INTRODUÇÃO
Após Solow (1956) concluir que o crescimento econômico per capita dependia, basicamente, do avanço tecnológico, a literatura econômica presenciou o surgimento de diversos modelos de crescimento endógeno. Tais teorias sustentam que as externalidades positivas oriundas da inovação (ROMER, 1990; GROSSMAN; HELPMAN, 1991; AGHION; HOWITT, 1992), da experiência profissional (ARROW, 1962; LUCAS, 1988; YANG; BORLAND, 1991) e do capital humano (ROMER, 1986; LUCAS, 1998; BARRO, 1991; MANKIW; ROMER; WEIL, 1992) seriam os principais responsáveis pelo crescimento de longo prazo.
O “capital humano”, difundido na década de 1960 por Schultz (1961, 1962) e Becker (1964), inclui o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que favorecem a produtividade do trabalhador e podem ser adquiridos por meio da experiência, da educação e de melhores condições de saúde (NEVES; LIMA, 2019, p. 78). Para Krueger (1968), o capital humano poderia explicar mais de 50% do crescimento econômico.
Assim, com o propósito de analisar o efeito da educação básica (i.e., alfabetização) sobre o crescimento econômico dos municípios brasileiros no período de 1980 a 2010, a presente pesquisa focou na questão do capital humano e valeu-se do modelo proposto por Mankiw, Romer e Weil [MRW (1992)], que incorpora tal variável explicitamente e foi capaz de explicar, aproximadamente, 80% do crescimento de diversos países (ROMER, 1996, p. 128).
Embora bem-sucedida, a versão de Mankiw, Romer e Weil (1992) desconsiderou os possíveis efeitos da interação espacial sobre o crescimento econômico,1 destacados a seguir:
Os efeitos espaciais, particularmente a autocorrelação e a heterogeneidade espaciais, devem ser considerados ao analisar processos de convergência em escala regional. Há uma série de fatores - comércio entre regiões, difusão de tecnologia e conhecimento e, de modo mais geral, os transbordamentos regionais - que levam a regiões geograficamente dependentes. Devido às interações espaciais, a localização geográfica é importante na determinação do desempenho econômico das regiões.2 (GALLO; ERTUR, 2003, p. 176, tradução nossa)
Segundo Almeida (2012), as características distintas de cada região (i.e., cultura, preferências, relevo, clima, entre outros) poderiam fazer com que um mesmo estímulo causasse diferentes impactos, dependendo da localidade (problema de heterogeneidade espacial). Além disso, a conexão entre uma região e suas vizinhas poderia produzir transbordamentos e autocorrelação espaciais (problema de dependência espacial), atenuando ou potencializando o efeito de um choque exógeno qualquer. Portanto, uma versão espacial do modelo MRW (1992), com dados em painel para os períodos de 1980, 1991, 2000 e 2010, foi considerada a fim de mensurar o efeito da alfabetização sobre a renda per capita dos municípios brasileiros.
Cabe destacar que o capital humano tem caráter multidimensional e não é composto apenas pela alfabetização. Contudo, a desagregação espacial (municípios) e o período considerados (1980-2010), apesar de suas vantagens, impõem algumas restrições à presente pesquisa. No que se refere às vantagens, tem-se que a escala geográfica desagregada favorece o controle dos efeitos espaciais baseados na proximidade regional (ALMEIDA, 2012, cap. 3) e permite incluir mais observações, favorecendo as propriedades assintóticas dos estimadores (HSIAO, 2003). Quanto ao período, ressalta-se que a teoria do crescimento econômico se baseia em um “estado estacionário” válido para o longo prazo (seção “O modelo teórico”). Portanto, os efeitos esperados tornam-se menos prováveis em curtos períodos de tempo. Apesar das vantagens, essas opções de escala e tempo estão sujeitas à ausência de informações (missings) em determinados períodos (ver Figuras A.1, A.2 e A.3 - Anexo) e reduzem a oferta de proxies para as variáveis testadas (FIRME; SIMÃO FILHO, 2014, p. 687-689), impossibilitando que outros elementos associados ao capital físico e humano fossem incluídos.
Portanto, é possível que o impacto do capital humano, medido via taxa de alfabetização, fique subestimado, pois fatores como experiência profissional e níveis mais avançados de ensino não foram considerados. Alternativamente, o efeito da alfabetização pode ficar superestimado, visto que essa variável pode captar outras características não consideradas nos modelos (e.g., é possível que cidades com maiores taxas de alfabetização também tenham mais indivíduos graduados. Desse modo, parte do efeito atribuído a “graduados” ficaria embutido na alfabetização). Ainda assim, destaca-se que existem poucos trabalhos empíricos sobre os impactos da alfabetização na economia brasileira, abrindo espaço para que políticas arbitrárias, mal planejadas e, possivelmente, ineficientes sejam utilizadas para mitigar esse problema.
Ainda que o efeito da alfabetização sobre o crescimento econômico já tenha sido analisado em alguns estudos nacionais (RENZI et al., 2019; ALMEIDA; VALADARES; SEDIYAMA, 2017; SOARES, 2009; VIEIRA, 2009) e internacionais (LEIJA, 2019; KHALFAOUI, 2015; MURTHY; OKUNADE, 2014; CASTELLÓ-CLIMENT; MUKHOPADHYAY, 2013; ADELAKUN, 2011; GUSTAFSSON et al., 2010; LIN, 1997; BARRO, 1991; AZARIADIS; DRAZEN, 1990; ROMER, 1989; RAUCH, 1988), inclusive com controles espaciais (RENZI et al., 2019; LEIJA, 2019; VIEIRA, 2009), a presente pesquisa se destaca por: a) ser a única aplicada aos municípios de todas as regiões brasileiras;3 b) incluir variáveis de controle baseadas em modelos macroeconômicos reconhecidos pela literatura (vide “O modelo teórico”); c) buscar o controle simultâneo da dependência e heterogeneidade espaciais;4 d) considerar um amplo período para análises sobre o crescimento econômico que tem sua teoria voltada para o longo prazo;5 e) promover simulações, com base nos resultados obtidos, que permitem visualizar os possíveis efeitos benéficos da alfabetização no território brasileiro.
