1 Introdução
O acesso e a conclusão de um curso superior, no Brasil, ainda são desafios, mesmo quando se considera a recente expansão desse nível de Ensino. Segundo os Censos da Educação Superior, de 2000 a 2018, houve um crescimento de mais de 200% de matrículas e de concluintes ( INEP, 2001 ; 2018), mas, apenas, 23,2% dos jovens entre 18 e 24 anos estão matriculados na Educação Superior ( INEP, 2018 ).
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE, 2018 ), mostram que, no Brasil, em 2017, 17% dos jovens na faixa etária entre 25 a 34 anos tinham alguma qualificação em nível superior. Em países da América Latina, como Colômbia, Costa Rica e Chile, esse percentual é próximo a 30%. Já a média para países da OCDE é 43%, com alcance, significativamente, maior em países como Canadá (61%) e Coréia do Sul (70%).
Com base em indicadores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio Teixeira (Inep), Fritsch, Jacobus e Vitelli (2020) analisaram o desempenho, em 2015, de uma coorte de ingressantes, em 2010, em todas as Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, públicas e privadas. Os resultados mostraram que, ao final de 6 anos, apenas 37,10% dos ingressantes tinham concluído a Graduação e, cerca de, 50% tinham desistido. As maiores diferenças são encontradas entre IES públicas e privadas, que apresentam percentuais de desistência acumulada, entre 2010 e 2015, respectivamente, entre 44,43% e 58,26%. Já a conclusão dos cursos apresenta um percentual, ligeiramente, superior nas IES públicas (37,61%), em relação às IES privadas (34,54%).
As mudanças na Educação Superior brasileira, principalmente no início do século XXI, precisam ser consideradas, para que seja mais bem compreendida a evasão ou a conclusão da Graduação. Em pouco mais de uma década, foi criado um conjunto de políticas públicas que promoveu a expansão universitária, principalmente, por meio da ampliação de acesso e de permanência, da diversificação de estudantes e da interiorização da Educação Superior pública, a exemplo do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e da Lei de Cotas.
É nesse contexto de expansão e de interiorização que, em 2009, se dá a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Nesse artigo, procuramos responder à seguinte questão: Que características dos estudantes e da UFFS estão associadas à probabilidade de conclusão ou de evasão de curso?
Para tanto, observamos 6 anos da trajetória da coorte de ingressantes, em 2013, na UFFS. Foram realizadas regressões logísticas, utilizando variáveis sobre as características socioeconômicas (sexo, raça/cor, idade, renda, escolaridade dos pais) e pré-universitárias dos discentes (tipo e ano de conclusão do Ensino Médio, grupo de inscrição) e características da Instituição ( campus , tipo e turno do curso, apoio social), para verificar as chances de evasão e de conclusão de curso.
Além dessa introdução, o artigo está estruturado em 5 seções. A 1ª apresenta a literatura acerca dos principais fatores associados à evasão e à conclusão no Ensino Superior e a 2ª situa, brevemente, o contexto da UFFS e suas principais políticas de acesso. A 3ª parte apresenta o método, seguida dos resultados e das considerações finais.
2 Características associadas à evasão e à conclusão da graduação
As literaturas nacional e internacional vêm procurando explicar os fatores que mais influenciam a conclusão, ou não, de um curso universitário. Os estudos, acerca da temática, adotam diversas metodologias e definem diferentes objetivos e conceitos relacionados à trajetória estudantil, identificando fatores associados a essa trajetória, de ordem individual, familiar, escolar e institucional ( BAGGI; LOPES, 2011 ; BARBOSA, 2019 ; COSTA, 2018 ; COSTA; GOUVEIA, 2018 ; LI; CHAGAS, 2017 ; MUNIZAGA; CIFUENTES; BELTRÁN, 2018; SACCARO; FRANÇA; JACINTO, 2019; TINTO, 1975 ). Prestes e Fialho (2018) chamam atenção, também, para os prejuízos de natureza orçamentária que a evasão provoca na gestão institucional.
