Lugones nas teorias decoloniais
As teorias decoloniais foram ganhando espaço na arena brasileira de debates, principalmente nesta última década, entrando em diálogo com as propostas de se pensar sujeitos subalternizados, além das heranças coloniais em solo latino-americano, nas especificidades de cada espaço territorial. Na esteira dos estudos pós-coloniais, essas teorias, geopoliticamente localizadas, dizem respeito às opressões compartilhadas e à racialização dos povos originários e de ascendência africana. Conceitos centrais, como os de ‘colonialidade do poder’, ‘colonialidade do saber’ e ‘colonialidade do ser’ entram na cena do debate com os principais autores dessa guinada epistemológica1, com destaque para o peruano Aníbal Quijano e sua discussão inicial sobre essa colonialidade que ainda atravessa o cotidiano das populações localizadas em territórios permeados pela desastrosa herança colonial e suas relações duradouras.
A teoria de María Lugones ganha força a partir da crítica que a autora elabora sobre a colonialidade do poder (Aníbal QUIJANO, 2000) através da perspectiva do que chamou “sistema-moderno/colonial de gênero”, que estressa o conceito de Quijano ao confrontá-lo com a centralidade do gênero na construção das relações coloniais de poder, que se mantêm até os dias atuais, e o que a autora classificou como “colonialidade do gênero” (María LUGONES, 2008). Outros instrumentos conceituais seriam lançados por ela e ganhariam força pouco tempo depois.
Este artigo pretende tratar da circulação de seus textos no Brasil e da influência de María Lugones sobre a produção feminista brasileira das mais diversas áreas, prioritariamente do campo das humanidades, mas não restrita apenas a ele. Para além de oferecer ferramentas teóricas e analíticas para o feminismo acadêmico, Lugones aparece referenciada em trabalhos alinhados aos principais textos e autores/as das teorias e dos estudos decoloniais.
Seu artigo “Colonialidad y Género”, publicado em 2008 na revista Tabula Rasa, foi traduzido para o português e se encontra disponível no portal SciELO, registrando a importante marca de 712 citações até o presente momento2, sem contar o enorme número de acessos e apropriações informais. Esse artigo continua sendo uma referência para os estudos feministas que se enveredam pela perspectiva decolonial.
Dois anos depois, em 2010, Lugones publicou em inglês um artigo intitulado “Toward a decolonial feminism”, traduzido e publicado em português apenas em 2014 pela Revista Estudos Feministas com a tradução “Rumo a um feminismo descolonial”, sem haver ainda uma percepção da força que o neologismo decolonial viria a ganhar alguns anos mais tarde. Esse artigo, citado 815 vezes apenas no referido portal, até o momento da escrita deste texto3, daria uma visibilidade definitiva a María Lugones, por vir ao encontro de uma demanda de consciência da própria localização por parte das feministas brasileiras, com destaque para as mulheres não-brancas e, mais recentemente, com a apropriação da perspectiva decolonial pelo feminismo negro, que passou a entender a relevância dessa confluência: pensar localização e colonialidade no processo de racialização das mulheres, junto com o conceito de interseccionalidade (Kimberlé CRENSHAW, 2002; Carla AKOTIRENE, 2018; Ana VEIGA, 2020), tão caro às mulheres negras ao refletirem sobre os sistemas de opressão entrecruzados que as atravessam e, ao mesmo tempo, constituem estereótipos e representações equivocadas.
Nestas páginas, pretendo discorrer sobre a influência dos textos de Lugones no Brasil, cartografando parte de sua recepção, considerando-os como inspiradores de outros tantos trabalhos de investigação e debate acadêmico, e também na extrapolação desse campo, tendo adentrado as bases de movimentos sociais feministas e de mulheres. Descolonizar se torna, na prática, um verbo de transição e coalizão, uma tarefa para os feminismos brasileiros e latino-americanos contemporâneos.
Embora este artigo parta do campo da história, as teorizações de Lugones, como parte atuante das teorias feministas, oferecem grande abrangência e é possível encontrá-las referenciadas em textos de autoras de âmbitos diversos, como será demonstrado mais adiante. No entanto, não é apenas em textos feministas ou escritos por mulheres que seu nome aparece.
Cartografando a obra de María Lugones no Brasil
Este artigo busca trazer uma parte daquilo que podemos considerar a fortuna crítica da obra de María Lugones no Brasil, sem pretender dar conta da sua totalidade - algo pouco provável de ser alcançado. As escolhas da pesquisa aqui apresentada passaram por redes próprias de contato4, além do mapeamento de trabalhos disponibilizados online nos formatos artigos, capítulos e teses, prioritariamente, alguns já conhecidos desta autora, outros lidos apenas recentemente, para a escrita deste texto. Como metodologia, inicialmente, foram postadas mensagens nas minhas próprias redes acadêmicas, perguntando se alguém ali havia publicado trabalhos acadêmicos que dialogassem com a obra de Lugones; algumas pessoas se manifestaram no sentido de fazer indicações. Depois disso, recorri a coletâneas organizadas, como os livros de Heloísa Buarque de Hollanda e o livro-homenagem organizado por Maria Clara Dias e outras colegas acadêmicas após a morte de María Lugones. Por fim, foram realizadas buscas online com palavras-chave como feminismo decolonial, colonialidade do gênero e María Lugones. Diante da grande quantidade de trabalhos que se colocaram como possibilidades nessa construção de um diálogo com parte da obra da autora, ficaram de fora aqueles que apenas a citam entre os nomes dos estudos decoloniais e da teoria feminista decolonial.
Essa cartografia pode ser entendida de modo pluriversal, mapeando desejos - também os meus -, tal qual propuseram no final dos anos 1990 Felix Guattari e Suely Rolnik (1996), mas também por meio de uma metodologia nômade, que segue os rastros deixados por Lugones em território brasileiro e suas conexões e singularidades frente ao contexto latino-americano. Essa busca se dá no interesse maior de percorrer as margens, mais do que qualquer centro, no encontro com deslizes e acertos teórico-metodológicos. Cartografar desejos por uma teoria decolonial feminista que dê conta das armadilhas e dissimulações da interseccionalidade que recai sobre as mulheres negras e não-brancas brasileiras está no horizonte desta pesquisa, que deseja insanamente abarcar tudo aquilo que possa encontrar, e que caiba no tamanho de um artigo científico peregrinante, nos rastros e no legado que María Lugones - sujeita-teoria-chave para os feminismos brasileiros - deixou.
Na pesquisa sobre citações da autora, um trabalho quantitativo intitulado “Projetos globais e o estranho: estudos decoloniais na produção acadêmica brasileira” (Fagner CARNIEL et al., preprint SciELO) chamou a atenção. Dois dos autores do texto são da área de administração, um de sociologia política e outro de ciência política. Juntos, buscam mapear a influência dos estudos decoloniais no Brasil entre 2009 e 2018, através de duas bases de dados - Scopus e Web of Science. Entendem a categoria ‘decolonial’ como sendo simultaneamente analítica e política, mas ainda em construção no campo brasileiro das ciências sociais, ampliando-se incipientemente para outras áreas.
