Com a eleição de 2018, a Câmara de Deputados brasileira passou a contar em sua 56ª legislatura com 77 mulheres, posicionadas em diferentes partidos do espectro político. Compondo a bancada feminina, as eleitas estavam alinhadas tanto com as práticas políticas do então presidente Jair Bolsonaro (PL), sobretudo aquelas expoentes dos movimentos conservadores, quanto na oposição ao governo, em especial as que publicamente se identificavam como feministas, mas não apenas estas.
É importante lembrar que atravessamos contemporaneamente um contexto de polarização ideológica extrema, especialmente desde a eleição de 2018 no caso brasileiro, no qual há uma mobilização do discurso de gênero por políticos de viés conservador em todo o mundo. Concordamos com a análise de que o neoconservadorismo traz como um de seus pilares a ideia de que a família nuclear, e não o Estado, é a solução para as disfunções sociais (Marina LACERDA, 2019; Flávia BIROLI; Maria das Dores MACHADO; Marco VAGGIONE, 2020), o que acentua a centralidade das pautas morais - especialmente aquelas conectadas com um lugar tradicional reservado às mulheres - para a sustentação dos argumentos econômicos dessa ideologia. A ampliação da participação das mulheres nos quadros conservadores também se traduz como estratégia para conquistar votos femininos, especialmente em partidos e governos criticados pela esquerda por sua baixa representatividade.
A diferença na atuação das legisladoras é um elemento importante para descortinar os desafios sobre a representação de mulheres na política, para além de uma simples defesa da representação descritiva (Maíra MANO, 2020; Jane MANSBRIDGE, 1999; Anne PHILLIPS, 2001). Em um contexto de regressão democrática, como o experienciado no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), é necessário analisar detidamente como tais representantes dialogam com demandas sobre garantia e ampliação de direitos das mulheres, ou mesmo como se opõem a estes debates. Este artigo demonstra como deputadas federais eleitas em 2018 mobilizaram discursivamente “questões de gênero” em sua atuação pública, a partir da análise de duas arenas: 1) postagens nos perfis pessoais nas mídias sociais e 2) discursos proferidos na Câmara dos Deputados. A análise destes dois ambientes com lógicas comunicacionais diferentes, conforme discutiremos a seguir, colabora para a compreensão mais nuançada sobre como tais pautas permeiam tanto a arena institucional, quanto a comunicação mais direta estabelecida com os cidadãos.
As deputadas Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (eleita pelo PSL, atualmente no PL-SP), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foram escolhidas para a pesquisa a partir de sua proeminência institucional nos campos conservador e de esquerda, bem como pelo alto grau de engajamento nas mídias digitais. Todas, autodeclaradas brancas em seus registros de candidatura, foram reeleitas em 2022. O período da coleta concentrou-se nos meses de março e maio dos anos de 2019, 2020 e 2021. Escolhemos tais meses por conta do Dia Internacional da Mulher e do Dia das Mães, eventos que mobilizam a agenda pública, conforme estudos anteriores. O material empírico é composto por todas as postagens realizadas pelas parlamentares em suas respectivas contas nas redes sociais Instagram e Twitter, bem como por seus pronunciamentos na casa legislativa no mesmo período. Os dados foram submetidos à análise léxica automatizada a partir do software Iramuteq (Brigido CAMARGO e Ana Maria JUSTO, 2013; Emerson CERVI, 2018) e à análise do discurso crítica inspirada em Norman Fairclough (2001; 2003).
O artigo está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações finais. A seguir, abordaremos os caminhos teóricos para pensar a representação política de mulheres e a construção de sua imagem e atuação pública. Em seguida, explicitamos nosso desenho metodológico e partimos para a análise dos dados.
Representação política, imagem pública e contextos comunicativos
A representação política mobiliza, há décadas, as preocupações das estudiosas feministas na Ciência Política. O diagnóstico da baixa presença em cargos eletivos, em especial nas casas legislativas, como observado no Brasil, evidencia um conjunto de problemas tais como: a) pouca pluralidade de perspectivas sociais nos espaços eletivos centrados em homens, brancos, heterossexuais e de classe abastada (Iris YOUNG, 2006; Luis Felipe MIGUEL, 2021; Luiz Augusto CAMPOS; Carlos MACHADO, 2020; Nirmal PUWAR, 2004; Shirin RAI; Carole SPARY, 2019); b) desafios de recrutamento e seleção de candidaturas, com entraves formais e informais para o ingresso das mulheres e a centralidade dos partidos nesse processo (Clara ARAÚJO, 2010; Daniela REZENDE, 2017; Maria Luzia ÁLVARES, 2008); c) baixo financiamento de campanha àquelas que chegam à corrida eleitoral (Teresa SACCHET; Bruno Wilhelm SPECK, 2012); e d) acesso diferenciado e desigual a espaços e veículos de comunicação, bem como à construção de determinadas agendas de debate público (MIGUEL; BIROLI, 2011; Rayza SARMENTO, 2018; Camilla TAVARES; Michele MASSUCHIN, 2019). Somam-se a essas questões diretas do campo político-institucional as dinâmicas do cuidado vivenciadas também de forma desigual entre homens e mulheres, com a sobrecarga delas no contexto de divisão sexual do trabalho (BIROLI; MACHADO; VAGGIONE, 2020; Helena HIRATA, 2022).
Normativamente, os debates sobre representação de grupos, como no caso das mulheres, estão acompanhados também sobre os perfis desejados do/a representante. A crítica feminista, em diferentes nuances, demonstrará - usando a famosa expressão de Anne Phillips - “o que há de errado com a democracia liberal” quando se supõe que todos os indivíduos possuem as mesmas chances na competição eleitoral. Contrariando a defesa da representação como desencarnada dos corpos e sujeitos, como exposto na obra clássica de Hanna Pitkin (2006)1, as autoras feministas irão demonstrar como contextos de subordinação histórica experienciados por minorias políticas precisam ser observados quando se definem os critérios com os quais será avaliada a representação (MANSBRIDGE, 1999). Nesse sentido, Phillips (2011, p. 344) é categórica ao afirmar que “quando um grupo é consistentemente sub-representado, algum outro grupo está obtendo mais do que o que lhe corresponde”.