Tinto (1975) aborda, de forma longitudinal, a persistência do estudante na trajetória escolar, até a Graduação, e destaca, entre os fatores dessa persistência, a interação entre aluno e instituição (modelo da integração estudantil). Diversas pesquisas evidenciam que a evasão é motivada, principalmente, por fatores como o desempenho acadêmico e a falta de integração do estudante no ambiente universitário ( COSTA; GOUVEIA, 2018 ; LI; CHAGAS, 2017 ; SALES JUNIOR et al., 2016). Mais recentemente, Tinto (2006) apontou a ausência de mais detalhes para explicação do processo de evasão no Ensino Superior, e também para a necessidade de analisar-se todo o entorno cultural, social, econômico e institucional do fenômeno.
O estudo sobre a evasão nas IES públicas brasileiras, realizado em 1996, por uma Comissão Especial no âmbito do Ministério da Educação e Cultura ( BRASIL, 1996 ), apontou três prováveis fatores para o abandono da Graduação: a) características individuais do estudante (escolha precoce do curso; motivação; trajetória escolar anterior); b) internos às instituições (currículos desatualizados; projetos pedagógicos dos cursos; falta de programas institucionais) e, c) externos à instituição (dificuldades financeiras; falta de reconhecimento social da carreira escolhida).
Em estudo mais recente sobre modelos de retenção, no sentido da persistência e da permanência no Ensino Superior, Costa e Gouveia (2018) assinalam como principais fatores na retenção do estudante: preparação acadêmica; integrações social e acadêmica; compromisso com a Instituição; ambiente (relacionado a questões financeiras, familiares e ao trabalho) e características demográficas (antecedentes escolares). Também fatores relacionados à retenção de natureza “Individual” e “Acadêmica”, seguidos de fatores “Institucional”, “Econômico” e “Cultural” são apontados por Munizaga; Cifuentes e Beltrán (2018), em revisão sistemática de estudos sobre permanência e abandono estudantil na América Latina e no Caribe, no período de 1990 a 2016.
Entre os fatores de ordem pessoal e socioeconômica, Barbosa (2019) destaca características de origem social, gênero e raça dos estudantes como fatores relevantes na definição de sua trajetória social e nas chances de conclusão dos cursos, mesmo no contexto de expansão universitária. A autora verifica a manutenção das desigualdades relacionadas à seletividade dos tipos de cursos (licenciaturas, bacharelados e tecnólogos), turnos (noturno e diurno) e prestígio das IES.
Outros estudos, ainda, mostram que a evasão ocorre, principalmente, no 1º e no 2º anos da Graduação, encontrando-se mais associada a universitários mais velhos, homens, pretos, cotistas e aqueles que trabalham durante a Graduação ( COSTA, 2018 ; FASSINA, 2019 ; FRITSCH; JACOBUS; VITELLI, 2020; LI; CHAGAS, 2017 ; SACARRO; FRANÇA; JACINTO, 2019; SALES JUNIOR et al ., 2016; ZAGO, PAIXÃO; PEREIRA, 2016).
Entre os fatores institucionais destacam-se o grau acadêmico do curso, o turno, a localização das IES, o desempenho, as políticas de permanência e os aspectos relacionados ao currículo da instituição e à integração estudantil. Cursos de licenciaturas, em turno noturno, de cinco anos de duração, menos seletivos, localizados em IES no interior e na Região Sul, em relação às demais regiões, apresentam mais chances de evasão. Além disso, o recebimento de apoio social da assistência estudantil e a participação dos estudantes em atividades extracurriculares (estágio, pesquisa, extensão) aumentam suas chances de permanência e de conclusão ( ADACHI, 2017 ; COSTA, 2018 ; LI; CHAGAS, 2017 ; SACARRO; FRANÇA; JACINTO, 2019; SALES JUNIOR et al ., 2016; SCHER; OLIVEIRA, 2020 ).