O nome de Lugones é mencionado entre os principais autores, e poucas autoras, das teorias decoloniais conhecidos no Brasil. Entre os nomes brasileiros relacionados a esses estudos estão duas autoras que interessam a esta pesquisa, pois são referências importantes na história desse debate. Claudia Junqueira de Lima Costa aparece com cinco publicações nos indexadores analisados, e Luciana Maria de Aragão Ballestrin, com três publicações nas mesmas bases de dados, até 2018. Um texto específico de Ballestrin (2013) é citado como impulsionador de outros trabalhos, devido à sua marca de 406 citações, segundo os autores do mencionado texto. Trata-se de “América Latina e o giro decolonial”, que foi publicado em 2013 na Revista Brasileira de Ciência Política. No momento em que este artigo é escrito, o texto de Ballestrin já conta com 1274 citações no portal SciELO5. Isso demonstra a necessidade de se incorporar aos debates teóricos brasileiros uma compreensão basilar do histórico das teorias decoloniais. É isso que Ballestrin oferece em seu texto, um artigo que vai além dos interesses feministas ao introduzir o histórico desse tipo de teoria.
Chama atenção o fato de Ballestrin não citar María Lugones nesse texto basilar, ao abordar as teorias e os pesquisadores do grupo Modernidade/Colonialidade. Embora não fizesse parte do grupo, Lugones lança, como já foi mencionado, uma importante crítica ao conceito canônico de ‘colonialidade do poder’. Ballestrin citaria Lugones alguns anos depois, e de maneira crítica, como será tratado mais adiante.
Entre as revistas científicas que mais publicaram estudos decoloniais em pesquisas de autoras e autores brasileiros, lidera esse ranking específico a Revista Estudos Feministas (REF), com dez artigos dentro do período analisado (2009-2018), um número que certamente se multiplicou nos últimos anos6. Entre os principais temas, junto com colonialidade e decolonialidade, os autores da pesquisa situam o gênero e a interculturalidade, referindo-se a “Estudos que problematizam o legado eurocêntrico e colonial para articular teorias feministas e as múltiplas camadas de opressão que estruturam as desigualdades de gênero e de sexualidade na América Latina” (CARNIEL et al., preprint).
A recepção dos dois textos mais conhecidos de Lugones no Brasil já demonstra que a circulação e a tradução de textos e teorias vai continuamente construindo suas linhas centrais, onde quer que ela alcance. Esta recepção não se dá sem controvérsias, envolvendo pesquisadoras entusiasmadas com as abordagens e a potência de seus escritos, mas também respostas mais críticas, que exploram brechas e inconsistências no trabalho da autora. De todo modo, o debate apenas faz aumentar a curiosidade sobre os escritos de María Lugones, tomados como ferramentas teóricas para se conceber práticas feministas contemporâneas localizadas.
Usos diversos do ‘pensamento lugoniano’
As propostas teórico-conceituais de Lugones inspiraram artigos e capítulos, mas também trabalhos acadêmicos de pós-graduação que, aos poucos e no conjunto mais amplo, vão delimitando um estado da arte dos debates decoloniais em perspectiva de gênero e interseccional, considerando especificidades diversas.
Cláudia de Lima Costa, ela mesma como intermediária do que chamou “viagens das teorias”, e interessada nas possíveis traduções/traições dos textos feministas, foi uma das primeiras pesquisadoras a difundir o pensamento de María Lugones no Brasil, dando visibilidade àquilo que denominou feminismo transnacional. “Este ir e vir também inclui discursos e práticas feministas, que viajam através de lugares e direcionalidades diversos para se tornarem paradigmas interpretativos para ler/escrever sobre classe, gênero, raça, sexualidade, migração e a circulação de textos e identidades.” (Cláudia COSTA, 2010, p. 53-54). No texto, a autora introduz, ao mesmo tempo, a conceitualização de Quijano sobre colonialidade do poder e a contestação de Lugones, ao apontar para a centralidade do gênero como estruturante - junto com raça - dessa colonialidade. É quando a autora argentina já conceitualiza a “colonialidade do gênero”, em um texto menos conhecido. Ou seja, entre outras autoras que cita, Lima Costa está escrevendo no momento da emergência desse debate, menos de três anos após a publicação do texto “Heterosexualims and the Colonial/Modern Gender System”, de Lugones (2007).
Em outro artigo, Claudia de Lima Costa (2012) dá continuidade ao debate sobre feminismo e tradução cultural, dessa vez com foco específico na colonialidade do gênero, mas ainda como conceito vinculado às teorias pós-coloniais. Como complemento, vale ressaltar que uma categoria (pós-colonial ou descolonial) não supera ou inviabiliza a outra. As terminologias coexistem, e vão sendo alocadas de acordo com a abertura e o reconhecimento de espaços geopolíticos, permitindo a expressão do que a autora denomina “pensamento do interstício”, que pede outras possibilidades e alguns ajustes analíticos.
Diante das profundas mudanças ocasionadas pelos processos cada vez mais intensificados da globalização, as categorias tradicionais de análise da modernidade (incluindo as marxistas) já não conseguem mais dar conta das transformações identitárias, espaciais, econômicas, culturais e políticas de nossa contemporaneidade (COSTA, 2012, p. 42).
É justamente pelo que entende como uma contenda significativa entre Lugones e Quijano que essa autora aborda as relações entre feminismo e pós-colonialismo. Segundo Cláudia Costa, o gênero, visto como categoria colonial, permite historicizar o patriarcado, no imbricamento com a heteronormatividade, o capitalismo e a classificação racial (COSTA, 2012, p. 47).
De acordo com a própria Lugones (2008), a colonização, ao mesmo tempo que impõe a raça, inferioriza e submete as mulheres; reitera a hegemonia do homem europeu, branco e economicamente bem sucedido. Para ela, entender a centralidade do gênero nesse processo gera uma mudança de paradigma na compreensão dessas transformações estruturais impostas.
Em 2014, junto com a publicação do artigo de Lugones na Revista Estudos Feministas, Claudia Costa reitera a relevância de diferenciar os estudos pós-coloniais da ‘opção descolonial’, pois esta faz um deslocamento das teorias marxistas, e mesmo pós-estruturalistas, que é geopolítico mas também corpo-político. Considera-se, a partir da percepção de uma diferença colonial, seguindo a concepção de Walter Mignolo, que a descolonização do conhecimento não é viável se seu ponto de partida for um conjunto de categorias do saber ocidental (COSTA, 2014).
Quanto à terminologia, uma transição necessária se fazia para o conceito de projeto descolonial, que logo perderia o “s” e tornaria essa uma opção pelo caminho teórico e prático decolonial7, na emergência de novos sujeitos que se utilizam da decolonialidade como metodologia, tanto científica quanto de vida e ativismo político. Os novos sujeitos e sujeitas dos feminismos latino-americanos assumiriam esse protagonismo. Lima Costa sinaliza um ponto central nessa guinada teórica: “O não humano feminino colonizado não foi somente racializado, mas também reinventado pela missão civilizatória como mulher por meio dos códigos de gênero ocidentais. Por isso, Lugones vê o gênero como imposição da modernidade/colonialidade.” (COSTA, 2014, s/p.)