Para dirimir as disparidades que atravessam a competição eleitoral, mas são frutos de um processo estrutural mais amplo, os mecanismos institucionais de correção se mostram importantes, ainda que insuficientes. No Brasil, a implementação das cotas de gênero na legislação eleitoral ocorreu em 1997 e, atualmente, a lei estabelece a obrigatoriedade de indicação de, no mínimo, 30% de mulheres nas listas partidárias para eleições proporcionais. Além disso, houve a destinação às candidatas de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da mesma porcentagem de tempo da propaganda eleitoral (BRASIL, 2022). Contudo, mesmo depois de tais mudanças, a presença de mulheres eleitas na Câmara dos Deputados alcançou apenas 15% em 2018 e 17,7% em 2022.
A defesa de mais mulheres na política enseja então o debate sobre quais representantes deveriam ocupar esses espaços, ou, nos termos de Suzanne Dovi (2002), quais seriam os representantes "preferíveis". Trata-se de ponto sensível nas discussões teóricas e no debate público, dado que a escolha apenas informada pelo gênero pode eleger representantes não necessariamente comprometidas com os direitos das mulheres ou com uma perspectiva feminista de atuação política.
A perspectiva de Michael Saward (2006) sobre a dimensão constitutiva das identidades políticas a partir das alegações de representação feitas pelos parlamentares também oferece uma importante chave para a leitura da representação das mulheres no Parlamento. Como afirma o autor, os sujeitos sociais não têm uma característica essencial ou desejos e interesses que sejam totalmente transparentes e pré-determinados ao ato político da representação (SAWARD, 2006, p. 312). Se a representação política é uma relação dinâmica e circular, como define Nadia Urbinati (2006), isto é, comunicativa, entre representantes e representados, não cabe aos representantes simplesmente “ler” ou “descobrir” as identidades de seus eleitores como dados estáticos, uma vez que as identidades políticas de ambos são construídas exatamente nessa relação. Percebida como a construção de identidades coletivas, a política é, portanto, uma tarefa essencialmente comunicativa, sendo a representação uma atividade simbólica (Cristina LESTON-BANDEIRA, 2016; RAI; SPARY, 2019; Tània VERGÈ, 2020), construída por meio do discurso.
As divergências na atuação das mulheres no Legislativo, bem como suas diferentes estratégias na construção de identidades políticas, são bem documentadas por Mano (2020) ao analisar os posicionamentos das integrantes da 54ª legislatura federal. Enquanto há pautas mais consensuais, como combate à violência e maior participação política, há temas em que a divisão entre representantes de esquerda e direita se torna mais acentuada, como no caso dos direitos sexuais e reprodutivos ou dos debates sobre processos mais igualitários no âmbito da educação. Essas diferenças evidenciam que a compreensão da representação por um viés apenas descritivo é insuficiente, além de demonstrarem como a homogeneização biologizante de grupos sociais também é um argumento que precisa ser superado em face de atravessamentos interseccionais, quando diversos marcadores sociais da diferença (como raça, classe, etnia), permeados e construídos por relações de poder, “não se manifestam como entidades distintas e mutuamente excludentes” (Patricia Hill COLLINS; Selma BILGE, 2021, p. 16).
Tais divergências entre as eleitas também se amparam em matrizes discursivas distintas que perpassam a estrutura estatal e a sociedade. As representantes conservadoras têm empreendido uma defesa da família nuclear heteronormativa contra uma discussão específica das desigualdades que atravessam a vida das mulheres (SARMENTO; Maria Ligia ELIAS; Gabrielle MARQUES, 2021). Nesse sentido, a figura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o comando de Damares Alves por quase toda a gestão bolsonarista, é exemplar deste momento (REZENDE, 2022). É também metafórico observar que tal ministério nomeia seus termos no singular como forma de assentar a existência de modelos únicos de mulher e família, contrariando a extinta Secretaria de Políticas para as Mulheres, com status ministerial, criada em 2003 no primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito novamente em 2022.
Obviamente, tais distinções não se apresentam apenas no âmbito institucional, mas perpassam o contexto social onde se estabelece a relação de representação. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e o resultado acirrado da disputa em 2022 apontam para uma construção identitária à direita - importante na população brasileira -, com segmentos numerosos identificados com perspectivas neoconservadoras. Em pesquisa recente com eleitoras de Bolsonaro, Camila Rocha e Ester Solano (2022, p. 26) demonstram que as mulheres conservadoras destacam de forma importante “o papel desempenhado pela mulher na família e na harmonia do lar”, ainda que admitam a necessidade “de políticas públicas que permitam que as mulheres conciliem o trabalho fora de casa e o cuidado com a família”. Além disso, o estudo também documenta que
a compreensão de que o rótulo de feminista se aplica apenas às mulheres ativistas, ou ainda, a de que só seriam feministas mulheres que assumissem determinadas condutas. Nesse sentido são comuns afirmações: “Eu faço as unhas, eu me depilo, então não posso ser feminista” (ROCHA; SOLANO, 2022, p. 48).
A forma como as parlamentares defendem ou se afastam dos debates sobre desigualdade de gênero colabora para a construção da percepção que seus pares institucionais, eleitorado específico e a sociedade mais ampla constroem sobre elas e, portanto, sobre a reputação política dessas mulheres. Essa percepção, somada aos discursos enunciados pelas representantes, é parte do que se entende como imagem pública. Conceito oriundo dos estudos de Comunicação e Política, pode ser definida como “concepções sobre a natureza de instituições, pessoas ou produtos” que são partilhadas de forma coletiva (Wilson GOMES, 2004, p. 254). De acordo com Maria Helena Weber (2004, p. 262), a imagem pública articula duas dimensões, sendo “resultante da imagem conceitual, emitida por sujeitos políticos em disputa de poder e recuperada na soma das imagens abstratas (o intangível, a imaginação), com as imagens concretas (o tangível, os sentidos)”. No centro da construção da imagem pública estão os discursos proferidos pelos sujeitos ou instituições, como os pronunciamentos oficiais na Câmara, e aqueles construídos sobre eles, na cobertura jornalística ou na repercussão cotidiana nas mídias digitais feitas por sujeitos comuns.
Em um contexto de abundância informacional e hiperconexão (GOMES, 2018; Jacob JENSEN, 2013) fortalece-se a ideia de Gomes (2004, p. 264), para quem a imagem pública não pode ser compreendida como “politicamente acessória”, mas sim como “fenômeno decisivo no contexto da experiência produzida e conduzida pela comunicação de massa”. É partindo de tal premissa que entendemos a importância de observar como as representantes eleitas constroem sua imagem pública acerca dos temas relacionados às mulheres e gênero em contextos comunicativos diferentes. Que as mulheres eleitas recebem atenção seletiva dos meios de comunicação e são alvos de questionamentos e assuntos não reportados aos homens eleitos é um fato amplamente documentado (MIGUEL; BIROLI, 2011; Karen ROSS, 2016). Neste trabalho, interessa-nos observar como as deputadas federais enunciam seus posicionamentos quando falam sem a mediação clássica dos veículos.
