1 Introdução
É possível caracterizar o Planejamento da Educação como um ato não improvisado e não subjetivo, consistindo numa tomada de decisão calçada em base legal, com “conhecimento da realidade presente, com intencionalidades respaldadas nas aspirações sociais, em relação ao futuro desejado e com avaliação dos impactos das alternativas de ação” (BORDIGNON, 2014, p. 33). É igualmente definido como um processo sistemático, contínuo e aberto, que serve para dispor formas de ação que se aplicam a qualquer campo (FUENTES PÉREZ, 1986a). Do ponto de vista formal, as decisões tomadas ao longo de um processo de planejamento são consolidadas num Plano de Educação, podendo ser traduzidas na definição de etapas (metas) e ações (estratégias) relativas ao caminho a ser seguido (BORDIGNON, 2014).
Um plano diferencia-se do planejamento propriamente dito na medida em que, enquanto o primeiro “coordena, racionaliza e dá unidade de fins à atuação do Estado, este garante a coerência entre meios e fins, sendo expressão da política geral do Estado” (MARTINS, 2012, p. 96), distanciando-se de uma intervenção conjuntural ou eventual, motivo pelo qual os planos podem cumprir diversas funções nas instituições políticas, econômicas e sociais, dependendo do seu contexto de elaboração e da correlação de forças sociais que os enseja (VIEIRA, 2014).
Assim, a constituição de um Plano de Educação pressupõe a elaboração de um diagnóstico sobre a realidade educacional ao qual o planejamento corresponde, ou seja, pauta-se na análise de dados quantitativos e em caracterizações e contextualizações qualitativas, compreendendo a especificação de problemas, dificuldades e perspectivas para uma dada realidade educacional. É a partir do diagnóstico, portanto, que se estabelecem as escolhas para a formulação das políticas que vêm dar corpo ao plano propriamente dito, em termos das suas decisões, com maior fidedignidade em relação a uma situação educacional específica (BORDIGNON, 2014; ROCHA; MONLEVADE; AGUIAR, 2006).
As metas de um plano consistem nos seus objetivos fins, ou seja, trazem à vista as decisões assumidas no plano, no sentido de explicitarem as intenções e ações das políticas educacionais a serem adotadas para a solução dos problemas identificados na etapa diagnóstica, com quantitativos e prazos mensuráveis e, ainda, com indicação das estratégias a serem cumpridas ao longo do seu processo de execução (MONLEVADE, 2002). Já as estratégias definem os objetivos meios de um plano, viabilizando o alcance de suas metas, expondo a definição de ações, recursos e condições favoráveis disponíveis para o avanço na direção das decisões tomadas (BORDIGNON, 2014).
Nestes termos, com base em levantamento documental exaustivo, que cobre certa produção acadêmica e científica publicada na Espanha ao longo de 38 anos (1978-2016), o presente artigo traça um balanço quantitativo sobre os trabalhos selecionados, e analisa sua evolução com base em duas categorias centrais: Planejamento da Educação e Planos para a Educação, relativos à Educação Básica1.
Para tanto, esse estudo se encontra dividido em quatro seções fundamentais. Após sua introdução, destacam-se os aspectos metodológicos gerais que nortearam o levantamento documental para, em seguida, discutir os seus resultados a partir da evolução histórica das publicações selecionadas, organizando-as em três períodos (décadas de 1980-1990, 2000 e 2010). A quarta e última seção estabelece as conclusões do estudo, buscando caracterizar a produção inventariada.
2 Aspectos metodológicos
Parece não haver consenso na literatura sobre pesquisas qualitativas quanto à necessidade de definição e emprego de um esquema teórico a priori que sirva ao processo investigativo. Todavia, a definição de um quadro teórico-conceitual, nos termos das linhas de análise, dos conceitos tematizados e dos princípios e concepções teóricas existentes, pode ser considerada fundamental para a configuração de um referencial categorial articulado à escolha, seleção e, sobretudo, análise das referências a serem coletadas em estudos que se pautam em levantamentos documentais, não impedindo, contudo, que outras categorias venham a ser empregadas a posteriori.
No âmbito da investigação que originou o presente trabalho, a seleção das referências não se limitou à verificação da presença de categorias unicamente determinadas a priori, de modo a superar eventuais insuficiências de resultados do levantamento, especialmente em face do grau de exaustividade esperado e da expectativa de encontro de outras questões de relevo relacionadas à problemática enfocada. Por este motivo, empregou-se um modelo de análise dito de “grade mista” (LAVILLE; DIONNE,1999), ou seja, apesar de já se possuir, a priori, a definição de duas categorias temáticas centrais2, o levantamento documental levou em consideração, após o seu primeiro ciclo de realização, um conjunto mais amplo de elementos teórico-empíricos que vieram a expor relevância para a investigação. Esses elementos emergiram do exame preliminar das referências inicialmente selecionadas no primeiro ciclo do levantamento, vindo a ser configuradas como subcategorias temáticas e empregadas em um segundo ciclo de busca, ambos os ciclos orientados por três fases, a saber, identificação, seleção e depuração e, ainda, complementação.
