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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.31 no.2 Florianópolis  2023  Epub 30-Jul-2023

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2023v31n292877 

Seção Temática Feminismos: atuação em rede, crise democrática e possibilidades futuras

Feminismos anticapitalistas contra a precarização da vida

Anticapitalist Feminisms against the Precarization of Life

Feminismos anticapitalistas contra la precarización de la vida

Bárbara Araújo Machado1 
http://orcid.org/0000-0002-4585-382X

Maíra Kubík Taveira Mano2 
http://orcid.org/0000-0002-4201-5636

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 20261-005 - cap@uerj.br

2Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, Salvador, BA, Brasil. 40210-630 - neim@ufba.br


Resumo:

Na última década, o Brasil viveu um processo de desdemocratização e de avanço das políticas neoliberais, que levaram a uma precarização da vida. À desqualificação das mulheres, das lutas feministas e dos estudos de gênero, presente nos discursos da extrema-direita e de seus representantes, combina-se a privatização dos serviços públicos ou a restrição ao seu acesso, ampliando as tarefas não remuneradas de cuidado. Diante de tal quadro, que atinge particularmente as mulheres e as pessoas que exercem funções reprodutivas, torna-se urgente estabelecer um diálogo entre teorias feministas materialistas que têm no mundo do trabalho seu eixo central. O presente artigo propõe um encontro entre o feminismo materialista francófono e a teoria marxista da reprodução social, buscando contribuir para a análise e, desde a teoria da práxis, para transformar a realidade social.

Palavras-chave: feminismo; gênero; neoliberalismo; marxismo; materialismo

Abstract:

Throughout the last decade, Brazil has been through a process of democratic backsliding and progression of neoliberal policies. Both processes lead to the precarization of life. In one hand, the far-right and their political representatives disqualify women, feminist agenda and gender studies. On the other hand, the restriction of access to public services or their privatization, which amplify unpaid tasks related to caretaking. Such context makes it urgent to establish a dialogue between materialist feminist theories that hold labour as their main axis of social interpretation. This urgency is derived from the fact that such policies specially affect women and people that are charged with reproductive activities. The current article proposes a rendezvous between the francophone materialist feminism and the Marxist theory of social reproduction with a two-fold objective: a contribution for the analysis of these processes and to help transform social reality.

Keywords: feminism; gender; neoliberalism; Marxism; materialism

Resumen:

En la última década, Brasil ha experimentado un proceso de desdemocratización y el avance de políticas neoliberales que conducen a una precarización de la vida. La descalificación de las mujeres, de las luchas feministas y de los estudios de género, presentes en los discursos de la extrema derecha y sus representantes, se añaden a la privatización o restricción de acceso de los servicios públicos, ampliando las tareas de cuidado no remuneradas. Tal escenario afecta particularmente a las mujeres y personas que realizan funciones reproductivas. Ante a eso, se hace urgente establecer un diálogo entre las teorías feministas materialistas que tienen como eje central el mundo del trabajo. Este artículo propone un encuentro entre el feminismo materialista francófono y la teoría marxista de la reproducción social, buscando contribuir al análisis y, desde la teoría de la praxis, a la transformación de la realidad social.

Palabras clave: feminismo; género; neoliberalismo; marxismo; materialismo

Introdução

A eleição de 2018 no Brasil foi marcada por uma combinação que poderia, em teoria, parecer improvável: a de (neo)liberalismo e (neo)conservadorismo (Sue IAMAMOTO et al., 2021). Não há, contudo, contradição entre esses dois elementos. Relacionar o crescimento internacional da extrema-direita ao neoliberalismo é particularmente importante para as teorias feministas, que têm sofrido ataques devido ao pânico moral sintetizado no sofisma ‘ideologia de gênero’.

Concordando com a proposta de Wendy Brown, o pensamento de intelectuais neoliberais, em sua origem, está ancorado na compreensão de que, para uma livre atuação do mercado, é preciso que o Estado esteja enfraquecido (Wendy BROWN, 2019, p. 39). Assim, após algumas décadas de implementação do neoliberalismo, verifica-se o crescimento de processos de desdemocratização impulsionados por governos de extrema-direita, como foi o caso de Jair Bolsonaro. Em uma sociedade cujo Estado é frágil, dizem os neoliberais, os laços sociais seriam mantidos por outras instituições, em especial as igrejas, onde ocorreria o reforço aos vínculos familiares - idealizados sob o modelo patriarcal.

Para além de cumprir esse papel de laço social, a força moral permitiria colocar em prática o enxugamento do Estado por meio do corte de políticas públicas em áreas relacionadas ao cuidado, como saúde, educação e assistência social, reforçando o papel das mulheres e corpos feminilizados nas tarefas domésticas gratuitas e obrigatórias (Verónica GAGO, 2020).

Bhattacharya argumenta que o capitalismo sabe que a classe trabalhadora não trabalha apenas em seu local de trabalho formal, mas também em casa, nos parques públicos, nas cozinhas etc. E por isso ele ataca ferozmente

os serviços públicos, empurra o fardo do cuidado para as famílias individuais, corta a assistência social: para tornar a totalidade da classe trabalhadora vulnerável e menos capaz de resistir aos seus ataques no local de trabalho [formal] (BHATTACHARYA, 2019, p. 109-110).

Tais ataques ocorrem simultaneamente a uma crise global do trabalho de cuidado. As mudanças que levaram ao capitalismo financeirizado provocaram o aumento do proletariado precarizado, caracterizado por não ter vínculos trabalhistas, serem terceirizados ou contratados em tempo parcial. Uma das consequências disso foi a ‘terceirização’ do trabalho de cuidado entre mulheres, onerando sempre mais aquelas em maior situação de vulnerabilidade social.

Tithi Bhattacharya, Nancy Fraser e Cinzia Arruzza refletem sobre como a exigência cada vez maior de horas de trabalho por unidade familiar somada a um menor suporte estatal à assistência social “pressiona até o limite as famílias, comunidades e (acima de tudo) mulheres” (Cinzia ARRUZZA; BHATTACHARYA; Nancy FRASER, 2019). A resposta tem sido de enfrentamento: para as autoras, “é sob essas condições de expropriação universal, as lutas em torno da reprodução social ocuparam o centro do palco. Agora formam a linha de frente de projetos com potencial de alterar a sociedade por completo” (ARRUZZA; BHATTACHARYA; FRASER, 2019)

Diante do quadro de intensificação da precarização da vida e das lutas contra ela, torna-se urgente estabelecer um diálogo entre teorias feministas materialistas que têm no mundo do trabalho seu eixo central. O presente artigo propõe um encontro entre o feminismo materialista francófono e a teoria marxista da reprodução social, buscando abrir caminhos para um diálogo que cremos ser potencialmente profícuo. É importante ressaltar, desde já, que não será possível aprofundar teórica ou politicamente todos os pontos levantados, devido à limitação de espaço deste formato. Nossa ideia é levantar alguns pontos em que essas correntes feministas se tocam, com vistas ao desenvolvimento de estratégias de luta feministas antineoliberais. Buscamos, com isso, contribuir para a análise da realidade social e, desde a teoria da práxis, sua transformação.

