 | 3 | 21,4% | 2,8 | 3 |
Subst. | 303/2016 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Subst. | 314/2016 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Carreira | 378/2016 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Subst. | 387/2016 | 9 | 2 | 22,2% | 1,8 | 2 |
18 | 125 | 25 |
Edital | Número do Edital | Número total de vagas | Reserva de vagas (número absoluto – %) | De acordo com a lei (20% – quantitativo fracionado) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano 2017 | ||||||
Subst. | 20/2017 | 6 | 1 | 16,6% | 1,2 | 1 |
Subst. | 35/2017 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Carreira | 72/2017 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Subst. | 81/2017 | 8 | 2 | 25% | 1,6 | 2 |
Carreira | 114/2017 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Subst. | 120/2017 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Carreira | 131/2017 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 149/2017 | 2 | 0 | 0% | 0,4 | 0 |
Carreira | 172/2017 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 184/2017 | 2 | 0 | 0% | 0,4 | 0 |
Subst. | 196/2017 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Subst. | 200/2017 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 208/2017 | 2 | 0 | 0% | 0,4 | 0 |
Subst. | 230/2017 | 3 | 1 | 0% | 0,6 | 1 |
Subst. | 251/2017 | 6 | 1 | 16,6% | 1,2 | 1 |
Carreira | 277/2017 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Subst. | 287/2017 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 292/2017 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 306/2017 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Subst. | 312/2017 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 318/2017 | 2 | 0 | 0% | 0,4 | 0 |
Subst. | 353/2017 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 354/2017 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
23 | 82 | 17 | - | - | - |
Edital | Número do Edital | Número total de vagas | Reserva de vagas (número absoluto – %) | De acordo com a lei (20% – quantitativo fracionado) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano 2018 | ||||||
Carreira | 13/2018 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 16/2018 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Subst. | 42/2018 | 13 | 3 | 23% | 2,6 | 3 |
Subst. | 53/2018 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 174/2018 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 189/2018 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Carreira | 200/2018 | 7 | 1 | 14,3% | 1,4 | 1 |
Carreira | 202/2018 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Carreira | 204/2018 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
Subst. | 205/2018 | 3 | 1 | 33,3% | 0,6 | 1 |
Subst. | 235/2018 | 6 | 1 | 16,6% | 1,2 | 1 |
Carreira | 315/2018 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 336/2018 | 4 | 1 | 25% | 0,8 | 1 |
Carreira | 343/2018 | 5 | 1 | 20% | 1 | 1 |
Carreira | 371/2018 | 1 | 0 | 0% | 0,2 | 0 |
15 | 66 | 14 | - | - | 14 |
Fonte: Portal de editais da Unipampa.
Produção: As autoras (2019).
Durante o ano de 2014, a Unipampa passou a implementar a Lei n° 12.990/2014, a partir do edital para carreira docente n. 253/2014 datado no mês de novembro. No entanto, o edital n° 253/2014 não ofertou vagas para cotas raciais, pois o quantitativo de vagas gerais ofertadas foi inferior a três, número abaixo da condição exigida para garantia de reserva, conforme prevê a Lei. Já os editais n° 257/2014 e 260/2014, com número de vagas superiores a três, destinaram reserva de vagas atingindo o quantitativo previsto pela Lei, conforme demonstra Tabela 1.
Considerando o ano de 2015, em que a Lei n°12.990/2014 já estava em vigor, analisamos as especificações de reservas de vagas em cada edital. A partir dessa análise, podemos inferir que os 15 editais, do ano de 2015, apresentaram mais de três vagas e, assim, todos conferiram reservas de vagas para candidatas(os) negras(os). Ainda, conforme distribuição da porcentagem por edital na tabela 1, mesmo tendo casos de editais que não atingem os 20% de reserva, esses estão de acordo com o quantitativo fracionado previsto na Lei n° 12.990/2014.
Observando os documentos que normatizam as políticas internas da instituição, não há resoluções que regulamentam as reservas de vagas raciais para os editais de ingresso docente na Unipampa nos anos de 2014 e 2015, todos os editais desse período citam a Lei n°12.990/2014 para estabelecer as reservas de vagas ou para justificar a falta delas. Entretanto, esse cenário reconfigura-se a partir do ano de 2016, com o Edital de Condições Gerais n° 224/2016, para os processos seletivos de professoras(es) substitutas(os); e o n° 228/2016, para os concursos de carreira docente. Tais editais orientam a abertura das inscrições para seleção de professoras(es) e estabelecem as diretrizes para as cotas raciais observando a Lei n°12.990/2014, além de outras providências que regem os certames.