A fase de identificação das referências implicou consulta, via internet, ao total de 14 bases de dados/portais eletrônicos3, empregando como critério inicial de triagem: i) a coesão do título da referência identificada em relação às duas categorias temáticas centrais do levantamento; ii) a natureza da fonte (se artigo em revista, tese de doutorado, livro no todo ou capítulo de livro); iii) o idioma (unicamente o espanhol), e, ainda, a data de publicação das referências (entre 1978 e 2016)4.
A fase de seleção objetivou examinar as referências identificadas na fase inicial, de modo a verificar, de fato, sua pertinência em relação aos objetivos do levantamento. Tal procedimento se pautou no exame dos resumos autorais constantes das teses de doutorado e dos artigos publicados em revistas científicas, não se tendo aplicado aos livros no todo e aos capítulos de livros. Em seguida a esta seleção, procedeu-se à sua depuração, isso por meio de visita à Biblioteca da Faculdade de Ciências da Educação da UGR, à Biblioteca de Educação do Mecde, e, ainda, à BNE, estas duas últimas em Madrid. A consulta in loco se aplicou, portanto, a todas as referências identificadas na primeira fase do levantamento, via Internet, mas que não disponibilizavam os seus respectivos conteúdos na íntegra, com vistas ao refinamento da seleção de obras pertinentes a tal levantamento. Mais uma vez, se aplicou o critério de seleção adotado nas fases anteriores.
Concluída as duas fases descritas, passou-se à sua complementação, caracterizada pela definição das subcategorias teórico-empíricas emergentes deste primeiro ciclo de levantamento, assim como dos seus respectivos descritores. Tal definição viabilizou a execução de um segundo ciclo de buscas, resultando nova consulta à Internet, nos moldes realizados nas três fases anteriores, de forma a identificar novos estudos coesos a essas subcategorias temáticas, contribuindo para o aprofundamento e a exaustividade do levantamento documental. Neste sentido, foram empregados termos específicos, referentes tanto a algumas das subcategorias identificadas, quanto a alguns dos descritores de outras subcategorias também observadas no primeiro ciclo de levantamento.
Considerando os dois ciclos do levantamento documental, registrou-se consulta total a 12.930 registros pertencentes às 14 bases de dados/portais utilizados, dos quais as maiores parcelas se fazem notar no âmbito da Dialnet (5.286), Rebiun (4.370) e Biblioteca do Mecd (1.565) que, somadas, exprimem cerca de 87% (11.221) dessas ocorrências, denotando serem importantes fontes de dados para este tipo de estudo documental, em particular para as categorias empregadas.
Contudo, em que pese o fato de as ocorrências ao longo do processo de busca se terem mostrado quantitativamente elevadas, ao lado do esforço depreendido no segundo ciclo em se empregar termos de busca com maior especificidade temática, observa-se que apenas 0,7% (97) do total de referências consultadas (12.930) se mostrou efetivamente coeso à temática do estudo, 40% (39) correspondendo à categoria Planejamento da Educação, enquanto que 60% (58) à categoria Planos para a Educação. Isso sugere haver um maior interesse da produção espanhola para com a consolidação das decisões tomadas ao longo do planejamento (Planos), e menos em relação à discussão sobre aquele processo e suas intencionalidades (Planejamento). Ainda, em relação ao total das 97 referências selecionadas, cerca de 60% (58) concernem a artigos publicados em revistas, 29% (28) dizem respeito a livros no todo e a capítulos de livro, seguidos de apenas 11% (11) teses de doutorado.
3 Resultados por evolução história das publicações
O Gráfico 1 apresenta a evolução do quantitativo relativo à produção selecionada ao longo dos 38 anos enfocados pelo levantamento documental (1978-2016), por cada uma das duas categorias temáticas centrais do estudo, sinalizando as Linhas de Tendência (LT) correspondentes.
