Introdução
Amazônia e/ou Amazônias são palavras que mobilizam múltiplos significados e interesses, que vão desde a exploração capitalista, passam pela tentativa de internacionalização forçada de sua biodiversidade, promovem devastação desenfreada e, por fim, no período atual, impulsionam vozes dissidentes das mulheres que se apresentam como resistência em seus territórios ao enunciar contranarrativas de defesa da Amazônia nas esferas nacionais e internacionais.
A luta das mulheres amazônidas pela preservação da floresta não é algo recente. Contudo, nos últimos quatro anos, marcados pelo governo de extrema-direita no país, sustentado pela figura do presidente Jair Bolsonaro, constatamos o protagonismo das mulheres indígenas e quilombolas em dois movimentos que se interligam em um único fluxo: a defesa de seus corpos e de seus territórios.
Ao nos apropriarmos das reflexões de Eliane Brum (2021), a qual defende a existência de uma relação entre o conservadorismo nos costumes e a exploração da Amazônia, que obedecem à mesma lógica e servem ao mesmo projeto colonizador de corpos, inferimos que o privado é político e que sem esse reconhecimento não é possível compreender a brutal destruição da floresta também como uma violência contra as mulheres. Nesse sentido, o presente texto busca refletir sobre a mobilização das mulheres amazônidas em defesa de seus corpos e territórios. A análise parte do pressuposto de que a exploração da Amazônia segue o mesmo projeto colonizador dos corpos-territórios e que as lutas contra as ações de destruição do meio ambiente que impactam nas mudanças climáticas são vivenciadas de forma particular pelas mulheres que emergem como a principal força da resistência na contemporaneidade.
As mulheres da Amazônia - aqui, em especial, destacamos as indígenas e quilombolas, diversas em seus modos de vida - compartilham a experiência comum de desigualdade e violência que as impõe a resistência cotidiana e a organização política como estratégias de sobrevivência para si e seus povos. É a partir do reconhecimento dessa violência que as mulheres do campo e da floresta passam a se organizar como coletivos de mulheres. Na Amazônia, por sua vez, a violência que atravessa a formação da região é um dos motes, senão a razão central para as mobilizações sociais de que as mulheres são protagonistas.
Nessa direção, temos acordo com Milena Barroso (2018) quando considera que a mobilização das mulheres na Amazônia, no geral, apesar de não requisitar ou possuir uma identidade feminista direta, se trata de uma luta feminista, posto que se constitui a partir da articulação de mulheres que questiona a ordem e provoca deslocamentos nos padrões/“lugares” socialmente determinados às mulheres. Nossa perspectiva dialoga com a noção de luta feminista defendida por Carmem Silva (2011), que, ao problematizar sobre “o que distingue uma determinada luta de um movimento social como luta feminista?”, nos traz explicações sobre a questão.
A resposta simples é a capacidade que estes movimentos adquiriram ao falar, reivindicar e propor a partir da análise da situação das mulheres. E a resposta complexa pode estar na capacidade construída pelos movimentos de mulheres de desenvolver processos de lutas que contribuam com a desnaturalização do lugar instituído socialmente para as mulheres, lutas que desconstruam as ideias de feminilidade hegemônicas, que coloquem em xeque a divisão sexual do trabalho, que ampliem os espaços de poder para as mulheres, que “deslocolonializem” os corpos e os modos de vida, ofereçam resistência cotidiana à violência e busquem construir uma nova subjetividade e uma nova visão de mundo, baseadas na autonomia e liberdade das mulheres (SILVA, 2011, p. 110).
Para Carmem Silva (2016), a luta feminista reúne tanto as lutas políticas como as formas de resistências. Com base nessa noção ampliada de luta feminista - não restrita aos movimentos feministas stricto sensu - é que analisamos as resistências e lutas das mulheres em defesa de seus corpos e territórios como uma luta feminista. Focamos na mobilização das mulheres indígenas e quilombolas no debate da questão socioambiental e combate às mudanças climáticas durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada de 6 a 18 de novembro de 2022, no Egito. Ao defender as referidas pautas, mulheres indígenas e mulheres quilombolas se destacaram na COP 27 ao propor uma visão de futuro mais plural no enfrentamento da crise climática e na defesa dos corpos-territórios.