Desse modo, cientes das vantagens e desvantagens do procedimento adotado nesta pesquisa, os resultados indicam que o efeito da alfabetização é maior em regiões mais homogêneas e transborda para a vizinhança. Em média, um crescimento de 1% na taxa de alfabetização faria a renda crescer 1,684%. Assim, o produto interno bruto (PIB) brasileiro aumentaria 15,91% caso o Brasil atingisse o nível de alfabetização da Europa Central. Alternativamente, estados mais pobres, como Alagoas, Piauí, Paraíba e Maranhão (e outros dez), poderiam aumentar suas respectivas rendas em 32,77%, 29,09%, 26,53% e 23,97%, caso atingissem a média nacional de alfabetização. Acredita-se que o nivelamento da alfabetização e, de forma mais geral, do próprio ensino poderia estimular o crescimento brasileiro e reduzir as desigualdades regionais de forma simultânea. Além disso, verificou-se que o impacto da alfabetização sobre o crescimento brasileiro ficaria superestimado (em 22,02%) se a dependência espacial fosse ignorada. Se isso ocorresse apenas com a heterogeneidade espacial ou se ambos os efeitos espaciais fossem ignorados, o impacto dessa variável tenderia a ficar subestimado (em -30,73% e -15,48%, respectivamente).
O restante do trabalho está organizado da seguinte forma: a próxima seção contém o referencial teórico deste trabalho; na seção seguinte encontram-se a metodologia e a descrição da base de dados usada nas estimações; as seções subsequentes apresentam os resultados, considerações finais, referências e anexo, respectivamente.
REFERENCIAL TEÓRICO
Esta seção contém uma revisão dos principais trabalhos empíricos que analisaram os efeitos econômicos gerados pelo analfabetismo e a descrição do modelo teórico utilizado nas estimações.6
A questão do analfabetismo
Para Suresh Lal (2015), o analfabetismo é composto por indivíduos incapazes de ler, escrever ou resolver questões básicas de matemática. Logo, não apresentam o mínimo necessário para desempenhar uma função efetiva na sociedade, fato que reduz as oportunidades de emprego, compromete a geração de renda e prejudica a própria saúde desses cidadãos, tornando-os alvos fáceis da pobreza e da criminalidade e, frequentemente, dependentes de programas sociais. O autor estima que o custo do analfabetismo no mundo chegue a US$ 1,19 trilhão.7
O fato é que indivíduos analfabetos se tornam aptos a desempenhar apenas tarefas braçais básicas, que não agregam muito valor à produção e contribuem pouco para a geração de riqueza (ADELAKUN, 2011, p. 30). Como a produtividade relativa desses trabalhadores tende a ser menor que a dos indivíduos mais qualificados, a teoria econômica sugere que seus salários, em termos reais, seriam os menores possíveis.8
Quanto ao aspecto econômico, Azariadis e Drazen (1990) afirmam que nenhum país cresceu de forma acelerada após a II Guerra sem uma população altamente alfabetizada. Rauch (1988) argumenta que a renda de diversos países, com alfabetização acima de 95% em 1960, convergiu para um alto patamar nos anos subsequentes. Para Romer (1989), a alfabetização favorece o investimento e, portanto, afetaria o crescimento de forma indireta. Segundo Barro (1991), a taxa de alfabetização impulsionou o crescimento da renda per capita de diversos países no período de 1960 a 1985. Khalfaoui (2015), ao analisar diversos países muçulmanos no período de 1990 a 2014, concluiu que o efeito negativo e significativo do analfabetismo é uma das principais barreiras ao crescimento.
Dentre as pesquisas para países específicos, Adelakun (2011) afirma que o analfabetismo elevado prejudicou a produtividade do trabalhador e comprometeu o crescimento da Nigéria. Leija (2019) argumenta que a alfabetização se mostrou significativa na redução da pobreza extrema do México. Segundo Gustafsson et al. (2010), a redução do analfabetismo (a níveis próximos aos de outros países em desenvolvimento) poderia aumentar o PIB da África do Sul de 23% a 30%, além de melhorar a autoestima e a saúde do trabalhador. Murthy e Okunade (2014), considerando 31 províncias chinesas, sugerem que altas taxas de analfabetismo reduzem a expectativa de vida do trabalhador, prejudicando sua produtividade ao longo da vida. Lin (1997), após analisar 30 províncias chinesas, revelou que a redução do analfabetismo estimula o crescimento, mas não é suficiente para que os recém-alfabetizados migrem da agricultura para a indústria. Ademais, Castelló- -Climent e Mukhopadhyay (2013), considerando 16 estados da Índia no período de 1961 a 2001, afirmam que a simples alfabetização não afetou significativamente o crescimento dessas regiões. Contudo, a continuidade dos estudos (3º grau) mostrou-se significativa.
