Introdução
Este estudo foi concebido dentro de um quadro recente de interesse sobre a relação universidade-escola como espaço de produção de saberes e estratégias de indução de desenvolvimento profissional docente, que é parte integrante de uma tese de doutorado que tem como objeto investigar as comunidades colaborativas de aprendizagem docente. Crecci e Fiorentini (2018) citam, em seus estudos, que muitos países - tais como Brasil, Estados Unidos, Canadá, Chile, Nova Zelândia, Inglaterra, Portugal, China - têm indicado a presença de comunidades colaborativas como práticas de formação docente. Processos formativos embasados em iniciativas, como lesson study, self-study, pesquisa-ação e pesquisa da própria prática, tendem a induzir a constituição desses espaços.
Para Cochran-Smith e Lytle (2002, apud CRECCI; FIORENTINI, 2018 p. 2), comunidades de aprendizagem são grupos de pessoas envolvidas em determinados tipos de trabalho ou atividade ligados a um propósito comum. “Os membros da comunidade, em geral, constroem significados e partilham signos e ideias sobre o empreendimento em que estão engajados”.
Em período recente no Brasil, a literatura tem evidenciado, o trabalho com comunidades colaborativas de aprendizagem nas universidades e escolas no âmbito da formação docente. Ximenes-Rocha e Fiorentini (2018) reportam esse período de expansão na década de 1990.
Embora seja uma área de investigação recente no Brasil, outros países já desenvolvem pesquisas com resultados relevantes sobre os efeitos da constituição de comunidades colaborativas estruturadas nos processos de formação docente. A ampliação desses estudos nas escolas constata
[...] sua relevância para o enfrentamento de problemas administrativos, pedagógicos e comportamentais por parte dos professores em colaboração com espaços de formação como as universidades (DAMIANI, 2004, p. 1).
Com a intenção de dimensionar a progressão do estudo nas pesquisas produzidas nos últimos anos nos programas de mestrado e doutorado no Brasil, buscamos compreender as implicações de comunidades colaborativas de aprendizagem no processo de desenvolvimento profissional docente. Neste trabalho, reunimos resultados de um levantamento em duas plataformas de teses e dissertações, a saber: o Banco de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca de Teses e Dissertações do Brasil, no período de 2016 a 2021. Optamos pelo período 2016-2021, pois, no trabalho de Silva (2020), indica-se o movimento de levantamento do estado do conhecimento da área pesquisada no período de 2000 a 2018. Para tanto, buscou-se verificar a ênfase das temáticas abordadas acerca de grupos com a perspectiva colaborativa, seus principais referenciais teóricos, suas principais abordagens metodológicas no trato do tema e as lacunas na área.
Como procedimento metodológico, adotou-se a abordagem qualitativa por meio da pesquisa bibliográfica denominada “estado do conhecimento”.
O interesse por pesquisas que abordam “estado da arte” deriva da abrangência desses estudos para apontar caminhos que vêm sendo tomados e aspectos que são abordados em detrimento de outros. A realização destes balanços possibilita contribuir com a organização e análise na definição de um campo, uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais. A análise do campo investigativo é fundamental neste tempo de intensas mudanças associadas aos avanços crescentes da ciência e da tecnologia (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 41).
Desse modo, a estratégia de balanço configura-se como um parâmetro para indicar as possíveis novas abordagens sobre o tratamento do objeto de estudo. Além disso, sinaliza para a constituição de um campo teórico de uma área de conhecimento. A dimensão da práxis pedagógica é muito evidenciada na área do conhecimento de comunidades colaborativas de aprendizagem; e o estado da arte nos permite visualizar as “[...] sugestões e proposições apresentadas pelos pesquisadores; as contribuições da pesquisa para mudança e inovações da prática pedagógica” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39). Nesse sentido, a partir da leitura das teses e dissertações, procuramos considerar “[...] as categorias que identifiquem, em cada texto e no conjunto deles, as facetas sobre as quais o fenômeno vem sendo analisado” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39). Além do mais, a metodologia adotada possibilita:
[...] examinar as ênfases e temas abordados nas pesquisas; os referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a relação entre o pesquisador e a prática pedagógica; as sugestões e proposições apresentadas pelos pesquisadores; as contribuições da pesquisa para mudança e inovações da prática pedagógica; a contribuição dos professores/pesquisadores na definição das tendências do campo de formação de professores. Esses trabalhos não se restringem a identificar a produção, mas analisá-la, categorizá-la e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39).