A lente feminista no debate da Amazônia contribui para a discussão e construção de um conjunto de estratégias para a redução das desigualdades de gênero, possibilitando, assim, a edificação da consciência de que é fundamental a aplicação dessa perspectiva através da diversidade de participação das mulheres, como veremos a seguir, que estão impulsionando contranarrativas para incidência no Estado a partir da oportunidade política criada com a eleição do presidente Lula, em outubro de 2022. A vitória de Lula possibilitou a ampliação do debate sobre a preservação ambiental e contra o negacionismo da crise climática, narrativa institucional que vigorou durante os quatro anos de governo Bolsonaro. Lula, inclusive, participou da COP 27, o que pode indicar uma sinalização de compromisso do novo governo com a causa ambiental. Para Telma Taurepang, presidenta da União das Mulheres Indígenas da Amazônia (Umiab), o momento é de esperança:
Um novo governo Lula nos traz uma força para nós mulheres indígenas da Amazônia, fortalecer não só o nosso povo. Não só a Amazônia, mas fortalecer o mundo. As mudanças climáticas acontecem porque há pessoas que não pensam em vidas, e nós, mulheres indígenas, não só cuidamos da nossa vida, cuidamos das próximas gerações.1
Nessa direção, surgem possibilidades para ampliação da participação das mulheres indígenas nas discussões que impactam a vida no planeta, entre as quais a questão climática, que resulta da apropriação e exploração da natureza com impactos que vão da restrição cada vez maior do direito de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses à terra e seus modos de vida, a eventos climáticos extremos, entre outros. Para Sophie Louargant (apud Cynthia MIRANDA et al., 2015), os efeitos de gênero sobre a construção das sociedades e dos espaços são múltiplos, assim como também o são as formas de dominação e de hierarquizações.
Nesse ensejo, o artigo traz uma reflexão teórica sobre a organização das mulheres na Amazônia em defesa de seus corpos e territórios, considerando as contradições inerentes a esse processo. Assim, para a elaboração do texto, utilizamos pesquisa teórica com análise bibliográfica e de narrativas das mulheres indígenas e quilombolas. Expomos um diálogo sobre o conceito de corpo-território e, na sequência, apresentamos uma breve contextualização das experiências mais recentes de luta e resistência organizadas pelas mulheres amazônidas, focando na participação das mulheres indígenas e quilombolas na COP 27 para, em sequência, destacar a defesa dos corpos e territórios e os desafios postos às suas lutas nesse contexto.
Notas sobre o Corpo-Território
O debate sobre território tem se ampliado nos últimos anos, especialmente no campo das lutas sociais. Conforme destaca Carlos Porto-Gonçalves (2015), a organização política dos Povos da Floresta (camponeses e indígenas na Amazônia) promoveu essa discussão, inclusive a partir das contribuições que os/as indígenas levaram para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 (Eco-92). Assim, o conceito de território foi se transformando à medida que o movimento popular latino-americano apropriou-se dele, fazendo com que deixasse de ser meramente uma categoria de análise teórica, chamando atenção para a possibilidade de sua utilização prático-política (Heloisa BANDEIRA, 2021), tornando o território “de uso frequente, especialmente entre os movimentos sociais de grupos subalternos, como o movimento dos agricultores sem teto e os povos tradicionais (indígenas e quilombolas, sobretudo)” (Rogério HAESBAERT, 2014, p. 55).
Nessa direção, a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, ocorrida dia 13 de agosto de 2019, em Brasília, que reuniu mulheres de diversas etnias e regiões, com importante presença das lideranças indígenas da Amazônia, teve como tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”. Para Sônia Guajajara (In Vitória Régia da SILVA, 2019), uma das organizadoras da marcha,
[o] território é o que garante a nossa vida. O nosso corpo é o que está em jogo, é o que está sendo alvo de violência. E o espírito é a nossa identidade, nossa conexão com a ancestralidade que garante a força da cultura para seguir na resistência. E essas questões se relacionam porque, quando homens invadem nossos territórios, atingem diretamente nosso corpo e nossa identidade.
O corpo é historicamente um tema de debate no feminismo: desde as discussões sobre sexualidade, reprodução e violência a questão do corpo das mulheres passa a ser considerada central para apreensão das opressões e expressão de luta feminista, e há um vasto debate acadêmico sobre o assunto a partir de autoras como María Lugones (2014) e Rita Segato (2012).
A articulação dos conceitos “corpo” e “território” é algo mais recente e, no campo acadêmico, vem sendo desenvolvido por Verónica Gago (2019, p. 107), que busca trazer o reconhecimento da impossibilidade de “recortar e isolar o corpo individual do corpo coletivo, o corpo humano do território e da paisagem”, chamando atenção para o compromisso dessa abordagem com os processos coletivos e a defesa dos bens comuns (água, floresta, terras etc.). Nesse sentido, é possível inferir que o corpo-território é, essencialmente, uma categoria da prática e está vinculada à crítica e à noção liberalizante do corpo e do território, que os associa/submete à propriedade privada e à violência, enquanto rompe laços comunitários (Victoria OLIVA, 2022, p. 151).