No Brasil, Almeida, Valadares e Sediyama (2017), utilizando um painel dinâmico para os estados brasileiros no período de 2001 a 2011, constataram que o analfabetismo é típico de regiões pobres. Para Soares (2009), o analfabetismo compromete a produtividade e o salário dos trabalhadores nordestinos (um analfabeto recebe, em média, 37% menos que um trabalhador com a 8ª série completa e até 311% menos que alguém com nível superior). Por fim, Vieira (2009) revela que o analfabetismo elevado prejudicou o crescimento dos municípios do estado de São Paulo no período de 1980 a 2000. A Tabela 1 indica que, embora a taxa de analfabetismo brasileira esteja abaixo da média mundial e tenha auferido considerável redução entre 1980 e 2010, saindo de 25,4% para 9,6%, permanece, em 2010, 15,5% acima da média da América Latina e Caribe, 58% maior que a dos países de renda média-alta (grupo do qual o Brasil faz parte), 67,8% maior que a do Extremo Oriente e Pacífico, 297,7% maior que a da Europa e Ásia Central e 788,6% maior que a da Europa Central e Países Bálticos. Portanto, há espaço para reduções significativas na taxa de analfabetismo brasileira.9
1980 | 1991 | 2000 | 2010 | |
---|---|---|---|---|
Brasil | 25,41% | n. r. | 13,63% | 9,62% |
Mundo árabe | 51,81% | 43,70% | 34,88% | 29,24% |
Europa Central e Países Bálticos | n. r. | 1,80% | 1,49% | 1,08% |
Extremo Oriente e Pacífico | 31,48% | 18,42% | 9,69% | 5,73% |
Europa e Ásia Central | n. r. | 4,33%* | 3,42% | 2,42% |
América Latina e Caribe | 19,41% | 15,01% | 10,97% | 8,33% |
Oriente Médio e Norte da África | 52,57% | 40,81% | 30,89% | 23,51% |
Sul da Ásia | 61,28% | 54,14% | 42,31% | 33,98% |
África Subsaariana | n. r. | 47,08% | 43,34% | 40,44% |
Países de renda baixa | n. r. | 51,76% | 47,28% | 43,08% |
Países de renda média-baixa | 48,78% | 41,63% | 33,31% | 27,24% |
Países de renda média | 38,05% | 28,47% | 20,65% | 16,33% |
Países de renda média-alta | 29,38% | 17,76% | 9,56% | 6,09% |
Mundo | 32,86% | 25,09% | 19,22% | 15,90% |
Fonte: Banco Mundial (2018).
Nota: n. r. = não reportado.
* Como não havia informação para 1991, considerou-se o valor de 1994.
O modelo teórico
Na tentativa de aprimorar a capacidade explicativa dos modelos de crescimento econômico, Mankiw, Romer e Weil (1992) incluíram o estoque de capital humano (H) na versão proposta por Solow (1956). Formalmente:
onde Y, K e L representam, respectivamente, a produção, o estoque de capital físico e a força de trabalho (α e β são coeficientes de sensibilidade). Logo, a renda per capita no estado estacionário seria:
onde
Relaxando a hipótese de que os países já estão no estado estacionário, temos:
onde *
Operacionalmente, a equação 4 pode ser reescrita como:
onde β 0, β 1, ... , β 4 são coeficientes de sensibilidade e ε é um resíduo aleatório.
Mankiw, Romer e Weil (1992) concluíram que Solow (1956) havia acertado a capacidade explicativa de K e L (em torno de 50%) e os sinais dos impactos de S k e n sobre Y. Contudo, a magnitude desses efeitos havia sido subestimada.
Embora tenham avançado na discussão sobre o crescimento, Mankiw, Romer e Weil (1992) desconsideraram a importância do espaço. Nesse sentido, Ertur e Koch (2007) fazem uma contribuição importante, ao reconhecerem que a interdependência tecnológica entre regiões distintas pode gerar transbordamentos espaciais. Formalmente, os autores assumem que:
Portanto, a tecnologia A
i
(t) dependeria: a) de um fator exógeno e idêntico entre as regiões, conforme proposto por Solow, Ω(t); b) do crescimento de k = K / L em cada região,
Como resultado, Ertur e Koch (2007) afirmam que a produção de uma região i qualquer cresceria com o aumento da poupança e da renda de seus j vizinhos e diminuiria com o crescimento populacional da vizinhança. Portanto, assumindo a existência desses transbordamentos espaciais e que a parcela não consumida da renda é investida em capital físico (s k ) ou humano (s h ), conforme o modelo MRW (1992), tem-se:
onde W é uma matriz de pesos espaciais que capta o efeito associado à vizinhança de uma região i qualquer. Mais detalhes sobre W estão em Almeida (2012, cap. 3).