Vale ressaltar que observamos dois distintos espaços de enunciação do conteúdo político, construídos a partir de estratégias comunicativas diversas. Nas redes sociais, as postagens se voltam para um público mais ampliado, que vai além dos pares ou eleitores das deputadas, alcançando também outros líderes de opinião como jornalistas, intelectuais e cientistas, além do público em geral. Há ainda a chance de edição ou correção daquilo que foi apresentado em outros espaços, como nos contextos oficiais; além disso, é sempre oportuno lembrar como a possibilidade (e desejabilidade) de interação e engajamento por parte de leitores/seguidores impacta nos posicionamentos nas redes sociais. Já no contexto oficial da casa legislativa, os discursos parecem ser construídos, inicialmente, para o debate com os pares, dentro do processo legislativo de deliberação. Contudo, alguns estudos mencionam que sua produção também mira as chances de repercussão midiática (Antonio BARROS; Cristiane BERNARDES; Cláudia LEMOS, 2011; BARROS; BERNARDES, Malena RODRIGUES, 2014), apontando para estratégias de disseminação de opiniões e posições na esfera pública que vai além do próprio Parlamento. Se isso já era visível em um contexto de comunicação massiva analógica a partir das mídias legislativas, as mídias sociais ampliaram a possibilidade de repercussão daquilo que é dito/feito dentro da casa legislativa, conformando verdadeiras caixas de ressonância públicas para os posicionamentos oficiais de parlamentares.
Apontamentos metodológicos - Aproximando análise léxica e análise do discurso
O corpus a ser analisado é oriundo de dois ambientes comunicacionais distintos: as plataformas de mídias sociais e os pronunciamentos realizados no plenário e nas comissões temáticas da Câmara dos Deputados. O conteúdo das mídias sociais foi compartilhado nos perfis oficiais no Instagram e no Twitter das quatro deputadas federais: Bia Kicis, Carla Zambelli, Gleisi Hoffmann e Jandira Feghali. As duas plataformas tiveram um aumento no número de usuários e ainda concentram menos estudos quando comparadas ao Facebook (Raquel TARULLO, 2021).
A observação do conteúdo discursivo de parlamentares em tais ambientes é um veio forte de estudo, em especial, no campo da Comunicação e Política, e não apenas no Brasil (Helga ALMEIDA, 2017; ALMEIDA; Marcus Abílio PEREIRA; Maria Alice FERREIRA; Thales Torres QUINTÃO, 2020; Ronaldo ARAÚJO; Crispulo TRAVIESO-RODRÍGUEZ; Sarah SANTOS, 2017; Sérgio BRAGA; Letícia CRUZ, 2014; Patrícia CONTREIRAS, 2012; Ole KELM; Marco DOHLE; Uli BERNHARD, 2019; Liam McLOUGHLIN: Stephen WARD; Rachel GIBSON; Rosalynd SOUTHERN, 2020; Marcus PEREIRA; ALMEIDA, Davi BROCANELLI; Igor CAIXETA, 2019; Graça ROSSETTO, 2018; ROSSETTO; Rodrigo CARREIRA, Maria Paula ALMADA, 2013; Oystein SAEBO, 2011; Daniel TAVARES; Tiago QUIROGA, 2015; Miguel TÚÑEZ; José SIXTO, 2011). Estudos recentes mostram a presença maciça de deputados federais brasileiros nas plataformas digitais e o uso estratégico das mídias sociais feito por eles (BARROS; BERNARDES; Cristiano FERRI; Elisabete BUSANELLO, 2021a; 2021b). Em relação às mulheres representantes, pesquisas indicam que elas têm menos acesso à mídia tradicional e até recentemente tinham menos impacto no Twitter do que os homens (Francisco MARQUES; Jackson AQUINO; Edna MIOLA, 2014; Nikki USHER; Jesse HOLCOMB; Justin LITTMAN, 2018), mas estão cada vez mais usando as mídias sociais para se tornarem influentes (Arthur LOPEZ; Maria Vitória VIDAL; Caio COELHO, 2016; Moran YARCHI; Tal SAMUEL-AZRAN, 2018).
Além do conteúdo das mídias sociais, também avaliamos os pronunciamentos realizados pelas quatro deputadas no Plenário e nas Comissões da Câmara dos Deputados. Argumenta-se que os pronunciamentos constituem importante veículo para a tomada de posição e a reivindicação pública das demandas parlamentares. Alguns estudos (BARROS et al., 2018; BARROS; BUSANELLO, 2019; Wanessa CERQUEIRA; BARROS, 2022; Rayani MARIANO; BIROLI, 2017) já analisaram a produção discursiva de identidades políticas por meio dos pronunciamentos parlamentares, por entenderem que eles criam oportunidades de repercussão na arena pública das opiniões e argumentos defendidos pelos parlamentares. Nesse sentido, a arena discursiva institucional serve para que os atores políticos busquem visibilidade na agenda pública para suas demandas, opiniões e interesses, e gerenciem sua imagem e sua reputação.
Como define Patrick Charaudeau (2006), discussão, ação e persuasão política se fazem por meio do discurso. Segundo ele, há três lugares essenciais de produção do discurso político: 1) o lugar de governança, que corresponde às instâncias políticas formais e institucionais, tais como o Parlamento; 2) o lugar da opinião ou da conversação civil, isto é, o espaço das trocas argumentativas entre os próprios cidadãos quando tratam de política; 3) o lugar da mediação, o espaço midiático destinado ao noticiário e à análise política. O autor escreve em um período anterior à disseminação das mídias sociais, mas acreditamos que elas constituam tanto um lugar de opinião, como arena para a expressão política dos cidadãos e debate, quanto um lugar de mediação, como plataformas por onde o discurso político se dissemina massivamente. Sob esse ponto de vista, a escolha por dois locus preferenciais da produção discursiva política é justificada.