A partir do Gráfico 1, é possível afirmar que o número de referências associadas às duas categorias basais do levantamento documental expõe diversas oscilações ao longo do tempo, nesse sentido indicando momentos de ascensão, queda ou mesmo períodos de ausência de publicações sobre essas temáticas. Tais irregularidades podem estar significando que o campo investigativo sobre o planejamento educacional (no seu sentido lato) na Espanha ainda não se encontra consolidado, mostrando-se incipiente e instável em relação à objetivação das políticas públicas de planejamento educacional emanadas pelo governo central e pelas Comunidades Autônomas e, na esfera internacional, aos processos transnacionais de regulação que afetam este tipo de planejamento.
Em que pese o fato de ambas as categorias do levantamento apresentarem oscilações, é importante preliminarmente observar que a evolução dos estudos em questão irá diferenciar-se em função do crescimento apresentado: enquanto que, ao longo do tempo, se constata o decréscimo dos trabalhos sobre o Planejamento da Educação Básica (veja-se LT2), até que, em 2008, não mais sejam identificados, os trabalhos sobre os Planos para a Educação Básica, embora distinguidos apenas a partir de 1986, expõem crescimento ascendente ao longo de todo o período examinado (veja-se LT1). Ou seja, a importância atribuída aos estudos sobre os Planos de Educação na Espanha vai, progressivamente, se sobrepondo ao valor do exame da problemática do planejamento, expressão de um movimento contraditório que, não apenas inverte certa ordem lógica entre essas duas dimensões, mas promove a sua mútua dissociação, conforme abordado mais adiante. Além dessas constatações, o exame do Gráfico 1 suscita algumas outras considerações centrais, circunscritamente ao recorte temporal adotado na pesquisa (1978-2016), conforme elencadas a seguir5.
3.1 Décadas 1980-1990: mais planejamento, menos planos
Desconsiderando-se os dois anos iniciais cobertos pelo levantamento documental (1978 e 1979), que não aportaram estudos, observa-se que, ao longo das décadas de 1980 e 1990, houve uma significativa superioridade do quantitativo de referências sobre o Planejamento da Educação (29), em relação aos estudos que versam sobre os Planos de Educação (sete). Os primeiros trabalhos sobre Planos de Educação começam a ser publicados, justamente, logo em seguida à adesão da Espanha à então Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1o de janeiro de 19866, com defasagem, portanto, de cerca de sete anos, em relação aos estudos iniciais sobre o Planejamento da Educação Básica nesse país, constatados a partir de 1980.
Verifica-se também que a preocupação dessas primeiras referências sobre os planos espanhóis de educação remete, em exclusivo, aos Planos para a Educação de Pessoas Adultas e aos Planos para a Educação Infantil, isso num contexto também marcado pela aprovação da Lei Orgânica no 8, de 3 de julho de 1985, reguladora do Direito à Educação (Lode) (ESPAÑA, 1985) e da Lei Orgânica nº 1, de 3 de outubro de 1990, de Ordenamento Geral do Sistema Educativo (Logse) (ESPAÑA, 1990)7. Os estudos sobre os Planos para a educação de pessoas adultas tomarão por objeto o Plano de Educação Permanente de Adultas (Pepa)8 (JABONERO BLANCO, 1995) e alguns dos planos regionais, como o de La Rioja (ALONSO MATURANA et al., 1995) e de Murcia (ALHAMA PIQUERAS, 1987), enquanto os de Educação Infantil focarão o Plano Experimental de Educação Infantil9 (OLAYA VILLAR, 1996).
Já as primeiras referências selecionadas sobre o Planejamento da Educação Básica na Espanha refletem interesse pontual em discutir propostas para o planejamento local da educação (SANZ ORO, 1980), assim como analisar as relações do planejamento da educação com os sistemas de ensino (MONTERO ESPINOZA, 1984) e com o emprego (QUINTANA CABANAS, 1984). Em seguida, ainda nessa mesma década (1980), despontam estudos conceituais sobre o planejamento da educação (FUENTES PÉREZ, 1986a) e os que realizam balanços sobre os seus modelos gerais (GRAO RODRÍGUEZ, 1988), que abordam os seus componentes (MARTÍNEZ SALAZAR, 1988) e vínculos com as reformas educacionais (ASTORGANO RUIZ, 1989). Ao lado desses, sobressaem trabalhos que formulam propostas de planejamento da educação aos níveis regionais (FUENTES PÉREZ, 1986b) e também locais (TEMRICART, 1988), num relativo esforço do conjunto desta literatura em definir, em meio à aprovação da Lode, os rumos desse tipo de planejamento no país.
Embora em relação aos períodos seguintes os anos 1980 indiquem uma maior concentração de estudos sobre o Planejamento da Educação, a década de 1990 continuará a apresentar estudos vinculados às mesmas temáticas anteriormente identificadas, agora incluindo as vinculações do planejamento da educação com a diversidade (GRAO FONTAO, 1998), coerentemente ao momento em que a problemática do multiculturalismo assume relevo no cenário europeu, e, ainda, com a educação permanente (BUJ GIMENO, 1992), de modo coeso aos efeitos da aprovação da Lode e da Logse, assim como em relação à disseminação no país dos Planos para a Educação de Pessoas Adultas, como o Pepa.
