Introdução
A evasão no ensino superior é um problema mundial que atinge países desenvolvidos e em desenvolvimento (BONALDO; PEREIRA, 2016), problema potencializado pela pandemia COVID-19 (GRUBIC; BADOVINAC; JOHRI, 2020). Esse fenômeno vem preocupando as instituições de ensino em geral, sejam públicas ou particulares, pois a evasão de alunos provoca graves consequências sociais, acadêmicas, econômicas (BAGGI; LOPES, 2011) e impacta negativamente o bem-estar dos estudantes e da comunidade (OLIVEIRA; SOBRAL; FERREIRA; MOREIRA, 2021).
O fenômeno da evasão é complexo e envolve diversas variáveis, sofrendo influência das motivações internas e externas da instituição, além das características individuais do estudante (ARAUJO; COSTA e SILVA; PEDERNEIRAS; MACÊDO, 2021). A evasão de estudantes universitários caracteriza-se como um fenômeno com causas múltiplas (MUSSLINER; MUSSLINER; MEZA; RODRÍGUEZ, 2021; NUNES, 2021). Pode ser conceituada como um processo de tomada de decisão, que se inicia com a intenção de abandonar o curso superior. Esse processo constitui-se de seis fases: percepção de não adequação, pensamentos de desistir, deliberação, busca de informações e avaliação e decisão final (BAULKE; GRUNSCHEL; DRESEL, 2021).
Dentre as diferentes causas possíveis, pode-se citar a dificuldade do aluno com as disciplinas do curso, a dificuldade de adaptação à vida acadêmica, a impossibilidade de conciliar horários de trabalho e estudo, a descoberta de uma nova vocação (MUSSLINER; MUSSLINER; MEZA; RODRÍGUEZ, 2021; NUNES, 2021) e a insatisfação com o curso (PERINIA; DELANOGARE; SOUZA, 2019), dentre outras. A satisfação com o curso envolve fatores internos, corpo docente e estrutura de serviços oferecidas pela instituição (MORAES; RIBEIRO; JULIO; AREIAS, 2021). No que tange à satisfação com o curso, Soares, Rodrigues, Santos, Lima (2021) identificaram que é de grande importância para os estudantes que haja na grade curricular disciplinas cujos conteúdos sejam apresentados de forma a serem posteriormente utilizados em sua prática profissional. A grade curricular bem articulada também impacta positivamente na percepção que os alunos têm da instituição de ensino. Para os estudantes, isso reflete a importância que a universidade atribui ao curso e ao aluno.
Estudo realizado por Souza e Reinert (2010) identificou que os estudantes ao avaliarem seu curso de graduação revelam como maior fonte de satisfação a estrutura curricular, sendo que a maior expressividade ocorreu com relação a alguma matéria. Uma investigação, realizada por Fávero (2021), identificou dois grupos de causas da evasão de estudantes universitários, fatores individuais/internos (má relação com a instituição em termos de atendimento às suas demandas e pouco tempo para o estudo) e fatores externos (qualidade dos professores e a qualidade geral do curso).
A intenção de evasão pode ser considerada uma fase diferenciada e reconhecível e que pode ser diagnosticada antes da efetiva decisão. Isso permite identificar os alunos em processo de evasão e diagnosticá-los individualmente, possibilitando intervenções, uma vez que a primeira fase de formação da intenção de evasão pode iniciar todo o processo até a decisão real (BAULKE; GRUNSCHEL; DRESEL, 2021). Dessa forma, essa é uma variável que pode ser medida precocemente. Sua mensuração em etapas iniciais, por exemplo, durante o primeiro ano, influenciaria a decisão dos alunos por meio de estratégias para apoiá-los. Essas estratégias ajudariam a promover uma melhor integração social e acadêmica na universidade (MALUENDAALBORNOZ; INFANTE-VILLAGRÁN; GALVE-GONZÁLEZ; FLORES-OYARZO; BERRÍOS-RIQUELME, 2022).