Como informado anteriormente, as postagens e os discursos coletados foram realizados em março e maio de 2019, 2020 e 2021. Não incluímos o ano de 2022 por se tratar de um momento já atravessado pela pré-campanha, mesmo fora do período eleitoral oficial, o que demandaria reflexão específica. No que diz respeito às redes sociais, cada post de Twitter ou de Instagram foi considerado uma unidade de análise. Já os discursos das parlamentares foram segmentados em trechos, considerados uma unidade de análise separada sempre que houve uma interrupção da fala da deputada (Tabela 1).
Parlamentar | N de posts de Instagram | N de posts de Twitter | N de trechos de pronunciamentos |
---|---|---|---|
Bia Kicis | 74 | 16.706 | 169 |
Carla Zambelli | 76 | 18.695 | 6 |
Gleisi Hoffmann | 102 | 14.908 | 50 |
Jandira Feghali | 92 | 7.000 | 219 |
Total | 344 | 57.390 | 444 |
Fonte: As autoras (2022).
#PraTodoMundoVer: Tabela com os números do conjunto de dados analisados, composta por quatro colunas (com as categorias) e seis linhas (com os dados). Na primeira coluna, a categoria é parlamentar e cada linha apresenta os nomes de Bia Kicis, Carla Zambelli, Gleisi Hoffmann e Jandira Feghali, seguidas da palavra “Total”. Na segunda coluna, a categoria é número de postagens de Instagram, e cada linha corresponde aos nomes citados anteriormente, com 74, 76, 102, 92, respectivamente, e 344 como total. Na terceira coluna, a categoria é número de postagens de Twitter, com 16.706, 18.695, 14.908, 7.000, respectivamente, e 57.390 como total. Na quarta coluna, a categoria é número de pronunciamentos, como 169, 6, 50, 219, respectivamente, e 444 como total.
A análise de tais dados combina duas estratégias: uma análise léxica automatizada e a análise crítica do discurso produzido pelas parlamentares. Para a análise lexical, isto é, dos termos usados em determinado texto, utilizamos o Iramuteq, uma interface para o uso da linguagem de programação “R”. Criado por Pierre Ratinaud em 2009, o Iramuteq utiliza o mesmo método do software ALCESTE, que havia sido desenvolvido por Max Reinert. A partir do ambiente estatístico do software R e da linguagem Python, o programa permite diferentes tipos de análise de dados textuais, desde as mais simples, como a lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras), até análises multivariadas (classificação hierárquica descendente e análises de similitude) (CAMARGO; JUSTO, 2013).
Segundo Cervi, na análise lexical,
a unidade de análise é o termo/palavra isolado. Mede-se a presença total (número de citações do termo/palavra), a presença relativa por subcorpus do texto (citações do termo/palavra no cluster temático) e as relações com outros termos/palavras (presença em cluster). Um objetivo específico é criar um corpus textual que apresente determinada caraterística (por exemplo, trata de um ou mais assuntos públicos) do total de textos, utilizando para isso um método que independa da subjetividade do pesquisador ou de categorizações prévias ao texto (2018, p. 8).
Com análise do discurso, na perspectiva inglesa de Fairclough (2001; 2003) buscamos descortinar como os termos, palavras e expressões enunciadas pelas parlamentares, e sinalizadas nos gráficos lexicométricos a seguir, são parte de uma teia de mais ampla de significados construídos socialmente. Fairclough (2001; 2003) entende que o conteúdo textual expresso em determinado contexto precisa ser entendido a partir da “prática social” em que está inscrito. O discurso, para o autor, não se confunde com o texto oral ou escrito, tampouco apenas verbal. Desta forma, a análise de um discurso - no presente caso, a partir de pronunciamentos e postagens - é realizada a partir do diálogo com os lugares de enunciação e interlocutores pretendidos por quem o profere, bem como à luz de um contexto social e político que lhe permite ser emitido.
Análise de postagens e pronunciamentos das parlamentares
Neste item, apresentamos os resultados da análise por arena comunicacional e discutimos as semelhanças e dissonâncias entre os dois grupos de deputadas.
Discursos parlamentares
Começamos a análise com a arena institucional. Nos discursos proferidos por todas as deputadas na Câmara, dois grupos de palavras presentes no dendrograma (Gráfico 1) apontam diretamente para o debate de pautas relacionadas às mulheres. Na classe 3, observa-se a presença de termos relacionados à violência contra a mulher, como “Penha” - em alusão à Lei 11.340/2006, que trata de violência doméstica -, “denúncia” e “prisão”. Na classe 2, por sua vez, a palavra “mulher” aparece associada a termos como “democracia”, “luta”, “povo”, “liberdade”, “manifestação” e “representar”.
Por outro lado, a classe 1, percentualmente maior, traz o vocabulário típico de organização do discurso parlamentar, especialmente dentro das comissões temáticas que analisam as proposições legislativas. Enquanto a classe 5 traz temas relacionados à economia principalmente no contexto da pandemia de Covid-19, como “auxílio” e “emergencial” - referência ao benefício concedido pelo governo durante a fase mais aguda da crise sanitária -, “investimento” e “emprego”, a classe 4 aborda as questões de saúde preponderantes no discurso parlamentar durante a pandemia, trazendo o léxico relacionado ao tema.
Fonte: As autoras (2022).