O debate introduzido pela autora argentina aparece como determinante nessa compreensão e na consciência feminista brasileira e latino-americana. Em texto recente, Cláudia Costa e Sonia Alvarez (2021) dão historicidade aos debates feministas na América Latina desde os anos 1980, no capítulo “El giro hacia los feminismos. De los estudios culturales al pensamiento decolonial: intervenciones feministas en los debates sobre cultura, poder y política en América Latina”, e constatam a localização de Lugones exatamente nesse ponto de virada, com a escrita e a apropriação de seus textos, conceitos e teorias nos territórios latino-americano e brasileiro. Também a validade e vigência desse arcabouço conceitual na atualidade.
Ao entender, junto com María Lugones, que as análises de gênero no Sul global não podem estar separadas das questões do racismo, da heteronormatividade e do capitalismo, tratando-se das complexidades das ‘mulheres de cor’, Marina Carvalho (2020) entende que a obra da autora possibilita aos feminismos pensar a resistência de uma forma efetiva, como práxis decolonial, o que abre e amplia a visão na perspectiva brasileira, dentro do contexto latino-americano. “Na mente das sujeitas colonizadas é que pode ser construída a resposta decolonial”, na leitura de Lugones por Carvalho (2020).
A visível adesão aos textos de María Lugones no Brasil, principalmente “Rumo a um feminismo descolonial” sinaliza mais uma guinada em termos de conscientização, mas também de teorias e metodologias para os feminismos acadêmicos e militantes. Descolonizar ou adotar uma postura decolonial significa perceber a centralidade da raça e dos processos de racialização ao se pensar gênero, classe e localização no Brasil. Desse modo, decolonialidade se entrelaça a interseccionalidade e tais categorias aparecem, juntas, como ferramentas tanto teóricas quanto de ação política para os feminismos, suas demandas e reivindicações.
No entanto, os usos e as citações do pensamento de Lugones por autoras e autores brasileiras/os adquirem características próprias e multifacetadas, dentro de um amplo leque que vai desde simples menções ao seu trabalho, passando por citações pontuais dos textos com foco em uma explicação da teoria decolonial, também por leituras superficiais e equivocadas, chegando até as visões críticas e apropriações mais aprofundadas da obra da autora. Se há consenso, isso diz respeito apenas à incontornabilidade que Lugones veio consolidar dentro do campo dos estudos decoloniais, introduzindo de maneira acurada a discussão sobre raça e gênero como categorias inseparáveis na construção do conceito de ‘colonialidade’.
Trarei alguns exemplos desses usos diversos, aplicados a pesquisas específicas ou que trazem a própria teoria como centro da discussão. Abordarei ainda algumas críticas, buscando perceber se o que elas oferecem são rupturas com o pensamento da autora ou questões complementares, que fortalecem e reiteram a relevância desse caminho aberto por Lugones rumo a um feminismo decolonial que se configura na atualidade.
Destaco que também é possível pensar em dois momentos das interações com a obra da autora. O primeiro seria o dos contatos realizados antes da sua morte, em julho de 2020, com interesses específicos sobre as discussões suscitadas por ela; um segundo momento viria a partir desse evento, quando homenagens a Lugones situam essa argentina/chicana/não-branca como marco teórico para os estudos feministas decoloniais.
Nesse ponto, destaco duas das quatro coletâneas sobre feminismos contemporâneos organizadas por Heloísa Buarque de Hollanda - Pensamento feminista: conceitos fundamentais (2019) e Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais (2020). María Lugones e Lélia Gonzalez são as únicas autoras cujos textos aparecem em ambas as coletâneas. Entre os considerados principais conceitos feministas (trazidos na de 2019) estão as categorias de ‘feminismo decolonial’, no texto “Rumo a um feminismo decolonial8”, da autora argentina, e a de amefricanidade, no texto “A categoria político-cultural de Amefricanidade”, da brasileira. Entre as perspectivas decoloniais (livro de 2020) estão os textos “Colonialidade e gênero” (LUGONES, 2008) e “Por um feminismo afro-latino-americano” (Lélia GONZALEZ, 1988).
Isso leva a uma reflexão mais detida sobre a centralidade dessas duas teóricas para os feminismos brasileiros na atualidade, e a pensar, também, que ambas se colocam na encruzilhada teórica feminista que vem interrogar, mais uma vez, as branquitudes e seus lugares de privilégio ao longo da história dos movimentos feministas contemporâneos, considerando a atuação das sujeitas/os/es que os compõem. As apropriações que vão sendo feitas dessa teoria podem levar a caminhos diversos, como já foi dito e como pretendo brevemente explorar.
Como exemplo do uso das teorias de María Lugones no Brasil, em trabalhos com temáticas variadas, começo citando o texto de Flávia Pereira Machado intitulado “Feminismos contra-hegemônicos em contextos de luta pela terra: apontamentos teórico-metodológicos para a pesquisa com mulheres sem-terra”, publicado em 2021. Flávia Machado dialoga com Lugones, entre outras autoras que denomina contra-hegemônicas, para pensar os agenciamentos feministas de mulheres sem-terra e a constituição de práticas feministas entre elas. A autora percebe essas mulheres, através de suas “vozes insurgentes em corpos marcados por diferentes atravessamentos”, que rompem com silêncios impostos e “reverberam posicionamentos que confrontam os pressupostos que as colocam como não humanas, não inteligíveis, essencializadas, racializadas, tipificadas” (Flávia MACHADO, 2021, p. 23). O texto evoca a potência do artigo “Rumo a um feminismo descolonial”, de Lugones, sendo que Machado revisita também Cláudia de Lima Costa e Karina Bidaseca; a autora se apoia em Lugones ao questionar a subalternização e a desumanização das suas sujeitas de pesquisa, as mulheres sem-terra. “Lugones afirma que o processo de opressão das mulheres subalternizadas se dá por meio de processos combinados de racialização, colonização, exploração capitalista e heterossexualismo” (MACHADO, 2021, p. 29). Heterossexualidade seria um termo menos patologizante e mais político.
Como Flávia Machado, outras autoras aproveitam a influência teórica de Lugones para lidar com seus temas de pesquisa. É o caso de Letícia Gonçalves e Paula Gonzaga (2020), que participam de uma coletânea brasileira realizada para homenagear a autora decolonial morta em 2020. Convocam os escritos de Lugones para um diálogo no artigo “Fraturas no heterocentramento colonial nas discussões sobre aborto”, em que destacam a autonomia de mulheres negras nos direitos sexuais e reprodutivos, percebendo a complexidade do aborto em sua perspectiva interseccional, quando se trata de mulheres negras, pobres, habitantes de regiões periféricas e socialmente precárias. Denunciam o que chamam um eurocentramento racista nas discussões sobre aborto, buscando a ruptura do compromisso com a colonialidade do gênero teorizada por Lugones. As autoras denominam essa teoria “pensamento lugoniano” - um termo que cabe bem ao propósito deste tópico.