Além disso, algumas pesquisas mostraram a importância de estudar as percepções de estudantes universitários em relação à sua intenção de evasão, que pode impactar negativamente o bem-estar e o desempenho acadêmico (BETHENCOURT; PÉREZ; CABRERA; PÉREZ; AFONSO, 2008), sendo relacionado a importantes estressores. O estresse é uma questão importante para os alunos que lidam com uma variedade de desafios acadêmicos, sociais e pessoais. Quando o estresse é percebido negativamente, ou se torna excessivo, pode afetar tanto a saúde quanto o desempenho acadêmico (MADIGAN; CURRAN, 2021) e ter um efeito adverso sobre os alunos (LIN; HUANG, 2014). O estresse acadêmico é um processo sistêmico, de natureza psicológica e adaptativa, que ocorre quando o estudante é submetido a uma série de demandas que, na sua avaliação, são percebidas como estressantes (BIONDI; BENUZZI, 2021). Caracterizam-se como estressores, a falta de tempo para o lazer, família, amigos e necessidades pessoais, as preocupações quanto ao futuro profissional, as dívidas acadêmicas (NOGUEIRA-MARTINS, 2002), a sobrecarga de disciplinas ou de trabalhos acadêmicos, as dificuldades financeiras e econômicas, as situações familiares, a atuação dos professores e as dificuldades na assimilação da matéria (ABACAR; ALIANTE; ANTONIO, 2021).
Estressores podem conduzir à Síndrome de Burnout em estudantes universitários, sendo essa uma forma de estresse crônico, maligno e insidioso que, geralmente, não é percebida no meio acadêmico, o que pode afetar o desenvolvimento, o comprometimento e a satisfação dos estudantes com a sua formação, vida acadêmica e com sua saúde psicossocial (CABALLERO, 2012). Burnout em estudantes se constitui de três dimensões, de acordo com Martínez, Pinto, Salanova, Silva (2002): a exaustão devido às demandas do estudo, o que leva a uma atitude de descrença e a um sentimento de ineficácia profissional, isto é, de que o ensino não lhe oportuniza aprendizagem útil para sua formação profissional. Burnout refere-se ao sentimento de esgotamento devido às demandas do estudo e da falta de relação teórico-prática, o que determina uma atitude de descrença e um senso profissional ineficaz. Consiste, também, no fato de que os estudantes têm que executar várias funções para cumprir a sua carga acadêmica de trabalho (SANCHES; VALE; PEREIRA; ALMEIDA; PRETO; SAILER, 2017).
O Burnout pode gerar quadros ansiogênicos (KORDZANGANEH; BAKHTIARPOUR; FARIBA; DASHTBOZORGI, 2021), sintomas depressivos (AL-ALAWI; AL-SINAWI, AL-QUBTAN, AL-LAWATI; AL-HABSI; AL-SHURAIQI; AL-ADAWI; PANCHATCHARAM, 2017), insatisfação com o curso (CARLOTTO; NAKAMURA; CÂMARA, 2006; MOURA; BRITO; PINHO; REIS; SOUZA; MAGALHAES, 2019) e o abandono dos estudos (CARLOTTO; CÂMARA, 2008; JAGODICS; SZABO, 2022). Assim, detectar precocemente a intenção de abandonar o curso pode constituir um indicador de possíveis dificuldades, tanto a nível de êxito educacional quanto profissional, possibilitando intervenções preventivas. Essas intervenções podem prevenir comportamentos como baixo desempenho acadêmico, impactos negativos no sistema educacional (FARIBORZ; HADI; ALI, 2019) e evasão (MONTOYA-RESTREPO; URIBE-ARÉVALO; URIBE-ARÉVALO; MONTOYA-RESTREPO, 2021).
Nesse sentido, o presente estudo segue o método quantitativo e de delineamento observacional, analítico e transversal, e teve dois objetivos. O primeiro foi analisar o poder preditivo das variáveis sociodemográficas, acadêmicas, os estressores acadêmicos e a Síndrome de Burnout para a intenção de abandono do curso em estudantes universitários, e, o segundo é avaliar o papel mediador da satisfação com o curso entre Síndrome de Burnout e a intenção de abandono do curso.
Método
Participaram do estudo 1.169 estudantes universitários que estavam há mais de um semestre na universidade. Foram identificados seis outliers pela análise dos resíduos. Assim, a amostra final ficou composta por 1.163 participantes.