Mas o debate sobre “corpo-território”, conforme destaca Lorena Cabnal (2013), indígena xinca guatemalteca, surge como uma pauta política indígena e se tornou uma categoria dentro do feminismo de base comunitária, sendo associado à defesa e à recuperação do território-corpo-terra (CABNAL, 2013; OLIVA, 2022). A terminologia foi forjada pela e na atuação de mulheres em movimentos sociais em defesa de seus territórios, que, ao observarem a exploração capitalista em suas comunidades, identificam as diversas desvantagens a que estão particularmente expostas (CABNAL, 2013; OLIVA, 2022).
No Brasil, Beatriz Nascimento, historiadora e ativista pelos direitos da população negra e das mulheres, ainda na década de 1970, trouxe o debate do corpo como território. Ao destacar que o corpo negro é um quilombo, Beatriz Nascimento aponta a experiência do racismo e a resistência dos corpos negros. Para a autora, “quilombo é a continuidade de vida, o ato de criar um momento feliz mesmo quando o inimigo é poderoso, e mesmo quando ele quer matar você. A resistência. Uma possibilidade nos dias de destruição” (NASCIMENTO, 2021). Desse modo, a relevância de pensar o corpo-território também está no relevo posto à experiência coletiva de indígenas, trabalhadoras rurais e quilombolas antes pouco consideradas em suas reivindicações nos debates mais gerais e feministas.
Para Oliva (2002) e Breny Mendoza (2014), o feminismo comunitário tem um papel de destaque nessa discussão por ter como marco de referência um programa anticolonial, que elabora uma crítica às lógicas patriarcais, neoliberais, à mercantilização da natureza e apropriação dos territórios (Astrid ULLOA, 2016). Assim, o “corpo-território” é “uma epistemologia latino-americana e caribenha feita por e desde mulheres de povos originários [e quilombolas] que vivem em comunidade; quer dizer, a articulação corpo-território põe ao centro o comunitário como forma de vida” (Delmy CRUZ HERNÁNDEZ, 2017, p. 43).
Para Gago (2019), a potência na articulação entre corpo e território em uma única palavra “desliberaliza a noção de corpo como propriedade individual e específica uma continuidade política, produtiva e epistêmica do corpo enquanto território” (GAGO, 2019, p. 107). Para a autora, “cada corpo nunca é só um, mas o é sempre com outros e com outras formas não humanas” (GAGO, 2019, p. 107).
A autora apreende o corpo como um campo de batalhas, considerando que a domestificação e a colonização são intrínsecas, exploram sujeitos ao mesmo tempo que seus territórios, como é o caso das regiões de capitalismo extrativista, que acumulam diversas atividades que removem grandes montas de recursos naturais, destinadas à exportação, renovando e consolidando a dependência dos países exportadores de commodities em relação ao mercado mundial (Enara MUÑOZ; Maria VILARREAL, 2019). A prática “continua a ser adotada por governos de diferentes tendências ideológicas - que veem nele a mais importante fonte de fundos para financiar as suas políticas -, ao mesmo tempo que é contestado e massivamente rejeitado por quem sofre diretamente as suas consequências” (MUÑOZ; VILARREAL, 2019, p. 309). É o caso da região amazônica e da América Latina, esta última a região com maior desigualdade na distribuição de terras no mundo (MUÑOZ; VILARREAL, 2019).2
A região é um território de exploração mineral global e sua estrutura exportadora pouco diversificada está centralizada na venda de produtos primários e manufaturados a partir de recursos naturais. Nesse contexto, o aumento das taxas de desmatamento e a poluição dos territórios pela grande atividade agrícola e mineradora têm afetado as economias locais e os meios de sobrevivência das regiões envolvidas. Além disso, a luta pela água, solo e terra tem provocado diversos conflitos, migrações internas e internacionais, assim como inúmeras violações dos direitos humanos, especialmente de comunidades e grupos organizados de afrodescendentes, camponeses, mulheres e populações indígenas (MUÑOZ; VILLARREAL, 2019).
Vale recordar o papel danoso que os projetos de desenvolvimento historicamente cumprem na região amazônica. Um caso brasileiro emblemático é o da construção da Hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira e do Rio Xingu, iniciado em 2011. A fala de uma indígena atingida por Belo Monte é ilustrativa:
Primeiramente, eles chegaram no nosso território derrubando nossa casa com motosserra. Queimaram, enterraram com trator, entendeu? Eles desmataram nossas ilhas, queimaram, enterraram o restante. E deixaram muita ilha sem fazer... sem derrubar. E isso tá em pé. Tá morrendo tudo, essas árvores. Essas árvores, a gente sabe que tem muita coisa venenosa, tem árvore venenosa. Então, elas estão morrendo tudo. Não suprimiram. Então, isso tudo foi o impacto que vai gerar mais veneno pro nosso lago, que tá água parada. A água não tá correndo mais, como corria antigamente. Nós não tem mais cachoeira, nós não tem mais corredeira, nós não tem mais praia, nós não tem igapó mais, nós não tem mais nosso lagos, nós não tem nossas piracemas, nós não tem mais nosso pedral. A metade da margem também foi alagada. Então, pra nós, foi extremamente impactada (ANDIROBA, 2017 apudBARROSO, 2018).