No contexto temático abordado, Gonçalves e Gonzaga (2020) entendem o racismo como determinante social da própria saúde mental das mulheres negras que passam pela experiência traumática do aborto, dentro do marco civilizatório da colonialidade. O contato com a leitura de María Lugones vai ao encontro das necessidades da pesquisa, que, em perspectiva lésbica, coloca em pauta um tema relacionado majoritariamente a mulheres heterossexuais, numa tentativa de ampliar as possibilidades de leitura, já que os referenciais civilizatórios, nas palavras das autoras, limitam nossa capacidade de leitura da realidade. Enquanto os feminismos eurocêntricos zelam pela manutenção do sistema, o feminismo decolonial enfrenta o desafio da sua decomposição.
Uma apropriação com base no conceito de interseccionalidade, dentro do mesmo livro, é feita por parte de Andréa Nascimento no capítulo “Correndo gira: uma reflexão sobre a colonialidade de gênero de María Lugones e o posicionamento das mulheres negras nas encruzilhadas das opressões”. O texto torna possível a observação de como os debates das mulheres negras se potencializam ao agregar a perspectiva decolonial. Essa encruzilhada é o lugar da ausência, que se transforma nos ensinamentos de Exu de como passar por ela; a gira é o caminho a ser seguido por essas mulheres. Com Lugones, Nascimento (2020) pensa a produção dessa subjetividade que resiste às múltiplas opressões e à subalternidade como única possibilidade para o corpo negro. A autora vê, com essa inspiração, a “emergência de uma teoria de construção subjetiva e epistemológica racial”, que aparece como antítese do pensamento restritamente acadêmico, que mantém seu privilégio negando o conhecimento da história dos povos oprimidos, assim como o conhecimento produzido na resistência. Faz-se necessária uma ressignificação epistemológica que seja pensada fora dos “expedientes ideológicos colonialistas ocidentais”. (NASCIMENTO, 2020, s./p.) A proposta decolonial está mais uma vez presente, junto com um chamado à ancestralidade e à matriz africana religiosa como partes na constituição de um espaço de resistência atravessado por valores e afetos.
Para Beatriz Silva e Flávia Souza (2020), o feminismo decolonial provoca a necessidade de uma localização dos pontos de partida, falando a partir de nós, dos nossos corpos e contradições, orientando assim nossas práticas, com base no anticolonialismo. Ou seja, a apropriação dos escritos de Lugones amplia perspectivas de ação, não apenas alimenta o debate acadêmico; ao contrário, faz dele uma arena de inscrição de corpos, considerando experiências e leituras próprias (Beatriz SILVA; Flávia SOUZA, 2020, s/p.). Para as autoras, a opressão é colocada como perspectiva analítica, assim, situam-se, uma (Flávia) como mulher negra, simpatizante do candomblé e cisheterossexual, outra (Beatriz), como mulher cis9, branca e bissexual. Ou seja, na posta em cena dos ‘eus’ dessas mulheres-autoras, Lugones atua como inspiração. Descolonizar é não se omitir frente à opressão, mas, sim, trazê-la para o centro das discussões acadêmicas. Assim entende Beatriz Silva, quando afirma que a escrita do ‘meu lugar’ mobiliza afetos e se junta às perspectivas do feminismo decolonial e negro e dos estudos sobre a branquitude; deste modo, o fazer antirracista e contracolonial acontece (SILVA; SOUZA, 2020, s/p.). A partir de Lugones e de Oyéwùmí, as autoras chegam ao Brasil, com Lélia Gonzalez, em busca de experiências não colonizadas e de uma base crítica para pensar o sujeito da ciência - as epistemologias feministas decoloniais.
Apenas o feminismo decolonial pode superar a colonialidade do gênero, descolonizar o gênero, tal como propõe Lugones. Esta autora, argentina/chicana, juntamente com Lélia Gonzalez, abre caminhos para a reflexão sobre o território da diferença ocupado pelas mulheres, reforçado quando fogem às regras da ‘normalidade” social’. A luta decolonial se torna possível quando há o reconhecimento da diferença e da sua localização, de acordo com Beatriz Silva e Flávia Souza. Seu texto promove o encontro de Lugones com outras autoras que compartilham a perspectiva decolonial, tendo lugar pioneiro entre elas.
Lançando um olhar a partir do campo da teoria da história e história da historiografia, Maria da Glória de Oliveira (2018) contribui para esta pesquisa com o artigo “Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à História da historiografia”. A autora entende que a produção das mulheres foi silenciada pela história da historiografia, sendo forçosamente mantida ao largo da memória disciplinar e dos cânones historiográficos. Para lidar com tal impasse, visita a teoria feminista decolonial e sublinha o nome de María Lugones dentro do que chama uma “moldura e horizonte crítico para a compreensão da invisibilidade das mulheres como intelectuais” (Maria da Glória OLIVEIRA, 2018, p. 107). Para a autora, os debates dos estudos decoloniais e dos conceitos de colonialidade de gênero e feminismo decolonial “despontam como interpelações dirigidas aos silêncios e apagamentos na história intelectual para as quais todas as tentativas de resposta ainda parecem provisórias e imprevisíveis” (p. 130).
Marluce Dias Fagundes, Priscilla Almaleh e Miriam Steffen Vieira também fazem relação direta dos feminismos decoloniais com o campo da História. Ao percorrer a historicidade de movimentos e conceitos, elas destacam a demanda por teorias contemporâneas que discutam as experiências das mulheres latino-americanas, atravessadas pela colonialidade, mas de maneira específica. Citam Lugones, que critica um feminismo branco universalizado sob a categoria mulher, sem discutir sua branquitude, os privilégios e a diferença, que não podia mais ser ocultada. (Marluce FAGUNDES; Priscilla ALMALEH; Miriam VIEIRA, 2021, p. 83)
As autoras do artigo intitulado “Contribuições e compromissos: perspectivas feministas decoloniais e a História” também visitam o conceito de amefricanidade, de Gonzalez, mas acabam encontrando apoio nos textos de Rita Segato ao proporem violência como eixo temático da pesquisa. Ao final, as autoras retomam Lugones e Gonzalez na reivindicação de uma apropriação do debate decolonial pela historiografia, que segue em passos lentos nesse sentido. “A contribuição dos Feminismos Decoloniais para a da arte da escrita da História se dá através do compromisso de vida, do ato político e do modo de reinterpretar trajetórias individuais ou coletivas” (FAGUNDES; ALMALEH; VIEIRA, 2021 p. 100). Por meio de seu artigo e de pesquisas próprias, colocam-se nesse caminho, do mesmo modo que a autora deste artigo, citada por elas ao aproximar teorias decoloniais ao conceito-ferramenta de interseccionalidade (VEIGA, 2020), considerando o sobrepeso das opressões sobre as mulheres não-brancas latino-americanas, com ênfase nas brasileiras.
Mais uma vez, podemos perceber que a teoria decolonial e a influência de Lugones chegam como pontos de apoio para se pensar temas próprios, assim, vários diálogos vão sendo proporcionados com algumas autoras incontornáveis, entre elas, e com destaque, está a própria María Lugones e sua proposta acadêmico-ativista. O fato é que a pensadora se tornou indispensável na abordagem do feminismo que se quer decolonial e isso fica mais marcado a partir do seu falecimento, em 2020.