Na dimensão institucional, Santos Junior e Real (2020) consideram a necessidade de institucionalização de políticas e de ações, voltadas para o controle da evasão e da ampliação da permanência e a conclusão dos universitários, tais como: a flexibilização dos currículos; ações de suporte pedagógico e de integração estudantil; formação didático-pedagógica dos professores; acompanhamento da trajetória estudantil e do nível de satisfação, durante a permanência dos estudantes.
Na UFFS, o Relatório da Pró-Reitoria de Graduação (UFFS, 2018) aponta, como principais formas de evasão, o cancelamento de matrícula, a desistência, pelo estudante, e a situação de jubilamento, mencionando, ainda, a alta concentração de evasão em cursos de licenciatura e o incentivo à permanência, representado pelas condições de assistência estudantil.
3 Contexto da UFFS e suas políticas de acesso
A UFFS foi criada em 2009, como uma organização multicampi e interestadual, cujos campi estão localizados em municípios de pequeno e médio portes no interior dos três estados da Região Sul: Laranjeiras do Sul e Realeza, PR; Chapecó, SC e Cerro Largo, Erechim e Passo Fundo (criado em 2013), RS. A Figura 1 apresenta a distribuição espacial dos campi da UFFS, que, entre si, distam entre cerca de 80 km a 500 km e, em relação às capitais dos seus respectivos estados, essa distância chega a ultrapassar 500 km, evidenciando a interiorização da UFFS. Destacamos, também, a sua localização transfronteiriça entre esses estados e outros três países da América do Sul (Paraguai, Argentina e Uruguai).
Em 2013, a UFFS possuía 1.126 servidores e 5.485 estudantes, distribuídos em 43 cursos de graduação 2 . O seu processo de criação situa-se no contexto das políticas de expansão e de interiorização do Ensino Superior público; foi considerada uma IES pública e “popular” desde suas origens, em razão de sua constituição, por meio da luta dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, em prol do Ensino Superior público, para uma região, historicamente, marginalizada (TREVISOL; CORDEIRO; HASS, 2011).
A principal forma de ingresso na UFFS, desde 2010, quando se iniciaram as atividades acadêmicas, é por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nos 1os. 3 anos, uma política de bonificação de escola pública foi implementada pela UFFS, conhecida como “Fator Escola Pública”, consistente em acréscimo de 10% sobre a nota final para cada ano do Ensino Médio cursado em escola pública.
Em 2012, foi aprovada a Lei nº 12.711 ( BRASIL, 2012 ). No ano seguinte, a UFFS aderiu, integralmente, à Lei de Cotas, e foi além da reserva de 50% de vagas para escola pública, pois, devido à sua política anterior de bonificação, já possuía um quadro discente com mais de 90% dos estudantes oriundos da escola pública. Nesse caso, o critério adotado para a reserva das vagas pela UFFS foi igual ao percentual de estudantes que conclui o Ensino Médio na escola pública, com base no último Censo da Educação Básica de cada Estado, onde se localizam os c ampi (UFFS, 2012a). Além disso, a Instituição criou uma ação afirmativa, própria, destinada a estudantes que concluíram o Ensino Médio, parcialmente, em escola pública ou em escola de direito privado, sem fins lucrativos.
A 1ª. aplicação dessa nova política de ingresso, em 2013, teve uma média de 84% de vagas reservadas para escola pública integral, 10% para ampla concorrência e 6% para escola pública parcial, com uma pequena variação em cada Estado (UFFS, 2012b). Dentro desse percentual reservado para a escola pública (84%), é realizada a adequação aos demais critérios da Lei de Cotas ( BRASIL, 2012 ), sendo: a reserva de 50% para renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e 50% acima de 1,5 salário mínimo e, dentro de cada um desses grupos de renda, a reserva proporcional, conforme a população em cada Estado, para pretos, pardos e indígenas. Conforme os editais de ingresso de 2013, os candidatos a uma vaga na UFFS precisaram optar por um dos grupos referidos na Figura 2 .