O relato explana que “a violência é uma forma de coação das pessoas, mas também da natureza. Ela se insere na dinâmica de exclusão de direitos territoriais e de acesso aos bens naturais” (Miriam NOBRE, 2017, p. 10), que, para os/as indígenas, não existe de forma separada, relacionando-se diretamente ao seu modo de viver. Destruir a natureza significa destruir-se a si mesmo, o que tem culminado no etnocídio e genocídio por outros meios. Como nos diz Sheyla Juruna (2014, p. 314-315),
[e]nquanto se constrói as ensecadeiras, destroem vidas humanas. Destroem toda uma história, toda uma cultura tradicional de povos originários deste território. Destroem o rio Xingu, como se este rio não tivesse vida, como se as suas veias não estivessem eternamente ligadas à vida dos povos indígenas que dele sobrevivem.
A mudança na dinâmica de vida, nos costumes, na reprodução da vida a partir da expropriação de suas terras e meios de trabalho tem trazido grandes repercussões para o contexto indígena. São danos que afetam a vida material e subjetiva, tais como a saúde, o sossego, os valores culturais, históricos e paisagísticos (Igor SCARAMUZZI, 2017) e afetam diretamente, e de forma particular, as mulheres. Outro elemento importante tem sido o grande movimento de pessoas não indígenas nas aldeias, especialmente trabalhadores, homens do ramo da construção civil, mineração, agronegócio, de forma a aumentar a exposição das mulheres também à violência sexual, havendo, inclusive, suspeitas de exploração sexual de indígenas por trabalhadores. Isso evidencia o corpo das mulheres também como um território (corpo-território) a ser explorado. A perspectiva de corpo-território revela como se estrutura a “exploração dos territórios sob modalidades neoextrativistas e como eles reconfiguram a exploração do trabalho, mapeando as consequências geradas pela espoliação dos bens comuns na vida cotidiana” (GAGO, 2019, p. 106). São corpos experimentados como territórios e territórios vividos como corpos, e, nesse sentido, explicita a impossibilidade de separar o corpo individual do corpo coletivo, o corpo humano do seu território. O conceito também ressignifica, conforme aponta Gago (2019), a noção de posse em termos de uso e não de propriedade, porque evidencia a lógica do comum como o plano daquilo que é possuído e explorado, e ainda permite desenvolver uma cartografia política do conflito.
A despeito disso, a violência pelo avanço do agronegócio e da mineração, apesar de concreta nos corpos-territórios das mulheres indígenas e quilombolas, ainda é permeada por silêncios, e os casos, em sua maioria, só conseguem visibilidade quando culminam em situações extremas. As comunidades originárias e tradicionais têm enfrentado uma crise de reprodução social, desencadeada por múltiplos ataques contra suas bases materiais e formas de subsistência, que garantem suas [re]existências (Ellen MIRANDA; Doriedson RODRIGUES, 2020).
Em meio à devastação do corpo-território, as mulheres quilombolas, assim como as indígenas, têm se organizado politicamente para resistir em coletivos de mulheres, associações quilombolas e de trabalhadores rurais, entre outras instâncias de participação, e, assim, defender suas lutas.
as mulheres quilombolas resistem e lutam contra o Capital no fazer-se coletivo, na busca pela produção da vida, enquanto valor de uso, posto que suas lutas, embora diferentes das lutas de “outros” coletivos femininos, têm se configurado, a seus modos, como luta anticapitalista, pois defendem no cotidiano de suas comunidades o direito a ter direito, à terra, ao trabalho, educação, saúde; enfim, lutam pelo direito de produzir a vida, pelo que lhes é comum, tendo como base os saberes coletivos dos mutirões, que são compreendidos como “necessidade para a comunidade” (MIRANDA; RODRIGUES, 2020, p. 1881).
Para Federici (2018), é a organização das mulheres pela luta dos Comuns. Para a autora, é importante uma leitura feminista dos Comuns porque as mulheres são sujeitos principais do trabalho reprodutivo. Logo, mais do que os homens, dependem do acesso a recursos naturais comunitário e, assim, são as mais penalizadas por sua expropriação e privatização e estão mais comprometidas com sua defesa.