A seguir, apresentaremos brevemente ambas as teorias para, a seguir, apontar suas divergências e, em especial, convergências no enfrentamento ao capitalismo. Chamaremos o conjunto das intelectuais ligadas ao feminismo materialista francófono e à teoria marxista da reprodução social de feministas anticapitalistas, buscando ressaltar sua visão antissistêmica e materialista em sentido amplo - seja um materialismo de base marxista ou não, no caso das francófonas.

O feminismo materialista francófono

O feminismo materialista francófono é uma corrente de pensamento advinda do que se convencionou chamar de segunda onda do feminismo, no final da década de 1960 e durante os anos 1970.1 Em um momento de intensa luta política das mulheres por seus direitos no Norte Global, intelectuais ativistas francesas e, posteriormente, canadenses, produziram reflexões inovadoras que contribuíram para compreender a estruturação das hierarquias sociais entre o masculino e o feminino, em sociedades ocidentais. Destacam-se como autoras nesse período Christine Delphy, Colette Guillaumin, Nicole-Claude Mathieu, Monique Wittig e Paola Tabet. Apresentaremos uma breve introdução a alguns conceitos-chave elaborados por elas e interpretações recentes de pensadoras que seguem se identificando com esta corrente, como Danielle Juteau e Jules Falquet. Em certas interpretações, Danièle Kergoat, cuja obra tem forte repercussão no Brasil, em especial por seu trabalho com Helena Hirata, também é considerada feminista materialista.

O movimento de mulheres francês, institucionalizado no Mouvement de libération des femmes (MLF), englobava pautas diversas como a legalização do aborto, a reivindicação da liberdade sexual pós maio de 1968, questões ligadas ao trabalho doméstico e a denúncia às violências sofridas. O grupo de ativistas e autoras envolvidas nesse movimento encontrou uma convergência em torno de formulações originais acerca dos mecanismos pelos quais se produzia e se sustentava a opressão das mulheres. Cabe observar que, dentro do MLF, havia diferentes agrupamentos, e que estes se refletiram na divisão da produção teórica daí decorrente. Assim, as feministas materialistas estavam mais próximas ou eram orgânicas das então chamadas “feministas radicais”, que divergiam da corrente ‘luta de classes’. Desta última, participavam militantes de agrupamentos e partidos de esquerda, mais próximas do campo do marxismo. Ambos os agrupamentos, por sua vez, se distinguiam do grupo Psicanálise e Política, que desenvolveu uma abordagem diferenciada.

Christine Delphy, como feminista materialista e, portanto, próxima ao feminismo radical da época, elaborou um pensamento distinto das propostas de feministas marxistas. Isso a levou a desenvolver sua reflexão sobre quem seria o “inimigo principal” das mulheres. L’ennemi principal é publicado em 1970, sob o pseudônimo de Christine Dupont, e é considerado “um momento-chave das primeiras reflexões feministas” (Maira ABREU, 2016, p. 225). Nele, Delphy propõe-se a explicitar as bases de uma análise materialista da opressão das mulheres. Para a autora, era uma tarefa do movimento feminista encontrar as razões estruturais pelas quais a abolição das relações de produção capitalistas não é suficiente para libertar as mulheres (DELPHY, 2013, p. 34). É neste desafio teórico que se desenvolve o feminismo materialista francófono.

Em seu artigo Um feminismo materialista é possível, Delphy afirma que o problema da teoria marxista é que ela toma a divisão sexual do trabalho como dada - ou seja, a naturaliza, repetindo a ideia de destino das mulheres - e se baseia nela para pensar o modo de produção capitalista (DELPHY, 1982). Como contraponto, Delphy propõe teorizar o patriarcado como modo de produção doméstico analiticamente distinto do capitalismo e que coexiste a ele. A produção doméstica, para Delphy, está assegurada “gratuitamente pela exploração econômica da mulher pelo homem e se apoia na instituição do casamento. Ela é objeto do modo de produção doméstica, que constitui a base econômica do patriarcado” (Anne-Marie DEVREUX, 2009, p. 97). Assim, o patriarcado seria um modo de produção específico e “o trabalho doméstico deveria ser analisado não em termos de produção de valor, mas da exploração de uma forma de excedente específico” (ABREU, 2016, p. 227). Ao se posicionar desta forma, Delphy e as feministas materialistas se distanciaram da análise marxista derivada da interpretação de Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, que, por considerar que a propriedade privada estaria na origem da exploração/dominação das mulheres, pressupunha que sua abolição solucionaria as desigualdades entre homens e mulheres (ABREU, 2018, p. 5).

Em uma interpretação posterior daí derivada, Danièle Kergoat explicita a diferença entre o feminismo materialista e o marxista a partir da divisão sexual do trabalho. A divisão sexual do trabalho é moldada histórica e socialmente e se baseia em dois princípios: 1) o princípio da separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres); e 2) o princípio da hierarquia (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher) (Danièle KERGOAT, 2009, p. 67). Para citar Kergoat:

Para inúmeros marxistas, seria a divisão sexual do trabalho que explicaria a situação em termos de gênero. Eu penso o contrário, que ela não é a causa, mas consequência: ela exprime o lugar dos sexos nas relações estruturantes de produção (no sentido estendido) e na divisão social do trabalho. É isso que eu compreendo: a divisão sexual do trabalho é o que está em jogo nos rapports sociais de sexo (KERGOAT apudCUKIER, 2016, p. 154).

Também em busca de formular uma teoria social que não meramente tentasse encaixar a situação das mulheres nas reflexões marxistas já existentes, Guillaumin elabora o conceito de ‘sexagem’. Guillaumin pensa na sexagem como uma forma específica de “apropriação das mulheres, de seus corpos, trabalhos e dos frutos de seus trabalhos, uma relação social que comporta o encargo físico, emocional e intelectual de seres humanos”, efetuado fora do trabalho remunerado, dentro do contexto familiar e de outras instituições (Danielle JUTEAU, 2016, p. 137). Os meios pelos quais essa apropriação da classe de mulheres ocorre seriam o mercado de trabalho; o confinamento doméstico; o uso da força; o constrangimento sexual por meio de assédio, estupro e provocações; e o arsenal jurídico (Colette GUILLAUMIN, 2014). Por estarem apropriadas, as mulheres não teriam posse sobre si, o que faria delas um corpo-máquina de trabalho de uso coletivo. Não têm horário de entrada e saída de serviço, estando sempre disponíveis, por exemplo, para lavarem a louça após o jantar, para manterem relações sexuais com o marido ou para trocarem fraldas de madrugada.

A apropriação de mulheres como algo natural e inscrito dentro do marco de um destino biológico seria legitimada pela ideia de natureza (Ochy CURIEL; Jules FALQUET, 2014, p. 19). Guillaumin nota que, de maneira distinta à ideia aristotélica de Natureza em que haveria uma finalidade para cada grupo social - “escravo é feito para fazer o que faz, a mulher é feita para obedecer e ser submissa etc.” (GUILLAUMIN, 2014, p. 72) -, a natureza, na modernidade traz a ideia de determinismo, em que os grupos sociais seriam fisiologicamente organizados. A reflexão de Guillaumin origina-se em seu trabalho sobre raça e racismo e depois é estendida, por meio de analogias e comparações - por vezes problemáticas (FALQUET; Maíra MANO, 2021) - às relações entre homens e mulheres. A ideia de natureza é a ideia “singular de que as ações de um grupo humano, de uma classe, são ‘naturais’, que são independentes das relações sociais, que elas preexistem a qualquer história, a todas as condições concretas determinadas” (GUILLAUMIN, 2014, p. 73). Com a prevalência do “discurso de natureza”, as mulheres estão destinadas a serem hierarquicamente inferiorizadas em relação aos homens.

