Introdução
Como os movimentos feministas influenciam a aprovação de proposições legislativas? Essa pergunta é importante porque pretende avançar nos estudos sobre a institucionalização das demandas dos movimentos sociais, uma agenda de pesquisa que tem ganhado cada vez mais destaque nas Ciências Sociais. A partir de uma abordagem que parte do pressuposto de mútua constituição entre Estado e sociedade (Adrian LAVALLE et al., 2018), focarei em um tipo específico de repertório de interação ainda pouco explorado pela literatura: as interações entre os movimentos sociais e o Poder Legislativo.
Em trabalho anterior, analisei as interações entre os movimentos feministas e o Congresso Nacional brasileiro, através das lentes teóricas do feminismo estatal (Joni LOVENDUSKI, 2005; Dorothy McBRIDE; Amy MAZUR, 2010). Costurei diálogos entre a literatura sobre movimentos sociais e representação política, desde uma perspectiva feminista, propondo o conceito de feminismo estatal representativo1. Este conceito pretende, em diálogo com as teorias políticas feministas, demonstrar como a dimensão descritiva se conecta com a dimensão substantiva da representação (Hanna PITKIN, 1967) ou, em outras palavras, como a presença de parlamentares comprometidas com as pautas feministas pode fazer diferença para o resultado do processo legislativo em temas relacionados à igualdade de gênero.
Assim, uma das contribuições da minha pesquisa de doutorado foi entender se e como os movimentos feministas importam para a representação política das mulheres nas instituições. Concluí que as interações entre os movimentos feministas e a bancada feminina do Congresso Nacional possibilitaram a conexão entre a presença de mulheres no parlamento e a defesa de projetos relacionados à igualdade de gênero, mesmo em um contexto de sub-representação feminina. A profissionalização das ativistas e sua atuação por meio de ONGs e sindicatos permitiu que elas fossem capazes de traduzir as demandas dos movimentos em normas legislativas. A formação de coalizões multipartidárias, com o apoio de parlamentares homens, também foi decisiva para a aprovação das proposições legislativas em questão.
Agora, neste artigo, pretendo aprofundar a análise das interações sócioestatais entre movimentos feministas e o parlamento a partir dos estudos de caso da legalização do aborto em dois países. A partir desta comparação, pretendo explicar por que a legalização do aborto foi aprovada via projeto de lei na Argentina e não no Brasil.
Diante do acúmulo de conhecimento na área de pesquisa sobre a institucionalização dos movimentos sociais, é interessante analisar o caso argentino em comparação ao caso brasileiro, uma vez que os dois países apresentam desenhos institucionais e trajetórias de ativismo semelhantes, mas com resultados diferentes com relação à institucionalização da legalização do aborto. Tanto Brasil quanto Argentina possuem sistemas políticos federativos, de representação proporcional, multipartidários e com Congressos Nacionais fragmentados, o que leva à necessidade de formação de coalizões (Ernesto CALVO, 2014).
Na dimensão do ativismo, os movimentos feministas dos dois países reivindicam a legalização do aborto desde pelo menos a década de 1960, em contextos políticos marcados por ditaduras (Dora BARRANCOS, 2022). Além disso, nos dois países, há um ativismo religioso conservador antiaborto dentro e fora do parlamento (Ana Carolina MARSICANO; Joanildo BURITY, 2021; Pablo BESSONE, 2017). Assim, pretendo identificar quais fatores fizeram com que as feministas argentinas fossem mais bem sucedidas do que as brasileiras em relação a essa pauta específica, já que, no Brasil, o aborto, atualmente, é legalizado em apenas três casos: gravidez decorrente de estupro, risco de vida para a mãe e fetos anencefálicos.2
O tema da legalização do aborto, além de ser uma reivindicação histórica dos movimentos feministas, é central no debate público atual acerca dos direitos humanos das mulheres e, mais amplamente, das ameaças à consolidação da democracia em nosso país (Flávia BIROLI; Luis Felipe MIGUEL, 2016). O caso, ocorrido em 2020, da menina de 10 anos que engravidou em decorrência de um estupro praticado pelo seu tio demonstrou o quanto o Brasil precisa avançar na garantia dos direitos reprodutivos de mulheres e meninas. A referida criança encontrou inúmeras dificuldades para interromper a gravidez, direito já garantido pela lei desde 1940, em casos de estupro. Para que fosse possível realizar o procedimento, ela teve que viajar da cidade de São Mateus, no Espírito Santo, para Recife, após negativas de atendimento por parte de médicos em sua cidade natal. Quando chegou ao hospital, a menina e seus familiares enfrentaram ativistas religiosos conservadores, que os chamavam de assassinos. Esses ativistas se organizaram após a publicação de informações sigilosas sobre a localização do hospital e tiveram o apoio da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Damares Alves.3
Este é apenas um entre tantos exemplos que demonstram a fragilidade dos direitos reprodutivos e, consequentemente, da consolidação do regime democrático no Brasil. No entanto, o debate acerca dos direitos reprodutivos não se restringe a casos individuais. Pelo contrário, trata-se de um problema estrutural. Dados mostram, por exemplo, que a mortalidade materna em casos de aborto é maior entre mulheres negras do que mulheres brancas (Alaerte MARTINS, 2006), o que demonstra a necessidade de um olhar interseccional para a pauta que considere a existência do racismo estrutural. Outro aspecto relevante é a gravidez na adolescência, que continua sendo uma das principais causas de mortalidade de mulheres nessa faixa etária.4
Tendo em vista o que foi discutido até aqui, o artigo será dividido em três partes, além desta introdução. Na primeira parte, desenvolverei uma discussão de caráter mais teórico sobre as interações entre os movimentos sociais e o Estado. Na segunda parte, apresentarei os estudos de caso sobre a legalização do aborto no Brasil e na Argentina, focando a relação entre os movimentos feministas e o Poder Legislativo. Por fim, farei algumas considerações finais apontando para quatro principais explicações para o sucesso da institucionalização da legalização do aborto na Argentina via projeto de lei aprovado pelo parlamento e seu insucesso no caso brasileiro.