Assim, ao trazermos o debate do “corpo-território”, buscamos lançar luzes sobre as lutas e resistências das mulheres por suas existências coletivas e plurais, e isso implica considerar a garantia dos Comuns (terra, água, conhecimentos ancestrais). É a partir dessa compreensão que as mulheres politizam seus corpos e o entendem como extensão dos conflitos aos quais estão expostas em seus territórios, assim como seus territórios figuram como extensão de seus corpos, que também são corpos em batalha. Nesse sentido, as mulheres organizadas em seus territórios passam a questionar a própria noção de desenvolvimento que impera sob a noção do comum e subvertem a lógica capitalista predatória, deslocando tanto a percepção de corpo individual como o território como espaço privado, como será exposto no próximo item sobre as experiências recentes de luta e resistência organizadas pelas mulheres amazônidas.
Luta e resistência das mulheres na Amazônia
Mulheres indígenas e quilombolas têm levado para o espaço público críticas mais contundentes sobre a urgência da defesa dos territórios da Amazônia, e são elas também que se articulam cada vez mais no combate às mudanças climáticas. Aqui iremos destacar o protagonismo delas durante a COP 27, evento que teve amplo impacto no cenário político mundial em um momento em que as atenções se voltam para os debates e a construção de estratégias em prol da preservação do meio ambiente para frear as mudanças climáticas.
O papel das mulheres na agenda do clima foi amplamente debatido nos espaços da sociedade civil da COP 27 no Egito e podemos destacar, por exemplo, a realização dos painéis “Mulheres na ação climática” e “Financiamento climático direito para as mulheres”, o que demonstra reconhecimento de que as mudanças ambientais não são neutras para gênero, exigindo, cada vez mais, o debate numa perspectiva feminista e a participação das mulheres nesse campo.
O peso da emergência climática que amplia as desigualdades sociais é cotidianamente mais suportado pelas mulheres que, geralmente, dependem mais dos recursos naturais coletivos e estão mais expostas à sua escassez e às diversas violências. Dar voz às mulheres amazônidas nas arenas internacionais que discutem a emergência climática é reconhecer o protagonismo delas na resistência e lutas pela vida no planeta.
A maioria das mulheres que vive no interior das cidades amazônicas nos nove estados brasileiros que apresentam o bioma amazônico (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso), em áreas indígenas e quilombolas em proximidades dos rios, carregam uma história de sofrimento e de violência invisibilizada. Como todas as mulheres, as mulheres indígenas e as quilombolas estão com o corpo sempre em risco. Contudo, esse risco assume particularidades e tensões que emanam das territorialidades por elas ocupadas, o que implica dizer que, como já destacado no item anterior, defender a floresta é defender os seus próprios corpos. A seguir destacamos o ativismo dessas mulheres na COP 27.
Mulheres indígenas da Amazônia
A Amazônia brasileira, área de maior concentração de terras indígenas do país, é composta por uma área aproximada de 5,2 milhões de km², que corresponde a 61% do território nacional. São em torno de 110 milhões de hectares, onde vivem 60% da população indígena do país, estimada em aproximadamente 440 mil pessoas de pelo menos 180 povos indígenas distintos, que falam mais de 160 línguas diferentes.3
A organização dos povos indígenas da Amazônia não é algo recente. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por exemplo, a qual foi fundada em 1989 e contou com a participação das mulheres, trata-se da maior organização indígena regional do Brasil. A organização foi criada por iniciativa de lideranças de organizações indígenas e como resultado da luta política dos povos indígenas pelo reconhecimento e exercício de seus direitos. A missão da Coiab é defender os direitos dos povos indígenas a terra, saúde, educação, cultura e sustentabilidade, considerando a diversidade de povos, e visando a sua autonomia por meio de articulação política e fortalecimento das organizações indígenas.4
Após a criação da Coiab, outras organizações foram surgindo e muitas organizadas por mulheres indígenas que foram se articulando para negociar projetos e participação na agenda de luta do movimento indígena, como a União das Mulheres Indígenas da Amazônia (Unmia) e Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
As mulheres indígenas, a partir da década de 1990, começam a criar suas próprias organizações ou departamentos de mulheres dentro de organizações indígenas já estabelecidas na Amazônia Brasileira. Ao lado disso, encontros de mulheres de diferentes etnias têm acontecido nos âmbitos nacional e internacional. O que elas buscam no momento atual é a reivindicação de direitos próprios de seu gênero e o fortalecimento de antigas lutas de seus povos, o que faz com que negociem com diferentes atores no contexto interétnico (Ângela SACCH, 2003, p. 95).
Em 2021 foi realizada a 1ª Cúpula de Mulheres Indígenas da Bacia Amazônica com a presença de mais de 170 mulheres, representando 511 povos indígenas da região, quando elaboraram um documento com cinco linhas de ação, nas quais se destacam:
1) Criação do Fundo para Mulheres Indígenas da Bacia Amazônica, para o financiamento e implementação da agenda comum estabelecida nesta Cúpula.
2) Criação da REDE de Mulheres Indígenas Defensoras do Território Amazônico.
3) Surgimento do Movimento de Mulheres Indígenas da Amazônia Colombiana.