3.2 Década 2000: menos planejamento, mais planos
Os idos de 2000 trazem à vista uma importante inversão na evolução das referências examinadas, sinalizando um vertiginoso declínio dos estudos sobre o Planejamento da Educação, de 29 para 10 referências (-65%), os quais, a partir de 2008, não mais serão notados, dando lugar ao expressivo crescimento dos trabalhos que tomam por alvo os mais variados Planos para a Educação Básica, de sete para 28 referências (+400%). Consiste numa fase que se mostrará mais produtiva não apenas em decorrência da elevação do quantitativo desses estudos, mas também na perspectiva da ampliação do leque temático e do foco investigativo correlato.
Nesse período, os trabalhos que versam sobre o Planejamento da Educação, embora diminutos, dão continuidade àqueles sobre a problemática da diversidade – já notados no limiar da década anterior –, quer sob perspectiva institucional (SEBASTIAN HEREDERO, 2003), quer em termos dos processos participativos que podem dele resultar (HERNÁNDEZ CASTILLA, 2003).
Por sua vez, nessa mesma década, os trabalhos sobre os Planos para a Educação Básica vão apresentar os primeiros picos de crescimento do seu quantitativo. Principiados em 2005, esses picos virão a atingir o seu valor máximo em 2008, no contexto de aprovação da Lei Orgânica no2, de 3 de maio de 2006, de Educação (LOE) (ESPAÑA, 2006)10. Tal lei, em paralelo aos novos planos que irão surgir, suscitará a efetivação de novos estudos no campo, com quantitativos relativamente expressivos, como os que passam a examinar: os Planos de Educação compensatória, notadamente o Plano de Reforço, Orientação e Apoio (Proa) (MANZANARES MOYA, 2007)11; os Planos para a convivência e segurança escolar12, na perspectiva do exame de suas configurações nacional e territoriais (DÍEZ PRIETO, 2006) e de formulação de propostas (TORREGO SEIJO, 2008); os Planos de fomento à leitura13 (MAÑÀ TERRÉ, 2008) e, de forma incipiente, os Planos de Educação para a diversidade14 (RAMOS ALÍA, 2008).
3.3 Década 2010: mais planos, nenhum planejamento
Os anos 2010 compreendem um período, no qual já não se observa nenhum estudo sobre o Planejamento da Educação, acompanhado de um ligeiro decréscimo de trabalhos na esfera dos Planos para a Educação, de 28 para 22 referências (-21%)15 as quais, a partir de 2012, sofrerão uma vertiginosa queda no seu quantitativo, até indicar, em 2016, a inexistência de estudos, também, sobre Planos para a Educação.
No período em questão, os estudos sobre Planos para a Educação são marcados: pela continuidade dos estudos sobre o Proa, agora caracteristicamente de cunho avaliativo (MANZANARES MOYA; ULLA DÍEZ, 2012); pela ampliação do escopo dos estudos relacionados aos Planos de educação para a igualdade de gênero16 que, embora escasso se caracteristicamente descritivos nas décadas anteriores, passam a objetivar a percepção de docentes (REBOLLO CATALÁN; VEGA CARO; GARCÍA PÉREZ, 2011) e, também, a realizar avaliações de versões regionais e locais desse plano (DÍAZ FERNÁNDEZ, 2016); pelo alargamento dos estudos sobre os Planos de educação para a diversidade que, avançando em relação às abordagens sobre a sua configuração no âmbito dos Centros Educativos, se inclinam para as suas versões regionais (RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2013).
A um só tempo, notam-se abordagens iniciais sobre novos planos, quase sempre com frequência unitária, como os Planos regionais e locais para a autonomia dos Centros Educativos (GARCIA ALEGRE; CASALS, 2012) os Planos de acolhida linguística e cultural (RINCÓN VERDERA; VALLESPIR SOLER, 2010), os Planos para a formação profissional (MIGUEL DÍAZ et al., 2012) e os Planos educativos de entorno (MARTÍNEZ LOBERA; BERNABÉ PÉREZ; BLANCH HUGUET, 2006).