Em diálogo com o trabalho de Guillaumin, Monique Wittig retoma a afirmação de que raça não existia antes da realidade socioeconômica da escravidão para afirmar que “o que mostra uma análise feminista materialista é que o que nós tomamos por causa ou por origem da opressão não é mais que uma ‘marca’ que o opressor impõe sobre os oprimidos” (Monique WITTIG, 2013, p. 48). A ideia de Natureza também pressupõe a existência de um pensamento hétero (la pensée straight de Wittig, expressão propositalmente deixada em inglês em meio ao francês, para significar hétero, mas também correto, alinhado ou quadrado). Aqui não se trata de pensar meramente em termos de práticas sexuais, mas sim nas relações sócio-históricas que sustentam as hierarquias entre homens e mulheres. Fora desses laços, Wittig conclui que as lésbicas não são mulheres. “Uma lésbica deve ser qualquer outra coisa, uma não mulher, uma não homem, um produto da sociedade, e não da ‘natureza’, porque não há ‘natureza’ em sociedade” (WITTIG, 2013, p. 49).

Como é possível perceber, o antinaturalismo é um ponto-chave entre essas teóricas materialistas (ABREU, 2016, p. 28). Para Nicole-Claude Mathieu, tanto os homens quanto as mulheres seriam categorias produzidas conjunta e dialeticamente por uma relação de poder, e não pela natureza (FALQUET; MANO, 2021, p. 10). Trata-se de uma “politização da anatomia” (Nicole-Claude MATHIEU, 2021, p. 275). Assim, Mathieu e das demais materialistas francófonas desde o começo, “evitam as fraquezas do conceito de ‘sistema sexo/gênero’, em que, para desnaturalizar o gênero, se naturaliza o sexo” (FALQUET; MANO, 2021, p. 10). De fato, a interpretação que pode derivar de leituras pós-estruturalistas desenvolvidas no mesmo período é a de que o sexo está para a natureza como o gênero está para a cultura, colocando o sexo em um lugar intocável e até metafísico.

Considerando a opressão das mulheres como um sistema separado, anterior e distinto do capitalismo, porém que coexiste com ele, um desafio teórico enfrentado pelas feministas materialistas foi pensar como se dariam as relações e conexões entre esses dois sistemas. Algumas autoras, entre elas Kergoat e Helena Hirata, cujas pesquisas dedicavam-se ao mercado de trabalho, “criticam o que consideram ser uma excessiva centralização das análises precedentes na família e a falta de esforço em articular patriarcado e capitalismo, sexo e classe social” (ABREU, 2016, p. 261). Tendo como bagagem teórica questionamentos antinaturalistas feministas, elas consideram ser necessário pensar em termos de rapport sociaux de sexe (ABREU, 2016, p. 264).

Aqui, é importante fazer uma nota de tradução. Em francês, há duas expressões utilizadas para tratar das relações sociais: rapports sociaux e relations sociales. Rapports trata das ligações estruturais da sociedade, em nível macro, enquanto a expressão relations diz respeito às relações cotidianas, interpessoais, em nível micro. Para utilizar uma definição de Kergoat, um rapport social2 é “uma relação antagônica entre dois grupos sociais, estabelecida em torno de uma disputa” (KERGOAT apud Alexis CUKIER, 2016, p. 155). Compreende-se que as dinâmicas sociais tendem a separar grupos não apenas por atributos sociais diferentes, mas pela hierarquia existente entre eles, e que é estabelecida uma situação de luta permanente entre esses grupos (Alain BIHR apudJUTEAU, 2016, p. 136). Para pensar as relações sociais estruturais estabelecidas entre pessoas constituídas como homens e como mulheres, as feministas materialistas francófonas aproveitaram o conceito de rapports sociaux e agregaram a ele a variável ‘sexo’.

Ainda buscando uma alternativa para conceituar o cruzamento dos diferentes rapports sociais, Kergoat elaborou a proposta da consubstancialidade. A ferramenta, diz Kergoat, foi inicialmente pensada ainda nos anos 1970 para dar conta da imbricação das relações de classe, de gênero e origem (Norte/Sul) (KERGOAT, 2010, p. 93) em nível macro, para fins de análise sociológica. Kergoat atribui sua proposta à tradição intelectual francesa e é bastante crítica ao conceito de interseccionalidade, em que a classe não passa, muitas vezes, de “uma citação obrigatória” (KERGOAT, 2010, p. 97). Por outro lado, uma crítica recorrente ao conceito de consubstancialidade é que as questões étnico/raciais são secundarizadas.

Por percursos distintos, Falquet com seu conceito de combinatória straight também procura pensar de que forma as relações sociais se imbricam e se sustentam mutuamente utilizando como base o feminismo materialista. Ao refletir sobre laços de matrimônio e o exercício social da maternidade, Falquet conclui que as uniões não são naturalizadas apenas em termos de heterossexualidade, entre homens e mulheres, mas também em termos de raça e classe. O conjunto dessas instituições e regras organizam solidariamente a aliança e a filiação em função de lógicas simultâneas de sexo, de “raça” e de classe. Ela utiliza como exemplo duas pessoas brancas se unindo e tendo como descendente também uma pessoa branca. Assim, a combinatória straight seria “o conjunto dessas instituições e regras que organizam solidariamente a aliança e a filiação em função de lógicas simultâneas de sexo, de ‘raça’ e de classe”, afirma Falquet (2019, p. 138). Mais recentemente, Juteau e Falquet, com trabalhos ancorados em Abya Yala,3 buscam trazer uma crítica feminista materialista ao colonialismo. Destacamos aqui as reflexões de Falquet em conjunto com a antropóloga dominicana Curiel.

Por sua vez, Juteau afirma que “levando em consideração o fundamento específico da apropriação das mulheres e das instâncias que asseguram a reprodução, é possível articular os rapports de sexo a outros rapports” (Danielle JUTEAU, 2016, p. 136). Juteau é uma das autoras que buscam atualizar o pensamento do feminismo materialista francófono ao refletir sobre a possibilidade de um paradigma feminista materialista da interseccionalidade. Ela afirma que tanto a segunda quanto a terceira onda feministas têm em comum a análise das interconexões e, nesse sentido, “a interseccionalidade aparece como um ponto de chegada dos trabalhos sobre a imbricação das opressões” (JUTEAU, 2016, p. 135). A autora, no entanto, adverte que há uma diferença fundamental a ser considerada que é o contexto local: “as abordagens interseccionais das relações de gênero rompem com as teorias materialistas especialmente quando surgem em contextos menos marxistas, como os Estados Unidos” (JUTEAU, 2016, p. 135). Nesse sentido, as interconexões entre as diferentes formas de opressão não seriam mais pensadas a partir dos modos de produção e dos rapports sociais de sexo ou da sexagem, mas sim a partir do gênero como construto cultural adquirido pela socialização.