4) Paridade na participação das mulheres em todos os espaços de tomada de decisão a nível organizacional, local, nacional e regional.
5) O acompanhamento e monitoramento da efetiva implementação das linhas de ações detalhadas.5
As linhas de ação referenciadas expressaram a busca pela organização dos movimentos das mulheres indígenas e a defesa da igualdade de gênero em seus territórios e para além deles. Em 2023, com a realização da COP 27, ficou ainda mais evidente o protagonismo delas em suas delegações e nos painéis de que participaram. Para ilustrar, destacamos a participação da ex-deputada federal de Roraima (RR) e atual presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, que foi a primeira mulher indígena deputada federal no Brasil e também a primeira a presidir a Funai; Telma Taurepang, Coordenadora Geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab), natural da comunidade indígena Mangueira (RR), ativista pelo reconhecimento e pelos direitos das mulheres indígenas, atuando como articuladora no Green Climate Fund junto aos governos estaduais da Amazônia Brasileira; e a jovem ativista Samela Sateré Mawé, estudante de Biologia na Universidade do Estado do Amazonas, liderança indígena em ascensão, cujo campo de atuação se destaca pelo ativismo nas redes sociais.
O protagonismo das lideranças indígenas amazônidas durante o evento sinaliza uma mudança importante para o reposicionamento do Brasil no cenário global das discussões ambientais por realizar uma contraposição do que o governo de Bolsonaro fez nos últimos quatro anos e colocar a preservação da floresta amazônica no centro do debate. Em depoimento para o canal institucional da Coiab no Instagram durante participação na COP 27, Joênia Wapichana destacou:
nós somos da Amazônia, uma das regiões que tem uma das maiores concentrações da floresta em pé do mundo. Sou do estado de Roraima. Através das organizações indígenas, nós temos discutido a importância de ter mudança de comportamento para acabar reduzindo o efeito estufa, isso as organizações têm encorajado tanto o fortalecimento das comunidades indígenas para valorizar os manejos sustentáveis, mas também as boas práticas, valorizar os conhecimentos tradicionais. Então, eu tenho colaborado um pouco com capacitações desde o início quando era coordenadora jurídica do departamento jurídico para formação de agentes indígenas ambientais para discutir também a importância de participação nos eventos que discutem soluções e também direitos dos povos indígenas, para que possam participar desses processos de discussões como a COP.6
O depoimento de Wapichana destaca a importância do fortalecimento das comunidades indígenas como uma estratégia fundamental para manejos sustentáveis dos recursos da natureza e boas práticas que valorizem os conhecimentos tradicionais. Telma Taurepang acrescenta, em seu depoimento, o papel das mulheres indígenas nesse processo.
A nossa contribuição como mulheres indígenas em todo o bioma e chegando com a Amazônia e assim os biomas que precisam ser fortalecidos. Nós, mulheres indígenas, cuidamos desses biomas, cuidamos quando nós plantamos uma árvore, quando nós cuidamos do nosso campo, quando nós cuidamos da sustentabilidade, que não sustenta só o nosso alimento, mas também sustenta de uma forma pacífica com as mudanças climáticas7.
Assim como Wapichana, Taurepang também reforça a importância dos Comuns para a produção e reprodução da vida, considerando o protagonismo das mulheres indígenas nesse processo, um protagonismo marcado por uma atuação pacífica na defesa do território. Já a jovem ativista Samela Sateré Mawé defende a importância de que as pautas dos povos indígenas e ambientais sejam construídas em conjunto com aqueles(as) que mais sentem os efeitos da crise climática.
[...] falando em justiça climática, justiça ambiental e racismo ambiental, não tem como falar dessas pautas sem levar em consideração os povos indígenas, as populações ribeirinhas, as populações quilombolas e a juventude. Por isso, nós, povos indígenas do Brasil e a juventude, estamos aqui nesses espaços para que nada seja feito sem o nosso consentimento, [...] estamos aqui para mostrar para os grandes líderes globais que as pautas dos povos indígenas, as pautas ambientais têm que ser feita e construídas com a população, com a sociedade civil e com as pessoas mais interessadas que sofrem todos os dias os efeitos das mudanças climáticas.8
Os depoimentos das três mulheres indígenas que são lideranças na região amazônica no contexto da COP 27 representam deslocamentos importantes na organização dos povos indígenas, que passam a considerar as mulheres nos espaços de representação de forma decisiva e na organização política das mulheres, que passa a “considerar” categoricamente as pautas das mulheres indígenas como parte da agenda feminista. Por outro lado, do ponto de vista da representação, é indiscutível a relevância da participação dessas lideranças numa arena política internacional que se propõe a repensar as estratégias dos países para frear as mudanças climáticas, sendo essa presença uma representação coletiva que dá visibilidade ao protagonismo de todas as mulheres indígenas da Amazônia.