Interações sócio-estatais: movimentos sociais e instituições políticas
Cada vez mais, nas Ciências Sociais, tem surgido estudos cujo objetivo principal é analisar as interações sócio-estatais e, mais especificamente, a institucionalização dos movimentos sociais no Estado (LAVALLE et al., 2018). As abordagens e metodologias são variadas, mas convergem no entendimento de que as relações entre os movimentos sociais e o Estado podem ir além do binômio conflito vs. cooptação, que, por muito tempo, foi a chave de leitura primordial desse tipo de fenômeno. Essas interpretações mais recentes argumentam que a separação entre Estado e sociedade não pode ser verificada nem teórica nem empiricamente, apesar do que pressupôs parte dos estudos sobre os movimentos sociais.
Parte da tradição dos estudos sobre os movimentos sociais e o Estado os conceberam como esferas separadas e autônomas (Charles TILLY, 1978; Sidney TARROW, 1998; Donatella DELLA PORTA; Mario DIANI, 2006). Os movimentos sociais seriam “desafiadores” que buscariam ganhos a partir da relação com o Estado por meio de repertórios de ação contenciosos (Doug MacADAM, TARROW; TILLY, 2001). No entanto, os estudos contemporâneos sobre as interações sócio-estatais têm demonstrado que essa não é a única forma possível de relação entre movimentos sociais e instituições políticas, uma vez que outros repertórios de ação, baseados na cooperação entre atores sociais e estatais, também podem ser encontrados (Euzeneia CARLOS, 2017; Rebecca ABERS; Lizandra SERAFIM; Luciana TATAGIBA, 2014). Para esses autores mais contemporâneos, não se trata de substituir o conflito pela cooperação, mas sim de analisar como os diferentes tipos de estratégia se articulam na ação dos movimentos em sua interação com o Estado.
Uma abordagem possível ao problema da institucionalização dos movimentos sociais parte do princípio de mútua constituição entre os movimentos sociais e o Estado, rompendo com a separação dicotômica entre essas duas esferas (LAVALLE; José SZWAKO, 2015). Seguindo o pressuposto de mútua constituição, existiriam diferentes tipos de encaixes institucionais entre sociedade e Estado, entendidos como pontos de acesso dentro das instituições estatais, que podem ser mais permeáveis para determinados atores do que para outros (LAVALLE et al, 2018). Esses encaixes institucionais promovem acesso duradouro dos atores sociais às instituições, ampliando a capacidade de influência dos primeiros e produzindo efeitos tanto dentro dos movimentos quanto das instituições estatais.
No caso do presente artigo, interessam-me, especialmente, os encaixes institucionais produzidos a partir da interação entre os movimentos feministas e o Poder Legislativo. Quando consideramos a interação entre movimentos sociais e parlamento, existem tipos específicos de encaixes institucionais que podem incluir a assessoria parlamentar, as audiências públicas, as lideranças partidárias e as frentes parlamentares (Matheus PEREIRA, 2020).
Em termos histórico-contextuais, no caso brasileiro, o fortalecimento do campo de pesquisa sobre as interações sócio-estatais é derivado do fato de que, com a redemocratização, os movimentos sociais passaram por um processo crescente de institucionalização. Durante os governos petistas, especialmente no primeiro mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva, por conta da origem do partido, que esteve bastante vinculada aos movimentos sociais, tendo a participação social como um princípio ideológico, esse processo de institucionalização se ampliou (Carla BEZERRA, 2019). Então, ativistas dos movimentos sociais passaram a ocupar cargos na burocracia estatal, nos partidos políticos e nos parlamentos.