A teoria marxista da reprodução social

Assim como o feminismo materialista francófono, o feminismo da reprodução social emerge na década de 1970, com o chamado ‘debate do trabalho doméstico’, entendido por muitas feministas socialistas como eixo central para compreender a base material da opressão das mulheres sob o capitalismo. Nesse contexto, identificar a base material da opressão feminina significava superar a ideia de que o machismo era um mecanismo meramente ideológico, e que exercia um papel sistêmico. Para tanto, o principal caminho empreendido foi debruçar-se sobre a relação entre trabalho doméstico não pago e trabalho produtivo segundo os termos capitalistas, isto é, aquele que produz mercadorias. Isso significava visibilizar o trabalho doméstico enquanto trabalho, além de compreender seu papel na produção de valor capitalista.

Ao buscarem compreender o papel do trabalho doméstico no sistema capitalista, essa primeira geração do feminismo da reprodução social deu um passo além da tradição marxista que, até então, focava-se excessivamente na produção e troca de mercadorias e no trabalho assalariado, aspectos também priorizados por Marx em seus escritos. Ainda assim, conforme analisa Susan Ferguson (2020, p. 102), “o potencial do feminismo da reprodução social de reorientar a teorização marxista foi apenas parcialmente evidente nos anos 1970”, em grande parte por generalizar o trabalho doméstico não pago como o denominador comum da opressão feminina, minimizando diferenças de classe e raça, além de ignorar a experiência das trabalhadoras domésticas assalariadas. Essa, por sinal, é a crítica feita por Angela Davis, que explicitou a ausência de reflexão sobre a questão racial no debate do trabalho doméstico dos anos 1970, criticando a ideia de que a visibilização e consequente valorização do trabalho doméstico viria com seu assalariamento, já que “nos Estados Unidos, as mulheres de minorias étnicas - especialmente as negras - têm sido remuneradas por tarefas domésticas a incontáveis décadas” (Angela DAVIS, 2016, p. 239).

Assim, estavam postos para as feministas socialistas dois grandes desafios: superar a análise reducionista do trabalho doméstico e considerar a questão racial como elemento determinante das relações sociais. O primeiro desafio foi enfrentado com sucesso por uma obra publicada em 1983 por Lise Vogel, intitulada Marxism and the oppression of women: toward a unitary theory [Marxismo e a opressão das mulheres: rumo a uma teoria unitária]. A publicação de Vogel ocorre pouco depois de uma polêmica em torno da possibilidade ou não de articular feminismo e marxismo na análise da opressão das mulheres (Lydia SARGENT, 1981). Dessa polêmica, emergiu a defesa da necessidade de se criar uma teoria unitária, superando a perspectiva dualista, na qual o patriarcado deveria ser objeto de preocupação das feministas e o capitalismo, entendido como um sistema separado, ficaria a cargo do marxismo.

A ideia de uma teoria unitária é central para a teoria marxista da reprodução social como existe hoje. Essa teoria foi pioneiramente proposta por Lise Vogel (2013), que analisou de forma crítica os esforços da tradição socialista em compreender as questões feministas, mas trazendo a inovação de uma leitura da opressão feminina baseada na análise do funcionamento do capitalismo proposta em O Capital.4 Embora apresente alguns problemas, a obra de Vogel traz diversos avanços importantes que fizeram dela uma das bases fundamentais para a teoria da reprodução social como existe hoje.5 Um de seus méritos foi tirar o foco exclusivo do trabalho doméstico e expandir o olhar para “o que há nas relações fundamentais do capitalismo que parece exigir um sistema de família baseado em uma ordem de gênero de dominância masculina” (FERGUSON; David McNALLY, 2017, p. 44). Embora Marx tenha caracterizado a força de trabalho como uma mercadoria “peculiar” (Karl MARX, 2017, p. 245), sua análise procura compreender o valor intrínseco a ela, mas não a forma como é produzida e reproduzida. A conclusão à que Vogel chega é de que a opressão das mulheres tem base na sua localização diferenciada dentro do sistema capitalista e na produção/reprodução da mercadoria força de trabalho.

A ampliação do foco de Vogel para além do trabalho doméstico permitiu colocar no centro do debate a relação entre trabalho produtivo e trabalho de reprodução social, isto é, o trabalho de “manutenção e a reprodução da vida, em nível diário e geracional” (ARRUZZA, 2015, p. 55). Constituem processos de reprodução social: 1) “atividades que regeneram a trabalhadora fora do processo de produção e que a permitem retornar a ele”, tais como “comida, uma cama para dormir, [...] cuidados psíquicos que mantêm uma pessoa íntegra”; 2) “atividades que mantêm e regeneram não-trabalhadores que estão fora do processo de produção”, como crianças, idosos e pessoas com deficiência; 3) reprodução biológica (BHATTACHARYA, 2019, p. 103).

A partir do caminho aberto pelo trabalho de Vogel, teóricas da reprodução social puderam construir uma análise sobre a forma como o capitalismo transformou as relações de gênero e da família. Enquanto em sociedades pré-capitalistas as famílias eram também unidades produtivas, com o advento do capitalismo elas perdem essa função, tornando-se o espaço privilegiado do trabalho de reprodução da vida, invisibilizado agora pelo domínio do privado:

E aqui está o ponto: embora as relações de dominação de gênero tenham permanecido, elas deixaram de ser um sistema independente que seguia uma lógica autônoma por conta desta transformação da família de uma unidade de produção a um lugar privado fora da produção de mercadorias e do mercado (ARRUZZA, 2015, p. 46).6

Outro ponto importante é a expansão do trabalho reprodutivo “para fora das paredes do lar”, que também pode ser realizado “no âmbito do mercado, do Estado de bem-estar social, dependendo das dinâmicas históricas específicas” (ARRUZZA, 2015, p. 55). Embora a família tenha se tornado o espaço preferencial do trabalho de reprodução social, o capital não depende exclusivamente dela para isso: o mercado oferece esses trabalhos sob forma de serviços pagos e o Estado também se responsabiliza por parte desse trabalho - educação e saúde públicas são exemplos importantes. Mesmo a reprodução biológica não é o único meio de fornecimento de novos trabalhadores: Ferguson (2017, p. 25) cita como possibilidades encontradas no capitalismo campos de trabalho forçado, escravidão, migração e prisões. Ainda assim,

a existência das necessidades do capital explica porque uma instituição altamente efetiva - o âmbito doméstico privatizado - é alardeada e reforçada (através de uma legislação machista, sistemas educacionais, práticas de seguridade social, por exemplo) e, desse modo, enraizada nas sociedades capitalistas (por mais que se tenha herdado práticas das sociedades pré-capitalistas e as remoldado ao longo do tempo). É essa relação essencial entre as necessidades produtivas e reprodutivas da formação capitalista, e não um impulso patriarcal trans-histórico, portanto, que torna a opressão das mulheres possível e provável sob o capitalismo (FERGUSON, 2017, p. 25-26).

Além da contribuição basilar de Vogel, a teoria da reprodução social como é hoje não seria possível sem a crítica de feministas negras e provenientes do Sul Global, sendo tributário dos esforços do Combahee River Collective, Davis e Bannerji, para citar alguns exemplos cruciais. Bannerji (1995), em particular, foi responsável pela proposição do uso do conceito marxiano de mediação para explicar “como as relações sociais vieram a ser através e dentro umas das outras” (Himani BANNERJI, 1995, p. 83). Enquanto as formulações de Vogel estabeleceram bases para a consolidação de uma teoria unitária consistente, superando a perspectiva dualista de capitalismo e patriarcado como sistemas separados, ainda era necessário explicar a articulação interna das relações de gênero, classe e raça. Isso porque as conceituações disponíveis, tais como a interseccionalidade e a consubstancialidade, foram consideradas como insuficientes para explicar essa relação sob uma perspectiva unitária (ARRUZZA, 2015, 2017; FERGUSON, 2017; McNALLY, 2017; Bárbara MACHADO, 2017; Rhaysa FONSECA; Olena LYUBCHENKO, 2018).