Mulheres quilombolas da Amazônia
Os territórios quilombolas no Brasil estão presentes em todas as regiões do país. Não há um consenso acerca do número exato de comunidades quilombolas no país, mas, pelos dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), são atualmente 2.847 comunidades certificadas. As comunidades quilombolas estão presentes em pelo menos 5.972 localidades no Brasil, 80% delas regularizadas pelos governos estaduais.9
A organização das comunidades quilombolas, assim como a organização dos povos indígenas, não é algo recente na história do país. Em 1996, foi criada a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), durante o Encontro de Avaliação do I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, realizado durante a Marcha Zumbi dos Palmares. A Conaq, nesse sentido, é uma organização de âmbito nacional, sem fins lucrativos, que representa a grande maioria dos(as) quilombolas do Brasil, distribuídos em 23 estados da federação.10
Os objetivos da Conaq é lutar pela garantia de uso coletivo do território, pela implantação de projetos de desenvolvimento sustentável, pela implementação de políticas públicas levando em consideração a organização das comunidades de quilombo; por educação de qualidade e coerente com o modo de viver nos quilombos; o protagonismo e autonomia das mulheres quilombolas; pela permanência do(a) jovem no quilombo; e acima de tudo pelo uso comum do Território, dos recursos naturais e em harmonia com o meio ambiente.11
Diferentemente das mulheres indígenas da Amazônia, que se encontram articuladas em uma entidade que reúne todos os estados da Amazônia Legal, o movimento das mulheres quilombolas da Amazônia não conta com uma organização regional, e assim tem se articulado organizando para lutar pelas suas demandas por meio das coordenações estaduais e da Conaq, que agrupa todas as coordenações estaduais.
Para a COP 27, a Conaq enviou uma delegação composta por dez quilombolas (sete mulheres e três homens). Desses, duas mulheres representaram estados da Amazônia Legal: Célia Cristina Pinto da Silva, da Associação das Comunidades Negras Rurais do Maranhão (Aconeruq) e coordenadora executiva da Conaq, e Maryellen Crisóstomo, da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) e coordenadora de comunicação da Conaq. Além das duas representantes da delegação da Conaq, destacamos a presença da ativista Érica Monteiro, que integrou a delegação do governo do estado do Pará. Érica Monteiro integra a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) e a Coordenação Nacional da Conaq. A ampliação na delegação da Conaq na COP 27 em relação à COP 26, para a qual foram enviados quatro representantes (duas mulheres e dois homens), demonstra fortalecimento na estratégia em ascender a pauta quilombola na agenda climática. “Nós não estamos aqui por vaidade, nem por turismo, estamos aqui em busca de justiça, contando com esses espaços aqui que viemos para pedir ajuda para contribuir conosco nessa luta de reconhecimento das comunidades quilombolas do país [...]”, relato da coordenadora executiva da Conaq, Sandra Maria da Silva Andrade, que também é cofundadora da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’GOLO), durante sua participação na COP 27.12
As referidas lideranças amazônidas participaram do painel “Financiamento climático direito para as mulheres”, que apontou para a necessidade do reconhecimento das desigualdades de gênero na sociedade que impactam na forma como os recursos são distribuídos, a defesa de modelos econômicos que preservem os ganhos das mulheres e abram novos caminhos para o empoderamento econômico das mulheres e o reconhecimento das vozes femininas no debate climático.13
As mulheres quilombolas têm um papel fundamental na proteção do bioma amazônico, e a sua crescente articulação política tem alcançado esferas políticas internacionais, como a COP 27, o que é estratégico para a defesa de suas existências e seus territórios. Para Érica Monteiro, coordenadora financeira da Malungu e integrante da Coordenação Nacional da Conaq, participar da COP é importante porque é um espaço de discussão das mudanças climáticas no mundo inteiro, e a Amazônia é parte.
a Amazônia [é] conhecida como o pulmão do mundo porque aqui na Amazônia que a gente tem a floresta em pé, a mesma floresta que é mantida em pé pelos indígenas, pelos quilombolas, pelos extrativistas, pelos ribeirinhos e pelos pescadores. Então, as discussões que giram em torno da COP 27 impactam nossa vida diretamente, e nós sempre fomos um público que ficou fora dessa discussão, já estamos na 27ª edição e nunca fomos convidados pra participar. Esse ano é a 1ª vez que os quilombolas do estado do Pará foram convidados para fazer parte desse evento tão importante.14
Defender a participação dos quilombolas e das quilombolas nas discussões que afetam as suas vidas e seus territórios, como destacado pela liderança, é uma forma de dar visibilidade para as suas demandas. Na mesma direção, a coordenadora de comunicação da Conaq, Maryellen Crisóstomo, destacou a participação da delegação da Conaq nas agendas da COP 27: “a coordenação participou fazendo falas, apresentações e denúncias sobre a situação de invisibilidade e racismo ambiental contra a pauta quilombola dentro da agenda climática e ambiental15”. O racismo ambiental é vivenciado pelos povos dos territórios periféricos, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais que vivenciam a degradação ambiental, a marginalização e a vulnerabilidade em decorrência da omissão do poder público.