Nessa direção, Soares (1989, p. 3) destaca esses estudos como “[...] sendo necessários no processo de evolução da ciência, a fim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados obtidos”. O artigo apresenta, na sua composição estrutural, um quadro resumido das pesquisas, com destaque para os autores, títulos, tipologias dos grupos e/ou experiências pesquisadas e tipo de trabalho. A segunda parte da seção consta da análise das principais nuances que o levantamento possibilitou, dando-se as possíveis lacunas no tratamento do objeto de estudo.
Comunidades colaborativas de aprendizagem como prática de formação docente: o que revelam as dissertações e teses no período de 2016-2021
Esta revisão encontrou dezesseis registros de pesquisas no Banco de Dados da Capes e nove pesquisas na Biblioteca Central de Dissertações e Teses, como mostra o quadro 1. Tais plataformas mostram inúmeros resultados na busca, porém poucos trabalhos atendem aos critérios estabelecidos nos descritores e objetivos de pesquisa. Por isso, procedemos com a leitura dos resumos para identificar os trabalhos que mais se aproximam da temática pesquisada.
Pesquisadores | Topologia do Grupos/Experiências | Tipos de pesquisa |
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1. ANDRADE, Ana Hiarley Silva (2019) | Formação de Professores na Amazônia Paraense - Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) | Dissertação |
2. SILVA, Alessandra Neves (2019) | Formação de Professores na Amazônia Paraense vinculado à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) | Dissertação |
3. OLIVEIRA, Kátia Lais Schwade de Jesus (2018) | Experiência com Licenciandos de Letras-Inglês da Universidade Federal do Oeste do Pará | Dissertação |
4. SILVA, Fabio Menezes | O grupo chamado LSM - Laboratório Sustentável de Matemática, nascido e cultivado dentro da Escola Pública de Educação Básica | Dissertação |
5. DOMINGUES, Isabel (2017) | Docentes da educação profissional de uma das unidades educacionais da capital do estado de São Paulo | Dissertação |
7. SANTOS, Aline De Paula Nunes (2018) | Estágio Supervisionado de Ciências Biológicas da UFES | Dissertação |
8. CARDONA, Marcia Pires (2019) | Professores participantes do grupo de pesquisa Docência, Infância e Formação (DOCINFOCA/UFSM) que atuam como professores na rede pública e privada de Santa Maria/RS | Dissertação |
9. ROSSARI, Marilusa (2019) | Ação promovida pelo Centro de Ensino e Aprendizagem de uma Instituição de Educação Superior denominada Café Pedagógico | Dissertação |
10. CRECCI, Vanessa Moreira (2016) | Grupo de Sábado (GdS) | Tese |
11. BASSOLI, Rosa Fernanda (2017) | Grupo colaborativo de professores de ciências da rede pública de Juiz de Fora (MG) | Tese |
12. LACERDA, Sara Miranda de (2017) | Comunidade de Prática - OBEDUC | Tese |
13. LIMA, Ana Paula Barbosa de (2019) | Grupo de professores de Matemática | Tese |
14. OLIVEIRA, Fernanda Lahtermaher (2021) | Comunidade de aprendizagem docente/professores iniciantes | Tese |
15. PEDRO, Luciana Guimarães (2019) | Movimento de um grupo colaborativo através de um curso de extensão universitária como proposta de formação contínua | Tese |
17. VIEIRA, Nagilla Regina Saraiva (2020) | Grupo colaborativo na Educação Superior | Dissertação |
18. ALMEIDA, Alessandra Rodrigues (2017) | Grupo de estudos Professores que Ensinam Matemática para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental | Tese |
19. MIRANDA, MIRTES DE SOUZA (2019) | Grupo que estuda o currículo e investiga a própria prática na escola | Tese |
20. RIBEIRO, Camila Paes (2018) | Grupo de Formação de Professores de Matemática | Dissertação |
21. BRASILIO, Cristiana (2021) | Grupos colaborativos de estudos | Dissertação |
22. MARCELINO, Bernardete de Lourdes Alvares (2018) | Experiência formativa colaborativa desenvolvida entre coordenador e professores | Dissertação |
23. Miola, Adriana Fátima de Souza | Proposta de formação continuada desenvolvida para o desenvolvimento profissional de professores de Matemática | Tese |
24. MELETTI, Claudia Maria Duran (2017) | Grupo de orientadoras educacionais de uma escola da rede particular de São Paulo à prática formativa do grupo | Dissertação |
25. NONATO, Aline Angélica Lima (2020) | Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) realizado semanalmente nas dependências de uma escola pública da Rede Municipal de Ensino de Barueri-SP | Dissertação |
Fonte: Elaborado pela primeira autora.