A maioria declarou-se pertencente ao sexo feminino (70,1%), estado civil solteiro (89,6%), sem filhos (92%) com idade média de 24,26 anos (DP = 6,00; amplitude: 17 a 57 anos). Também a maioria dos estudantes estava entre o 60 e 100 semestre do curso (53,3%), estudavam em universidades públicas (64,2%) e não trabalhavam (59,7%). Os estudantes estavam matriculados em cursos pertencentes às oito áreas da árvore de conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (http://lattes.cnpq.br/web/dgp/arvore-do-conhecimento): Ciências Humanas (21,7%), Ciências Sociais e Aplicadas (19,4%), Ciências da Saúde (15%), Engenharias (12,7%), Linguística, Letras e Artes (10%), Ciências Exatas e da Terra (8,6%), Ciências Agrárias (6,8%) e Ciências Biológicas (6,8%). A maior parcela dos participantes é do estado do RS (37,3%) e os demais, variando de 0,3% a 8,9%, distribuídos nos 26 estados do Brasil e o Distrito Federal.
Os dados foram coletados por meio dos seguintes instrumentos autoaplicáveis: 1. questionário de dados sociodemográficos: sexo, idade, estado civil, filhos (sim/não); acadêmicos: curso, turno, semestre atual, tipo de instituição (pública/privada), trabalha atualmente (sim/não); 2. Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout em Estudantes Universitários (ESB-eu) construída por Carlotto e Câmara (2020). O instrumento constitui-se em 14 itens distribuídos em 3 dimensões: desgaste emocional e físico (DEF) (6 itens; alfa = 0,83; alfa no presente estudo = 0,85 – exemplo de item: após minhas aulas, sinto-me com pouca energia para realizar outras atividades); distanciamento (DIST) (4 itens; alfa = 0,84; alfa no presente estudo = 0,82 – exemplo de item: meu interesse pelo curso tem diminuído); e ineficácia da formação (INEF) (4 itens; alfa = 0,80; alfa no presente estudo = 0, 81 – exemplo de item: os conteúdos do meu curso não têm me proporcionado aprendizado). Os itens são avaliados por meio de uma escala de frequência de 5 pontos variando de 0 (nunca) a 4 (todo os dias). 3. Questionário de estressores em estudantes elaborada por Carlotto, Câmara e Borges (2005): o questionário é composto de 12 itens: 1) muitas disciplinas para cursar; 2) realizar provas e trabalhos de aula; 3) realizar trabalhos extraclasse 4) realizar trabalhos em grupo; 5) relação com professores; 6) relação com colegas; 7) conciliar trabalho e curso; 8) conciliar estudo e família; 9) conciliar estudo e relacionamento afetivo; 10) conciliar estudo e lazer; 11) conciliar estudos e estágio profissional; 12) custos econômicos relacionados ao curso. 4. Escala de Estresse Percebido (PPS-10), traduzida e validada para o contexto brasileiro por Reis, Hino e Añez (2010): possui 10 questões que correspondem à frequência de eventos e acontecimentos recentes (que ocorreram há pelo menos um mês). As possibilidades de resposta variam de 0 (nunca) a 4 (muito frequente). O coeficiente de alfa é de 0,87. 5. Intenção de abandono do curso e satisfação com o curso: foram avaliadas com item único, considerando a clara significação do construto (ZAMBALDI; COSTA; PONCHIO, 2014). A intenção de abandono do curso foi avaliada por meio de uma escala de frequência de 5 pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (todo os dias) e a satisfação com o curso também foi avaliada com uma escala de 5 pontos com variação de 1 (nada satisfeito) a 5 (muito satisfeito).
Os dados foram coletados por meio de formulário eletrônico via redes sociais e e-mails de contato da pesquisadora e dos membros do grupo de pesquisa destacando que se tratava de uma pesquisa voluntária sem nenhuma obrigatoriedade, anônima e confidencial. Foi mencionado no enunciado que poderiam participar da pesquisa apenas estudantes universitários que frequentavam uma universidade há mais de um ano. O tempo estimado de resposta seria de aproximadamente 20 minutos.
Na plataforma virtual, constavam os instrumentos utilizados e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A investigação possui aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade de afiliação da primeira autora [nome ocultado para não comprometer a avaliação por pares] sob o protocolo número [número ocultado para não comprometer a avaliação por pares].