Bannerji retoma Marx para sublinhar que a realidade social é uma totalidade concreta que resulta de múltiplas determinações. Nesse sentido, assim como as relações de classe mediam as relações de gênero e de raça, também o gênero e a raça mediam as relações de classe. Assim, os diferentes aspectos da realidade social são reciprocamente determinados, constituem uns aos outros, ainda que não sejam equivalentes em “peso causal” (VOGEL apud BHATTACHARYA, 2017, p. 27) ou em ‘substância’. De acordo com Ferguson, “as distintas opressões não são redutíveis umas às outras, mas suas diferenças estão expressas no interior e através de (e algumas vezes excedendo) uma lógica compartilhada” (FERGUSON, 2017, p. 22).

Na atualidade, é possível identificar duas vertentes provenientes do feminismo da reprodução social: a vertente marxista ou marxiana, sobre a qual nos debruçamos em particular neste artigo, e a vertente autonomista (FERGUSON, 2020, p. 121-125; Paula VARELA, 2020). Esta última consiste em um desenvolvimento dos debates iniciados por Silvia Federici, Mariarosa Dalla Costa e suas companheiras nos anos 1970, possuindo uma visão crítica do marxismo, embora estabeleça conexões com a obra de Marx constantemente.7 Já a vertente marxiana, embora constitua um grupo organizado, inclui feministas marxistas influenciadas pelo trabalho de Vogel, interessadas em uma leitura crítica e aprofundada da teoria do valor em Marx. O principal ponto de desacordo entre as duas vertentes gira em torno da caracterização ou não do trabalho de reprodução social como capitalistamente produtivo - ponto que vai se desenrolar em importantes divergências em termos de estratégia política. De acordo com Ferguson (2020, p. 130), a visão autonomista de que o capitalismo é um sistema totalizante que se apropria do trabalho de todos os membros da sociedade tem como consequência que qualquer possibilidade de resistência se localize fora das relações capitalistas, na criação de espaços alternativos a esse sistema. Muito dessa proposta pode ser compreendida na discussão empreendida por Silvia Federici (2022) sobre a “política dos comuns”.8

A escola marxiana busca, em vez disso, lutas que quebrem o sistema por dentro. Isso requer, entre outras coisas, fazer uso e continuar desenvolvendo políticas anti-opressão de uma perspectiva de um feminismo da reprodução social renovado, para forjar e fortalecer laços de solidariedade entre movimentos comunitários e de trabalhadores (FERGUSON, 2020, p. 130).

A vertente marxista, ou marxiana, do feminismo da reprodução social - ou, como ficou conhecida, a teoria da reprodução social (TRS) - é um produto histórico de várias contribuições teóricas e políticas. Seus atributos centrais são a ampliação dos conceitos de trabalho e de classe social, além da defesa de uma teoria unitária das relações sociais e de uma concepção do capitalismo como totalidade contraditória. Ao buscar compreender a classe trabalhadora como síntese de relações sociais contraditórias, que se produzem umas às outras num contexto amplo, essa teoria supera perspectivas reducionistas do marxismo “vulgar” (Eric HOBSBAWM, 1998, p. 161), ao mesmo tempo em que instrumentaliza o feminismo para uma leitura integral das relações sociais. Em termos amplos, essa leitura integrativa da realidade resulta em uma estratégia política baseada na solidariedade “desvela uma lógica sócio-material para solidariedade” (FERGUSON, 2017, p. 18, grifo no original). De acordo com Bhattacharya, “uma compreensão do capitalismo como um sistema integrado, no qual a produção é sustentada pela reprodução social, pode ajudar as lutadoras e lutadores a entender a importância das lutas políticas em ambas as esferas e a necessidade de unificá-las” (BHATTACHARYA, 2019, p. 110).

Divergências e tensões

Embora acreditemos que seja possível realizar um diálogo proveitoso entre o feminismo materialista francófono e a teoria da reprodução social, há pontos de tensão importantes entre as duas perspectivas, alguns dos quais elencaremos a seguir. Cabe, antes disso, fazer a ressalva de que ruídos entre as teorias aqui em questão podem também estar, até certo ponto, relacionados à dinâmica que envolve as traduções. Mesmo que a ‘viagem’ dos conceitos aconteça principalmente entre países do Norte global, é preciso analisar o processo de tradução cultural e os sujeitos no fluxo de ideias (Adriana PISCITELLI, 2005, p. 143). Trata-se de uma viagem transatlântica, multilíngue e com autoras originárias de países do Norte e do Sul global, com trajetórias de vida distintas.

Nos Estados Unidos, o que se convencionou chamar de french feminism - feminismo francês - não tinha nenhuma proximidade com as materialistas e as autoras-referência nem mesmo se reivindicavam feministas: Julia Kristeva, Hélène Cixous e Lucy Irigaray têm uma trajetória intelectual vinculada à Psicanálise. Arruzza comenta que o french feminism recorreu à Psicanálise para elaborar uma visão essencialista da “diferença”, baseada nas características sexuais das mulheres, o que fez com que elas se afastassem de qualquer ação conjunta com as feministas, como na questão do aborto (ARRUZZA, 2019, p. 84). Juteau e Delphy, por sua vez, apontam que, nos Estados Unidos, as feministas consideraram a corrente diferencialista como a totalidade do feminismo francês, o que eliminou dos debates tanto o feminismo materialista quanto o marxista francófono (JUTEAU, 2016, p. 134).

Para além das possíveis diferenças decorrentes das traduções, identificamos três grandes pontos de divergência entre as duas tradições feministas sobre as quais nos debruçamos aqui: 1) um desacordo sobre as concepções de classe, trabalho produtivo e apropriação, derivado das relações diferenciadas com a teoria marxiana; 2) a explicação sobre a relação estrutural entre capitalismo, patriarcado e racismo; 3) a natureza da articulação entre gênero, raça e classe social.

Vimos que a teoria da reprodução social contemporânea se divide em uma vertente marxista - à qual nos referimos em particular neste artigo - e uma vertente autonomista, tendo como ponto de discordância central as formas de apropriação da teoria de Marx e as estratégias políticas daí decorrentes. Essa discordância também se expressa com relação ao feminismo materialista francófono. Arruzza, ligada à vertente marxista, propõe que tanto as análises do feminismo materialista - em particular a de Delphy - quanto de autonomistas como Mariarosa Dalla Costa acabam por transformar gênero em classe, perdendo de vista particularidades importantes de cada âmbito (ARRUZZA, 2019, p. 108).