Esse fenômeno também ocorreu em outros países latino-americanos (Neiva FURLIN, 2020). No caso argentino, os movimentos sociais, assim como no Brasil, passaram por um processo de institucionalização após o término da ditadura (Camille GOIRAND, 2009). A redemocratização tornou o Estado mais poroso às demandas dos atores sociais, e políticas públicas que eram demandadas pelos movimentos sociais foram implementadas, assim como aconteceu no Brasil (CARLOS, Monika DOWBOR; Maria do Carmo ALBUQUERQUE, 2017). Na Argentina, na década de 1990, com o endurecimento das políticas neoliberais e com a privatização das empresas públicas surgem os piqueteiros, que inauguram uma nova forma de ativismo político no país, levando a população novamente às ruas e resgatando uma visão mais crítica dos movimentos perante o Estado (Camila PENNA, 2008).
Verónica Gago (2020) afirma que, em termos genealógicos, existem quatro linhas principais de ativismo político na Argentina. A primeira delas é caracterizada pelo movimento de mulheres, cuja referência principal são os Encontros Nacionais de Mulheres que acontecem anualmente no país, desde a década de 1980. A segunda é a linha dos direitos humanos, protagonizada pelas Mães e Avós da Praça de Maio, que até hoje lutam por informações sobre seus familiares mortos e desaparecidos durante a ditadura. A terceira tem relação com o movimento de dissidências sexuais, que vai da Frente de Libertação Homossexual dos anos 1970 à militância lésbica pelo acesso ao aborto e ao ativismo trans, travesti e intersexual. Por fim, a quarta linha diz respeito aos movimentos sociais mobilizados em torno de questões relacionadas ao mercado de trabalho formal como, por exemplo, o movimento nacional de desempregados, protagonizado por mulheres.
No caso dos movimentos feministas, desde a década de 1980, no Brasil, as feministas passaram a ocupar cargos na burocracia estatal e nos parlamentos, fazendo com que as demandas dos movimentos se transformassem em leis, normas e programas (ALVAREZ, 2014; BIROLI, 2018). A participação de ativistas nos Conselhos e nas Conferências de Políticas Públicas, desde a redemocratização, garantiu a consolidação de direitos reivindicados há décadas pelos movimentos feministas, processo denominado por Marlise Matos e Sonia Alvarez (2018) como feminismo estatal participativo. A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão com status ministerial, durante o governo Lula (em 2003), representou a coroação desse processo.
A institucionalização dos movimentos feministas, no entanto, não ocorreu sem conflito, tanto no Brasil quanto na Argentina. As ativistas, por possuírem posicionamentos políticos heterogêneos, não tinham consenso sobre as formas de aproximação com o Estado, e grupos autodenominados “autonomistas” ou anarquistas se posicionaram contra a institucionalização (ALVAREZ, 2014). Uma vez dentro do Estado, as ‘femocratas’ tiveram que enfrentar opositores das pautas defendidas por elas, mesmo durante os governos progressistas, e as críticas do próprio movimento com relação à institucionalização (Simone BOHN, 2010).
As teorias feministas foram pioneiras em aprofundar a análise dos processos de institucionalização dos movimentos sociais, a partir da abordagem do feminismo estatal (McBRIDE; MAZUR, 2010; LOVENDUSKI, 2005; Ann BANASZAK, 2010). Conceitos como femocratas e femocracia foram criados para dar conta da complexidade do fenômeno de institucionalização dos feminismos. Apesar do pioneirismo das teóricas feministas, as análises hegemônicas do campo ainda consideram os movimentos feministas apenas como estudos de caso, sem promover um salto teórico, normativo e epistemológico capaz de compreender as contribuições que os feminismos podem trazer para esse campo (Joyce OUTSHOORN, 2010).
Apesar do crescimento da agenda de pesquisa sobre as relações sócio-estatais, a interação entre os movimentos sociais e o Poder Legislativo continua sendo um aspecto ainda pouco estudado, mesmo entre as teorias feministas (Renata CARONE, 2018). Esse dado é surpreendente, uma vez que inúmeras conquistas dos movimentos sociais, mais especificamente dos movimentos feministas, se deram a partir da interação com o parlamento. Apesar da histórica sub-representação política feminina, principalmente nos cargos do Legislativo, os movimentos feministas, desde as sufragistas, foram capazes de influenciar a aprovação de proposições legislativas de combate à violência contra as mulheres, de promoção da saúde feminina, de autonomia financeira, de direitos trabalhistas e de participação política, apenas para citar alguns exemplos.