Conforme podemos observar nos dados dos anos de 2016 e 2017 expostos na Tabela 1, período já regulamentado pelos Editais de Condições Gerais n° 224/2016 e n° 228/2016, os 18 editais, do ano de 2016, se adequam a Lei de Cotas, assim como os 23 editais do ano de 2017.
Já no ano de 2018, considerando a Portaria Normativa SEGEP/MPOG nº 4, de 6 de abril de 2018, que regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração das(os) candidatas(os) negras(os) em concursos públicos, a Unipampa estabelece edital específico para nortear o provimento das reservas de vagas raciais nos concursos para docente. Assim, entra em vigor o Edital n° 168/2018, que prevê as condições gerais para o provimento de vagas reservadas às(aos) candidatas(os) negras(os) em concursos públicos.
De acordo com os editais do ano de 2018, dispostos na tabela 1, já orientados pelo Edital de Condições Gerais n° 168/2018, a instituição obedece às diretrizes previstas na Lei n°12.990/2014.
A partir das análises realizadas nos 74 editais de ingresso docente, percebemos que a Unipampa tem contemplado a reserva de vagas para candidatas(os) negras(os) conforme prevê a Lei n° 12.990/2014, ou seja, tem reservado 20% das vagas ofertadas em cada um de seus editais, respeitando o quantitativo fracionado como orienta a Lei Federal.
Com isso, buscamos identificar se candidatas(os) autodeclaradas(os) negras(os) procuraram essas vagas e se essas(es) foram avançando nas etapas do processo seletivo até o resultado final para posterior ingresso no quadro docente da instituição (Tabela 2).
Cotas raciais | |||||
---|---|---|---|---|---|
Ano | Editais | Total de vagas | Total | Carreira | Subst. |
2014 | 3 | 62 | 12 | 7 | 5 |
2015 | 15 | 149 | 30 | 18 | 12 |
2016 | 18 | 125 | 25 | 10 | 15 |
2017 | 23 | 82 | 17 | 6 | 11 |
2018 | 15 | 66 | 14 | 7 | 7 |
Total | 74 | 484 | 98 | 48 | 50 |
Cotas raciais | ||
---|---|---|
Número de inscrições | Procura | Ingresso |
582 | 1 | 1 |
1.706 | 5 | 4 |
1.234 | 8 | 5 |
780 | 17 | 1 |
620 | 7 | 1 |
4.922 | 38 | 12 |
Fonte: Portal de editais da Unipampa.
Produção: As autoras (2019)
Com os dados expostos na Tabela 2, percebemos que o percentual de 20%, mesmo sendo contemplado, pode não ser suficiente para o rompimento da desigualdade racial presente no quadro docente da instituição, visto o quantitativo absoluto de vagas gerais (484) em comparação às reservas de cotas raciais (98) e o efetivo ingresso (12). Outro dado que contribuiu para essa percepção é o número total de inscrições (4.922) em comparação ao total de inscrições via cotas raciais (38), que equivale a 0,77% do total de inscrições realizadas nos concursos para ingresso docente na Unipampa.
Ainda, observando as 98 vagas reservadas às(aos) candidatas(os) negras(os), percebemos que 38,7% das reservas de vagas raciais foram disputadas, ou seja, apenas 38 candidatas(os) inscreveram-se por cotas raciais nesses concursos, no período de 5 anos. Ao mesmo tempo, é importante destacar que nos editais do período de 2014, 2015 e em 7 (sete), dos 18 (dezoito), editais de 2016 não foi possível quantificar o preenchimento total das cotas raciais, pois nesse período não houve divulgação da modalidade de inscrição das(os) candidatas(os) nas listas de homologações, divulgações que foram padronizadas a partir do Edital n° 240/2016, datado do mês de agosto/2016.
Tal padronização veio para a adequação dos certames da instituição à Orientação Normativa n. 3, no dia 2 de agosto de 2016, que estabeleceu que todos os órgãos da administração pública deveriam prever nos editais de abertura os mecanismos para aferir a veracidade da autodeclaração racial, considerando única e exclusivamente os critérios fenotípicos. Frente a tais responsabilidades, as comissões de concursos da Unipampa organizaram e padronizaram as listagens de homologação das inscrições, especificando e divulgando o tipo de modalidade de inscrição de cada candidata(o). Assim, no período entre 2016 e 2018 foi a Normativa n° 3 que orientou a administração pública à reserva de vagas em concursos.