Uma dupla de autoras brasileiras buscou uma janela de divulgação científica utilizada pela própria María Lugones para um de seus artigos mais conhecidos - a revista colombiana Tabula Rasa; nela, Inara Fonseca e Morgani Guzzo publicaram o artigo “Feminismos y herida colonial: una propuesta para el rescate de los cuerpos secuestrados en Brasil”, de 2018. No texto, as autoras partem do conceito lugoniano de “locus fraturado” para pensar “a articulação entre movimentos feministas e de mulheres baseada na escuta radical das múltiplas experiências de sujeitas marcadas de forma desigual pela colonialidade de gênero”. (Inara FONSECA; Morgani GUZZO, 2018, p. 65) Ou seja, aplicam uma categoria central da obra de Lugones ao lidarem com a produção do conhecimento científico baseada em movimentos sociais. Entendo esse trabalho como uma ação de incursão rumo a uma teoria decolonial feminista, inaugurada por autoras latino-americanas e chicanas, como Anzaldúa, Lugones, Curiel, entre outras.
Acionando igualmente o pensamento de Lugones, complementado pelo de Gonzalez, Fonseca e Guzzo tratam das marcas produzidas pela colonização na experiência das mulheres brasileiras - indígenas, negras, mestiças e brancas -, ampliando o leque étnico-racial e suas implicações nos sentidos singular e coletivo, na identificação que tem como vórtice esse locus fraturado da ferida colonial, num contexto inter-racial e de múltiplas desigualdades e equívocos, como o da identidade das mulheres indígenas, que em contextos urbanos pode se diluir ou confundir com a figura da ‘mulata’. As autoras citam Sueli Carneiro, que já percebia em 2003 a insuficiência do conceito de gênero para dar conta da situação específica das mulheres indígenas (FONSECA; GUZZO, 2018, p. 66). A perspectiva decolonial começa a reverter essa situação, e portas são derrubadas pelas mulheres negras e indígenas, que começam a falar. Lugones também embasa esse argumento: “De igual manera, partiendo de la teoría decolonial (ya criticándola, ya retomando conceptos) y dos imperativos filosóficos de los feminismos de las mujeres de color en Estados Unidos, Lugones (2014) propone la descolonización del feminismo […]”, marcando, assim, uma epistemologia que tem a coalizão como chave para o combate à colonialidade do gênero (FONSECA; GUZZO, 2018, p. 67). Para seu trabalho, Inara Fonseca e Morgani Guzzo entendem que um caminho seria esse exercício de escuta radical qualificada, com base na ética feminista e na responsabilidade mútua que surge na relação com as sujeitas da pesquisa. Assim, torna-se possível “enegrecer e indigenizar o feminismo”, de maneira a não se ater a uma percepção meramente identitária dos problemas enfrentados por essas mulheres.
A transdisciplinaridade predomina no decorrer da pesquisa realizada para a escrita deste artigo. Mais um exemplo disso é trazido no diálogo entre as áreas de Filosofia e Literatura/Estudos Culturais com o texto “María Lugones e a descolonização do feminismo” (2020), de Ayanne Souza e Valmir Pereira. Com o trabalho da autora e do autor, fica evidente uma necessidade de apresentação de Lugones aos próprios campos de pesquisa. Assim, muitos dos textos aqui trazidos retomam os artigos da autora que viraram referências para os feminismos brasileiros.
No entanto, algumas conclusões precipitadas apontam para uma incipiência ainda desse debate e da sua compreensão mais ampla10. No resumo do artigo, os autores informam que Lugones é a “responsável pela análise do feminismo descolonial” (Ayanne SOUZA; Valmir PEREIRA, 2020, p. 432), sendo que o que ela faz é justamente propor esse tipo de feminismo, em contraposição a um feminismo de linhas centrais, que não contempla as mulheres não-brancas. Outra questão a ser levantada é a de possíveis simplificações argumentativas a respeito dos conceitos propostos pela autora analisada, como a afirmação de que as mulheres não-brancas são “vítimas da colonialidade do poder e, consequentemente, da colonialidade de gênero” (SOUZA; PEREIRA, 2020, p. 433). Entendo que haveria um caminho maior a ser feito nesta relação entre a vitimização das mulheres, a colonialidade do poder e a colonialidade de gênero, já que uma categoria não é consequência, mas elemento constituinte da outra, embora sejam equivalentes em termos de relevância nos processos de dominação. Sugiro também que essas ‘vítimas’ podem ser consideradas em sua construção como tal - o que certamente interpela seus corpos e identidades - mas são tomadas por Lugones como as protagonistas desse movimento decolonial. Sem dúvida, o artigo de Souza e Pereira tem seu lugar nesse debate e apresenta pontos altos que merecem ser destacados, como a análise do texto anterior de Lugones (2007), “Heterosexualisms and the Colonial/Modern Gender System”, que não ficou tão conhecido até o momento no Brasil, e a consideração das “condições de mulheres não europeias em situação de colonialidade ou pós-colonialidade” (SOUZA; PEREIRA, 2020, p. 433), embora tais pontos tenham provocado a curiosidade sobre o que seria pós-colonialidade.
Autora e autor ‘compram’ os discursos de María Lugones e Oyéronké Oyéwùmí sobre a ausência de “qualquer binarismo ou hierarquização” (2020, p. 437) nos contextos pré-coloniais, tanto da sociedade yorubá (inserida no atual contexto nigeriano) quanto das originárias (inseridas hoje no contexto latino-americano). Isso será problematizado por outras autoras, como veremos a seguir. E, embora discutam os feminismos latino-americanos, Souza e Pereira recorrem, ao longo do texto, a autores homens para construírem sua linha argumentativa; de autoras, encontramos na bibliografia apenas Lugones e Oyéwùmí. Trago isso para propor uma reflexão sobre os meandros dessa trajetória instigada por Lugones de nos colocarmos rumo a um feminismo de(s)colonial. Isso inclui escolhas bibliográficas e um debate autocrítico.
Rumo às teses feministas decoloniais
Além de artigos e capítulos, mencionarei neste ponto algumas teses de doutorado que utilizam os escritos de María Lugones para embasar seus interesses pela teoria decolonial na perspectiva de gênero e sua filiação aos estudos decoloniais. Realizadas por brasileiras, dentro e fora do país, e com temáticas diversas, as teses são mencionadas para demonstrar a amplitude de alcance desse diálogo, que é ao mesmo tempo interno e externo à academia brasileira, comprovando a circulação dessa teoria e a pertinência de seu uso por pesquisadoras e pesquisadores brasileiras/os. Os trabalhos abaixo foram cartografados mediante o uso de palavras-chave, como ‘María Lugones’, ‘feminismo decolonial’, ‘colonialidade do gênero’, e por meio de indicações no interior dos grupos feministas já mencionados. Mais do que abarcar todas as possibilidades dessa influência, eles são tomados para exemplificar possibilidades e sua extensão.
Lugones e o feminismo decolonial, assim como o feminismo negro, passaram a inspirar trabalhos de pós-graduação atravessados por essas teorias e críticas contemporâneas. Mencionarei algumas teses de doutorado escritas em localidades diversas, que demonstram como esse arcabouço teórico-conceitual foi expandido e compartilhado com o passar dos anos, sendo divulgado por meio de teses e dissertações que refletem sobre a decolonialidade feminista.