O conceito de feminismo estatal busca compreender o fenômeno da ocupação de cargos na burocracia estatal por ativistas feministas e da consequente criação de instituições voltadas para a promoção da igualdade de gênero dentro dos governos. De acordo com Lovenduski (2005), o feminismo estatal refere-se “às ações dos mecanismos institucionais de mulheres para incluir as demandas e atrizes do movimento de mulheres no interior do Estado, de modo a produzir resultados feministas nos processos políticos e impacto social ou ambos” (LOVENDUSKI, 2005, p. 4).
Em sintonia com as teorias feministas da representação política, as teóricas do feminismo estatal demonstram empiricamente que a presença de mulheres feministas dentro do Estado pode trazer resultados positivos para a formulação e implementação de políticas que promovam a igualdade de gênero. Como argumentei em outros trabalhos, a conexão entre os movimentos feministas e as parlamentares feministas favorece a proposição e aprovação de projetos de lei que garantam os direitos das mulheres. Essa relação entre os movimentos e o parlamento se dá em diversas etapas do processo legislativo, não somente no momento de formação da agenda, como argumentou parte dos estudos sobre a interação entre os movimentos e o Poder Legislativo (Sarah SOULE; Susan OLZAK, 2004).
No caso brasileiro, a articulação entre as ativistas feministas e as femocratas dentro do parlamento possibilitou, em alguns casos, que a representação descritiva gerasse a representação substantiva das mulheres. Esse processo foi possível porque havia uma massa crítica de mulheres parlamentares capaz de produzir alguns consensos em torno de pautas como o combate à violência contra as mulheres, a promoção da participação política feminina e a garantia de direitos trabalhistas, independentemente da ideologia partidária.
A legalização do aborto: estudos de caso do Brasil e da Argentina
A luta pela legalização do aborto faz parte da agenda feminista internacional, pelo menos, desde a década de 1960. Caracterizados por teóricas como o início da “segunda onda” do movimento feminista, os anos 1960 foram marcados pela reivindicação por direitos reprodutivos, não somente no Brasil e na Argentina, mas em diversos países. Na França, por exemplo, o aborto foi legalizado no ano de 1974, a partir de um processo de mobilização política que contou com o protagonismo de Simone Veil (2018), então ministra da saúde.
Em termos teóricos, a ideia de que as mulheres deveriam ter o direito de decidir sobre seguir ou não com uma gravidez reside nos princípios liberais de cidadania, de igualdade de oportunidades e de autonomia sobre o próprio corpo. Não se trata, no entanto, apenas de uma questão individual restrita ao âmbito privado, mas também de uma questão pública, política e coletiva (BIROLI; MIGUEL, 2016).
O conceito de justiça reprodutiva, que teve origem entre as feministas negras estadunidenses, surgiu com o objetivo de enquadrar o direito ao aborto nessa perspectiva mais ampla (Dorothy ROBERTS, 2015; Loretta ROSS, 2017). O que essas teóricas pretendem demonstrar é que a legalização do aborto não se restringe a uma pauta relacionada à liberdade individual baseada na retórica da escolha, refletida no slogan “meu corpo, minhas regras”. Trata-se, antes, de uma agenda política coletiva e interseccional, que afirma que nenhuma mulher deve ser presa ou correr risco de vida por ter realizado um aborto, e que responsabiliza igualmente homens e mulheres pela gravidez.
Assim, para muitas mulheres, o direito ao aborto não tem relação somente com a autonomia sobre o próprio corpo, mas também com a possibilidade de sobrevivência em sociedades desiguais nas quais a miséria e a fome imperam. Além disso, a justiça reprodutiva não se refere somente ao direito de interromper a gravidez, mas também ao direito de maternar. Em um país como o Brasil, em que jovens negros são mortos recorrentemente pela polícia, muitas mulheres, majoritariamente pobres, negras e periféricas, levantam a bandeira em defesa da maternidade, não em uma chave biológica ou essencialista, mas sim em termos políticos.5
A legalização do aborto, portanto, não se fundamenta apenas em termos teóricos, mas também em termos políticos. No Brasil, no período da Constituinte, movimentos feministas e parlamentares se reuniram em torno do chamado “lobby do batom”, um dos maiores movimentos de incidência política ocorridos em nosso país. Na “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, uma das reivindicações feitas pelas mulheres organizadas foi a descriminalização do aborto (Maria Amélia TELES, 2017). Apesar da ampla articulação ocorrida naquele momento, e do apoio de alguns dos constituintes à pauta6, o direito ao aborto continuou sendo negado à população feminina.