Essa dissolução do gênero na classe teria origem no fato de que tanto Delphy quanto as componentes do movimento “Salários para o Trabalho Doméstico” atribuíram ao trabalho reprodutivo das mulheres “um caráter produtivo em termos marxistas” (ARRUZZA, 2019, p. 101). A busca pela base material da opressão das mulheres no capitalismo empreendida nos anos 1970 teria, para Arruzza, levado a uma confusão entre opressão e exploração do trabalho. Enquanto a opressão está ligada a práticas discriminatórias sofridas por “grupos definidos dentro e através da classe” (Abigail BAKAN, 2016, p. 65), a exploração acontece, conforme Marx, quando há produção de mercadoria e, portanto, de valor pelo trabalhador no âmbito do mercado capitalista. Desconsiderar que o trabalho reprodutivo - em particular o trabalho doméstico - produz valor significaria ignorar a separação operada pelo capitalismo entre as esferas produtiva (pública) e reprodutiva (privada). No caso das feministas autonomistas, a consequência dessa imprecisão teria sido a demanda de salário para o trabalho doméstico. Na leitura de Arruzza, a análise de Delphy vai em sentido contrário: não seria o capitalista quem se apropria do trabalho não pago das mulheres, ainda que o sistema se beneficie dele, e sim os homens.

Se o “inimigo principal” das mulheres é o patriarcado, como afirma Delphy, então as mulheres deveriam “primeiro deixar de se identificar com as classes fundamentais do capitalismo (a classe trabalhadora e a burguesia) para se tornarem conscientes da sua posição de classe dentro do patriarcado e, portanto, de sua solidariedade de interesses como mulher” (ARRUZZA, 2019, p. 107). Na análise de Arruzza, essa consequência política é um principal problema da proposta de Delphy. Para Delphy, porém, o marxismo também pode ser considerado um inimigo: “desde o surgimento da segunda onda, o marxismo teria sido para as feministas, ao mesmo tempo um obstáculo e um instrumento, ou, em outros termos, o inimigo principal e o interlocutor privilegiado” (ABREU, 2016, p. 222). Reconhecendo nele a base teórica e inspiração fundamental, as materialistas também criticavam a secundarização da opressão das mulheres por parte das organizações marxistas e de esquerda em geral.

Com relação ao conceito de apropriação, ele aparece na obra de Marx veiculado à noção de exploração do trabalho, por meio da qual o capitalista se apropria do mais-trabalho do trabalhador para obter mais-valor (MARX, 2017). O mesmo conceito aparece de maneira bastante diferente no trabalho de Colette Guillaumin. A autora faz uma analogia entre distintos modos de produção - escravidão, servidão e sexagem - para chegar à apropriação das mulheres enquanto corpo-máquina-de-trabalho. O intuito de Guillaumin é tratar da reificação dos corpos. Contudo, a comparação é, no mínimo, problemática entre os corpos de mulheres e de pessoas em situação de servidão e escravidão, dada a diferença dos contextos sociais e históricos.

O segundo ponto de divergência importante entre a TRS e o feminismo materialista francófono se localiza nas diferentes formas de explicar a relação estrutural entre capitalismo, patriarcado e racismo. As teóricas da reprodução social têm na defesa da teoria unitária uma pedra fundamental de seu pensamento. Não há, portanto, o uso da ideia de patriarcado como um sistema social, sendo o capitalismo compreendido enquanto sistema unitário - ainda que contraditório, integrado por relações de gênero e raça. Por outro lado, muitas autoras ligadas ao feminismo materialista francófono defendem a existência de sistemas duplos (capitalismo e patriarcado) ou triplos (patriarcado, racismo e capitalismo). Mesmo autoras que têm uma proximidade um pouco maior com discussões marxistas, como é o caso de Delphy fazem uma separação sistêmica entre o capitalismo e as relações “patriarcais”, por mais imbricadas que essas relações possam estar. Ao defender a existência de um modo de produção doméstico, Delphy afirma que o trabalho das mulheres é excluído do mundo do valor, sendo elas próprias retiradas desse âmbito por causa das relações sociais: “São as mulheres que são excluídas do mercado (da troca) enquanto agentes econômicos e não sua produção” (DELPHY, 2013, p. 102). Novamente aqui há uma compreensão, vinda desde a atuação no movimento feminista, de que é necessário refletir sobre a situação específica das mulheres, o que não era feito no seio da esquerda. A motivação, afirma Delphy, é o fato de, no pensamento marxista, a opressão das mulheres ser uma consequência secundária da luta de classes; e nos regimes socialistas a opressão das mulheres ser atribuída a causas ideológicas - o que, para ela, “implica uma definição não marxista e idealista da ideologia” (DELPHY, 2013, p. 34).

Para Arruzza, a consubstancialidade proposta por Kergoat também se trata de uma teoria de sistemas duplos/triplos, já que as relações patriarcais raciais e de classe, nessa visão, constituem “três sistemas baseados na exploração e dominação que se interseccionam e são da mesma substância (exploração e dominação), ao mesmo tempo em que são distintos, como as três pessoas da Santíssima Trindade” (ARRUZZA, 2015, p. 39).

Essa crítica se relaciona diretamente com o terceiro ponto de divergência fundamental entre os dois campos feministas ora abordados: a natureza da articulação entre gênero, raça e classe. Enquanto há diferentes propostas conceituais no feminismo materialista francófono, como combinatória straight e consubstancialidade, há uma convergência teórica na TRS com relação a esse assunto, baseada nos conceitos marxianos de determinação e mediação, conforme a proposta de Bannerji (1995).

Do ponto de vista das autoras da TRS, conceber a classe social como uma unidade contraditória mediada e determinada por relações de gênero e raça tem como consequência política uma nova concepção de solidariedade entre os movimentos sociais, já que as questões ditas ‘específicas’ estão internamente relacionadas. Do ponto de vista das materialistas, a proposta de múltiplos sistemas também exigiria um reforço dos laços de solidariedade. Entretanto, em uma autocrítica de 1980, elas decidem que, buscando diferenciar-se das análises classistas, privilegiariam os pontos comuns entre as mulheres (ABREU, 2016, p. 140), em detrimento de uma percepção combinada das opressões.

Convergências e caminhos

Apesar das significativas divergências, há convergências importantes nas análises propostas pelas feministas materialistas francófonas e as teóricas da reprodução social, que podem apontar caminhos essenciais para os movimentos feministas preocupados com uma transformação profunda da sociedade. Identificamos quatro pontos centrais de convergência nesse conjunto de feministas anticapitalistas: 1) perspectivas críticas ao capitalismo e ao neoliberalismo em tempos em que há uma prevalência do pós-estruturalismo no campo de estudos de gênero e nas teorias feministas; 2) crítica ao colonialismo, compreendido como componente estrutural do sistema capitalista; 3) centralidade do trabalho nas análises e estratégias de luta; 4) defesa de uma luta feminista que contemple qualitativamente as relações de classe; 5) defesa da necessidade de uma transformação social profunda.

Essas feministas anticapitalistas estão preocupadas em compreender a lógica sistêmica por trás das diferentes expressões de desigualdade social. Através de diferentes propostas e caminhos, elas identificam no capitalismo, nas relações patriarcais, no racismo e no heterossexismo uma relação dinâmica que determina as condições nas quais nossas vidas acontecem, sendo necessária por isso uma perspectiva antissistêmica como parte integrante da luta feminista.