METODOLOGIA E BASE DE DADOS
O modelo estimado (equação 9) contém quatro dummies para captar a heterogeneidade regional (referentes às regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste)11 e uma variável de distância de cada município até sua respectiva capital estadual.12 Visando a captar os transbordamentos espaciais (rever seção anterior), as variáveis explicativas foram defasadas espacialmente e incluídas no modelo (β
11aβ
13).13 Além disso, a análise do I de Moran, proposta por Cliff e Ord (1981), indicou autocorrelação espacial positiva associada à variável dependente (I = 0,303). Logo, assim como em Easterly e Levine (1998), o crescimento de um município impulsiona o dos seus vizinhos e vice-versa. Para controlar esse efeito, inclui-se a variável dependente defasada espacialmente (β
10).14 Por fim, um sinal negativo associado a
A literatura sugere que a alfabetização (s
h
) de um município i estimularia seu crescimento (Y
t
/ Y
t - 1
), pois indivíduos analfabetos seriam menos produtivos (seção “A questão do analfabetismo”). Todavia, o crescimento de i também poderia ser afetado pela alfabetização de seus j vizinhos (W_s
h
), visto que indivíduos de i poderiam estudar em j (que agora tem maior taxa de alfabetização) e pessoas de j (que, em média, tornaram-se mais produtivas após a alfabetização) poderiam trabalhar em i (ALMEIDA, 2012, p. 21-27). Em ambos os casos, haveria um transbordamento espacial positivo associado à alfabetização. Além disso, Lesage e Pace (2014) e Golgher e Voss (2016) afirmam que a autocorrelação espacial, mensurada via
Base de dados
Para compor a equação 9, foram utilizadas as seguintes variáveis:
a) y t ⇒ renda municipal per capita. Utilizou-se o rendimento domiciliar do mês anterior ao de referência (i.e., 01/08 para o Censo de 2000 e 01/09 para 1980 e 1991), expresso em reais (R$) de 2000 (IPEA, 2018). Em 2010, usou-se o rendimento domiciliar mensal médio (IBGE, 2011) deflacionado, para R$ de 2000, pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) (Ipea, 2018);
b) s k ⇒ parcela da renda investida em capital físico. Utilizou-se a despesa anual em capital físico de cada município,16 fornecida pelo Ministério da Fazenda e convertida em R$ de 2000 via Índice de Preços ao Consumidor Amplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA/IBGE) (IPEA, 2018). Os valores anuais e deflacionados foram somados ao longo dos períodos 1985-1991, 1991-2000 e 2001-2010 e divididos pela população de cada município (IPEA, 2018) e pelo número de anos desses períodos. Assim, obtivemos a média anual per capita de despesa municipal, em capital físico, para cada período mencionado;17
c) s h ⇒ parcela da renda investida em capital humano. Considerou-se o percentual de pessoas alfabetizadas, com 15 anos ou mais, de cada município (valor médio dos períodos considerados). O percentual de analfabetos é disponibilizado pelo Ipea (2018), para 1980, 1991 e 2000, e pelo IBGE (2011), para 2010. O percentual de analfabetos foi convertido em taxa de alfabetizados (i.e., 100% - % analfabetos);18
d) (n + g + δ) ⇒ soma das taxas de crescimento populacional (n), progresso tecnológico (g) e depreciação (δ). O crescimento populacional (n) (IPEA, 2018) foi somado ao valor de 𝑔 + 𝛿, proposto por Mankiw, Romer e Weil (1992, p. 413): “assumimos que 𝑔 + 𝛿 é 0.05 e que variações nessa hipótese teriam pouco impacto nas estimativas”.19 Dadas as variações decenais consideradas, a taxa de depreciação e tecnologia foi (1,05)10- 1 = 0,629. Para possibilitar o uso do logaritmo natural sobre (n + g + δ), somou-se 1 ao resultado dessas variações;
e) W ⇒ matriz de pesos utilizada nas defasagens espaciais dos modelos (controle da “dependência espacial”). Como critério de conectividade, consideraram-se os j = 5 vizinhos mais próximos de uma região i qualquer;20
f) Dummies de Região ⇒ dummies regionais, como a heterogeneidade espacial pode afetar o impacto das variáveis explicativas (ALMEIDA, 2012). As Figuras A.1, A.2 e A.3 (baseadas no I de Moran Local - vide Anexo)21 sugerem a existência de agrupamentos municipais, com características semelhantes intragrupos e distintas entre os grupos. Incluem-se quatro variáveis binárias (dummies) referentes às regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste22 a fim de captar tais características regionais;
g) Dist_Mun ⇒ distância (em quilômetros) do município em relação à sua respectiva capital estadual (IPEA, 2018).23 Pretende-se controlar o possível transbordamento positivo associado às capitais estaduais (MYRDAL, 1957; CHRISTALLER, 1966). Nesse caso, um sinal negativo (esperado) indicaria que cidades mais distantes das capitais cresceriam menos que as mais próximas.
O Quadro 1 revela os sinais esperados das variáveis consideradas e suas respectivas justificativas.24
TIPO DE VARIÁVEL | SIGLA | DESCRIÇÃO | SINAL ESPERADO | HIPÓTESES PARA O SINAL ESPERADO |
---|---|---|---|---|
Dependente | Ln(Y t / Y t-1 ) | Variação da renda per capita | n/a | n/a |
Explicativas: MRW (1992) | Ln(Y t-1 ) | Renda per capita Inicial | - | Convergência da renda |
Ln(s k ) | Capital Físico | + | Insumo gerador de renda | |
Ln(s h ) | Capital Humano | + | Insumo gerador de renda | |
Ln (n+g+δ) | Taxas de crescimento Pop.(n) + tecnol.(g) + deprec.(δ) | - | Aumento de n reduz renda per capita | |
Explicativas: Heterogeneidade Espacial | Sul | Municípios da Região Sul | Não definido | Dependem de questões inerentes a cada região |
Sudeste | Municípios da Região Sudeste | Não definido | ||
Nordeste | Municípios da Região Nordeste | Não definido | ||
Centro-Oeste | Municípios da Região Centro-Oeste | Não definido | ||
Ln(dist_est) | Distância do município até sua capital estadual | - | Spillover positivo das capitais estaduais | |
Explicativas: Transbordamento Espacial | W_Ln(Y t / Y t-1 ) | Variação da Renda Defasada Espacialmente | + | I de Moran positivo (vide nota n. 22) |
W_Ln(s k ) | Capital Físico Defasado Espacialmente | + | Efeito transbordamento (mesmo sinal de s k ) | |
W_Ln(s h ) | Capital Humano Defasado Espacialmente | + | Efeito transbordamento (mesmo sinal de s h ) | |
W_Ln(n+g+δ) | Taxas de crescimento Pop.(n) + tecnol.(g) + deprec.(θ) Defasadas Espacialmente | - | Efeito transbordamento (mesmo sinal de n+g+θ) |
Fonte: Elaboração do autor com base na literatura consultada.