No ano de 1993, a então senadora Eva Blay (PSDB) apresentou um projeto de lei ao Congresso Nacional que permitia a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação. Como argumento para a aprovação do projeto, a senadora apontou para o grande número de mulheres que corriam risco de vida ao se submeterem ao procedimento de forma ilegal, argumentando que o aborto não deveria ser visto como uma questão de ideologia ou de direito penal, mas sim de saúde pública. Naquele momento, a senadora foi alvo de diversos ataques de grupos religiosos conservadores e o projeto foi arquivado.7
Os movimentos feministas têm demonstrado que a ilegalidade do aborto não significa que as mulheres não abortem. Pelo contrário, o não reconhecimento estatal dessa prática gera situações de risco para mulheres, especialmente pobres e negras, que optam por realizar o procedimento. A ilegalidade do aborto agrava, portanto, uma situação de desigualdade social e racial entre as mulheres, uma vez que as mulheres brancas, de classe média ou da elite possuem recursos para interromper a gravidez de modo seguro. Dessa forma, a legalização do aborto seria uma maneira de tornar viável para todas as mulheres uma prática já realizada por parte considerável da população feminina.
No Brasil, em 2004, diversas organizações feministas criaram as Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro, uma rede voltada para a promoção de encontros e eventos sobre o tema ao redor do país (Leila BARSTED, 2009). Como fruto desta mobilização, entre abril e agosto de 2005, ainda durante o primeiro governo de Lula, foi criada uma comissão tripartite, composta por seis representantes do governo, seis representantes do Poder Legislativo e seis representantes da sociedade civil, para a elaboração de uma proposta sobre a descriminalização do aborto. A minuta da proposta foi elaborada com base no documento aprovado na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004 (Lia MACHADO, 2017). O processo da comissão foi liderado pela então Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire. Apesar da mobilização dos movimentos feministas em torno da proposta, ela não foi aprovada pelo Congresso Nacional. Além da atuação de grupos conservadores antiaborto dentro do Legislativo, o governo passava por um momento delicado marcado por denúncias de corrupção, o que fez com que o presidente Lula não tivesse força política para apoiar o projeto e formar uma coalizão majoritária dentro do Congresso Nacional.
Nas eleições presidenciais de 2010, o tema da legalização do aborto esteve no centro da agenda política novamente (Maria das Dores MACHADO, 2012). A então candidata Dilma Rousseff, que viria a ser a primeira mulher eleita presidenta no Brasil, se posicionou contrariamente à pauta, o que frustrou as expectativas dos movimentos feministas. O posicionamento da candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) pode ter sido parte de uma estratégia política do partido que não quis renunciar aos votos do eleitorado religioso contrário à legalização. O tema do aborto surgiu nos debates entre candidatos na rede aberta de televisão e nos meios de comunicação de forma geral, demonstrando a centralidade que o tema havia ganhado na agenda política brasileira.
Desde então, a legalização do aborto passou a ocupar o centro do debate público. Nos governos do PT, não houve avanços significativos no que diz respeito à garantia do direito ao aborto. O Poder Judiciário tem sido, no caso brasileiro, o principal poder a institucionalizar avanços no tema como, por exemplo, quando, no ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu decisão em favor do aborto em casos de gravidez de fetos anencefálicos (Marta MACHADO; Rebecca COOK, 2019).
Desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, as frágeis garantias que haviam sido conquistadas no tema do aborto foram postas em xeque. Em 2015, um pouco antes da destituição da presidenta, o então deputado Eduardo Cunha propôs um projeto de lei que dificultava o acesso à pílula do dia seguinte, o que afetaria diretamente os direitos reprodutivos das mulheres brasileiras. A proposta gerou indignação entre os movimentos feministas, que foram para as ruas de diversas cidades do país reivindicando o arquivamento do projeto, dando origem ao movimento que ficou conhecido como “primavera feminista”8.
Atualmente, estão em tramitação diversos projetos de lei que, em vez de garantir o direito ao aborto, pretendem restringi-lo ainda mais, inclusive nos casos em que a prática já é garantida9. Um fenômeno se fortaleceu dentro do Congresso Nacional, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro: o ativismo institucional de lideranças religiosas conservadoras em favor de pautas antifeministas. O movimento opositor ao aborto, no entanto, não é novidade. Há, pelo menos, uma década os setores políticos neoconservadores vêm intensificando sua atuação contra os direitos reprodutivos das mulheres (BIROLI; MACHADO; Juan VAGGIONE, 2020). Como apontam Gisela Zaremberg e Débora Almeida (2022), o ativismo feminista no Brasil, apesar de não ter conquistado a legalização do aborto por meio de aprovação de projetos de lei, tem sido fundamental para bloquear retrocessos defendidos por grupos conservadores antiaborto dentro do Congresso Nacional.
Uma das principais disputas entre os movimentos feministas e os opositores fundamentalistas, no que diz respeito ao aborto, tanto no Brasil quanto na Argentina, está na concepção sobre quando a vida começa. De acordo com os setores religiosos neoconservadores, o aborto deveria ser crime em qualquer circunstância, uma vez que entendem que a vida começa no momento da fecundação. Essa postura impõe uma moral religiosa sobre as mulheres e pessoas que gestam, cristalizando seu papel enquanto reprodutoras com base em uma noção tradicional de família e ameaçando a laicidade do Estado (MACHADO, 2017).