Ao colocar em perspectiva a evolução da área de conhecimento que pontuamos aqui - o desenvolvimento profissional docente a partir da inserção em grupos, comunidades e/ou experiências de natureza colaborativa - percebemos certas tendências na abordagem metodológica, nos principais referenciais teóricos e nas principais áreas de conhecimento desenvolvidas nessas experiências.
No tocante à abordagem metodológica, nota-se uma inclinação à pesquisa do tipo narrativa e ao uso da pesquisa colaborativa. A pesquisa narrativa é frequentemente utilizada no campo das ciências da educação. Observamos que o uso dessa modalidade tem se expandido, em particular, na linha de formação docente como “[...] estratégia investigativa [que] busca apreender o sentido da experiência dos sujeitos, portanto, abrindo espaço para a expressão de sua subjetividade” (OLIVEIRA, 2017, p. 12146).
Dentre os trabalhos que optaram por essa estratégia investigativa, situamos Andrade (2019), que descreve e analisa como se constituiu o processo de construção da relação universidade-escola a partir da perspectiva colaborativa, visando a refletir acerca das suas possibilidades e potencialidades. Para o desenvolvimento da investigação, foram utilizadas a pesquisa narrativa e a análise textual discursiva como aportes que constituem múltiplos olhares sobre o estudo.
Oliveira (2021), por meio das narrativas do grupo, analisou as possibilidades e os limites de um trabalho formativo que se desenvolveu no processo de implementação do Currículo Integrador da Infância Paulistana da Rede Municipal de São Paulo. O trabalho de Oliveira (2021) usa as narrativas, mas não se apoia no referencial que os demais pesquisadores utilizam, como Clandinin e Connely.
Crecci (2016) visou a compreender as experiências de desenvolvimento profissional e a constituição da profissionalidade de educadores matemáticos que participam de uma comunidade fronteiriça entre a escola e a universidade. A metodologia do seu estudo ocorreu com base na pesquisa narrativa, que
[...] compreende um processo tridimensional de produção e análise dos textos de campo e de pesquisa, envolvendo temporalidade (diacronia), interações pessoais e sociais e o lugar (cenário) onde se situa o fenômeno a ser investigado e narrado (CRECCI, 2016, p. 7).
Crecci (2016) optou pela pesquisa narrativa por considerar, após anos de trabalho com o envolvimento e a intensa interlocução com o Grupo de Sábado (grupo pesquisado), que era preciso assumir um lugar próprio na pesquisa. A autora embasou-se, sobretudo, nos estudos de Clandinin e Connelly (2011) e Clandinin (2013).
Marcelino (2018) realizou uma descrição e análise de uma experiência formativa colaborativa desenvolvida entre o coordenador e professores. Do mesmo modo, focalizou as narrativas das experiências vividas pelos envolvidos na formação. De todas essas pesquisas, a narrativa dos participantes assume o protagonismo da construção metodológica dos estudos e, na maioria dos trabalhos, os próprios pesquisadores se assumem como parte da pesquisa, experienciando a postura investigativa e simultaneamente organizando tais experiências através da construção de narrativas. No contexto da pesquisa qualitativa em educação, podemos afirmar que a narrativa enquanto prática discursiva favorece o desenvolvimento pessoal e profissional de pesquisadores que tomam sua própria prática, enquanto profissionais da educação, para a investigação. Crecci e Fiorentini (2018) mostram a profusão dessa pesquisa a partir dos anos 2000 por influência dos canadenses Clandinin e Connelly (2011), considerados os expoentes referenciais no trato do método. No Brasil, a pesquisa narrativa passa a ser conhecida através do livro publicado e traduzido em 2011, a partir do projeto da professora Dilma Maria de Mello, da Universidade Federal de Uberlândia.