Isso se torna particularmente importante no contexto de avanço global do neoliberalismo e do neoconservadorismo, principalmente quando consideramos realidades da periferia do capitalismo, como é o caso do Brasil, o que torna igualmente fundamental pensar em termos de relações neocoloniais. O processo de acumulação primitiva colonial foi central para o desenvolvimento do capitalismo e a colonização transformou as relações sociais entre homens e mulheres. Como demonstra Silvia Federici, é a partir da invasão de Abya Yala que há a adoção do extermínio como estratégia política (FEDERICI, 2017, p. 407). O extermínio é direcionado inicialmente aos povos originários, considerados hereges pelos católicos, e é posteriormente estendido, no continente europeu, às mulheres, acusadas de bruxaria. A demonização das mulheres está, portanto, na gênese do sistema capitalista e, assim como a acumulação primitiva, segue um processo atuante na sociedade contemporânea. Há um continuum entre a violência colonial e a violência atual, que, por ser também racializada, coloca em posição de maior vulnerabilidade as mulheres trabalhadoras não brancas. É, afinal, o colonialismo que dá origem também ao racismo. Falquet chama atenção para a importância de agregar à reflexão materialista os trabalhos das feministas decoloniais de Abya Yala, como María Lugones e Brenny Mendoza, que “defenderam que a colonização europeia havia desde o princípio racializado e sexualizado a mão de obra e a organização do trabalho, desde o início da gestação do capitalismo” (FALQUET, 2019, p. 131). Para Falquet, essa chave analítica é fundamental para compreender a reorganização do trabalho na mundialização neoliberal.

As críticas dessas feministas ao neoliberalismo estão particularmente interessadas em compreender de que forma esse regime se expressa na precarização da vida - e o porquê dele se expressar tão marcadamente nesse âmbito. Por isso, muitas autoras têm se debruçado sobre a ideia de crise do cuidado ou crise da reprodução social. A crise atual do cuidado está diretamente relacionada às crises econômica e social de 2008, decorrentes da crise bancária e dos mercados financeiros. Essa crise social, afirma Helena Hirata, “aprofundou as consequências negativas de uma série de fenômenos de cunho neoliberal observados desde o início dos anos noventa, como as privatizações, a diminuição da proteção social, a redução de todos os serviços públicos” (HIRATA, 2011, p. 13).

Fraser propõe pensar a crise da reprodução social como uma vertente de uma crise geral com outras vertentes na economia, da ecologia e na política, uma influenciando e exacerbando a outra (FRASER, 2017, p. 34). Ela propõe a expressão “contradições sócio-reprodutivas do capitalismo” (FRASER, 2017, p. 35), inerentes ao sistema, embora assumam formas específicas nas diferentes fases históricas do capitalismo. Fraser aponta que há uma contradição fundamental entre o sistema capitalista e a reprodução social que gera uma tendência de crise: se, por um lado, o capitalismo precisa do trabalho de reprodução social para se reproduzir enquanto sistema, sua própria tendência de acumulação ilimitada prejudica os processos de reprodução social dos quais o sistema depende (FRASER, 2017, p. 35).

Ao analisar o neoliberalismo, Fraser aponta que o desinvestimento no bem-estar social e o recrutamento das mulheres para o trabalho assalariado (em particular, o precarizado) sobrecarregou as famílias e comunidades com a responsabilidade sobre o trabalho de cuidado ao mesmo tempo em que diminuiu sua capacidade de executá-lo (FRASER, 2017, p. 45). Além disso, a lógica neoliberal de queda dos salários abaixo dos custos necessários à reprodução social fomentou uma necessidade constante de aumento da renda através de “bicos” e uma expansão do endividamento dos trabalhadores.

Um ponto fundamental da análise das feministas anticapitalistas nesse sentido tem relação com a ideia de “cadeias globais de cuidado”. Ao sobrecarregar as famílias e comunidades com o trabalho de cuidado ao mesmo tempo que insere crescentemente as mulheres no mercado de trabalho pago, o neoliberalismo gera um vácuo de cuidado que vai sendo “suprido” com o emprego de trabalho precarizado de mulheres em situação mais vulnerável que aquelas que as empregam: mulheres não brancas, do campo, imigrantes etc. Para assumir esse lugar, essas mulheres

precisam transferir suas próprias responsabilidades familiares e comunitárias para outras cuidadoras também pobres, que precisam fazer o mesmo - e assim sucessivamente, em “cadeias globais de cuidado” cada vez mais longas. Longe de preencher a lacuna, o efeito em rede é de deslocá-la - de famílias mais ricas para as mais pobres, do Norte Global para o Sul Global (FRASER, 2017, p. 47).

Fica evidente a centralidade do trabalho na crítica dessas feministas anticapitalistas ao neoliberalismo. É necessário sublinhar que elas apresentam uma noção ampliada de trabalho, que vai além do foco no trabalho assalariado formal, incluindo o trabalho reprodutivo ou o trabalho de cuidado e sua relação com o primeiro. Esse olhar ampliado e relacional permite uma compreensão integral da dinâmica sistêmica do capitalismo e das relações sociais de sexo/gênero, raça e sexualidade.

Outro ponto que singulariza essas feministas anticapitalistas é a defesa de uma luta feminista que contemple as relações de classe. Muito da crítica que elas fazem a análises balizadas no conceito de interseccionalidade têm relação com a forma inconsistente e errática com que a abordam (quando abordam) essa questão. Ainda que o conceito de classe possa ser tomado a partir de uma perspectiva marxista ou não, o fato é que essas feministas anticapitalistas buscam apresentar uma análise qualitativa das relações de classe, que supere uma mera indicação descritiva da existência de mulheres pobres e outras ricas ou “privilegiadas”.

Embora os entendimentos sobre como a articulação entre classe, raça/etnia, gênero e sexualidade sejam diferentes, essas feministas anticapitalistas têm em comum a crítica a uma perspectiva aditiva das desigualdades. Para as teóricas da reprodução social, o modelo aditivo não é capaz de mostrar que há uma base lógica e histórica para a solidariedade entre os oprimidos, se restringindo a “contar apenas com os apelos morais para que se respeite as diferenças e se reconheça ‘as experiências compartilhadas de discriminação’” (FERGUSON, 2017, p. 18).

Desde a perspectiva do feminismo materialista, Falquet reflete que a imbricação das relações sociais de “raça”, sexo e classe, pensadas tanto de maneira sincrônica quanto em sua dinâmica histórica, contribuem para perceber mais facilmente tanto estratégias individuais como coletivas e transgeracionais (FALQUET, 2019, p. 142). Aqui fica evidente o último ponto de convergência que identificamos entre essas feministas anticapitalistas: a defesa da necessidade de uma transformação social profunda. Inspiradas pela filosofia da práxis, essas autoras buscam atualizar suas formulações à luz dos problemas apresentados atualmente, para que seja possível atuar diante deles.

Conclusão

Se o neoliberalismo e o neoconservadorismo se apresentam como forças relacionais que atuam diretamente na precarização da vida, no geral, e das condições de vida das mulheres, em particular, também é verdade que as lutas contra esse processo têm despontado crescentemente. Retomando as experiências da Greve Internacional de Mulheres e do movimento argentino Ni Una Menos, Arruzza e Kelly Gawel (2020) afirmam que a luta política balizada pela noção de reprodução social “se recusa a isolar intimidades corporificadas e violência interpessoal da dominação e do poder social estrutural”. No caso do Ni Una Menos, elas apontam que

em vez de seguir uma narrativa liberal e individualizada de ‘domesticidade’, patologia individual e vitimização em torno da violência contra mulheres, pessoas trans e queer, o Ni Una Menos enquadrou sua oposição à violência de gênero em uma crítica política e social da totalidade das relações sociais (ARRUZZA; GAWEL, 2020, p. 3).