Com a reeleição de Lula para o seu terceiro mandato, o cenário em relação ao aborto no Brasil começa a mudar. Um dos primeiros atos do presidente foi retirar o Brasil do Consenso de Genebra, uma aliança conservadora criada em 2020 entre países para excluir o aborto como recurso de justiça reprodutiva. Além disso, a ministra da saúde Nísia Trindade assinou a revogação da portaria que dificultava o aborto em casos de estupro no Sistema Único de Saúde (SUS).
Enquanto, no Brasil, os movimentos feministas estão lutando para garantir os direitos já conquistados, os outros países da América Latina avançam na legalização do aborto. Na Argentina, o direito ao aborto foi legalizado em dezembro de 2020, após um trabalho de mobilização política realizado pelos movimentos feministas ao longo de décadas. A aprovação do projeto no Senado argentino foi o ápice de um processo que envolveu múltiplas atrizes, desde representantes do governo e parlamentares, até acadêmicas e ativistas feministas engajadas na campanha pró-legalização do aborto. Esse caso nos oferece um exemplo de um movimento que expandiu sua pauta principal, que era o tema da violência contra as mulheres incorporado pelo movimento Ni Una Menos, construindo as coalizões necessárias para transformar o paradigma legal sobre o aborto no país e produzindo efeitos sobre a formulação de políticas públicas.
Na Argentina, ainda no início do século XX, as feministas conquistaram o direito ao voto e ao divórcio a partir da aprovação de projetos de lei, o que revela que há uma longa trajetória de interação entre os movimentos feministas e o Legislativo naquele país, assim como no Brasil. Durante o século XX, ativistas feministas socialistas e anarquistas defenderam, entre outras reivindicações, a legalização do aborto na Argentina (BARRANCOS; Nélida ARCHENTI, 2017; Mabel BELUCCI, 2017). De acordo com Gago (2020), o movimento feminista na Argentina tem se destacado historicamente por duas principais características que explicariam parte das conquistas recentes em relação à igualdade de gênero no país: massividade e radicalidade.10
Com o fim da ditadura militar, que esteve em vigor entre 1976 e 1983, as ativistas feministas se articularam com as parlamentares para incluir a legalização do aborto como um direito constitucional. No mesmo período, foram criados jornais feministas para a divulgação dessa demanda, como, por exemplo a publicação Brujas, que tratava o acesso ao aborto como um tema de direitos humanos. Em 1986, ocorreu o Primeiro Encontro Nacional de Mulheres, que reuniu parlamentares feministas e ativistas para a discussão de diversos temas, entre eles, o aborto. Desde então, os encontros nacionais de mulheres acontecem todos os anos, durante três dias da segunda semana de agosto.11
A articulação feminista internacional também contribuiu para que a pauta da legalização do aborto ganhasse força e legitimidade na sociedade argentina. Em 1990, ocorreu o V Encuentro Feminista Latinoamericano y del Caribe, com a participação de organizações feministas da Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Estados Unidos, Holanda e Canadá (BELUCCI, 2017).
Apesar da intensa mobilização nas ruas argentinas, a pauta não avançou naquele momento. Os opositores da legalização do aborto, principalmente, os setores religiosos conservadores, tiveram maior capacidade de incidência política, dada a correlação de forças decorrente da configuração partidária do Congresso Nacional e a posição do governo daquele período contrária à legalização. Como reação às manifestações feministas, em 1998, o então presidente Carlos Menem sancionou uma lei estabelecendo o dia 25 de março como o “Dia da Criança por Nascer”, em repúdio às reivindicações feministas pela legalização do aborto.
Chegando ao século XXI, em 2005, os movimentos feministas iniciaram a campanha nacional pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito, que reuniu mais de 700 organizações de mulheres. Nos encontros nacionais de mulheres dos anos anteriores, ocorridos nas cidades de Rosário (2003) e Mendoza (2004), os lemas, os símbolos e as cores que caracterizariam a campanha foram criados. A partir de então, diversos projetos de lei que previam a legalização do aborto começaram a ser apresentados ao Congresso Nacional com o apoio das parlamentares feministas. Comitês locais para a discussão dos projetos foram implementados nas províncias, o que fez com que o movimento se territorializasse e capilarizasse, não ficando restrito à capital Buenos Aires.
A partir de 2015, com o movimento Ni Una Menos, os movimentos feministas ganharam força e visibilidade internacional, fenômeno que ficou conhecido como “onda verde”. Apesar de a pauta principal naquele período ter sido o combate à violência contra as mulheres e ao feminicídio, a mobilização continuou com força nos anos seguintes e outras demandas foram incorporadas como bandeiras do movimento, entre elas a legalização do aborto.