Nota: Ln = logaritmo natural; N/A = não aplicada.
RESULTADOS
Os resultados dos modelos sem controles espaciais (Quadro 2, Modelo A) indicaram que todas as variáveis testadas são significativas e apresentam o sinal sugerido no Quadro 1. Tais especificações sugerem que um crescimento de 10% na taxa de alfabetização (s h ) faria a renda per capita dos municípios brasileiros crescer de 14,21% (A.1 e A.2) a 20,49% (A.3), sendo esse último valor preferível, segundo o teste de Hausman (1978).25
As dummies regionais (Quadro 2, modelos B, B.1 e B.2), embora significativas, não alteraram consideravelmente o impacto atribuído à alfabetização, que passou de 1,421 (A.1 e A.2) para 1,466 (B.1 e B.2). Logo, não é possível afirmar que as características específicas dessas cinco regiões brasileiras são responsáveis pela magnitude do efeito associado à educação de base. Entretanto, o modelo de FE (A.3 e B.3), que permite um controle individual da heterogeneidade espacial, revela que o impacto da alfabetização sobre a renda seria maior (i.e., 2,049) em regiões mais homogêneas.
O controle da dependência espacial (Quadro 2, modelos C, C.2, C.3 e D.3) reduziu o efeito inicial da alfabetização (s h ), mas revelou um transbordamento espacial positivo e significativo associado a essa variável (W_s h ). Portanto, a melhora da alfabetização em uma região qualquer geraria efeitos positivos sobre a renda de seus vizinhos, aumentando o impacto total dessa variável. Lesage e Pace (2014) e Golgher e Voss (2016) reforçam que a análise dos modelos C e D (Quadro 2) requer certos cuidados, pois, nesses casos, o impacto total de uma variável qualquer se torna o somatório de seu efeito direto (inicial: s h + transbordamento: W_s h ) e indireto, oriundo do efeito multiplicador gerado por W_(Y t / Y t-1 ). Assim, o efeito direto da alfabetização sobre a renda seria 0,345 (D.1 e D.2) e 0,630 (D.3), enquanto o total envolve o seguinte cálculo: {[1/(1-0,867)] *0,345}=2,594 (D.1 e D.2) e {[1/(1-0,626)] *0,630}=1,684 (D.3).
Note que o menor impacto total da alfabetização no modelo de FE (D.3: 1,684), quando comparado ao de RE (D.2: 2,594), parece contradizer o argumento anterior, de que a heterogeneidade espacial (presente no D.2 e controlada no D.3) prejudicaria o impacto dessa variável. Contudo, como o efeito direto da alfabetização é maior no FE (D.3: 0,630) quando comparado ao RE (D.2: 0,345), a hipótese de que a homogeneidade espacial favorece o impacto positivo da educação se mantém. Na realidade, o impacto reduzido em D.3 (em relação a D.2) deve-se, exclusivamente, ao menor efeito multiplicador oriundo da autocorrelação espacial (i.e., coeficiente 0,626) que afeta igualmente todas as variáveis do modelo e, portanto, não tem relação direta com o objeto de estudo deste trabalho.
Comparando o efeito total da alfabetização sem controles espaciais (A.1: 1,421), com controle apenas para a heterogeneidade (A.3: 2,049) e após controlar ambos os efeitos espaciais (D.3: 1,684), nota-se que seu impacto ficaria superestimado se a dependência espacial fosse ignorada (em 22,02%) e subestimado se a heterogeneidade espacial (em -30,73%) ou ambos os efeitos forem ignorados (em -15,48%). Logo, o efeito da alfabetização seria maior em regiões mais homogêneas (diferença entre A.1 e A.3) e menor após o controle da dependência espacial (diferença entre A.3 e D.3). Como o modelo A.3 ignora os transbordamentos associados às variáveis explicativas (que se mostraram positivos em D.3), parte desses efeitos benéficos (não controlados) pode acabar embutida nos coeficientes das variáveis consideradas em A.3 (inflando-os). Com base nesses resultados, é possível inferir que o custo do analfabetismo no mundo, sugerido por Suresh Lal (2015), ao desconsiderar os efeitos espaciais, seja ainda maior que os US$ 1,19 trilhão previstos pelo autor.