Mapeadas as reservas de vagas, nossos olhares voltam-se para o ano de 2017, período com o maior número de editais lançados (23) e o único ano em que todas as reservas de vagas raciais tiveram procura. Porém, das(os) 17 candidatas(os) inscritas(os) por cotas raciais apenas uma pessoa foi listada nos resultados finais (etapa que nomeamos de ingresso), conforme mostra tabela 2, ou seja, apenas uma pessoa foi aprovada no concurso. Da mesma forma, no ano de 2018, das(os) sete inscritas(os) na modalidade de reserva de cotas raciais apenas uma pessoa obteve aprovação.
É importante considerar que, do ato da inscrição até a listagem de resultados finais, há etapas e procedimentos a seguir para prosseguimento no concurso, os quais dependem da qualificação das(os) candidatas(os) e de banca avaliadora constituída por docentes da área do concurso. Nesse processo as(os) candidatas(os) são selecionadas(os), considerando critérios qualitativos e quantitativos, estabelecidos por edital e pela banca avaliadora, e, é no caminho desse processo, que muitas(os) candidatas(os) negras(os) não avançam.
A partir dessas observações lançamos nosso olhar a fim de mapear para além das reservas de vagas ofertadas, nesse sentido, procuramos acompanhar as etapas dos processos de cada concurso docente e analisar, também, as chamadas da comissão de averiguação de autodeclaração racial. Isso nos possibilitou verificar se as(os) candidatas(os) inscritas(os)via cotas raciais avançavam nos processos dos concursos até entrevista da comissão de averiguação racial, última etapa até o resultado final dos certames, e se constavam na listagem de classificação final como aprovadas(os). Com tais dados produzimos a Tabela 3.
Ano | Vagas | Reservas de vagas (cotas raciais) | |||
---|---|---|---|---|---|
Geral | Reserva | Inscrições | Aprovação | Reprovação | |
2014 | 62 | 12 | 1 | 1 | 0 |
2015 | 149 | 30 | 5 | 4 | 0 |
2016 | 125 | 25 | 8 | 5 | 3 |
2017 | 85 | 17 | 17 | 2 | 15 |
2018 | 66 | 14 | 7 | 1 | 6 |
Total | 484 | 98 | 38 | 13 | 25 |
Entrevista Comissão |
Ingresso | |
---|---|---|
Deferido | Indeferido | |
1 | 0 | 1 |
4 | 0 | 4 |
5 | 0 | 5 |
1 | 1 | 1 |
1 | 0 | 1 |
12 | 1 | 12 |
Fonte: Portal de editais da Unipampa.
Produção: As autoras (2019).
Destacamos que, no ano de 2015, uma pessoa inscrita inicialmente na reserva de vagas foi classificada em primeiro lugar na modalidade de ampla concorrência já na listagem dos resultados provisórios. Dessa forma, não a consideramos como índice de reprovação e, da mesma forma, não consideramos seu ingresso pela reserva de cotas raciais, visto que seu ingresso se deu por ampla concorrência, como consta no edital de aprovação provisório e final.
Ainda, no ano de 2017, houve duas chamadas para entrevista pela comissão, no entanto, uma pessoa não compareceu na entrevista. Com isso, é importante destacar que entre as 13 chamadas para entrevista de aferição de autodeclaração racial, houve uma ausência, que não é divulgada como indeferimento e 12 deferimentos. Assim, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no seu estudo de “Políticas Sociais: acompanhamento e análise”
Os resultados das bancas confirmam aquilo que as pesquisas feitas pelo próprio IBGE para aferir o sistema de classificação racial vêm apontando nos últimos anos. Na Pesquisa das Características Étnico-Raciais da População (PCERP) de 2008, constatou-se que as diferenças entre auto e heteroclassificação são pequenas, tendendo a convergir, havendo apenas um viés de embranquecimento dos entrevistados pelos entrevistadores (IPEA, 2019, p. 14).
Considerando os dados analisados é importante evidenciar a articulação entre gênero e raça que perpassa o total de aprovações. A partir das análises, desde as listagens de inscrições homologadas, podemos identificar 12 candidatas(os) negras(os) aprovados via reservas de vagas raciais, como demonstra a Tabela 3. E, assim, com base na articulação com o marcador de gênero, podemos verificar que mulheres e homens ingressaram por cotas em concursos da Unipampa de maneiras diferentes.
Das 12 aprovações, via reservas de vagas, 7 foram em editais para professoras(es) substitutas(os) e 5 para professoras(es) de carreira na Unipampa. Sendo a parcela de mulheres negras (8) superior ao ingresso de homens negros (4), no período investigado. Porém, observamos que o ingresso das mulheres negras se deu em maior proporção (5) via processos seletivos para atuação como professoras substitutas da instituição, enquanto os homens negros ingressaram em maior número (3) nos editais para carreira docente.