O banco de dados foi analisado em pacote estatístico PASW, versão 20 (SPSS/PASW Inc., Chicago, IL). Para identificar os preditores (estudo 1), foi realizada uma análise de regressão linear múltipla, método Stepwise, após a análise de seus pressupostos, de acordo com Field (2009). Foi verificada a ausência de multicolinearidade, pois todos os valores das correlações ficaram abaixo de 0,655, os valores de Variance Inflation Factor (VIF) situaram-se abaixo de 4 (1,618) e os valores de tolerância foram inferiores a 1 (0,848). A análise do coeficiente de Durbin-Watson identificou valor próximo a 2 (1,954), indicando a independência da distribuição e a não correlação dos resíduos. A distância de Cook apresentou valor inferior a 1 (0,001), revelando não existir preditores atípicos e um adequado ajuste do modelo. A análise assumiu como variável dependente a intenção de abandono do curso e os dados sociodemográficos, acadêmicos, estressores acadêmicos, a satisfação com o curso e a Síndrome de Burnout como variáveis independentes.
A seleção das variáveis preditoras adotou o nível de significância de p<0,05. Na análise de regressão, a magnitude do efeito foi obtida pelos coeficientes de regressão padronizados e calculados no modelo final, de acordo com Marôco (2007).
O objetivo foi identificar e avaliar o papel mediador da satisfação com o curso entre a Síndrome de Burnout e a intenção de abandono objetivo 2). As variáveis sexo e idade foram controladas para a análise de regressão linear. O modelo proposto estabelece a Síndrome de Burnout como variável independente (VI), a intenção de abandono do curso como variável dependente (VD) e a satisfação com o curso como variável mediadora (VM). Com o objetivo de explorar as relações entre as variáveis, foram realizadas análises de regressão lineares.
Resultados
Os resultados obtidos indicam que a maior média obtida foi com a variável satisfação com o curso (ponto 4 da escala = parcialmente satisfeito) e a menor média foi obtida com o estressor relação professor-alunos (ponto 2 da escala = pouco estressante) (tabela 1).
Variáveis | M | DP |
---|---|---|
Intenção de abandono do curso | 2,31 | 1,16 |
Síndrome de Burnout | 3,86 | 0,68 |
Satisfação com o curso | 3,95 | 1,07 |
Estresse | 2,65 | 0,41 |
Muitas disciplinas para cursar | 3,25 | 0,78 |
Realizar provas e trabalhos de aula | 3,13 | 0,80 |
Realizar trabalhos extraclasse | 2,83 | 0,90 |
Realizar trabalhos em grupo | 3,25 | 0,89 |
Relação com professores | 1,92 | 0,87 |
Relação com colegas | 2,04 | 0,92 |
Conciliar trabalho e curso | 2,93 | 1,12 |
Conciliar estudo e família | 2,75 | 1,05 |
Conciliar estudo e relacionamento afetivo | 2,58 | 1,13 |
Conciliar estudo e lazer | 2,92 | 1,00 |
Conciliar estudos e estágio profissional | 2,77 | 1,06 |
Custos econômicos relacionados ao curso | 2,84 | 1,12 |
Objetivo 1
A tabela 2 apresenta os resultados da análise de regressão linear, que considerou a intenção de abandono do curso como variável dependente e os dados sociodemográficos e acadêmicos, estressores acadêmicos e a Síndrome de Burnout como variáveis preditoras. Os resultados evidenciaram um modelo explicativo constituído por 3 variáveis, que, conjuntamente, explicaram 47,3% da variância da intenção de abandono do curso. Dessa forma, quanto maiores os índices da Síndrome de Burnout, menores os de satisfação com o curso. Da mesma forma, quanto maior o estressor ter muitas disciplinas a cursar, maior é o pensamento de desistir do curso.
Variáveis | R2 | R2 adj |
B | SE | β | t | p |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Síndrome de Burnout | 0,43 | 0,43 | 0,83 | 0,05 | 0,51 | 17,49 | 0,00** |
Satisfação/ curso | 0,47 | 0,47 | -0,27 | 0,03 | -0,26 | -9,248 | 0,00** |
Muitas disciplinas p/ cursar | 0,47 | 0,47 | -0,09 | 0,03 | 0,07 | -2,89 | 0,00** |
Model F .......................................................................... 349,27 |
**p < 0,001
Os resultados revelam uma magnitude de efeito elevada (R2 = 0,47), de acordo com os parâmetros recomendados por Marôco (2007). Nesse sentido, indicam que as relações identificadas, possivelmente, também estarão presentes no público-alvo de estudantes universitários.