Até o ano de 2013, os processos seletivos eram realizados pela própria UFFS e, a partir de 2014, a Instituição fez a adesão total ao Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Também criou outras políticas de ação afirmativa destinadas a indígenas, filhos de agricultores e haitianos.
A principal forma de ingresso, em 2013, ocorreu por meio de 2 editais. O Edital Nº 311/UFFS/2012 (Processo Seletivo UFFS/2013 ) foi destinado à seleção de estudantes para os 5 campi e ingresso em cursos no 1º e no 2º semestres. E, o Edital nº 309/ UFFS/2013 (Processo Seletivo UFFS/Medicina/2013), para selecionar estudantes da 1ª turma do curso de Medicina, no Campus Passo Fundo. No total, a UFFS ofertou 2.065 vagas novas pelo Enem, em 47 possibilidades de cursos, distribuídos nos 6 campi . Houve um total de 1.882 ingressos e uma taxa de ocupação de 91% das vagas.
4 Método
Tendo como referência os estudos mencionados, usamos dados fornecidos pela UFFS para explorar relações entre características dos estudantes com a evasão e a conclusão dos cursos.
As bases de dados utilizadas abrangem 2.523 matrículas e foram fornecidas pela Diretoria de Registro Acadêmico e Diretoria de Sistemas de Informação da UFFS 3 , de forma a manter o anonimato dos estudantes, por meio de uma codificação padronizada, que foi utilizada para juntar as diferentes bases de dados. Foi realizada a junção de 3 bases de dados: a 1ª, com informações acadêmicas e pessoais dos ingressantes na UFFS em 2013 ; a 2ª, com questões socioeconômicas, respondidas por estudantes, no Processo seletivo de 2013; e, a 3ª, com a informação sobre o recebimento de Assistência Estudantil. O banco de dados final ficou com 1.882 estudantes, após recortar apenas os ingressantes pelo Enem e excluir casos duplicados.
O ano de 2013 foi escolhido por 3 razões: 1º, porque todos os cursos, iniciados naquele ano, já teriam passado do tempo recomendado para sua integralização; 2º, porque foi o 1º ano da mudança na política de ingresso da UFFS, em razão da Lei de Cotas e, 3º, porque, naquele ano, houve a criação do curso de Medicina.
Considerando a situação de matrícula dos alunos no segundo semestre de 2019, as variáveis dependentes nessa análise são: “evadiu/não evadiu” e “concluiu/não concluiu”. Ao tratar de evasão, estamos referindo-nos apenas à saída do curso, não considerando os casos de transferência interna ou externa 4 de estudantes ( Tabela 1 ).
Situação de matrícula | Frequência | Percentual |
---|---|---|
Concluiu | 515 | 27,4 |
Não concluiu | 1.367 | 72,6 |
Evadiu | 1.027 | 54,6 |
Não evadiu | 855 | 45,4 |
Total | 1.882 | 100 |
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da UFFS (2013)
As variáveis independentes foram separadas em três blocos, sendo um com características socioeconômicas dos ingressantes, outro referente às suas características pré-universitárias e, o último, com características da UFFS. A Tabela 2 apresenta as variáveis independentes “características socioeconômicas”.