Nesses termos, a pesquisa narrativa ganha evidência como aporte metodológico e é entendida como uma forma de compreender a experiência humana. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém-pesquisadores em suas comunidades (CLANDININ; CONNELLY, 2011). Galvão (2005) reitera a pertinência do uso da narrativa, não somente como metodologia de pesquisa, mas também como processo de reflexão pedagógica: “Nessa perspectiva que entendemos que la narrativa es tanto el fenómeno que se investiga como el método de la investigación” (CONNELLY; CLANDININ, 1995, p. 12).
A pesquisa colaborativa é outra abordagem de referência nos trabalhos pesquisados: a prática de pesquisa colaborativa envolve “[...] pesquisadores e professores em um duplo processo de produção de conhecimento e de desenvolvimento interativo dentro da própria pesquisa, em que ambos produzem saberes” (BASSOLI, 2017, p. 108). Assim, a pesquisa colaborativa é uma “[...] metodologia que alia investigação e formação em processos de compreensão, interpretação e transformação de realidades sociais” (IBIAPINA, 2008, p. 11). Desse modo, pressupõe o estreitamento de laços entre pesquisador e contexto pesquisado
[...] quando o pesquisador aproxima suas preocupações das preocupações dos professores, compreendendo-as por meio da reflexividade crítica, e proporciona condições para que os professores revejam conceitos e práticas; e de outro lado, contempla o campo da prática, quando o pesquisador solicita a colaboração dos docentes para investigar certo objeto de pesquisa, investigando e fazendo avançar a formação docente, esse é um dos desafios colaborativos, responder as necessidades de docentes e os interesses de produção de conhecimentos. A pesquisa colaborativa, portanto, reconcilia duas dimensões da pesquisa em educação, a produção de saberes e a formação continuada de professores. Essa dupla dimensão privilegia pesquisa e formação, fazendo avançar os conhecimentos produzidos na academia e na escola (IBIAPINA, 2008, p. 114-115).
Dentre as pesquisas que utilizaram esse método, destacamos cinco estudos. Vieira (2020) almejou compreender o desenvolvimento profissional de docentes universitários a partir da inserção em um grupo colaborativo tendo como perspectiva a afetividade. Assumiu como pressuposto a pesquisa-ação emancipatória do tipo colaborativa, seguindo os preceitos de Ibiapina (2008). “A investigação baseada na perspectiva da emancipação considera que é preciso investigar as ações educativas enquanto intervimos nelas, ao mesmo tempo” (VIEIRA, 2020, p. 59).
Pedro (2019) analisou o processo de desenvolvimento profissional docente no movimento de um grupo colaborativo, através de um curso de extensão universitária como proposta de formação contínua, voltado a professores licenciados que atuam no Ensino Fundamental II e Ensino Médio de escolas públicas municipais e estaduais de Uberlândia e seus arredores, que tivessem até seis anos de experiência profissional. A pesquisa revelou que “[...] o grupo construído com base nas orientações da pesquisa colaborativa e nos conhecimentos da Psicologia Escolar e Educacional numa vertente crítica se consolidou como mediador relevante para o desenvolvimento docente” (PEDRO, 2019, p. 10).
Bassoli (2017) analisa as contribuições e limites da participação de professores de ciências em um processo formativo desenvolvido a partir da construção de um grupo colaborativo, visando ao desenvolvimento profissional dos docentes. A autora optou por utilizar o termo pesquisa-ação colaborativa como referencial metodológico, de modo a dar destaque aos laços com o movimento mais amplo de pesquisa-ação, o qual buscou associar a pesquisa a processos de intervenção visando à transformação da realidade, enfatizando o caráter colaborativo da investigação.