Durante sua exposição no painel “Racismo Energético e Ambiental - soluções a partir da Transição Energética Justa”, na COP 27, Célia da Silva pontuou sobre as violações dos direitos promovidas pelas matrizes energéticas nos territórios quilombolas.
Temos mais de 500 territórios impactados por linha de transmissão, mais de 57 territórios impactados por energia eólicas, mais de 25 territórios impactados por construção de pequenas hidrelétricas. Isso é só uma estimativa de um diagnóstico que fizemos na Conaq, baseado em um apoio que tivemos do ICS. Fizemos uns levantamentos e isso foi o que nós chegamos para tá trazendo aqui para vocês e que chegamos a contabilizar.16
A liderança quilombola detalhou no painel as mudanças na rotina de vida das comunidades quilombolas em razão dos empreendimentos energéticos e destacou que, entre os impactos, estão o racismo ambiental e energético, que gera danos na saúde humana, danos na vida humana, desmatamento e mudanças culturais. Também pontuou que, para existir transição energética justa e inclusiva, é necessário consulta aos povos quilombolas, fiscalização rigorosa que possibilite a proteção de nascentes, fauna e flora dos territórios atingidos por esses empreendimentos e criar espaços de governança com representantes das comunidades quilombolas.
As mulheres quilombolas e as mulheres indígenas articuladas em movimentos tornam-se vozes ativas contra o racismo ambiental na defesa de seus corpos-territórios, o que as colocam também na mira da violência. De acordo com dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre o período de 2015 até 2021, 24 lideranças foram mortas em áreas de conflito, e 40 ameaçadas de morte.17 Os dados são alarmantes, principalmente, levando em consideração que mulheres sem-terra, indígenas e quilombolas estão sob ameaça e não contam com a proteção do Estado.
Considerações finais
Corpo-território é uma das chaves centrais de enfrentamento dos feminismos latino-americanos aos processos espoliativos que assolam os corpos femininos e seus territórios. Ao tratar da articulação das mulheres indígenas e das mulheres quilombolas, buscamos compreender a organização da resistência em um território marcado por conflitos e desigualdades (de gênero, social e regionais), organização que não é recente, mas que, na contemporaneidade, assumiu novos desdobramentos, conforme foi destacado no artigo. Essas mulheres, mesmo marcadas pela opressão e pela precariedade de sua vida, encontram forças para agir coletivamente na defesa de seus corpos e de seus territórios.
Muitas comunidades latino-americanas que vivenciam a exploração extrativista em seus territórios, seja pelo petróleo, pelo cultivo de soja, ou pelo desmatamento, dentre outros, são, em sua maioria, lideradas por mulheres. Tal representação contribui para atualizar a compreensão da necessidade da despatriarcalização como um braço importante das lutas dessas comunidades, cujo mote advém da ideia estratégica de “corpo-território”, uma vez que: é estratégica em um sentido muito preciso, que expande um modo de ‘ver’ a partir dos corpos experimentados como territórios e dos territórios vividos como corpos. A imagem do corpo-território além de assinalar um campo de forças e torná-lo sensível e legível a partir da conflituosidade [...] (GAGO, 2019, p. 106-107).
Nessa direção, nas reflexões preliminares aqui desenvolvidas, apontamos para o protagonismo das mulheres indígenas e mulheres quilombolas na defesa da Amazônia, a partir de esferas internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para debater estratégias para o enfrentamento das mudanças climáticas no mundo, como foi o caso da COP 27, em que as lideranças indígenas e quilombolas se destacaram e mostraram que não há como pensar o clima isolado das relações sociais que incidem e compõem a sociodiversidade. Ao lutar pela Amazônia, essas mulheres também se fortalecem para criar a resistência e incidência nos governos contra a exploração sexual dos seus corpos, contra a prostituição, tráfico e feminicídio.
Contudo, muitos são os desafios cotidianamente enfrentados por essas mulheres, e a resistência delas aponta para a urgência em considerar a proteção da diversidade social que compõe e constrói as territorialidades. Nesse sentido, se consideramos a apropriação do território também como uma apropriação dos corpos das mulheres defensoras da Amazônia, precisamos adotar uma perspectiva feminista para resolução, o que implica dizer que políticas e ações para preservação ambiental devem olhar o impacto na vida das mulheres, e o recorte étnico e de raça é fundamental. Assim, não há como pensar o clima e a natureza isolados das relações sociais que incidem e compõem essa sociodiversidade.