Ao analisar movimentos de resistência à violência decorrente de conflitos agrários na Guatemala, Falquet destaca que, a partir de suas próprias vivências e necessidades concretas, as mulheres têm conseguido “repolitizar a luta contra as violências contra as mulheres, inscrevendo-as em uma análise global e imbricada das lógicas sexistas, racistas e neoliberais-capitalistas dominantes” (FALQUET, 2017, p. 142).

Trabalhos recentes de Gago (2020), sobre as já citadas mobilizações de mulheres argentinas, e o de Chiara Bottici (2021), buscando resgatar a importância do feminismo anarquista, também se inscrevem, dentre outras, nesse esforço teórico recente.

A crítica antissistêmica das vertentes feministas anticapitalistas aqui abordadas é fundamental para minar a “redefinição da emancipação em termos mercadológicos” promovida pelo neoliberalismo, que tem acometido significativamente os discursos feministas que circulam socialmente de maneira hegemônica (FRASER, 2017, p. 46). Enquanto celebra a diversidade e defende a ascensão de indivíduos “representativos” a posições de poder, o capitalismo neoliberal desmantela políticas sociais e onera famílias e comunidades com um trabalho de reprodução social e de cuidado que não têm condição de cumprir, extrai da terra os recursos naturais e destrói ambientes e comunidades.

Voltar nosso olhar para as convergências entre essas diferentes vertentes do feminismo anticapitalista permite identificar o que há de mais essencial na crítica ao capitalismo e às relações patriarcais, racistas, colonialistas e heterossexistas que têm acossado nossa realidade. Tais relações têm se intensificado com o fortalecimento da extrema-direita a nível global, que, na combinação de neoliberalismo com neoconservadorismo, busca enfraquecer o Estado e precarizar ainda mais as condições de vida da população.

Da mesma forma, ajuda a identificar caminhos através dos quais essa realidade tem sido questionada e outras possibilidades de existência possível têm sido imaginadas. Um feminismo anticapitalista deve ter como base uma premissa de solidariedade com os diversos sujeitos que atuam nas lutas contra a precarização da vida, como movimentos de luta pelo direito à habitação, saúde, segurança alimentar; pelos direitos de migrantes, trabalhadoras domésticas e funcionários públicos; pelos direitos trabalhistas de pessoas que atuam em empregos ligados ao cuidado; por serviços públicos de qualidade de educação, creches, cuidado de idosos e pessoas com deficiência; por jornadas de trabalho mais curtas; por licenças maternidade e paternidade mais longas e bem pagas etc. (FRASER, 2017, p. 48). Deve-se também pensar o corpo como território e as conexões entre o território e o corpo para compreender que a luta contra o extrativismo predatório, contra a acumulação primitiva ainda em curso, e aprender, desde as experiências dos feminismos comunitários, diferentes estratégias de resistência e luta (FALQUET, 2017, p. 141). Todas essas reivindicações devem ser compreendidas como essenciais, ao mesmo tempo em que são compreendidas como parte integral de uma luta mais ampla contra o capitalismo neoliberal.

O trabalho necessário para reprodução da vida e de cuidado são necessidades humanas e não necessariamente precisam ser atividades custosas que onerem majoritariamente as mulheres - em particular, as não brancas. As lutas e elaborações teóricas das feministas anticapitalistas abordadas neste artigo podem ajudar a nos lembrar que cuidar uns dos outros e manter nossas subjetividades e corpos podem e devem ser atividades permeadas por prazer, afeto e trocas subjetivas, para além do que as relações de opressão nos impõem.

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1Reconhecemos aqui os limites dessa classificação, que é problemática tanto do ponto de vista geográfico, já que sua ênfase é dada ao norte global, quanto histórico, por poder transmitir a impressão de que as mobilizações feministas não foram contínuas, ocorrendo antes e depois desse período.

2Optamos por manter a palavra rapport em francês para marcar a impossibilidade da tradução no sentido pleno usado pelas autoras.

3Denominação do continente americano na língua Kuna e comumente utilizada em respeito aos povos originários e como crítica à invasão colonial.

4Segundo Ferguson e McNally, muitas feministas socialistas haviam usado como pontos de referência teórica trabalhos como A Ideologia Alemã, de Marx, ou A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels. Ao partir de O Capital, Vogel partia de teorizações “projetadas para iluminar os profundos processos estruturais através dos quais o modo de produção capitalista se reproduz”, abrindo “uma nova direção para a pesquisa feminista socialista” (FERGUSON; McNALLY, 2017, p. 26).

5Alguns dos maiores problemas da obra de Vogel são a ausência da questão racial na análise, a separação entre teoria (abstrata) e história (empírica) e o uso impreciso do conceito de “trabalho necessário”. Conferir Ferguson e McNally (2017) para uma análise detida.

6Arruzza faz a ressalva de que esse processo aconteceu de forma diferenciada nos países centrais e na periferia do capitalismo, mas sinaliza que “os efeitos do colonialismo, do imperialismo, da pilhagem de recursos naturais por parte dos países capitalistas avançados, das pressões objetivas do mercado global, etc., tem um impacto significante nas relações sociais e familiares que organizam a produção e distribuição de bens, frequentemente exacerbando a exploração das mulheres e a violência de gênero” (ARRUZZA, 2015, p. 47).

7Mariarosa Dalla Costa e Silvia Federici fazem parte de uma tradição socialista denominada “autonomismo”, que emergiu na luta dos trabalhadores italianos na década de 1960. Os autonomistas extrapolam a concepção marxista de trabalho produtivo para todo o tipo de trabalho, incluindo no escopo de trabalhadores produtivos donas de casa, estudantes e desempregados, como parte de sua estratégia política (FERGUSON, 2020, p. 121-122). A ampliação do trabalho produtivo implica numa expansão da ideia de exploração do trabalho e da classe trabalhadora, que se relaciona com a defesa de uma concepção de resistência por fora das relações capitalistas.

8Federici adverte que “a noção de comuns é objeto de muito debate e experimentação”, mas define alguns critérios de definição que incluem a concepção de que são relações sociais que envolvem a construção de espaços autônomos definidos por propriedades compartilhadas de recursos naturais ou sociais (FEDERICI, 2022, p. 163-169). Há, portanto, uma concepção de externalidade às relações sociais capitalistas.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: MACHADO, Bárbara Araújo; MANO, Maíra Kubík. “Feminismos anticapitalistas contra a precarização da vida”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 2, e92877, 2023

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 10 de Fevereiro de 2023; Revisado: 09 de Maio de 2023; Aceito: 25 de Julho de 2023

barbara.machado@uerj.br

maira.kubik@ufba.br

Bárbara Araújo Machado (barbara.machado@uerj.br) é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense e professora adjunta do Instituto de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É pesquisadora do Observatório da História da Classe Trabalhadora (UFF) e do Laboratório de Ensino de História (LEH-CAp/UERJ)

Maíra Kubík Mano (maira.kubik@ufba.br) é doutora em Ciências Sociais pela Unicamp e professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (FFCH/UFBA), e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA. É pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher/UFBA)

Contribuição de autoria: As autoras contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

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