Considerando que para atuação como docentes de carreira no magistério superior as(os) candidatas(os) devem ter no mínimo o título de mestrado e/ ou doutorado e que para atuação como professoras(es) substitutas(os) o nível de graduação já é admitido, percebemos maior concentração (7) de aprovações via cotas raciais nos processos seletivos para professoras(es) substitutas(os). Dado esse que nos faz pensar quem são as pessoas que tem condições de concorrer as vagas que exigem o título de mestrado e/ou doutorado, já que a representatividade negra reduz conforme o nível de escolaridade aumenta.
Segundo o Censo da Educação Superior (BRASIL, 2017), as mulheres negras com doutorado representam percentual que não chega a 3%. Dadas as desigualdades nas relações de poder, produto da imbricação do sexismo e racismo, as mulheres negras são atravessadas por dupla desvantagem. De acordo com Silva (2010), o racismo institucional, que se reflete na dificuldade de acesso às bolsas de iniciação científica, na aprovação de projetos entre outras variações do racismo, impede a ascensão das doutoras professoras negras dentro das próprias instituições em que atuam.
Com isso, consideramos que o ingresso de mulheres negras via cotas raciais no quadro docente da Unipampa é uma forma de resistência frente às desigualdades raciais e de gênero que as atingem. Resistência, pois rompem as barreiras desses espaços de opressão baseados em gênero, raça e classe social, pois ao transitarem neles os configuram em lugares de resistência e de exercício de poder. Enfrentando dessa maneira colocam em operação o conceito de resistência como prática emancipatória do sujeito, os quais criam estratégias para transitar entre as verdades impostas nesses espaços (MENEGHEL; FARINA; RAMÃO, 2005).
Relacionando as 98 vagas reservadas com os 12 ingressos por cotas raciais, percebemos que mesmo que a Lei n° 12.990/2014 garanta a reserva de vagas nos editais de concursos públicos, precisamos adotar outras estratégias que visem a procura dessas vagas, seu preenchimento e o ingresso por meio das cotas raciais. Pois entendemos
Para que seus efeitos sejam potencializados, é necessário, contudo, associá-las a outras ações antidiscriminatórias. [...] Os cortes de recursos para bolsas de estudantes de graduação e pós-graduação, a diminuição das verbas destinadas às universidades de um modo geral e os efeitos futuros do novo regime fiscal instituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016 são tão relevantes quanto as fraudes no que diz respeito à eficácia da política, merecendo análise apartada que foge ao escopo deste texto (IPEA, 2019, p. 25).
Nessa perspectiva, para além do cumprimento da Lei n° 12.990/2014, investigamos se a Unipampa compromete-se com as políticas de ações afirmativas. Para tanto, olhamos o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI – 2019/2023), construído ao longo de 2017 e 2018. Dessa forma, observamos que, já nos objetivos e metas da instituição, o PDI apresenta como compromisso social: acompanhar, proporcionar, promover e garantir as políticas de ações afirmativas no âmbito da universidade, na pesquisa, no ensino e na extensão. Ao longo do documento, destaca a importância das políticas de ações afirmativas para garantir equidade de acesso, permanência e sucesso no âmbito da educação superior. Além disso, ressalta os incentivos das ações afirmativas na pós-graduação através de programas de agência de fomento e da própria instituição para colaborar com a redução da desigualdade racial e social no contexto da pós-graduação. E, ainda, para a promoção da diversidade no ambiente acadêmico através da garantia das políticas de ações afirmativas no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão preocupa-se com a capacitação das(os) servidoras(es) (UNIPAMPA, 2019).
Consideramos que ao fomentar tais ações, para um ambiente mais diverso, e ao incentivar políticas de ações afirmativas no âmbito dos programas de pós-graduação stricto sensu, a Unipampa possibilita que estudantes negras(os) possam continuar a sua qualificação até terem oportunidades de concorrer nos certames para carreira docente. Pois, aquelas(es) que ingressam nos cursos de pós-graduação stricto sensu incorporam papel e função com a intencionalidade de logo, com condições e possibilidades, tornarem-se docentes de instituições de nível superior.