Frequência | Percentual | ||
---|---|---|---|
Sexo | |||
0 | Feminino | 1.106 | 58,8 |
1 | Masculino | 776 | 41,2 |
Raça/Cor | |||
1 | Branca | 1.481 | 79,2 |
2 | Parda | 319 | 17,1 |
3 | Preta | 46 | 2,5 |
4 | Indígena | 7 | 0,4 |
5 | Amarela | 17 | 0,9 |
Faixa etária | |||
1 | De 17 a 20 anos | 1.048 | 55,7 |
2 | De 21 a 24 anos | 374 | 19,9 |
3 | De 25 a 28 anos | 183 | 9,7 |
4 | De 29 a 32 anos | 102 | 5,4 |
5 | Acima de 33 anos | 175 | 9,3 |
Condição de trabalho | |||
1 | Trabalho em tempo integral | 689 | 36,6 |
2 | Trabalho em tempo parcial | 226 | 12,0 |
3 | Não trabalho | 868 | 46,1 |
4 | Outro | 99 | 5,3 |
Renda familiar | |||
1 | Até 1 salário mínimo | 197 | 10,5 |
2 | De 1 a 3 salários mínimos | 1.061 | 56,4 |
3 | De 3 a 6 salários mínimos | 459 | 24,4 |
4 | Mais de 6 salários mínimos | 165 | 8,8 |
Escolaridade do pai | |||
1 | Não estudou | 35 | 2,0 |
2 | Da 1º a 4º séries do Ensino Fundamental | 717 | 40,2 |
3 | Da 5º a 8º séries do Ensino Fundamental | 457 | 25,6 |
4 | Ensino Médio | 422 | 23,6 |
5 | Ensino Superior | 154 | 8,6 |
Escolaridade da mãe | |||
1 | Não estudou | 38 | 2,0 |
2 | Da 1º a 4º séries do Ensino Fundamental | 638 | 34,3 |
3 | Da 5º a 8º séries do Ensino Fundamental | 419 | 22,5 |
4 | Ensino Médio | 481 | 25,9 |
5 | Ensino Superior | 283 | 15,2 |
Localização da moradia | |||
1 | Zona Rural | 473 | 25,1 |
2 | Zona Urbana | 1.409 | 74,9 |
Quantidade de pessoas na casa | |||
1 | Moro sozinho | 79 | 4,2 |
2 | Uma a três | 1.216 | 64,6 |
3 | Quatro ou mais | 587 | 31,2 |
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da UFFS (2013)
A Tabela 3 apresenta as características pré-universitárias dos ingressantes.
Frequência | Percentual | ||
---|---|---|---|
Tipo de Ensino Médio | |||
1 | Regular | 1.540 | 81,8 |
2 | Profissionalizante | 213 | 11,3 |
3 | Supletivo | 129 | 6,9 |
Tipo de escola que cursou o Ensino Médio | |||
1 | Escola pública total ou a maior parte | 1.757 | 93,4 |
2 | Outro tipo de escola | 125 | 6,6 |
Intervalo entre Ensino Médio e Ensino Superior | |||
1 | Até um ano | 688 | 36,6 |
2 | De 2 a 3 anos | 493 | 26,2 |
3 | De 4 a 5 anos | 213 | 11,3 |
4 | De 6 anos ou mais | 488 | 25,9 |
Grupo de Inscrição no PS da UFFS | |||
1 | Escola pública (EP) - PPI e baixa renda (Grupo I) | 169 | 9,0 |
2 | Escola pública (EP) - baixa renda (Grupo II) | 645 | 34,3 |
3 | Escola pública (EP) - PPI (Grupo III) | 134 | 7,1 |
4 | Escola pública (EP) - Total (Grupo IV) | 615 | 32,7 |
5 | Escola pública (EP) - Parcial (Grupo V) | 87 | 4,6 |
6 | Ampla Concorrência (Grupo VI) | 232 | 12,3 |
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da UFFS (2013)
PPI: pretos, pardos e indígenas
A Tabela 4 descreve as características da Instituição e do curso dos ingressantes.