#PraTodoMundoVer: gráfico do tipo dendrograma com cinco classes de palavras. A classe 1 é a que concentra a maior parte dos termos (27,8%), incluindo as seguintes palavras: “Palavra”, “pauta”, “reunião”, “pedido”, “presente”, “regimento”, “comissão”, “ordem”, “sessão”, “relator”, “retirar”, “acordo”, “feira”, “votação”, “presidência”, “Exa.”, “encerrar”, “membro”, “líder”, “projeto”, “vice”, “Fernanda”, “CCJ”, “rosário”, “aberto”, “conceder”, “item” e inversão”. Na sequência, a classe 5 (22,14%) tem os termos “empresa”, “real”, “banco”, “auxílio”, “emergencial”, “renda”, “investimento”, “emprego”, “financeiro”, “economia”, “dinheiro”, “ganhar”, “trabalhador”, “mercado”, “público”, “governo”, “reforma”, “fiscal”, “salário”, “energia”, “Eletrobras”, “dívida”, “lucro”, “pagar”, “produtivo”, “pequeno”, “beneficiar”, “comida” e “privatização”. A classe 4 (19,62%) possui as palavras “saúde”, “vacina”, “leito”, “SUS”, “medicamento”, “hospital”, “protocolo”, “prefeito”, “pandemia”, “governador”, “precoce”, “teste”, “ciência”, “atendimento”, “UTI”, “ministério”, “compra”, “comprar”, “insumo”, “produção”, “município”, “uso”, “morrer”, “federado”, “médico”, “vacinar”, “tratamento”, “vírus”, “Fiocruz” e “laboratório”. Na classe 2 (15,6%) temos as palavras “democracia”, “brasileiro”, “luta”, “povo”, “mulher”, “Haroldo”, “Parlamento”, “liberdade”, “sociedade”, “Brasil”, “solidariedade”, “sempre”, “lutar”, “negro”, “representar”, “viver”, “respeitar”, “Lima”, “manifestação”, “dor”, “Blanc”, “Aldir”, “indignação”, “direito”, “opressão”, sentimento”, “revolto” e “civilização”. Por fim, a classe 3 (14,84%) apresenta os termos “debate”, “partido”, “penha”, “achar”, “minoria”, “muito”, “ideia”, “querer”, “processo”, “sr.”, “eleitor”, “lamentar”, “opinião”, “veto”, “sim”, “importante”, “ex”, “visão”, “fácil”, “denúncia”, “prisão”, “vir”, “polêmico”, “favorável”, “STF”, “estudar”, “conselho” e “encaminhar”
Importante destacar que, no período coletado, há predominância acentuada de falas de Jandira Feghali (N = 219 trechos) e Bia Kicis (N = 169 trechos) em comparação com as demais deputadas. Nos meses contemplados pela pesquisa, Gleisi Hoffmann teve 50 trechos de discursos analisados, frente a apenas seis de Carla Zambelli. Esse dado coloca em destaque dois pontos. O primeiro é o fato de Bia Kicis e Carla Zambelli terem sido presidentas de comissões permanentes durante o ano de 2021 - respectivamente, da Comissão de Constituição e Justiça e Comissão do Meio Ambiente -, o que naturalmente leva a um espaço institucional de fala maior para ambas. Contudo, se isso fez com que a primeira tivesse preponderância nos debates parlamentares, não trouxe a mesma condição para a segunda. Em segundo lugar, cabe lembrar que Gleisi Hoffmann é a presidenta do PT, o que lhe concede importância extra na arena pública, ainda que isso não se reflita nas instâncias internas do Parlamento em termos quantitativos. Ainda assim, os dados indicam que Jandira Feghali faz uso mais intenso do espaço institucional para defender suas posições, ainda que seja de um partido menor numericamente. Cabe destacar aqui que a parlamentar ocupou posições como líder e vice-líder da Minoria, da Oposição e do próprio partido nesta legislatura, além de ser a deputada com maior tempo de atuação (está no sétimo mandato) e maior experiência na dinâmica parlamentar se comparada às demais analisadas2.
Quando observamos os trechos dos discursos de cada uma das parlamentares, separadamente3, nota-se que a violência foi uma pauta mobilizada de forma recorrente pela deputada do PCdoB em seus pronunciamentos. Em função do aumento da violência registrado na pandemia (Samira BUENO et al., 2021), Feghali buscou tematizar tal questão a partir de lentes feministas. Vale lembrar que se trata do que os estudos de gênero e políticas públicas entendem como a “grande” pauta dos direitos das mulheres abarcada pelas instituições, que recebeu maior atenção pública e destinação orçamentária, quando comparada a demais reivindicações do movimento feminista (Marlise MATOS, 2016).
No trecho a seguir, a deputada, relatora da Lei Maria da Penha, tensiona a ideia de que a pandemia teria aumentado a violência, reforçando que esta não se deu pela necessidade em si de permanecer em casa, mas “pelo machismo e pela ideologia da visão patriarcal”, termos do léxico feminista.
Dep. Jandira Feghali: Quero cumprimentar todas as companheiras que acorreram a esta reunião com intervenções tão qualificadas e importantes para esse momento tão adverso e tão doloroso da vida brasileira, no qual a questão da violência doméstica entra com tanta força na denúncia da sociedade brasileira. E, equivocadamente, coloca-se o confinamento como causa dessa violência. Há essa forma de ligar a violência com o confinamento. Na verdade, a violência dá-se pelo machismo, pela ideologia da visão patriarcal de que existe uma raça inferior que é propriedade do outro. (...) Então, essa ideologia, essa relação de poder que existe nesse momento, agora aparece com muita força nas denúncias durante a pandemia (Feghali, 12/05/2020 [pronunciamento coletado no corpus da pesquisa]).
A análise léxica dos discursos da deputada Gleisi Hoffmann não aponta para grupos de palavras associadas especificamente a questões de gênero (Apêndice A). Entretanto, quando os trechos são observados qualitativamente, nota-se que a parlamentar enfatizou problemas enfrentados por mulheres ao criticar o Governo Bolsonaro acerca da pandemia. Hoffmann tematiza o empobrecimento acentuado das mulheres no Brasil no período pandêmico4, convocando-as “como geradoras da vida” a se contrapor “ao governo da morte”, mobilizando também a ideia da maternidade como característica essencialmente feminina.
Dep. Gleisi Hoffmann: Hoje a situação é dramática e desesperadora para a maioria do povo, mas especialmente para as mulheres, com quem eu quero falar agora. Numa crise, elas são as primeiras a perderem o emprego, a terem a renda rebaixada e a serem tensionadas com os problemas de saúde que afetam a família. Por isso, eu quero conclamar as mulheres a fazermos um grande movimento pela vida; um movimento de combate ao Governo da morte; um movimento pela vacina para todos e já - sem vacina, não se salva vida e não se salva emprego, porque as pessoas não podem circular (...) Nós não podemos aceitar isso, mulheres! Nós temos que levantar a nossa voz e mostrar a nossa indignação e a nossa revolta. Com um grande movimento feminino nas redes, nas ruas, nas conversas, precisamos dar uma chacoalhada neste Brasil. Mulheres, uni-vos! Nós somos geradoras da vida. Temos que enfrentar e combater este Governo da morte (Hoffmann, 16/03/2021 [pronunciamento coletado no corpus da pesquisa]).
Nos pronunciamentos das deputadas à direita, e que compõem a base de apoio do presidente da República, tampouco aparecem termos relacionados a questões de gênero na análise léxica (Apêndice A). Qualitativamente, no entanto, observa-se que a pauta do ensino domiciliar, como uma necessidade das famílias de proteger a educação de seus filhos, foi explorada pela deputada Bia Kicis em seus pronunciamentos.