Objetivo 2
Quanto ao teste de mediação, utilizamos as três condições citadas por Baron e Kenny (1986). A primeira afirma que a variável mediadora satisfação com o curso deve ser preditora da variável dependente intenção de abandono do curso, condição essa que foi confirmada pelos resultados obtidos (R2 = 0,33, Beta = -0,58, p = 0,00).
Para a segunda condição, é necessário que a variável independente Síndrome de Burnout prediga a variável mediadora satisfação com o curso. O teste de regressão indica que essa condição é cumprida e que a Síndrome de Burnout prediz de forma negativa a satisfação com o curso (R2 = 0,40, Beta = -0,64, p = 0,00).
Por fim, a terceira condição afirma que a relação significativa que existia entre a variável independente e a dependente decresce em magnitude na presença da variável independente e do mediador. A tabela 3 apresenta o teste de mediação para a variável independente Síndrome de Burnout. Os resultados indicam que, na presença da variável satisfação com o curso, a relação entre a Síndrome de Burnout e a intenção de abandono do curso decrescem em magnitude (beta diminui) e o poder explicativo da Síndrome de Burnout aumenta (R² aumenta), ou seja, há relação de mediação.
Variáveis Independentes e Medidora | Variável Dependente | R2 | Beta | F | p |
---|---|---|---|---|---|
Síndrome de Burnout a | IAC | 0,43 | -0,19 | 870,39* | 0,00 |
Síndrome de Burnout | 0,43 | 0,48 | 0,00 | ||
Satisfação com o cursob | 0,47 | 0,27 | 516,42* | 0,00 |
a Variável independente; b Variável mediadora; **p ≤ 0,01.
Uma síntese dos resultados é apresentada na figura 1, cujas linhas contínuas representam relações positivas e as linhas interrompidas, as relações negativas. Todas as relações descritas são significativas (p ≤ 0,05).
Discussão
O primeiro objetivo da investigação foi verificar o poder preditivo das variáveis sociodemográficas, das variáveis acadêmicas, dos estressores acadêmicos e da Síndrome de Burnout para a intenção de abandono do curso em estudantes universitários. Os resultados indicaram um modelo explicativo constituído pelas variáveis Síndrome de Burnout, satisfação com o curso e realizar muitas disciplinas para a explicação da intenção de abandono do curso. Quanto mais elevados os índices da Síndrome de Burnout e de estresse ter que realizar muitas disciplinas, mais elevado é o pensamento de desistir do curso. Os resultados corroboram estudos que indicam uma relação entre a Síndrome de Burnout (ALVES; SINVAL; NETO; MARÔCO; FERREIRA; OLIVEIRA, 2022; CARLOTTO; CÂMARA, 2008; SALGADO; OLIVEIRA; SOBRAL; FERREIRA; MOREIRA, 2021) e a intenção de abandono do curso. Quanto ao estressor ter que realizar muitas disciplinas, este indica um sentimento de sobrecarga (ABACAR; ALIANTE; ANTONIO, 2021; BATISTA; CASTRO, 2022) e revelou ser preditor da Síndrome de Burnout em estudo realizado por Galdino, Almeida, Silva, Cremer, Scholze, Martins e Haddad (2020) e Moura; Brito; Pinho; Reis; Souza e Magalhães (2019). De acordo com Galdino, Almeida, Silva, Cremer, Scholze, Martins e Haddad (2020), estudantes com maior carga horária de disciplinas e insatisfeitos com o curso apresentavam um índice mais elevado de Burnout. Os estudantes revelaram que as fontes de sobrecarga física e mental provinham das aulas teóricas e práticas, do volume de trabalhos acadêmicos, leituras e avaliações, desenvolvidas no cotidiano escolar. Os alunos se sentiam culpados por ter que abandonar o curso e expressaram sentimentos de incompetência, impotência e inferioridade quando comparados com seus pares.