Frequência | Percentual | ||
---|---|---|---|
Campus | |||
1 | Chapecó | 711 | 37,8 |
2 | Laranjeiras do Sul | 229 | 12,2 |
3 | Realeza | 225 | 12,0 |
4 | Cerro Largo | 296 | 15,7 |
5 | Erechim | 379 | 20,1 |
6 | Passo Fundo | 42 | 2,2 |
Turno | |||
1 | Integral | 782 | 41,6 |
2 | Noturno | 858 | 45,6 |
3 | Matutino | 242 | 12,9 |
Grau acadêmico do curso | |||
1 | Bacharelado | 930 | 49,4 |
2 | Licenciatura | 952 | 50,6 |
Recebe apoio social da assistência estudantil | |||
0 | Não | 1.467 | 77,9 |
1 | Sim | 415 | 22,1 |
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da UFFS (2013)
A análise dos dados foi realizada por meio de teste estatístico de regressão logística binária, pois a variável dependente, utilizada nos dois modelos, é dicotômica, e permite estimar a probabilidade associada à ocorrência, ou não, de determinado evento em face a um conjunto de variáveis explicativas. O resultado dessa regressão é dado em logaritmo da chance, sendo então, necessária uma conversão (calcular o log natural por meio do exponencial) para obter as chances de o evento acontecer e de o evento não acontecer para diferentes grupos ( POWER; XIE, 2000 ). Como todas as variáveis independentes são categóricas, o exponencial da estimativa já é a razão de chance entre a categoria analisada e a categoria de referência.
A equação 1 apresenta o modelo básico da regressão logística binomial, na qual, o resultado se dá em logaritmo da chance. A equação 2 , então, apresenta o resultado em termos de probabilidade. Sendo X 1 , X 2 , X 3 vetores, respectivamente, das variáveis independentes de características socioeconômicas, de características pré-universitárias e de características da Instituição e do curso.
5 Resultados e discussão
O estudo evidencia a aplicação de políticas de acesso e de ações afirmativas da UFFS, principalmente, para estudantes de escola pública. As vagas reservadas (87,7%) ultrapassam o que é previsto pela Lei de Cotas ( BRASIL, 2012 ), e o perfil dos ingressantes é formado, majoritariamente, por: a) mulheres (58,8%); b) egressos de escola pública (93,4%); c) na faixa etária de até 24 anos (75,6%); d) trabalhadores (53,9%); e) com renda familiar de até 3 salários mínimos (66,9%) e, f) de pais com até o Ensino Fundamental (cerca de 60%). O estudo indica, ainda, que o graduando pertence à 1ª geração da família a ter acesso ao Ensino Superior.
Na Tabela 5 , são apresentados os modelos finais das regressões logísticas para evasão e para conclusão, apenas com as variáveis que apresentaram significância estatística.
Evasão | Conclusão | |
---|---|---|
Características socioeconômicas | ||
Sexo (ref. Feminino) | ||
Masculino | 0,589** (1,802) | -0,998** (0,368) |
Faixa etária (ref. de 17 a 20 anos) | ||
De 21 a 24 anos | 0,466** (1,593) | -0,570* (0,566) |
De 25 a 28 anos | 0,712** (2,037) | -1,226** (0,294) |
De 29 a 32 anos | 0,605* (1,832) | -1,077** (0,341) |
Acima de 33 anos | 0,808** (2,244) | -1,166** (0,312) |
Local de moradia (ref. zona rural) | ||
Zona urbana | 0,411** (1,508) | -0,514** (0,598) |
Características pré-universitárias | ||
Tipo de Ensino Médio (ref. Regular) | ||
Profissionalizante | -0,400* (0,671) | |
Supletivo | -0,194 (0,824) | |
Intervalo entre o E.M. E E.S. (ref. até 1 ano) | ||
De 2 a 3 anos | -0,484** (0,617) | |
De 4 a 5 anos | -0,157 (0,854) | |
6 anos ou mais | 0,22 (1,246) | |
Grupo de inscrição (ref. EP, PPI e baixa renda - grupo I) | ||
EP e baixa renda (grupo II) | 1,136** (3,114) | |
EP e PPI (grupo III) | 0,850* (2,340) | |
EP total (grupo IV) | 1,154** (3,172) | |
EP parcial (grupo V) | 0,907* (2,478) | |
Ampla concorrência (grupo VI) | 1,049** (2,855) | |
Características da instituição e do curso | ||
Campus (ref. Chapecó) | ||
Laranjeiras do Sul | 0,713** (2,039) | -0,537* (0,585) |
Realeza | 0,013 (1,013) | 0,099 (1,104) |
Cerro Largo | -0,261 (0,770) | 0,629** (1,875) |
Erechim | -0,12 (0,887) | 0,502** (1,651) |
Passo fundo | -0,898* (0,408) | 1,444** (4,238) |
Grau acadêmico do curso (ref. Bacharelado) | ||
Licenciatura | 0,453** (1,573) | -0,439** (0,645) |
Recebeu apoio social (ref. Não) | ||
Sim | -1,176** (0,308) | 1,129** (3,092) |
Constante | -0,541 | -1,131** |
Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da UFFS (2013)
* significante a 5%; ** significante a 1%.