Em 2018, o parlamento argentino debateu um projeto de lei para despenalizar e legalizar o aborto no país. Naquele momento, a discussão sobre o aborto começou a transcender o parlamento e atravessar todos os âmbitos da vida cotidiana. Como afirma Julia Burton (2021, p. 1, tradução minha), se falava de aborto “nos meios de comunicação, nas quitandas, no transporte público, no bar da esquina, no meio do quarteirão, nas escolas, nos centros de saúde, nos almoços de família, nas praças, nas casas e nas camas”.
Naquele momento, o país era governado por Mauricio Macri, que, apesar de ser pessoalmente contra a legalização do aborto, apresentou o projeto ao parlamento como forma de resgatar sua popularidade, uma vez que a pauta estava ganhando apoio da opinião pública argentina. A quantidade de casos de mulheres e meninas que haviam morrido ao longo dos últimos anos por realizarem abortos em condições precárias e a repercussão negativa desses casos na imprensa fizeram com que a demanda pela legalização do aborto ganhasse legitimidade perante a sociedade. Apesar da intensa mobilização feminista naquele ano, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, com 129 votos favoráveis e 125 contrários, mas foi barrado no Senado, com 38 votos contrários e 31 favoráveis.
Então, dois anos depois, em 2020, o Senado argentino aprovou, na madrugada do dia 30 de dezembro, por 39 votos a favor, 29 contrários e uma abstenção, o projeto de lei (Lei 27.610) que legalizou o aborto durante as primeiras 14 semanas de gestação, de forma gratuita e segura. A proposta já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados no dia 11 de dezembro do mesmo ano, com 131 deputados a favor e 117 contrários. Antes da aprovação do projeto, foi entregue ao Congresso Nacional uma petição assinada por 244 mil pessoas favoráveis à legalização do aborto, organizada pelos movimentos feministas que fizeram parte da campanha.
Tanto o dia da votação no Senado quanto o dia da votação na Câmara foram marcados por vigílias em frente à Casa Rosada, em Buenos Aires, realizadas por milhares de ativistas feministas e por grupos religiosos contrários à aprovação do projeto. De um lado, estavam as mulheres favoráveis à legalização do aborto, de lenços verdes, do outro, as contrárias ao projeto, de lenços azuis celeste (cor da bandeira da Argentina).
Com relação à dimensão da performatividade dos atos, a simbologia do lenço vem de uma tradição de ativismo político das mulheres argentinas forjada pelas Mães e Avós da Praça de Maio, mulheres que perderam seus filhos como consequência das perseguições e assassinatos políticos ocorridos durante a ditadura. Elas utilizam lenços brancos amarrados na cabeça como símbolo de sua luta, o que até hoje está marcado no imaginário social do país. Já nos lenços verdes, utilizados pelas feministas favoráveis à legalização do aborto, estão inscritas as palavras: “educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar e aborto legal e gratuito para não morrer”, inspiradas no lema das feministas italianas da década de 1970.
A proposta de legalização do aborto, denominada Ley de Interrupción Voluntaria del Embarazo, contou com o apoio do presidente Alberto Fernández, que, durante a campanha presidencial, havia assumido o compromisso político com essa demanda histórica. Sua candidatura foi apoiada pelos movimentos feministas, e sua equipe de governo é composta por diversas femocratas. Uma das estratégias, tanto dos movimentos feministas quanto do governo, foi apresentar a legalização do aborto como uma questão de saúde pública, retirando-a do campo religioso e do direito penal, que é como os grupos opositores ao aborto a enquadram. Outra estratégia foi tramitar em conjunto um projeto de lei de assistência integral para mulheres gestantes e recém-nascidos, reivindicando que as mulheres que desejassem ser mães também deveriam ser acolhidas pelo Estado.
Os movimentos feministas argentinos, há bastante tempo, se organizam para possibilitar a realização da interrupção da gravidez de forma segura, mesmo antes da aprovação da proposta legislativa. Organizações como as Socorristas em rede orientam e acolhem as mulheres que não têm condições de pagar pelo procedimento12. A ação das socorristas, aliança que reúne 58 coletivos feministas, começa por meio de ligações telefônicas a partir da divulgação de cartazes estampando a seguinte frase: “aborto: mais informações, menos riscos”. Depois do primeiro contato por telefone, as mulheres são encaminhadas para reuniões presenciais com outras mulheres em situações parecidas e com as próprias socorristas. Nessas reuniões, são repassadas as informações sobre o uso seguro de remédios abortivos, recomendados pela Organização Mundial da Saúde, e os contatos de médicos “amigos”, ou seja, aqueles que podem acompanhar o procedimento caso necessário. O trabalho de organizações como essa contribuiu para visibilizar a questão do aborto, tornando-a uma questão de interesse público e não apenas privado. É comum, nos estudos sobre a legalização do aborto na Argentina, a afirmação de que antes da aprovação da proposta no Congresso, a legalização do aborto já havia sido aprovada socialmente, em um processo “de baixo para cima” (BURTON, 2021).