A cobrança de conteúdos vistos em cada disciplina/semestre em pouco tempo é considerada como estressante para os acadêmicos (BATISTA; CASTRO, 2022). Na perspectiva de Peron, Bezerra e Pereira (2019), esse resultado pode ser entendido por questões relacionadas ao estudo-aprendizagem como hábitos de estudo, gestão do tempo, capacidade de preparar-se para provas, entrega de trabalhos no prazo e que tem sido alguns dos motivos para a evasão do curso. O fato de o estudante realizar muitas disciplinas, implica em disponibilizar maior carga horária para a realização do curso, aumentando a quantidade de trabalhos, leituras e avaliações (CARLOTTO; NAKAMURA; CÂMARA, 2006).
Esse resultado também pode ser analisado na perspectiva da sobrecarga que se relaciona com a insatisfação e com o desejo de abandonar o curso (BARROSO, 2021), resultado que confirma aqueles obtidos em revisão sistemática realizada por Graner e Cerqueira (2019). Segundo os autores, juntamente com a intenção de abandonar o curso, os estudantes referem-se ao excesso de horas de estudo, dificuldades para conciliar estudo, lazer/descanso, o curso como fonte de estresse/tensão, ter expectativas ruins quanto ao futuro profissional, insatisfação/ter pouco interesse pelo curso e sentir desconforto durante as avaliações. Uma investigação realizada por Oliveira, Wiles, Fiorin e Dias (2014) destaca que estudantes universitários indicaram alguns aspectos referentes à didática dos professores, tais como a cobrança em provas de conteúdos que não foram apresentados em aula, a utilização excessiva de seminários como a atividades da disciplina e a falta de estrutura da aula como elementos estressantes.
A maior satisfação com o curso diminui a intenção de abandoná-lo, resultado também encontrado em estudo de Mostert e Pienaar (2020). Uma investigação realizada por Navarro, Iglesias e Torres (2005) revela que três fatores são importantes para a satisfação com o curso, a qualidade do ensino (estilo de ensino dos professores e conteúdos do curso), a carga de trabalho do curso e as relações afetivas estabelecidas pelo aluno. Nesse sentido, ressalta-se o caráter multidimensional da satisfação com o curso. Esse resultado é importante na medida em que desmistifica que o baixo desempenho e/ou a inadequada escolha profissional são as maiores causas da evasão em cursos universitários.
O segundo objetivo foi avaliar o papel mediador da satisfação com o curso entre a Síndrome de Burnout e a intenção de abandono com o curso. Os resultados obtidos confirmam a satisfação com o curso como variável mediadora. Seu efeito mediador sugere que essa variável pode auxiliar a diminuir a relação direta entre a Síndrome de Burnout e a intenção de abandonar o curso.
Estudantes universitários têm sido considerados uma população de risco de Síndrome de Burnout que, por sua vez, pode ocasionar pensamentos de desistência do curso e, até mesmo, sua saída definitiva. Estudantes com a Síndrome de Burnout apresentam sentimentos de desgaste físico e emocional devido às demandas e sobrecarga do estudo, uma atitude de descrença e um sentimento de ineficácia profissional, isto é, de que o ensino não lhe oportuniza aprendizagem útil para sua formação profissional.
Os alunos insatisfeitos com o seu curso realizam suas atividades sem ânimo, o que torna as tarefas mais desgastantes e propicia uma atitude de indiferença e impessoalidade com maior risco ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout (MOURA; BRITO; PINHO; REIS; SOUZA; MAGALHAES, 2019). Segundo os autores, estudantes que desejam desistir do curso apresentaram maiores sentimentos de descrença e exaustão, dimensões da Síndrome de Burnout.
O sentimento de insatisfação com o curso aumenta progressivamente e se relaciona às estratégias de ensino, podendo, ainda, estar associado ao modelo de educação que contempla uma alta carga horária (MOURA; BRITO; PINHO; REIS; SOUZA; MAGALHAES, 2019). Como consequência, estudantes universitários apresentam menor comprometimento, satisfação com a sua formação e vida acadêmica (CABALLERO, 2012), menor desempenho e motivação que podem levar ao abandono do curso (JAGODICS; SZABO, 2022). O estudante espera adquirir o saber necessário para a sua formação e não simplesmente concluir uma graduação, ou seja, o que remete ao desejo do discente de sair do curso de fato preparado para exercer a sua profissão (SOARES RODRIGUES; SANTOS; LIMA, 2021).