De modo geral, percebemos que a pesquisa colaborativa toma forma à medida que as ações vão se estruturando nas experiências dos sujeitos, e estes são coprodutores no processo investigativo. Nesse sentido, Miola (2018) investigou as interações e as mediações que ocorreram em uma proposta de formação continuada, desenvolvida por meio da metodologia da pesquisa colaborativa para o desenvolvimento profissional de professores de matemática. Dá-se destaque aos resultados de Miola (2018) pela ênfase à metodologia da pesquisa nesse viés, que
[...] tornou-se uma oportunidade também de pesquisa para todos os participantes, propiciou coprodução de saberes, possibilidade de reflexão crítica, de colaboração, partindo das necessidades dos participantes e, principalmente, contribuindo para o seu desenvolvimento profissional. Esse formato de formação criou vínculo e foi além das produções que gerou, foi uma abordagem de formação contínua, que atinge a vontade de ser professor do graduando, do professor de ser pesquisador, e de cruzar os caminhos da universidade e da escola (MIOLA, 2018, p. 6).
Ao considerarmos as pesquisas, notamos que Ibiapina (2008) é tomada como referência central do percurso investigativo. Segundo Ibiapina (2008), a investigação colaborativa em educação pressupõe o engajamento de pesquisadores, professores, escolas e centros de formação. Nesse processo de coprodução de conhecimentos para a pesquisa e no desenvolvimento profissional dos pares por meio de uma postura colaborativa, “[...] o intuito é criar espaço de estudo, reflexão e construção de novos saberes e possibilidades de ação frente aos desafios educacionais” (BASSOLI, 2017, p. 60).
Ademais, a revisão revelou descrições de diferentes tipologias (em estruturas de composição, funcionamento e finalidade) de grupos colaborativos nas universidades e escolas. Em termos conceituais, as pesquisas tipificam os grupos, como comunidades colaborativas, grupos colaborativos, comunidades de prática (CoP) ou até mesmo experiências e ações colaborativas no âmbito de uma disciplina, estágio supervisionado, momento de formação com professores. O que se tem em comum é a natureza colaborativa de todas essas vivências.
Outro destaque das vinte e cinco pesquisas analisadas: vinte e duas se debruçaram sobre a natureza dos grupos e as implicações destes na formação de professores, com evidência da dimensão da formação continuada, e somente três abordaram a dimensão da formação inicial. Dentre estes, situamos os três trabalhos sobre a dimensão inicial da formação. O estudo de Lacerda (2017) identificou a contribuição da participação na CoP OBEDUC para o processo formativo de estudantes de pedagogia para ensinar matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados,
[...] indicam que a participação na CoP possibilitou a reflexão com os pares, promovendo aprendizagem tanto das estudantes como dos professores experientes, pela negociação de significados gerada no movimento dual de participação e reificação, pela constituição da identidade e pela prática (LACERDA, 2017, p. 8).
Schwade (2018) abordou o uso da prática japonesa lesson study na formação inicial de professores. Os resultados apontaram dificuldades na experiência dos elementos essenciais da lesson study.
Observou-se, ainda, nas percepções analisadas com relação à ferramenta, o reconhecimento do valor que ela pode agregar à experiência de aprendizagem profissional vivenciada no curso de licenciatura e a manifestação de conceitos mundialmente preconizados para a formação docente (SCHWADE, 2018, p. 8).
Santos (2018) analisou o processo de produção de saberes docentes no âmbito do Estágio Supervisionado de Ciências Biológicas da UFES, a partir das reflexões compartilhadas durante o desenvolvimento de um projeto escolar colaborativo. Da pesquisa, pode-se constatar que
[...] a implementação de projetos escolares colaborativos no Estágio Supervisionado fornece elementos para a melhoria do processo de formação inicial, sendo um facilitador ou, até mesmo, um motivador para os estudantes de licenciatura, estimulando maior engajamento por parte do estagiário, que deixa de ser um mero observador para então intervir, junto com o profissional mais experiente, nas dinâmicas da sala de aula, concretizando-se, desse modo, a formação de dentro da profissão defendida por Nóvoa (2005) (SANTOS, 2018, p. 6).