TIPO DE CONTROLE | MODELO A - MRW (1992) SEM CONTROLE ESPACIAL |
MODELO B - MRW (1992) CONTROLE P/ HETEROGENEIDADE ESPACIAL |
ESTIMAÇÃO EM 2 ESTÁGIOS UTILIZANDO INSTRUMENTOS PARA W_LN(YT/YT-1) | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
MODELO C. MRW (1992) CONTROLE P/ TRANSBORDAMENTO ESPACIAL |
MODELO D. MRW (1992) CONTROLE P/ TRANSBORDAMENTO E HETEROGENEIDADE ESPACIAIS |
|||||||||||
VARIÁVEL | (A.1) POLS |
(A.2) RE |
(A.3) FE |
(B.1) POLS |
(B.2) RE |
(B.3) FE |
(C.1) POLS |
(C.2) RE |
(C.3) FE |
(D.1) POLS |
(D.2) RE |
(D.3) FE |
Ln(Yt-1) | -0.670*** | -0.670*** | -1.143*** | -0.668*** | -0.668*** | -1.143*** | -0.245*** | -0.245*** | -0.685*** | -0.265*** | -0.265*** | -0.685*** |
Ln(s k ) | 0.112*** | 0.112*** | 0.223*** | 0.109*** | 0.109*** | 0.223*** | 0.017*** | 0.017*** | 0.045*** | 0.018*** | 0.018*** | 0.045*** |
Ln(s h ) | 1.421*** | 1.421*** | 2.049*** | 1.466*** | 1.466*** | 2.049*** | 0.401*** | 0.401*** | 0.326*** | 0.412*** | 0.412*** | 0.326*** |
Ln (n+g+δ) | -0.038* | -0.038* | -0.099*** | -0.054** | -0.054** | -0.099*** | -0.013 | -0.013 | -0.017 | -0.007 | -0.007 | -0.017 |
D_Sul | 0.096*** | 0.096*** | Excluído | 0.071*** | 0.071*** | Excluído | ||||||
D_Sudeste | 0.089*** | 0.089*** | Excluído | 0.054*** | 0.054*** | Excluído | ||||||
D_Nordeste | 0.132*** | 0.132*** | Excluído | -0.016 | -0.016 | Excluído | ||||||
D_Centro-Oeste | 0.143*** | 0.143*** | Excluído | 0.060*** | 0.060*** | Excluído | ||||||
Ln(dist_est) | -0.019*** | -0.019*** | Excluído | -0.011*** | -0.011*** | Excluído | ||||||
W_Ln(Yt/Yt-1) | 0.861*** | 0.861*** | 0.626*** | 0.867*** | 0.867*** | 0.626*** | ||||||
W_Ln(s k ) | 0.038*** | 0.038*** | 0.207*** | 0.048*** | 0.048*** | 0.207*** | ||||||
W_Ln(s h ) | 0.047 | 0.047* | 0.304*** | -0.067* | -0.067** | 0.304*** | ||||||
W_Ln (n+g+δ) | 0.113*** | 0.113*** | 0.039 | 0,126*** | 0,126*** | 0.039 | ||||||
Constante | -3.165*** | -3.165*** | -4.053*** | -3.362*** | -3.362*** | -4.054*** | -0.952*** | -0.952*** | -0.359*** | -0.437*** | -0.437*** | -0.359*** |
N | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 | 11961 |
R2 | 0.47 | 0.72 | 0.48 | 0.72 | 0.78 | 0.78 | ||||||
R2_overall | 0.47 | 0.45 | 0.48 | 0.45 | 0.78 | 0.67 | 0.78 | 0.67 | ||||
R2_between | 0.23 | 0.28 | 0.27 | 0.28 | 0.53 | 0.38 | 0.53 | 0.38 | ||||
R2_within | 0.71 | 0.72 | 0.71 | 0.72 | 0.80 | 0.86 | 0.81 | 0.86 | ||||
AIC | 4773.7 | -3571.8 | 4604.00 | -3571.8 | ||||||||
BIC | 4810.6 | -3534.8 | 4677.9 | -3534.8 | ||||||||
Teste de Hausman (1978) associado ao Modelos D:
|
Fonte: Elaboração do autor utilizando o software STATA.
Notas: a) Os modelos POLS e RE foram estimados utilizando-se a matriz robusta de White (WOOLDRIDGE, 2002).
b) * p < 0.05; ** p < 0.01; *** p < 0.001.
Como o teste de Hausman (1978) indicou que os modelos FE são sempre preferíveis ao RE, pode-se concluir que um crescimento de 1% na taxa de alfabetização faria a renda per capita dos municípios brasileiros crescer, em média, 1,684%. Com base nesse resultado, foram efetuadas simulações sobre: a) o valor provável do PIB per capita brasileiro, caso o país atingisse o mesmo nível de alfabetização da Europa Central e Países Bálticos (rever Tabela 1); b) o possível ganho na renda per capita dos estados brasileiros, com piores taxas de analfabetismo, caso atingissem o nível médio de alfabetização do país. Os resultados estão disponíveis nas Tabelas 2 e 3 e, em ambos os casos, utilizou-se o ano de 2010 como referência.
POSIÇÃO | PAÍS | PIB 2010 REAL |
NOVA POSIÇÃO |
PAÍS | PIB 2010 SIMULADO |
---|---|---|---|---|---|
1 | Catar | 129852,73 | 1 | Catar | 129852,73 |
5 | Cingapura | 73060,99 | 5 | Cingapura | 73060,99 |
10 | Suíça | 54365,36 | 10 | Suíça | 54365,36 |
30 | Japão | 35883,03 | 30 | Japão | 35883,03 |
60 | Chile | 19348,13 | 60 | Chile | 19348,13 |
61 | Argentina | 18911,82 | 61 | Argentina | 18911,82 |
62 | Letônia | 18225,03 | 62 | Letônia | 18225,03 |
63 | Irã | 17879,37 | 63 | Irã | 17879,37 |
64 | Peru | 17248,62 | 64 | Peru | 17248,62 |
65 | Uruguai | 16970,30 | 65 | Brasil | 17015,75 |
66 | Venezuela | 16837,10 | 66 | Uruguai | 16970,30 |
67 | Romênia | 16730,24 | 67 | Venezuela | 16837,10 |
68 | Barbados | 16633,45 | 68 | Romênia | 16730,24 |
69 | Líbano | 16451,76 | 69 | Barbados | 16633,45 |
70 | Azerbaijão | 16318,09 | 70 | Líbano | 16451,76 |
71 | Bielorrússia | 16218,12 | 71 | Azerbaijão | 16318,09 |
72 | México | 16137,34 | 72 | Bielorrússia | 16218,12 |
73 | Bulgária | 15993,41 | 73 | México | 16137,34 |
74 | Ilhas Maurício | 15938,43 | 74 | Bulgária | 15993,41 |
75 | Gabão | 15642,07 | 75 | Ilhas Maurício | 15938,43 |
76 | Panamá | 15549,15 | 76 | Gabão | 15642,07 |
77 | Brasil | 14679,29 | 77 | Panamá | 15549,15 |
78 | Suriname | 14076,51 | 78 | Suriname | 14076,51 |
79 | Montenegro | 13845,83 | 79 | Montenegro | 13845,83 |
80 | Tailândia | 13750,23 | 80 | Tailândia | 13750,23 |
100 | Paraguai | 9712,92 | 100 | Paraguai | 9712,92 |
192 | Congo | 568,92 | 192 | Congo | 568,92 |
Fonte: Elaboração do autor com base nos dados da World Economic Outlook da International Monetary Fund (WEO/IMF, 2018).