Uma das primeiras pesquisas que fizeram essa articulação resultou na tese de doutorado de Gleidiane de Sousa Ferreira, defendida em 2018, com o título Resistência, solidariedade e rebeldia: o feminismo das Mujeres Creando na Bolívia (1992-2015)11. Ao buscar as características de um feminismo latino-americano “gestado no coletivo”, Ferreira (2018) abre um franco diálogo com a obra de Lugones, junto a outras autoras feministas latino-americanas decoloniais, entre elas a dominicana Yurdekys Espinosa-Miñoso, uma das mais citadas ao lado de Lugones no tratamento de temáticas semelhantes, que envolvem em suas metodologias as categorias ‘colonialidade’ e ‘raça’, atreladas à perspectiva de gênero. A partir do conceito lugoniano de ‘colonialidade do gênero’, Gleidiane Ferreira buscou entender “de que forma essas questões estiveram postas nos conflitos sociais da história da Bolívia e de boa parte da América Latina” (Gleidiane FERREIRA, 2018, p. 39). Assim, aborda a identidade política do Mujeres Creando, no intuito de saber de quais mulheres suas componentes estão falando e por quais delas o grupo reivindica (p. 40). As teorias decoloniais em perspectiva feminista e interseccional movimentam as discussões em torno da coletividade presente nos grupos e movimentos de mulheres latino-americanas. As amarras capitalistas, em sua singularidade colonial, permeiam debates e investigações, como as que apresento neste estudo.
Milane do Nascimento Costa (2021) pesquisou as redes sociais para escrever a tese “Nós por nós”: solidariedade feminina nas interfaces entre sororidade e dororidade - práticas e discursos em grupos de mulheres numa rede social digital, defendida na Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba. Partindo do campo das Ciências Sociais, a autora busca dar historicidade às teorias do campo feminista que a influenciaram. bell hooks, Lélia Gonzalez e María Lugones são as autoras colocadas em evidência para mapear os caminhos teórico-metodológicos da tese, com foco no ciberespaço e na cibercultura.
Trabalhos feministas, escritos ou não por mulheres negras, têm realizado esse percurso, que justifica escolhas e lança propostas relacionadas a temas específicos. Modismo? Entendo que não. Trata-se, aqui, de uma necessidade e da ausência que durante muito tempo acompanhou mulheres acadêmicas que lidavam com as questões do racismo e da colonialidade, sem poder, no entanto, nominá-los.
Milane Costa (2021) discute, em sua tese de doutorado, algumas práticas e discursos de solidariedade feminina em grupos de mulheres formados na internet através da rede social Facebook. Talvez numa versão contemporânea dos primeiros grupos de conscientização, iniciados pelas feministas dos anos 1960 e 1970, os grupos virtuais se constituem como canais para o debate de diversos temas, mas também como meio de resistência pela formação de redes de apoio entre e para as mulheres. A autora entende isso como as novas maneiras de ativismo feminista, diante das demandas e ofertas da sociedade contemporânea. Para tratar desse objeto de estudos, busca o apoio dos estudos e teorias decoloniais, percorrendo a trajetória de apresentação do debate que se coloca entre a teoria de Quijano e a contestação de Lugones; para depois apresentar, em um subtópico, “O feminismo decolonial de María Lugones” (COSTA, 2021, p. 51), situando a autora argentina como um divisor de águas para se chegar a outras autoras e teorias, e também na confluência dos estudos decoloniais com o feminismo negro. Milane Costa aponta para a urgência de um debate mais amplo no interior do feminismo, como movimento e produtor de conhecimento teórico. Segundo seu argumento, agregar a observação e a análise de categorias interseccionais é fundamental e estratégico no caminho rumo à equidade de gênero e racial (p. 56).
Outra tese de doutorado, de Vera Gasparetto, tematiza redes de mulheres feministas, dessa vez em Moçambique. A autora recorre aos estudos decoloniais e situa María Lugones entre as principais autoras que fazem o diálogo feminista Sul-Sul utilizando o conceito de interseccionalidade, que traz o imbricamento de categorias “raça-etnia, gênero-sexo e gerações”, nas palavras de Gasparetto, que coloca seu foco em territórios específicos: na África e no Sul global, nas relações Norte-Sul, urbano-rural e centro-periferia. (Vera GASPARETTO, 2019, p. 120-121) Em destaque no trabalho está a análise de gênero em termos raciais, o que implica em outras relações, como as de trabalho, articuladas ao sexo e à colonialidade do poder. Essas relações são espraiadas para a produção de conhecimento (p. 122). Ou seja, a teoria feminista decolonial é acionada de maneira ampla em pesquisas que lidam com mulheres racializadas, neste caso, mulheres negras moçambicanas. Embora a territorialidade da pesquisa esteja no continente africano, o ‘chão’ da pesquisadora é o Brasil, que no momento em que foi concebida a narrativa da tese, encontrava-se fortemente atravessado academicamente pelas abordagens decoloniais para se pensar os feminismos brasileiros na atualidade e suas urgências.
A brasileira Vera Lúcia Ermida Barbosa fez seu doutoramento na Universidade de Coimbra, estando bem próxima a um núcleo de propagação da teoria decolonial e da perspectiva de abordagem Sul-Sul, se considerarmos que o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, mesmo não sendo latino-americano, também faz parte do grupo M/C - Modernidade/Colonialidade, situado nos Estados Unidos e de onde partiram os principais conceitos da teoria decolonial e, no caso das teorias de Boaventura, as ‘epistemologias do Sul’.
É possível uma percepção dessa influência na escrita da tese de Vera Barbosa (2018), que busca um mergulho nessas teorias para justificar e aprimorar seu trabalho junto ao povoado de Bichinho, em Minas Gerais. Ao entrevistar mulheres artesãs daquela localidade, a autora busca Lugones para tratar das questões de gênero, que ganham relevos específicos nos interiores do Brasil. Assim como a tese de Gleidiane Ferreira, seu trabalho, de 2018, pode ser considerado pioneiro entre as autoras brasileiras, na inserção e apresentação das teorias decoloniais e do pensamento de Lugones às feministas do Brasil, se considerarmos o tempo de duração de um doutorado. Um dos subtítulos do primeiro capítulo da tese de Vera Barbosa é “Colonialidade de Gênero: os debates feministas latino-americanos”, e dialoga diretamente com o texto e o conceito de María Lugones, problematizando corpo, sexualidade e gênero, enquanto situa o início desse debate na América Latina nos termos dos feminismos subalternos. “Nessa direção, a ideia de Feminismos Subalternos pode agregar um amplo espectro de caracterizações que estão relacionadas com marcações geopolíticas, étnico-raciais e culturais de diferentes movimentos de mulheres feministas académicas ou não”. (Vera BARBOSA, 2018, p. 72)
Lugones seria uma peça-chave na passagem da abordagem ampla da subalternização para a perspectiva decolonial, expandindo e complexificando o debate ao introduzir nele a originalidade do conceito de ‘colonialidade de gênero’. Barbosa destaca o argumento de Lugones de que a consciência desse “sistema de gênero colonial/moderno” é o que permite às mulheres entenderem a profundidade da imposição colonial, e só assim uma ação de reversão pode começar (BARBOSA, 2018, p. 74). Nesse sentido, no trabalho de Vera Barbosa encontramos uma das principais citações da obra de Lugones: “Chamo a possibilidade de superar a colonialidade do gênero de ‘feminismo decolonial’” (LUGONES, 2014, p. 942 in BARBOSA, 2018, p. 75).