Esse recorte de publicações evidencia a necessidade do aprofundamento da área de conhecimento sobre as implicações de grupos colaborativos no âmbito da formação inicial, colocando em perspectiva o desenvolvimento profissional.
Reitera-se que o movimento de construção da profissionalidade docente passa necessariamente pela correlação teoria e prática, e isso deve ser exercitado ao longo de toda trajetória de formação, em especial, na sua dimensão inicial. A relação entre a pesquisa universitária e o trabalho docente nunca é uma relação entre uma teoria e uma prática, mas uma relação entre atores, entre sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes (TARDIF, 2002).
A revisão das investigações acerca do trabalho colaborativo - em suas diferentes formas - assim como o entendimento do processo que o sustenta sugerem que esse tipo de atividade apresenta potencial para auxiliar no enfrentamento dos sérios desafios propostos pela escola atual em nosso país. A literatura indica que o desenvolvimento de atividades de maneira colegiada pode criar um ambiente rico em aprendizagens acadêmicas e sociais tanto para estudantes como para professores, assim como proporcionar a estes um maior de grau de satisfação profissional (DAMIANI, 2004, p. 224).
Das pesquisas que elegeram grupos que têm como sujeitos professores de áreas específicas de conhecimento - como, por exemplo, grupos que pesquisam a formação continuada e o desenvolvimento profissional de professores de matemática, professores de química entre outros - notamos uma proporção de trabalhos expressivos que estudam a formação continuada de professores de matemática. Se formos comparar a constituição de grupos por área, temos o panorama a seguir.
Das pesquisas que possuem essa natureza, identificamos onze estudos. Sete se debruçaram sobre a formação de professores de matemática e as implicações no desenvolvimento profissional, e os demais se concentram na área de letras, ciências biológicas e química. Dentre os trabalhos que focalizaram a matemática, damos destaque a alguns, enfatizando os objetivos e os resultados apontados nos resumos dos trabalhos.
Almeida (2017) analisou indícios de aprendizagem que a participação em um grupo de estudos sobre a educação matemática para/na infância proporciona a docentes, especialmente, relacionada ao trabalho com grandezas e medidas, permeado pela escrita de narrativas Dentre os achados, indicam-se que “[...] as interlocuções entre as teorias estudadas, a investigação sobre a própria prática, a produção de narrativas individuais e colaborativas favoreceram a aprendizagem docente” (ALMEIDA, 2017, p. 8). Além disso, houve mudanças significativas no contexto da escola, como atitudes e práticas dos professores nas diferentes articulações e interlocuções com outros docentes e gestores escolares, bem como nas produções de conhecimento da prática (ALMEIDA, 2017).
Silva (2017) focalizou o desenvolvimento profissional de professores de matemática a partir da inserção em um grupo de prática. O grupo tinha uma “[...] topologia particular, pois congregava participantes de forma presencial e virtual através das redes sociais, o conhecimento gerado servia como base de consulta para as práticas pedagógicas de outros professores” (SILVA, 2017, p. 9).
Miranda (2019) teve o propósito de investigar o desenvolvimento profissional de um grupo de professores que se reúne na própria escola para estudar números, operações e seu ensino. Os participantes ampliaram o saber “[...] profissional e ganharam maior autonomia a partir das reflexões e dos estudos; com isso, aproximaram suas práticas dos conhecimentos científicos que sustentam o fazer pedagógico mais consciente” (MIRANDA, 2019, p. 8).
Ribeiro (2018) descreveu e analisou as contribuições da participação em grupos colaborativos para a formação docente para o ensino de matemática na rede pública do município de Timbó Grande (SC). Entre os resultados, o “[...] estudo procurou contribuir no sentido de promover uma ação reflexiva acerca do trabalho docente para que as práticas pedagógicas sejam cada vez mais aprimoradas e colaborem para uma educação de qualidade” (RIBEIRO, 2018, p. 7).