Depreendemos a partir dos dados analisados nos 74 editais de ingresso docente, que a Unipampa tem ofertado reservas de vagas em seus certames bem como prevê a Lei n°12.990/2014. Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que 36 editais foram para carreira docente e 38 para professoras(es) substitutas(os). Com isso, chamamos a atenção para a importância de processos que visem à carreira docente, pois esses modificam os quadros docentes das instituições de forma permanente, uma vez que professoras(es) substitutas(os) permanecem por tempo determinado. No entanto, mesmo com as reservas de cotas raciais respeitando as normativas da Lei, essas tiveram pouca procura, ação que pode colaborar para a baixa representatividade de docentes negras(os) na instituição, conforme demonstrou o estudo de Soares e Silva (2019), já que ofertar a vaga não significa enegrecer e modificar o quadro docente.
Assim, podemos afirmar que há reserva de vagas raciais na Unipampa, mas é necessário problematizar que essas têm baixa procura e que essas(es) candidatas(os) não têm avançado nos processos. Com isso, percebemos que enegrecer o quadro docente das instituições é um debate muito mais amplo do que somente a oferta de vagas. Necessitamos intensificar as demais políticas de ações afirmativas para que, antes de tudo, os sujeitos reconheçam suas negritudes, suas histórias e rompam com o senso comum de que cota é “esmola”.
Inquietações sem fim
Como os dados indicam, podemos afirmar que a Unipampa contempla a Lei n°12.990/2014 em cada um de seus editais de ingresso docente. No entanto, no período analisado (junho de 2014 a dezembro de 2018) somente 38,7% das vagas foram procuradas, ou seja, mais da metade (61,3%) das reservas de cotas raciais não tiveram pessoas inscritas. E, ao analisarmos a listagem de aprovação, percebemos 12,2% de candidatas(os) aprovadas(os) via cotas raciais no período dos últimos cinco anos.
Logo, podemos inferir que a baixa procura pelas reservas de vagas pode estar associada a diversos fatores, os quais precisariam de estudos mais aprofundados para serem determinados. Contudo, podemos problematizar que dado o baixo índice de procura e o reduzido ingresso via reserva de vagas raciais esses podem ser aspectos que contribuem para o quadro de 5% de representatividade negra no corpo docente desta instituição (SOARES; SILVA, 2019).
Ao mesmo tempo, os dados nos mostram que dos 12 (doze) ingressos via reserva de vagas, 8 (oito) foram do gênero feminino e 4 (quatro) foram do gênero masculino. E, mesmo não havendo quantitativo de reserva por gênero, percebemos que as professoras negras foram as que mais aprovaram nos certames da Unipampa pelas cotas raciais. É importante ressaltar que 13 candidatas(os) foram chamadas(os) para entrevista de aferição de autodeclaração racial, com uma ausência sem justificativa oficial e 12 deferimentos. Nesse contexto, a comissão de averiguação vem para validar a autodeclaração das(os) candidatas(os) que chegam até esta etapa do processo e não barrar seu ingresso, o que indica que as(os) candidatas(os) inscritas(os) via cotas raciais não têm avançado nas etapas anteriores à entrevista de averiguação racial do concurso.
Mesmo a Unipampa prevendo políticas de ações afirmativas no âmbito da graduação e de pós-graduação, respeitando a Lei n°12.990/2014 em seus editais de ingresso docente e se preocupando com a capacitação das(os) servidoras(es) a fim de promover e respeitar as diversidades, a falta de representatividade de professoras(es) negras(os) na instituição ainda é marcante. Com isso, é importante questionarmos quais estratégias seriam necessárias para a promoção e a inserção de pessoas negras no quadro docente das instituições. Uma vez que é essencial enegrecer a universidade para além dos quadros discentes, pois entendemos que estudantes precisam de representações significativas para manter sua presença, permanência e avanço em uma instituição hegemonicamente branca. E, além disso, ocupar essas vagas e espaços é uma questão de reparação histórica, de justiça, de direitos à população negra que foi historicamente impedida de ocupar lugares sociais e de saber.
Não temos a intenção de julgar a eficácia da política de cotas raciais, até mesmo porque o universo desta pesquisa é limitado considerando a amplitude da Lei n° 12.990/2014. Mas, ressaltamos a importância de sua articulação com as demais políticas afro-reparatórias para potencializar o acesso da população negra aos espaços historicamente permeados pelo racismo. Além disso, é fundamental a conscientização de negras(os) para que ocupem os espaços via as políticas redistributivas e o cumprimento das políticas de ações afirmativas, trazendo cada vez mais este amplo debate para o campo universitário. Dessa forma, continuaremos resistindo e garantindo o desmantelamento do racismo que se corporifica nos discursos, nas práticas cotidianas, nas relações sociais e nas instituições públicas e privadas.