Interessada em profundidade na perspectiva decolonial, Vera Ermida Barbosa menciona em sua tese um debate que interessa a este artigo, trazendo a crítica elaborada por Rita Segato a parte do pensamento de Lugones. Desse modo, reforço meu entendimento de que os conceitos e suas explicações surgem e emergem já envoltos na crítica que os fará ruir ou permanecer no campo teórico, mesmo que em situação de rasura. Isso não significa necessariamente sua superação ou a admissão da ideia de que eles não nos servem mais. Não foi diferente com a obra de María Lugones.
Algumas (re)visões críticas sobre a obra da autora
Uma das leituras críticas mais conhecidas ao pensamento de María Lugones partiu de outra pensadora argentina, radicada no Brasil há algumas décadas. Trata-se de Rita Laura Segato (2012), que contrapõe ao que entende como uma generalização de Lugones - a não existência do gênero no período pré-colonial - o conceito de ‘patriarcado de baixa intensidade’.
Segato propõe uma leitura das transformações do sistema de gênero entre o ‘mundo pré-intrusão’ e a modernidade colonial; para isso, confere ao gênero um estatuto teórico e epistêmico, como categoria central na análise dessas transformações (Rita SEGATO, 2012, p. 116). Rita Segato detecta três posições no debate, sendo uma delas a do feminismo eurocêntrico, que universaliza a questão da dominação patriarcal, passando por cima das especificidades das mulheres não-brancas e levando adiante sua missão civilizadora, na luta por direitos para todas. No extremo oposto estão as autoras “que afirmam a inexistência do gênero no mundo pré-colonial” (p. 116), com destaque para Lugones e Oyéwùmí, às quais Segato responde apresentando uma terceira posição, assumida como a sua própria. À generalização oferecida pelas autoras mencionadas, Rita Segato acena com “uma grande acumulação de evidências históricas e relatos etnográficos que confirmam, de forma incontestável, a existência de nomenclaturas de gênero nas sociedades tribais e afro-americanas”. (SEGATO, 2012, p. 116) E segue informando que nessas sociedades há a identificação de uma organização patriarcal diferente da ocidental, “que poderia ser descrita como um patriarcado de baixa intensidade” (p. 116, grifos no original), que permite, como exemplifica, “transitividades de gênero bloqueadas pelo sistema de gênero absolutamente engessado da colonial/modernidade” (p. 116).
Para demonstrar a validade de seu argumento, compara masculinidades construídas no que denomina mundo pré-intrusão, uma pré-história patriarcal da humanidade, segundo Segato (2012, p. 117), aos padrões de gênero ocidentais que as modificam. Dualidade se transforma em binarização entre a esfera pública, de domínio masculino, e o espaço privado, que passa a ser considerado lugar feminino. Esse “patriarcado de baixa intensidade” via no doméstico um espaço completo, com sua política própria, que seria “hierarquicamente inferior ao público, mas com capacidade de autodefesa e de autotransformação” (p. 123). No entanto, a autora argumenta que no mundo-aldeia, mesmo tendo mais prestígio, essa esfera do político não é universal, mas, sim, uma parcialidade, como a doméstica. Generalizar isso seria “um erro quando se pretende alcançar a realidade dos mundos que não obedecem à organização ocidental e moderna da vida, mundos que não operam orientados pelo binarismo eurocêntrico e colonial” (SEGATO, 2012, p. 125).
Outra autora vem ao encontro de Rita Segato nessa crítica. Luciana Ballestrin (2017) analisa o que denomina “Modernidade e colonialidade de gênero: o feminismo descolonial”, em um subtópico do seu artigo “Feminismos subalternos”, e sinaliza diálogo direto com os dois conceitos centrais de Lugones, já bastante mencionados anteriormente aqui. Além de citar a crítica de Segato, com a qual concorda, inclusive aderindo à sua proposta final de pensar um patriarcado de baixa intensidade, Ballestrin desenvolve seus próprios apontamentos. Essa autora entende que o problema de Lugones - ao generalizar, a partir dos argumentos localizados e não comprovados de Oyéwùmí e Gun Allen sobre a não existência das relações de gênero no período pré-colonial na sociedade yorubá ou entre os originários americanos - é metodológico, já que “sua conclusão indutiva carece de evidências históricas e de representatividade empírica”, pois estabelece uma proposição universal “a partir de um punhado de casos secundários”. (Luciana BALLESTRIN, 2017, p. 1048)
Com base em Bibi Bakare-Yusuf, Ballestrin informa que há outros estudos demonstrando organizações distintas da vida social em sociedades não europeias com base em idade e sexualidade, por exemplo, e questionando as possibilidades de abrangência das categorias gênero e patriarcado fora do contexto europeu e estadunidense (p. 1048). A autora destaca o comprometimento de Lugones, nos anos 1960, com os ‘feminismos de cor’ e seu engajamento mais recente, nos anos 2000, com o projeto descolonial, entendendo isso como um deslocamento de perspectiva.
Finalizo a exposição das críticas a Lugones com um artigo de Wallace de Moraes, publicado como último capítulo da coletânea Feminismos decoloniais: homenagem a María Lugones (2020), organizada e publicada após o falecimento da intelectual argentina. No texto “Colonialidade de gênero, patriarcado branco e algumas reflexões sobre a obra de María Lugones”, Moraes contrapõe sua fala (lugar de fala) como homem negro à de Lugones, que o autor considera uma mulher não-negra (Wallace de MORAES, 2020, s/p.).
Mesmo reconhecendo as lutas antirracistas dessa intelectual e seu envolvimento com as pautas do movimento negro, a leitura que faz dela é de uma mulher branca, nascida em Buenos Aires (portanto, porteña) - privilegiada e urbana. No entanto, essas informações não correspondem ao histórico de María Lugones; embora seja divulgado desta maneira no Brasil, essa intelectual foi criada no interior da Argentina e da grande ‘província de Buenos Aires’, na pequena cidade de Los Toldos (Karina BIDASECA; Teresa ARTEAGA, 2021, p. 5), distante cerca de 300 km da capital, ou seja, a quase quatro horas de viagem terrestre da metrópole Buenos Aires.
O território onde Lugones se criou é um dos berços dos povos mapuche argentinos, sendo que o pequeno município de Los Toldos ainda hoje abriga parte desses povos12. Sua própria aparência física indubitavelmente estava mais próxima a uma ascendência originária do que branca europeia, como ela certamente deve ter percebido ao chegar ainda jovem para estudar em território estadunidense. De acordo com Karina Bidaseca e Michelly Aragão Guimarães Costa (2022)13, Lugones era chamada de “La Negra”, dentro da sua família.