Na literatura feminista, o ensino domiciliar representa a reprivatização de um serviço estatal, isto é, seu deslocamento para o âmbito doméstico, ampliando a sobrecarga feminina (BIROLI; MACHADO; VAGGIONE, 2020). No entanto, para o campo conservador é uma pauta central, pois a escola é percebida como um espaço marcado pelo “marxismo cultural” e atravessado pela defesa da “ideologia de gênero” (Tatiana LIONÇO; Ana Clara de Oliveira ALVES; Felipe MATTIELLO; Amanda Machado FREIRE, 2018). Bia Kicis defende que as famílias que realizam esta prática não sejam “perseguidas”.
Dep. Bia Kicis: Este é um momento muito esperado por nós e por muitas famílias, famílias zelosas, famílias que se dedicam aos seus filhos, famílias que não apenas acompanham a distância a educação, o ensino dos seus filhos, mas também participam dele ativamente, porque entendem que o melhor lugar para a criança aprender e ser educada é o da família, junto aos pais. Essas famílias, no entanto, lamentavelmente, vêm sendo perseguidas por alguns agentes do Estado que não compreendem que o homeschooling, o ensino domiciliar, sempre foi uma realidade das sociedades, desde que se organizaram, e das famílias, desde que existem como instituição, muito antes de o Estado assumir essa obrigação (Kicis, 26/05/2021 [pronunciamento coletado no corpus da pesquisa]).
Um dos discursos de Carla Zambelli, a deputada com menor número de pronunciamentos no corpus, por sua vez, ilustra como mulheres de direita interagem com simbologias nacionais, sobretudo com viés patriótico. No excerto a seguir, ela exalta a vida da Princesa Isabel, a qual assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil em 13 de maio 1888. Criticamente, o movimento negro brasileiro não celebra tal data em função do apagamento das resistências da população escravizada na narrativa que eleva o ato da princesa a um estatuto messiânico, optando, assim, por comemorar o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, sendo a data alusiva ao assassinato de Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, situado em Alagoas. A opção pela celebração em novembro, realizada desde os anos de 1970, se volta também para a valorização da história afro-brasileira, da luta de seus sujeitos e do não entendimento da liberdade como concessão5. Contrariamente a essa percepção, a figura de uma mulher “empoderada de verdade” é elogiada pela parlamentar: de acordo com Zambelli, a princesa seria a responsável por abrir as possibilidades de eleição das mulheres negras no país. A deputada menciona ainda a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.6
Dep. Carla Zambelli: Alguém tem uma bandeira do Império para me emprestar? (Pausa.) Com muito orgulho, eu visto esta bandeira para lembrar a nossa Princesa Isabel. Foi graças a ela, graças a uma mulher de coragem, a uma mulher empoderada de verdade e graças a pessoas educadas que escutavam enquanto os outros falavam... (...) Foi no Governo imperial, em uma das primeiras Constituições, que as liberdades foram garantidas. E foi nossa Princesa Isabel que deu liberdade aos negros. Se hoje os negros podem participar de eleições, foi graças a essa mulher maravilhosa. Se Marielle pôde ser Vereadora, foi graças à Princesa Isabel (Zambelli, 14/05/2019 [pronunciamento coletado no corpus da pesquisa]).
Posts de Twitter
No Twitter, a análise lexical também não aponta protagonismo de discussões sobre gênero ou temas prioritariamente considerados “femininos” quando considerados os posts de todas as deputadas (Gráfico 2). Nas 57.309 postagens das parlamentares, os temas mais proeminentes foram a discussão ideológica sobre o governo de Jair Bolsonaro, incluindo a questão das fake news (Classe 1); as questões econômicas envolvidas na pandemia (Classe 4); e a repercussão da anulação dos julgamentos da Lava Jato e o debate sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) (Classe 5).
Fonte: As autoras (2022).
#PraTodoMundoVer: gráfico do tipo dendrograma com cinco classes de palavras. A classe com o maior número de termos é a 1 (27,1%), que inclui as palavras “não”, “vc”, “jairbolsonaro”, “estar”, “verdade”, “vídeo”, “ver”, “saber”, “fake”, “falar”, “achar”, “assistir”, “aí”, “dizer”, “bem”, “news”, “mesmo”, “fakenews”, “né”, “coisa”, “gente”, “muito”, “cara”, “Twitter”, “Deus”, “mal”, “só”, “tudo”, “lá” e “nada”. Na classe 4 (24,05%) estão os termos “milhão”, “governo”, “pandemia”, “vacina”, “covid”, “saúde”, “renda”, “emergencial”, “dose”, “emprego”, “crise”, “economia”, “auxílio”, “desemprego”, “investimento”, “Bolsonaro”, “país”, “coronavírus”, “trabalhador”, “empresa”, “salário”, “preço”, “Brasil”, “setor”, “bolsa”, “minsaude” e “SUS”. Na classe 5 (18,04%) estão as palavras “STF”, “lava”, “jato”, “prisão”, “morar”, “instância”, “crime”, “juiz”, “decisão”, “condenar”, “processo”, “Justiça”, “julgar”, “penal”, “Gilmar”, “julgamento”, “PGR”, “inquérito”, “condenação”, “PF”, “procurador”, “investigação”, “prova”, “Lula”, “operação”, “réu”, “Mendes”, “tribunal” e “caso”. A classe 3 (17,23%) tem os termos “bit”, “participar”, “dia”, “mto”, “bom”, Curitiba”, “encontro”, “BR”, “equipegleisi”, “caminhada”, “obrigar”, “acompanhar”, “ow”, “Paraná”, “cidade”, “hoje”, “reunião”, “visita”, “PR”, “Ctba”, “www”, “aniversário”, “lulapelobrasil”, “companheiro”, “gleisi131”, “luta”, “mulher” e “hj”. Por fim, a classe 2 (13,58%) apresenta as palavras “liberdade”, “partido”, democracia’, “ditadura”, “candidato”, “deputado”, “PSOL”, “expressão”, “PSL”, “Venezuela”, “Maduro”, “PT”, “esquerdo”, “direito”, “comunista”, “carlazambelli1710”, “votar”, “ideologia”, “ditador”, “fascista”, “golpe”, “Câmara”, “Nicolás”, “desarmamento”, “terrorismo”, “arma” e “ameaça”
Uma diferença interessante aparece entre as classes 2 e 3: enquanto a primeira faz menção a termos bastante utilizados por Carla Zambelli, incluindo o nome da parlamentar, a classe 3 parece dizer respeito às publicações de Gleisi Hoffmann, com menções à cidade e ao estado da deputada (Curitiba e Paraná), bem como a figuras proeminentes do partido, como Lula. As classes indicam, portanto, a predominância de perfis e temáticas específicas de postagens para cada uma das quatro deputadas. Em comum, contudo, o debate acirrado sobre o governo, realizado a partir dos polos da oposição e da base de apoio.