Por conseguinte, a produção acadêmica analisada revelou uma epistemologia dentro da área de conhecimento aqui tratada: a Teoria da Aprendizagem Situada, de Lave e Wenger (1991) e a Teoria Social da Aprendizagem (WENGER, 1998). Com base na hipótese de que o processo de aprendizagem é indissociável dos contextos em que estes se dão, Lave e Wenger (1991) propõem a noção de comunidades de prática.
Cinco pesquisas - Silva (2020), Domingues (2017), Oliveira (2021), Lacerda (2017) e Lima (2019) - estruturaram seus estudos sob a lente analítica da Teoria Social da Aprendizagem Humana, “inspirada na antropologia e teoria social” (WENGER, 2010), através das chamadas comunidades de prática (CoP).
Esse termo foi estruturado em meados da década de 1990 para se referir ao processo de aprendizagem humana em sua dimensão social dentro de comunidades (FERNANDES; CARDOSO; CAPAVERDE; SILVA, 2016). As organizações empresariais já incorporam, na sua cultura organizacional, tais comunidades, pois entendem que cumprem de forma sistêmica um papel estratégico de desenvolvimento profissional aos seus colaboradores.
As Cops nascem com a intenção de conectar pessoas e desenvolvê-las de forma intencional a partir da reflexão sobre a prática. Silva (2017), em sua discussão teórica, traz a contribuição de Wenger (2009) a respeito da abordagem na educação nessas comunidades.
Na educação, as comunidades de prática são cada vez mais utilizadas para desenvolvimento da identidade profissional, mas elas também oferecem uma nova perspectiva sobre a aprendizagem e educação de modo mais geral. Pode-se dizer que ela está começando a influenciar uma nova forma de pensar sobre o papel da educação nas instituições e na concepção de oportunidades de aprendizagem (WENGER 2009 apud SILVA, 2017, p. 28).
Nessa perspectiva, apontamos a pesquisa de Silva (2020) que objetivou analisar as contribuições de uma comunidade colaborativa, chamada de FORMAZON, formada por professores escolares, professores acadêmicos e futuros professores de diferentes áreas, que trabalha o desenvolvimento profissional de seus participantes. A pesquisa adotou, como base teórica de sustentação, a associação entre a Teoria Social da Aprendizagem, o conceito de comunidade de prática (CoP) e as concepções de conhecimento para, na e da prática do professor.
Domingues (2017) faz um marco conceitual importante das CoP na formação de professores:
[...] vale ressaltar que essa pesquisa, particularmente, pauta-se na relação das comunidades de prática, no desenvolvimento da formação continuada dos docentes da educação profissional, investigando sua ocorrência e/ou possibilidades, bem como sua característica emancipatória (DOMINGUES, 2017, p. 68).
Lima (2019) buscou investigar como ações colaborativas - incentivadas em documentos institucionais de uma CoP escolar e vivenciadas pelo grupo de professores de matemática - mobilizam e promovem a reflexão e fortalecem diferentes conhecimentos docentes. Identificou que para o “[...] alcance de objetivos em comum em uma CoP, práticas adequadas se fazem necessárias - com participações coletivas e embasadas pela negociação, diálogo e mutualidade entre os membros” (LIMA, 2019, p. 9).
Compartilhando um caminho semelhante, Rossari (2019) analisou a possibilidade de constituição de uma comunidade de prática que tenha como finalidade o estímulo de práticas reflexivas voltadas para o desenvolvimento profissional docente. Concluiu-se que os fatores para a “[...] implementação de uma comunidade de prática perpassam pelo engajamento dos docentes; a colaboração entre pares; a partilha e reflexão da prática e pelo apoio institucional” (ROSSARI, 2019, p. 8).