Em termos de representação política das mulheres, a bancada feminina do Congresso Nacional argentino teve um papel fundamental na aprovação do projeto de lei que legalizou o aborto. Como demonstraram Susan Franceschet e Jennifer Piscopo (2008), entre 1989 e 2007, 80% das propostas legislativas sobre despenalização ou legalização do aborto, acesso à contracepção e direitos reprodutivos que tramitaram no parlamento argentino foram apresentadas por legisladoras, reforçando a conexão entre representação descritiva e representação substantiva.
Desde a década de 1990, o país adota políticas de cotas para mulheres na política, o que aumentou a proporção de mulheres e de jovens ocupando cadeiras dentro do parlamento. A Argentina foi o primeiro país latino-americano a adotar uma política de cotas para mulheres na política, no ano de 1991, tendo sido pioneira em um movimento mundial. Atualmente, as mulheres ocupam 40,9% das cadeiras do Congresso na Argentina, o que revela a existência de uma massa crítica feminina considerável, capaz de transformar a presença de mulheres na defesa e aprovação de projetos de interesse dos movimentos feministas. O apoio de parlamentares homens favoráveis à pauta também foi fundamental para que a maioria necessária para a aprovação do projeto fosse garantida.
Conclusões
A partir do levantamento bibliográfico e da análise de documentos, de matérias de jornais e de revistas foi possível analisar como os movimentos feministas influenciaram (ou não) a aprovação da legalização do aborto por meio de sua interação com o Congresso Nacional no Brasil e na Argentina. A partir da análise dos casos, argumento que essa influência está relacionada a quatro dimensões principais: mudança de enquadramento do tema, apoio da opinião pública, formação de coalizões dentro do Congresso Nacional e porcentagem de cadeiras ocupadas pela bancada feminina. A seguir, explorarei essas quatro possíveis explicações para o sucesso da institucionalização da legalização do aborto na Argentina e o insucesso da mesma reivindicação no caso brasileiro.
A primeira explicação tem relação com a institucionalização simbólica (SZWAKO; LAVALLE, 2019) do tema do aborto e com a estratégia de tratá-lo como uma questão de saúde pública, e não de direito penal. Retirar o debate sobre a interrupção da gravidez do âmbito criminal, foi uma estratégia bem-sucedida no caso Argentino. Essa mudança de enquadramento esteve ancorada na denúncia, por parte dos movimentos feministas, dos casos de morte de mulheres em decorrência de abortos realizados de forma insegura, o que gerou uma repercussão negativa na opinião pública e mostrou que o assunto deveria ser tratado pelo sistema público de saúde e não pela polícia.
Em segundo lugar, e relacionado com o primeiro ponto, o caso argentino contou com uma ‘aprovação social’ do aborto, antes mesmo da aprovação legislativa. Isso significa que a pauta contava com o apoio da opinião pública, inclusive de profissionais da saúde e do direito, o que foi fundamental para a aprovação do projeto dentro do parlamento (BURTON, 2021). Tratou-se, portanto, de um processo de institucionalização “de baixo para cima”, uma vez que a lei apenas reconheceu uma prática que já tinha legitimidade na sociedade.
Em terceiro lugar, o projeto de lei que legalizou o aborto na Argentina contou com o apoio do presidente Alberto Fernández, o que permitiu a formação de uma ampla coalizão dentro do Congresso Nacional favorável ao projeto. No caso brasileiro, historicamente, os presidentes, inclusive de partidos de esquerda, têm se posicionado de forma contrária à pauta, dificultando a formação de coalizões majoritárias dentro do Legislativo para a aprovação do tema.
Em quarto lugar, no momento da aprovação da legalização do aborto na Argentina, a bancada feminina do Congresso Nacional ocupava mais de 40% das cadeiras. No caso brasileiro, apesar de adotarmos uma lei de cotas para candidaturas femininas desde 1997, a bancada feminina, na legislatura que se encerrou em 2022, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, era de apenas 15%. Nas legislaturas anteriores, essa porcentagem era ainda menor. A sub-representação política feminina no Congresso Nacional brasileiro tem dificultado a representação substantiva dos interesses dos movimentos feministas no parlamento, especialmente em temas mais polêmicos como o aborto.
Como próximos passos para pesquisas futuras, seria importante avançar na análise qualitativa dos dados sobre a interação entre os movimentos feministas e o Poder Legislativo no Brasil e na Argentina, aprofundando a pesquisa de campo e entrevistando pessoas que compuseram as redes de ativistas e parlamentares que se articularam em torno do tema do aborto nos dois países.