O encontro com a diferença, nos termos de uma desigualdade hierarquizada, pode levar sujeitas historicamente subalternizadas ao encontro de seus temas de pesquisa. Nos Estados Unidos, sendo considerada negra/chicana ou originária, Lugones era classificada socialmente como ‘mulher de cor’. Sendo assim, sua luta não era apenas altruísta, mas parte da sua própria história. Porém, na visão de Moraes, María Lugones “participou de lutas emancipatórias por direitos civis do movimento negro, mesmo não sendo negra”. E continua: “Uma mulher negra/indígena tem muito mais a dizer sobre os preconceitos que sofre cotidianamente, mas isso não impede que Lugones possa ter contribuído, do ponto de vista epistemológico, para uma perspectiva antirracista” (MORAES, 2020, s/p.).
Ao abordar a violência do patriarcado branco e a indiferença dos homens de cor com a situação das mulheres, María Lugones se refere às “mulheres de nossas comunidades” (in Moraes, s/p.), ou seja, sim, ela se inclui nesse grupo e não o vê como objeto de pesquisa, nem fala de outra posição que não seja das margens, mesmo vivendo nos Estados Unidos.
Sobre os conceitos de ‘mulheres de cor’ e ‘homens de cor’, Moraes os relaciona, aparentemente, a pessoas negras: “Embora todo o início do texto dê a entender que a autora fará apenas uma crítica aos homens negros [...]”. (MORAES, 2020, s/p.) No entanto, o maior alvo da crítica da autora seriam os ‘homens de cor’ originários, já que traz para o diálogo as relações pré-coloniais no território posteriormente denominado América Latina, ao recorrer aos escritos de Oyéwùmí e Gun Allen. É certo que Oyéronké Oyéwùmí se refere à sociedade yorubá, mas esta é entendida de forma análoga por Lugones, para pensar seu próprio espaço territorial e algumas práticas específicas de colonização.
Mais adiante, o autor entende, em seu debate com Lugones, que “as mulheres de cor foram subordinadas duplamente como mulheres e como negras escravas” (MORAES, 2020, s/p.). Torna-se relevante lembrar que ‘mulheres de cor’, no Brasil da ‘democracia racial’, seriam, sim, mulheres negras, assim como os ‘homens de cor’ seriam negros; porém, partindo da localização de onde a obra de Lugones é escrita, essa concepção se torna bastante diversa. Karina Bidaseca (2014, p. 954) amplia essa visão ao explicar que ‘mulheres de cor’ tornou-se uma identidade política, estando Lugones interessada “en un contexto específico, en la práxis feminista de las mujeres latinoamericanas no blancas”. Luciana Ballestrin (2017, p. 1048), complementando Bidaseca, situa também no ‘feminismo de cor’, as latino-americanas residentes nos EUA, indígenas norte-americanas e mulheres de ascendência asiática.
Quanto a Wallace de Moraes, vejo a importância de sua crítica quando argumenta que seria uma “injustiça colonialista” acusar homens negros como responsáveis ou cúmplices dos opressores brancos, colocando as atenções do debate racial justamente em outras vítimas do racismo - os ‘homens de cor’, entendidos por ele como os homens negros (MORAES, 2020, s/p.). O autor entende que dados institucionais deveriam ter sido analisados por Lugones para entender a situação atual de homens e mulheres negros e negras. No entanto, a autora escreveu seu texto “Colonialidad y Género” em outro momento histórico, 2008, bem anterior a esse dos dados que Moraes traz para embasar seu argumento, em gráficos referentes à situação do Brasil.
Para encerrar este tópico, observo que a teoria feminista decolonial latino-americana e chicana aciona conceitos próprios, que muitas vezes não encontram correspondência ou tradução adequada em outros lugares aonde chegam, podendo inclusive entrar em choque quando expostas a outras perspectivas, tanto acadêmicas como relacionadas a movimentos sociais e/ou identidades politicamente reivindicadas. Talvez isso justifique equívocos ou leituras avessas, provocados pelas armadilhas da tradução, seja ela linguística ou político-cultural.
Fraturando o locus, pensando feminismos no Brasil
O mosaico de exemplos dos usos e debates em torno do pensamento de Lugones no Brasil apenas reforçam sua importância para os feminismos contemporâneos comprometidos com as grandes reivindicações sociais - o fim do racismo, do sexismo, do classismo, da homofobia, de todos os tipos de preconceito. A Revista Estudos Feministas continua se destacando como um importante veículo de divulgação desses debates, estudos, conceitos e teorias.
Quanto às autoras e autores mencionados ao longo deste artigo, Cláudia de Lima Costa é um nome incontornável nessa busca de historicidade da trajetória da obra de Lugones no Brasil, nas viagens e na circulação de seus conceitos e teorias. Como os textos de Lima Costa, outros aqui mencionados foram escritos antes do ano de falecimento da intelectual argentina, portanto, marco final de sua obra. Muitos deles buscam o auxílio da autora para discutir temáticas específicas; outros promovem diálogos teórico-conceituais e exploram mais o pensamento de Lugones por meio de citações literais e debates com base em trechos específicos dos seus escritos. De certo modo, isso também ocorre com textos publicados a partir do final de 2020, estes já com o intuito de um reconhecimento póstumo da relevância da autora, como a publicação do mencionado livro Feminismos decoloniais: homenagem a María Lugones, organizado por Maria Clara Dias, Letícia Gonçalves, Paula Gonzaga e Suane Soares, em 2020, do qual analisei alguns capítulos ao longo desta narrativa.
Quanto à crítica de autoras e autores sobre partes do seu trabalho, penso ser relevante argumentar que os debates acadêmicos não invalidam a capacidade de renovação epistemológica e o novo fôlego trazido por María Lugones e outras feministas latino-americanas (entre elas, Lélia Gonzalez), que subverteram as linhas centrais da teoria decolonial, fazendo dela um caminho de encontro e coalizão para os feminismos latino-americanos e chicanos com as feministas brasileiras, que aos poucos vêm se apropriando dos estudos decoloniais, consolidados na arena dos debates acadêmicos que têm as pautas raciais, de gênero, sexualidade e localização como eixo principal. O que era para ser um ‘modismo acadêmico’ permanece e se renova com novos escritos, que não cessam de ser produzidos.
Como observam diversas pesquisadoras abordadas neste artigo, Lugones oferece a perspectiva de uma práxis feminista decolonial, que atua em favor das mulheres, mas não apenas delas. A expansão do alcance dessa obra sinaliza isso, enquanto a crítica só faz enriquecer e atrair as atenções para seus escritos, que estão aí para ser acolhidos, aclamados ou mesmo contestados.
María Lugones se foi, fisicamente, mas seu esforço teórico-conceitual-analítico fica como herança intelectual e inspiração para outras rebeldias, teóricas e práticas, que emergem dos mais diversos cantos do Brasil, como este artigo buscou demonstrar. Nesse sentido, a autora assume o lugar de uma sujeita-teoria-chave para os feminismos brasileiros contemporâneos que abarcam decolonialidade e interseccionalidade, fraturando o locus das linhas centrais, evocando ativismos e utopias também no Brasil. Possivelmente, as linhas centrais dos feminismos brasileiros ainda sejam as mais visíveis e publicáveis, porém, é desse “locus fraturado” das margens que emergem as maiores rebeldias - do improvável, do imprevisto. Aqui, Lugones vive.