Nota: Valores a preços constantes de 2010 avaliados em US$ de paridade de poder de compra.
Retornando à Tabela 1, nota-se que a taxa de alfabetização brasileira em 2010 (i.e., 100 - 9,62 = 90,38%) precisaria crescer, aproximadamente, 9,45% para atingir o mesmo nível da Europa Central e Países Bálticos (i.e., 100 - 1,08 = 98,92%). Nesse caso, o crescimento econômico brasileiro aumentaria em 9,45 * 1,684 = 15,91%. Como a relação (PIB2010/PIB1980) = (14.679,29/11.372,17) = 1,2908 no Brasil,26 a melhora na alfabetização impulsionaria o crescimento para 1,2908 * 1,1591 = 1,4962. Logo, o PIB per capita brasileiro de 2010 atingiria 1,4962 * 11372,17 = 17015,75,27 ou seja, 15,91% a mais que o valor original do mesmo período. Tal avanço na alfabetização faria o PIB per capita brasileiro saltar da 77ª posição para a 65ª (entre 192 países), ultrapassando países como Bulgária, México, Venezuela e Uruguai e se aproximando do Peru, Argentina e Chile (Tabela 2).
As simulações associadas aos estados brasileiros (Tabela 3) seguiram o mesmo procedimento da Tabela 2.28 Contudo, visando a apurar qual seria o ganho em termos de renda per capita, caso os estados atingissem a média de alfabetização nacional em 2010 (i.e., 90,38%), consideraram-se apenas aqueles com taxas inferiores à média brasileira.
O estado de Alagoas, por ter a taxa mais alta de analfabetismo do país (24,33%), seria o mais beneficiado com o esforço em alcançar a média nacional. Tal política geraria um crescimento extra na renda per capita desse estado de, aproximadamente, 32,77%, fazendo-o subir da 24ª colocação para a 15ª no ranking de maiores rendas per capita estaduais do Brasil. Os efeitos positivos desse nivelamento da alfabetização seriam sentidos em 14 dos 26 estados, com destaque (além de Alagoas, já mencionado) para Piauí, Paraíba e Maranhão, onde o crescimento extra da renda per capita, oriundo exclusivamente da política de alfabetização, alcançaria 29,09%, 26,53% e 23,97%, respectivamente.
Note que os efeitos benéficos sobre a renda desses quatro estados, caso atingissem a média nacional de alfabetização, seriam equivalentes (ou superiores) aos descritos por Gustafsson et al. (2010) para a África do Sul, caso o país atingisse os níveis de alfabetização dos principais países desenvolvidos (de 23% a 30% de crescimento).
No que se refere à classificação das maiores rendas do país, destaca-se a melhora verificada no Piauí (do 25º lugar para o 17º) e na Paraíba (do 21º para o 13º) (Tabela 3). Como os estados mais pobres seriam os mais privilegiados nessa simulação, acredita-se que tal política estimule o crescimento e reduza as desigualdades simultaneamente.
N. | ESTADO | TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (A) |
RENDA 1991 (B) |
RENDA 2010 (B) |
NOVA POSIÇÃO |
RENDA 2010 SIMULADA |
VARIAÇÃO ORIUNDA DA ALFABETIZAÇÃO |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | São Paulo | 95,68 | 746,22 | 1084,46 | n.c. | 983,46 | n.c. |
2 | Rio de Janeiro | 95,73 | 608,8 | 1039,30 | n.c. | 941,64 | n.c. |
3 | Santa Catarina | 95,87 | 449,78 | 983,90 | n.c. | 889,16 | n.c. |
4 | Rio Grande do Sul | 95,48 | 507,61 | 959,24 | n.c. | 873,10 | n.c. |
5 | Paraná | 93,72 | 439,09 | 890,89 | n.c. | 837,57 | n.c. |
6 | Espírito Santo | 91,88 | 377,38 | 815,43 | n.c. | 793,15 | n.c. |
7 | Goiás | 92,06 | 410,55 | 810,97 | n.c. | 786,19 | n.c. |
8 | Mato Grosso do Sul | 92,33 | 433,21 | 799,34 | n.c. | 771,05 | n.c. |
9 | Mato Grosso | 91,52 | 395,34 | 762,52 | n.c. | 746,66 | n.c. |
10 | Minas Gerais | 91,69 | 373,85 | 749,69 | n.c. | 731,79 | n.c. |
11 | Rondônia | 91,27 | 304,9 | 670,82 | n. c. | 659,92 | n.c. |
12 | Roraima | 89,67 | 437,24 | 605,59 | 12 | 613,78 | 1,35% |
13 | Amapá | 91,6 | 378,57 | 598,98 | n.c. | 585,65 | n.c. |
14 | Tocantins | 86,91 | 243,58 | 586,62 | 12 | 626,19 | 6,74% |
15 | Rio Grande do Norte | 81,46 | 240,33 | 545,42 | 12 | 646,14 | 18,47% |
16 | Amazonas | 90,16 | 345,82 | 539,80 | 16 | 542,12 | 0,43% |
17 | Pernambuco | 82 | 275,49 | 525,64 | 12 | 616,24 | 17,24% |
18 | Sergipe | 81,6 | 247,78 | 523,53 | 12 | 618,53 | 18,15% |
19 | Acre | 83,52 | 284,96 | 522,15 | 14 | 594,50 | 13,86% |
20 | Bahia | 83,42 | 234,57 | 496,73 | 15 | 566,64 | 14,07% |
21 | Paraíba | 78,09 | 196,59 | 474,94 | 13 | 600,95 | 26,53% |
22 | Ceará | 81,26 | 219,83 | 460,63 | 15 | 547,81 | 18,93% |
23 | Pará | 88,26 | 273,22 | 446,76 | 22 | 464,92 | 4,07% |
24 | Alagoas | 75,67 | 211,98 | 432,56 | 15 | 574,30 | 32,77% |
25 | Piauí | 77,08 | 167,03 | 416,93 | 17 | 538,20 | 29,09% |
26 | Maranhão | 79,13 | 156,47 | 360,34 | 24 | 446,71 | 23,97% |
Brasil | 90,38 | 447,56 | 793,87 | - | - | - |
Fonte: Elaboração do autor com base no Atlas-Brasil do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2018).