Do exposto, percebemos que as comunidades de prática ou grupos colaborativos ou mesmo comunidades colaborativas visam à gestão do conhecimento coletivo produzido no interior do grupo. Dentro dessa questão, é importante destacar que algumas CoPs atribuem a sua dinâmica à uma postura investigativa. Vemos que esse fator distingue uma comunidade que elege a prática como ponto de reflexão e, ao mesmo tempo, de investigação. Em relação a esse quadro de diferenciação, Fiorentini e Lorenzato escrevem:
[...] toda comunidade investigativa é também uma comunidade de aprendizagem e de prática. Mas nem toda comunidade de aprendizagem, mesmo que seja reflexiva, é uma comunidade investigativa. A prática reflexiva difere da prática investigativa, por esta última exigir um processo sistemático de tratamento de um fenômeno ou problema educativo, isto é, a prática investigativa do professor pressupõe um processo metódico de coleta e tratamento de informações acerca do fenômeno, conforme Beillerot (2001) e Cochran-Smith & Lytle (2009). Exige que o professor-investigador, a partir de uma determinada perspectiva (recorte, foco ou questão investigativa), faça registros escritos, organize suas ideias e revise e analise suas práticas, buscando e produzindo, assim, uma melhor compreensão do trabalho docente (FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p. 75).
Dos trabalhos analisados, servimo-nos de uma parte conclusiva da pesquisa de Silva (2020) que aponta desafios quanto à ampliação da postura investigativa relacionada à produção escrita. Esse é um importante indício para a área em questão, já que indica a necessidade de aprofundar a natureza do grupo para além da prática como reflexão. Dos trabalhos analisados, percebemos essa indicação em Silva (2020), Crecci (2016) e Andrade (2019). Importa considerar que a postura investigativa é concebida como elemento-chave na constituição das comunidades ou grupos, pois, nessa base, redimensiona-se o significado dos saberes e experiências dos professores. Esses profissionais assumem a centralidade do processo, teorizam sobre a sua prática porque nesta a investigação é a base de sua ação.
Considerações finais
Ao propor analisar o que revela o mapeamento das produções acadêmicas sobre comunidades colaborativas de aprendizagem docente na formação de professores no período de 2016 a 2021, percebemos como é importante para o pesquisador esse tipo de metodologia, pois permite entender o movimento do objeto investigado com os principais destaques e lacunas.
De forma conjunta, as evidências apontam que a materialização de comunidades colaborativas em espaços de formação (universidades/escolas) transforma a relação entre teoria e prática e, ao possibilitar a colaboração interinstitucional, qualifica a formação inicial e continuada de professores, promovendo o desenvolvimento e o amadurecimento profissional. O fato tem significativas implicações para a área da formação docente.
Os dados sugerem que a organização de comunidades de prática com posturas investigativas como alternativa a espaços de formação docente insta melhorias para a educação básica, porque possibilita, de modo positivo, a transformação da cultura organizacional dos espaços (universidade e escola) e dos sujeitos em formação (valorização profissional, identidade profissional e engajamento profissional).
Os conceitos de desenvolvimento profissional docente e cultura colaborativa são centrais nas investigações já feitas. Ademais, notam-se muitas pesquisas que utilizam comunidades colaborativas na formação continuada de professores na área de conhecimento da matemática.
Portanto, este mapeamento surgiu como um movimento necessário para compor parte da tese de doutorado ainda em construção para a reflexão situacional da temática em questão. A metodologia de trabalho “estado do conhecimento” mostrou que novos estudos com foco na indução de desenvolvimento profissional no âmbito dos cursos de formação inicial são necessários com objetivo de compreender melhor o fenômeno das implicações de comunidades de natureza colaborativa nessa área. A potencialidade das comunidades colaborativas reside na profunda leitura da realidade vivenciada pelos sujeitos. Nas diferentes tipologias dos grupos pesquisados, encontramos um núcleo de evidências comuns, como desenvolvimento profissional dos integrantes, protagonismo e engajamento dos sujeitos no interior da comunidade. O desafio das comunidades está na dificuldade de registrar por escrito aquilo pelo que os professores passam nos processos de desenvolvimento profissional. Por isso, a postura investigativa dessas comunidades ainda é pouco explorada. Além disso, percebemos o desenvolvimento de uma nova abordagem conceitual baseado em Jean Lave e Etienne Wenger sobre aprendizagem situada para sustento das CoP - Comunidade de Prática.
Por fim, consideramos basilar para o desenvolvimento da área de pesquisa na formação de professores compreendermos como se dá o processo de gestão do conhecimento dentro dessas comunidades.