Tendo em vista que termos relacionados a questões de gênero não apareceram considerando o total de posts (Gráfico 3), optamos por selecionar um subgrupo de tuítes para observar de que modo as deputadas trataram de tais assuntos na referida rede social. Filtrando as postagens a partir de palavras-chave relacionadas à temática de gênero7, chegamos a um total de apenas 2.411 dentre os 57.309 tuítes do período coletado, que representam 4,2% das postagens. O baixo percentual de tuítes com essa temática demonstra que a comunicação na esfera pública realizada pelas parlamentares abrange muitas outras questões e aborda, de forma primordial, seu posicionamento contra ou a favor do governo.
Fonte: As autoras (2022)
#PraTodoMundoVer: nuvem de palavras em que os termos têm tamanho associado à sua frequência no corpus. A seguir descrevemos as palavras que aparecem no gráfico em ordem decrescente de tamanho na imagem. Os termos mais frequentes, “Bolsonaro” e “Brasil”, estão em cinza, no centro. Na sequência, em marrom mais escuro, estão “jairbolsonaro” e “presidente”. Em amarelo temos “povo”, “governo” e “Lula”. Em verde, “dia”, “hoje” e “ser”. Em rosa, “ministro, “você”, “pra” e “parabéns”. Em roxo, “pessoas”, “bom”, “STF”, “bem”, “odecarvalho”, “anos”, “lei”, “aqui”, “vamos”, “obrigada”, “milhões”, “quer” e “Gleisi”. Em volta, aparecem outros termos em marrom mais claro e verde, que têm presença menos significativa no conjunto de posts analisados
Quando repetimos a análise apenas com o “subcorpus”, chama a atenção que ainda assim aparecem como termos predominantes, para todas as deputadas, palavras como “Bolsonaro”, “Lula”, “ideologia” e “presidente” (ver Apêndice A). Ou seja, mesmo posts que, em tese, tratam de questões relacionadas às mulheres acabaram identificados com a polarização ideológica entre governo e oposição.
Posts de Instagram
No Instagram, a partir da análise das 344 postagens, é possível visualizar as diferenças de abordagem entre as deputadas de esquerda e direita (Gráfico 4). O léxico diferenciado da Classe 1, responsável por mais de 18% dos posts, é marcado pela presença de termos como “machismo”, “luta”, “resistência”, “ódio”, “preconceito”, “liberdade”, “corpo”, “racismo” e “igualdade”. Consulta ao banco de dados aponta que esses termos estão presentes, principalmente, em postagens de Gleisi Hoffmann e Jandira Feghali, com poucas ocorrências para Bia Kicis e Carla Zambelli.
Fonte: As autoras (2022).
#PraTodoMundoVer: gráfico do tipo dendrograma com cinco classes de palavras. A classe 5, que concentra 29,03% dos termos, tem as palavras “mãe”, “filho”, “feliz”, “amor”, “muito”, “importante”, “querido”, “criança”, “família”, “vídeo”, “dia”, “melhor”, “lindo”, “novo”, “ver”, “heroína”, “dor”, “dar”, “amar”, “PSL”, “alegria”, “menina”, “inclusão”, “sempre”, “foto”, “exemplo”, “sair”, “homenagem”, “meio” e “proteger”. Na classe 4 (20,79%) estão os termos “violência”, “policial”, “vítima”, “doméstico”, “penha”, “lei”, “pandemia”, “isolamento”, “maria”, “ameaça”, “agressor”, “projeto”, “estado”, “federal”, “representar”, “medida”, “relator”, “combate”, “sancionar”, “aumento”, “importância”, “acabar”, “comissão”, “denunciar”, “matar”, “operação”, “proteção”, “essencial” e “salvar”. A classe 3 (19,71%) possui as palavras “terra”, “partido”, “ocorrer”, “PT”, “bit”, “comunidade”, “Paraná”, “ocupar”, “mais”, “militar”, “voz”, “vacina”, “presidenta”, “Bolsonaro”, “agricultura”, “semana”, “desrespeito”, “jornada”, “cedo”, “camponês”, “crise”, “diverso”, “governo”, “stories”, “nacional”, “movimento”, “diante” e “tomar. A classe 1 (16,85%) possui as palavras “luta”, “março”, “liberdade”, “corpo”, “próprio”, “ato”, “dia”, “população”, “maio”, “vivo”, “também”, “forte”, “tão”, “resistência”, “ódio”, “preconceito”, “aproveitar”, “tirar”, “rua”, racismo”, “lembrar”, “nação”, “nunca”, “machismo”, “aqui”, “oportunidade”, “chegar” e “programa”. Por fim, a classe 2 (13,62%) tem os termos “ninja”, “mídia”, “retrocesso”, “colocar”, “apenas”, “ministro”, “hoje”, “entrar”, “igualdade”, “não”, “pedir”, “educação”, “democracia”, “morte”, “rua”, “ataque”, “Brasília”, “vez”, “aceitar”, “Regina”, “responsável”, “prever”, “Damares”, “Bolsonaro”, “como”, “história”, “resistir” e “prisão”
Ainda sobre o Gráfico 4, é interessante perceber que a Classe 5, que abrange 29% das postagens, traz termos comumente utilizados em referência às mulheres, como “mãe”, “heroína”, “exemplo” e “menina”. Palavras como “filho”, “feliz”, “amor”, “querido”, “criança”, “família”, “dor” e “lindo” também se incluem no contexto de uma imagem tradicional do papel que as mulheres cumprem na sociedade, como progenitoras e guardiãs da estrutura familiar. Observando qualitativamente as postagens, nota-se que esses termos aparecem em posts das quatro deputadas, ainda que as palavras “heroína” e “criança” estejam mais presentes em publicações das parlamentares de direita. Comumente, as parlamentares de direita fazem um uso discursivo de argumentos e ideias relacionadas aos papéis de gênero tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres, o que os dados colhidos nesta pesquisa também demonstram.