Nota: A = percentual de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever; B = somatório da renda dos indivíduos residentes em domicílios particulares dividido pelo número total desses indivíduos. Valores em R$ de 1 de agosto de 2010; n. c. = não calculado.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa considerou uma versão espacial do modelo MRW (1992) com dados em painel, a fim de avaliar o impacto da taxa de alfabetização sobre o crescimento da renda per capita dos municípios brasileiros no período de 1980 a 2010. Os resultados sugerem que o impacto da alfabetização é maior em regiões mais homogêneas. Acredita-se que a heterogeneidade espacial gere a necessidade de políticas educacionais mais específicas e mão de obra mais especializada do que ocorreria em regiões com maior semelhança em termos de cultura, clima, relevo e preferência locais. A título de exemplo, considere a dificuldade em alfabetizar povoados com dialetos distintos.
Ademais, constatou-se que melhorias na alfabetização geram transbordamentos positivos sobre a renda da vizinhança, aumentando o impacto total dessa variável. Os resultados ainda sugerem que o impacto total da alfabetização sobre o crescimento econômico ficaria superestimado se a dependência espacial fosse ignorada. Se isso ocorresse com a heterogeneidade espacial ou se ambos os efeitos espaciais fossem ignorados, o impacto dessa variável tenderia a ficar subestimado. Logo, é possível que o custo do analfabetismo no mundo, sugerido por Suresh Lal (2015), seja ainda maior que os US$ 1,19 trilhão previstos pelo autor.
Realizados os devidos controles espaciais, estimou-se que um crescimento de 1% na taxa de alfabetização aumentaria a renda per capita em, aproximadamente, 1,684%. Tal resultado é coerente com a afirmação de Mankiw, Romer e Weil (1992), de que pequenas alterações no capital humano poderiam causar grandes alterações na renda. Com base nesse impacto, verificou-se que o PIB per capita brasileiro poderia ser, aproximadamente, 15,91% maior caso a taxa de alfabetização do país (90,38%) atingisse o nível da Europa Central (98,92%). Tal avanço faria o PIB brasileiro saltar da 77ª posição (no ranking dos 192 países mais ricos) para a 65ª, ultrapassando Bulgária, México, Venezuela e Uruguai e se aproximando do Peru, da Argentina e do Chile.
Alternativamente, simulou-se qual seria a renda per capita dos estados brasileiros caso eles atingissem a taxa média de alfabetização nacional. Os resultados indicam que haveria melhora na renda de 14 dos 26 estados, com destaque para Alagoas, Piauí, Paraíba e Maranhão, onde o crescimento oriundo exclusivamente da alfabetização atingiria 32,77%, 29,09%, 26,53% e 23,97%, respectivamente. Esses valores estão próximos aos estimados por Gustafsson et al. (2010) para a África do Sul, caso o país atingisse os níveis de alfabetização dos principais países desenvolvidos (onde o crescimento ficaria entre 23% e 30%). Se apenas Alagoas, com a pior taxa de alfabetização (75,67%), adotasse tal medida, sua renda subiria da 24ª para a 15ª colocação no ranking de maiores rendas per capita estaduais do Brasil.
Como não foram incluídas outras variáveis associadas ao capital humano (devido ao período e à escala considerados), é possível que seu efeito esteja subdimensionado. Além disso, caso a taxa de alfabetização também capte outras características municipais associadas a níveis mais elevados de educação, seu impacto ficaria supervalorizado. Por fim, como a exclusão dos municípios com informações faltantes (missings) parece ter elevado a taxa média de analfabetismo,29 é possível que o impacto da alfabetização seja ainda maior no Brasil (caso todos os municípios pudessem ter sido incluídos). Apesar das limitações mencionadas, os resultados desta pesquisa sugerem o uso mais racional e menos arbitrário dos recursos destinados à educação, ao indicar quais regiões seriam mais sensíveis às melhorias nessa área, e reforçam a importância desse tipo de investimento como instrumento de combate à pobreza e redução das desigualdades.