4 Considerações finais
Conforme sinalizado por Maroy (2005), ainda que os sistemas de educação europeus sejam bastante diferenciados, encontram-se vulneráveis a pressões externas de ordem econômica, social e política que, de acordo com autores como Barroso (2006), Dutercq (2005), Steiner-Khamsi (2002), entre outros, resultam de processos de regulação transnacionais como os praticados por organismos multilaterais de financiamento e órgãos voltados para a cooperação técnica. Nesse sentido, tratam-se de estruturas supranacionias “que, mesmo não assumindo formalmente um poder de decisão em matéria educativa, controlam e coordenam, através das regras e dos sistemas de financiamento, a execução das políticas nesse domínio [...]” (BARROSO, 2006, p.45).
Ou seja, não por acaso, a crescente tendência de declínio dos estudos sobre o Planejamento da Educação Básica na Espanha parece denotar, no âmbito do campo, a redução do interesse investigativo sobre as ações e processos decisórios dos governos nacional, regionais e locais, e, na esfera da formulação das políticas públicas e de sua prática, o próprio esvaecer das ações governamentais de planejamento educacional. Pelo fato da ocorrência do seu deslocamento para a esfera supranacional, o Planejamento da Educação Básica sugere dar lugar na produção o acadêmica e científica espanhola ao estudo de suas decisões, tipicamente consubstanciadas em uma extensa gama de Planos para a Educação Básica, não necessariamente espúrios à realidade espanhola, mas: i) que não refletem processos democráticos de participação sociopolítica, especialmente em termos da definição de seus princípios e objetivos, metas e estratégias mais gerais, agora cunhados nos espaços de regulação das políticas econômicas e sociais europeias, e ii) desarticulados entre si, na medida em que são elaborados em diferentes momentos, sob distintas perspectivas, com objetivos e metas que visivelmente não se comunicam ou estabelecem mútuas vinculações, à margem de uma perspectiva totalizadora da realidade educacional deste país e, por conseguinte, de um planejamento educacional de maior consistência sistêmica.
Outra dimensão que reforça as hipóteses anteriores consiste no surgimento, em 1986, ou seja, a partir da adesão da Espanha à então CEE, dos estudos sobre os Planos para a Educação Básica, que ao longo das décadas seguintes irão contemplar temáticas cujos trabalhos sobre o Planejamento da Educação sequer chegaram a tangenciar, como, por exemplo, gênero, educação compensatória, convivência e segurança escolar, diversidade, autonomia dos Centros Educativos, fomento à leitura, formação profissional, acolhida linguística e cultural, entre outros.
Contudo, não se pode perder de vista que esses processos de regulação supranacionais, frutos da ressignificação dos papeis dos Estados-nação e da globalização (KAZAMIAS, 2010; MASON, 2015; ROBERTSON; DALE, 2010), resultam, a um só tempo, reconfiguração dos processos de produção dessas identidades, aparentemente obscurecidas (especialmente, regionais e locais). Em outras palavras, entende-se que as políticas públicas educacionais globais, como as que possivelmente se dirigiram ao planejamento (no seu sentido lato) da educação na Espanha, podem expor mudanças e transformações na sua versão original, em decorrência de sua recontextualização, ou seja, dos processos de interpretação e recriação produzidos localmente por diferentes atores sociais, segundo suas histórias, experiências, valores, propósitos e interesses diversos (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012; BOWE; BALL; GOLD, 1992; LIMA, 1992; 2002).Uma evidente pista disso são as versões regionais e locais dos Planos de Educação tomados por objeto por alguns dos estudos em questão, particularmente a partir da década de 2000, como, por exemplo, os Planos para a convivência e segurança escolar, de educação para a diversidade, para a autonomia dos Centros Educativos, de fomento à leitura, para Educação Infantil, entre outros.
Em síntese, o estudo realizado sugere ter trazido à vista, com ineditismo, certa produção o acadêmica e científica espanhola a respeito de duas importantes problemáticas da área da educação, em específico do campo da gestão (Planejamento e Planos para a Educação Básica), embora evidenciando: i) sua incipiência e escassez, ii) relativa fragmentação entre as fontes documentais das quais derivam e, ainda, iii) desequilíbrio entre as subcategorias que dão corpo a estas duas temáticas centrais do levantamento.
A pesquisa revela, ainda, repercussões nessa mesma literatura :i) dos processos de regulação supranacionais, traduzidos pelo crescente declínio do interesse por estudos relativos ao planejamento da educação e, a um só tempo, ascensão dos trabalhos que se restringem ao exame de objetivos, metas e estratégias consolidadas em planos de educação; ii) da fragmentação do planejamento da educação em uma série de planos pontuais, quase sempre desvinculados entre si; e, ainda, iii) de processos pouco participativos de planejamento e elaboração desses planos, no âmbito do governo central, portanto, à margem de sua discussão e elaboração sociopolítica.