As classes 2 e 3, responsáveis, respectivamente, por 13,6% e 19,7% das postagens, também são ambíguas de um ponto de vista ideológico. Apesar das menções à ministra Damares Alves aparecerem em posts de Bia Kicis e Carla Zambelli, o termo “ninja” está em publicações de Jandira Feghali e Gleisi Hoffmann (ambas as palavras compõem o cluster relativo à classe 2). Além disso, palavras como “retrocesso”, “igualdade”, “democracia”, “morte” e “ataque” também aparecem em conteúdos críticos aos integrantes do governo, especialmente à ministra em questão. Já na Classe 3, ainda que a temática sobre “terra”, “camponês”, “comunidade”, “presidenta” e “ocupar” seja cara à esquerda, consulta ao banco de dados mostra que há menções em posts das parlamentares de direita. A deputada Bia Kicis, por exemplo, escreveu, por ocasião de sua estreia no comando da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que dispensava ser chamada de “presidenta”.
Por sua vez, a Classe 4, que inclui mais de 20% das postagens, traz novamente a temática da violência contra a mulher, especialmente durante a pandemia, com termos como “vítima”, “policial”, “doméstico”, “penha”, “maria”, “ameaça”, “agressor”, “denunciar”, “matar” e “isolamento”. Como indicam pesquisas anteriores sobre a Bancada Feminina da Câmara (MANO, 2020), a violência é uma das únicas temáticas que mobiliza as parlamentares independentemente de suas afiliações ideológicas ou partidárias. Assim, faz sentido que os termos relacionados a ela tenham preponderância numérica no conjunto de discursos mobilizados pelas deputadas, seja na esfera institucional ou no espaço das mídias sociais.
Obviamente, as diferenças ideológicas se expressam nas soluções apontadas pelas parlamentares para os problemas diagnosticados, existindo acordo apenas sobre sua gravidade. A deputada Carla Zambelli, por exemplo, utilizou o tema para falar sobre a atuação do governo federal em uma dimensão punitivista. Diz uma das publicações da parlamentar:
A violência contra as mulheres precisa acabar! E é neste sentido que o Governo Federal tem reforçado seu compromisso. Entre 2019 e 2020, houve um aumento expressivo de 65,5%, no número de tornozeleiras eletrônicas impostas a agressores de mulheres no País (Zambelli, 13/03/2020 [pronunciamento coletado no corpus da pesquisa]).
De outro lado, deputadas de esquerda deram ênfase à Lei Maria da Penha e também trataram de episódios de violência política contra mulheres. Gleisi Hoffmann, por exemplo, prestou solidariedade à médica Ludhmila Hajjar, que chegou a ser cotada para ser ministra da Saúde durante a pandemia. “A máquina de ódio bolsonarista atacou a médica. (...) Além de denunciar as ameaças, ela falou sobre a situação caótica da epidemia no país”, escreveu Gleisi em um post de 15/03/2021, que trazia uma entrevista de Hajjar à rede de televisão CNN.
Considerações finais
Neste artigo, buscamos explorar como parlamentares à esquerda e à direita do espectro político brasileiro tematizaram questões de gênero em diferentes ambientes comunicacionais. Empiricamente, nossa análise se concentrou em postagens publicadas no Twitter e no Instagram e nos proferimentos na Câmara dos Deputados, nos meses de março e maio, entre 2019 e 2021, das deputadas Bia Kicis, Carla Zambelli, Gleisi Hoffmann e Jandira Feghali. A observação de arenas de interação diferentes colabora para entender como as deputadas constroem sua imagem pública nas redes sociais e nos espaços institucionais quando observados os temas relacionados às mulheres e/ou relações de gênero.
Ainda que sejam espaços de enunciação diferentes e, portanto, tenham sido analisados separadamente neste estudo, é perceptível que há aproximações nos discursos proferidos pelas deputadas nas instâncias oficiais e nas redes. Obviamente, os espaços institucionais são submetidos à liturgia do discurso oficial, com suas expressões formais de apreço e consideração dos interlocutores e com os rituais discursivos específicos da linguagem parlamentar e da deliberação, enquanto as mídias sociais oferecem uma possibilidade de diálogo informal e interativo com os cidadãos que é extremamente valorizada pelos atores políticos. Contudo, percebe-se uma lógica de compartilhamento e colaboração entre esses espaços, com conteúdos que se entrecruzam, se misturam, se combinam e se disseminam de forma quase instantânea em todos eles. Discursos proferidos em plenário com objetivo de configurar mensagens para públicos específicos nas mídias sociais, interações de cidadãos nas mídias sociais que são usadas para conformar propostas legislativas, tomadas de posição que se estendem de uma esfera a outra, ou diálogos e debates que migram das redes para as comissões da Câmara revelam que separar completamente a comunicação política feita nos ambientes institucionais daquela que circula nas mídias sociais tornou-se uma tarefa impossível. Nesse sentido, as diferenças reveladas em nossa análise servem para iluminar as estratégias discursivas complementares adotadas pelas deputadas federais no exercício de seus mandatos.
A análise revela que o Instagram, ainda que seja a arena com menos conteúdo discursivo analisado, possibilitou a visualização mais forte da expressão de discursos sobre temas que atravessam a vida das mulheres. É em tal rede social também que o léxico feminista e de esquerda se fez mais presente. O Twitter, por sua vez, não demonstrou ser um espaço em que as parlamentares analisadas evidenciam tais debates, com postagens centradas nas críticas e nos elogios ao governo de Bolsonaro. Nos discursos realizados no ambiente institucional do plenário e das comissões temáticas, por sua vez, percebe-se de forma mais acentuada a menção às desigualdades de gênero relacionadas ao contexto da pandemia de Covid-19.
Ainda que a temporalidade escolhida pudesse favorecer, em função das datas mencionadas anteriormente, maior número de postagens sobre temas relacionados às mulheres, a análise evidencia que, discursivamente, as parlamentares do corpus atuam publicamente mais próximas às pautas gerais de seus partidos do que diretamente em temáticas relacionadas aos direitos femininos ou políticas públicas para as mulheres. Nesse sentido, percebe-se uma atitude discursiva das deputadas muito próxima do conjunto geral dos representantes, concentrando-se nos assuntos que dominam a esfera pública no período analisado. Pode-se inferir que as posições de destaque que elas ocupam na base do governo e na oposição direcionam o seu discurso público para a conjuntura nacional da política, sem a especialização temática comumente esperada das mulheres e apontada em parte da literatura como soft politics8. Os dados também reforçam achados da literatura sobre representação e gênero que apontam ser a violência uma das poucas pautas mobilizadas de forma mais forte e consensual por representantes posicionadas em diferentes legendas.