Entender as expectativas iniciais apresentadas pelos alunos, e como elas se transformam, facilita a elaboração de ações que despertem no estudante a identificação com as suas expectativas, favorecendo a sua adaptação e permanência na universidade. O processo de aprendizagem envolve elementos motivacionais tanto internos como externos exigindo um ambiente pedagógico desafiador para o aluno e atividades curriculares e extracurriculares que proporcionem efetivamente a aquisição de conhecimento. Igualmente importante é o investimento institucional em infraestrutura, como bibliotecas e laboratórios, e na qualidade das ações pedagógicas (SOARES RODRIGUES; SANTOS; LIMA, 2021).
Estudos sobre satisfação de estudantes universitários têm propiciado descobertas importantes que facilitam o processo de permanência e crescimento por parte do alunado universitário, ao apontarem para as fragilidades e deficiências nas IES. As demandas que surgem dessa interação propiciam uma melhor compreensão visando à busca de soluções para o bem-estar e o crescimento dos estudantes universitários (SOARES RODRIGUES; SANTOS; LIMA, 2021).
Em sentido oposto, a insatisfação com o curso ocorre quando a instituição de ensino superior proporciona atividades extracurriculares de baixa qualidade, estrutura precária no campus, pouca oferta de estágios e falta de informação sobre carreira e necessidades pessoais. Consequentemente, podem gerar insegurança sobretudo quanto a perspectivas para o mercado de trabalho. Assim, a atualização curricular constante, as melhorias estruturais, o aumento da oferta de estágios e a acessibilidade a informações solicitadas pelos estudantes, aumentam o nível de satisfação com o curso (SOARES RODRIGUES; SANTOS; LIMA, 2021).
Conclusão
A intenção de abandonar o curso, e seu abandono definitivo, é uma decisão voluntária construída a partir de diversos fatores e experiências vividas na universidade. No entanto, pelos resultados obtidos, pode-se inferir que existe uma importante relação entre os construtos avaliados, que a satisfação com o curso desempenha um importante papel para a continuidade dos estudos e que deve ser considerada pelos estudantes e pelas instituições de ensino superior.
Uma das forças do presente estudo é a utilização de um consistente modelo teórico dos construtos avaliados e a magnitude do efeito do modelo preditor identificado. Outra é a diversidade da amostra constituída de estudantes de diversos campos do conhecimento, uma vez que a maioria dos estudos têm sido realizados com um curso específico (ARAUJO; COSTA; SILVA; PEDERNEIRAS; MACÊDO, 2021).
O estudo, todavia, apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na leitura de seus resultados. Uma é seu delineamento transversal que impede a análise de relações causais. Outra seria a regionalidade da maior parcela da amostra investigada, pertencente ao estado do RS, o qual possui características distintas de outras regiões do país, uma vez que há importantes variações que dependem da região.
A partir da investigação realizada, detecta-se algumas áreas potenciais para pesquisas futuras. Assim, sugere-se estudos de delineamento longitudinal misto para avaliar o comportamento e a estabilidade do modelo preditivo (ABBAD; CARLOTTO, 2016) e estudos qualitativos para conhecer como se desenvolve o processo de intenção de abandono do curso. Ampliação de estudos com amostras de diferentes estados do Brasil seriam importantes para verificar a influência cultural e socioeconômica dos estudantes. Por fim, sugere-se a inclusão de outras variáveis para a análise da intenção de abandono, como autoeficácia, comportamento proativo, engajamento acadêmico (nas suas dimensões afetiva, cognitiva e comportamental), estratégias de enfrentamento do estresse, características de personalidade, dentre outras.
Em relação às implicações para a prática, em termos de prevenção, é fundamental monitorar a intenção de abandono do curso desde o início da inserção do aluno no ambiente acadêmico, desenvolvendo ações com foco no adequado manejo dos estressores acadêmicos a fim de evitar o desenvolvimento da Síndrome de Burnout. É importante a construção de ações que visem à melhoria da satisfação. Quanto aos estressores relacionados ao conteúdo da atividade acadêmica, pode-se pensar em reestruturações que visem diminuir a sobrecarga discente. Ações envolvendo toda a comunidade acadêmica em seus múltiplos níveis são fundamentais para diminuir a intenção de abandono do curso e a Síndrome de Burnout. A redução, ou mesmo a eliminação, deste pensamento em estudantes ocorre somente quando todos os envolvidos no processo educativo reconhecem as dificuldades e trabalham para aliviar as pressões colocadas aos alunos.