A O valor fora dos parênteses é a estimativa do Beta (logaritmo da chance); B O valor entre parênteses é o exponencial do Beta (razão de chance)
Na UFFS, observam-se que mulheres e homens apresentam percentuais distintos quanto à evasão e à conclusão. Os homens têm 80% mais chance de evadirem-se do que as mulheres, e 63% de chances menores de concluírem um curso superior na UFFS. Esse resultado está em consonância com a literatura, que registra diferenças de gênero no Ensino Superior ( COSTA, 2018 ; SACCARO, FRANÇA; JACINTO, 2019; SALES JUNIOR et al. , 2016). Li e Chagas (2017) , por exemplo, sinalizam para o fato de que ser mulher e ter estudado, a maior parte do Ensino Médio, em escola pública, reduz a probabilidade de evasão.
Em relação à faixa etária, os mais jovens (de 17 a 20 anos, que é a categoria de referência) apresentam maior probabilidade de conclusão e menor probabilidade de evasão. Nesse sentido, alguém que entrou na UFFS na faixa etária de 21 a 24 anos tem 59% mais chance de se evadir em relação aos mais jovens. Do outro lado, um estudante de 25 a 28 anos tem 70% menos chance de concluir e 2 vezes mais chance de evadir-se que um estudante de 17 a 20 anos. Esses achados confirmam a característica da idade como um fator importante na trajetória acadêmica ( COSTA; 2018 ; SACCARO, FRANÇA; JACINTO, 2016; SALES JUNIOR et al ., 2016).
Quando comparados com os estudantes moradores da zona rural, os estudantes da zona urbana têm 50% mais chance de se evadirem e 40% menos chance de concluírem o curso. Esse é um achado interessante e pode estar associado ao desenho institucional multicampi da UFFS, voltado para a interiorização da Educação Superior pública, numa região com baixa urbanização relativa, comparativamente às demais regiões brasileiras. Esse resultado é compatível ao encontrado por Reche (2018) , para quem, o fato de a UFFS ter campi localizados em municípios do interior, e de diferentes portes, permite maior acesso e mobilidade dos estudantes da própria região, sem a necessidade de migrar para outra cidade, ou estado, para estudar. A implantação da UFFS modificou, portanto, a dinâmica regional no destino dos estudantes. O estudo de Costa (2018) , entretanto, encontrou mais resultados de evasão nas IES localizadas no interior (43,5%), em comparação àquelas localizadas nas capitais (39%). O que chama a atenção, portanto, na UFFS é que os estudantes, oriundos da zona rural, apresentam os melhores resultados de conclusão e as menores chances de evasão, comparativamente aos da zona urbana.
Com relação às características pré-universitárias, os resultados mostram que estudantes que cursaram o Ensino Médio profissionalizante possuem 33% menos chance de se evadirem em relação aos que cursaram o Ensino Médio regular, sinalizando para o fato de que o tipo de Educação recebida nessa fase escolar importa na trajetória universitária.
Outra variável investigada foi o intervalo de tempo decorrido entre o término do Ensino Médio e o ingresso no Ensino Superior. Os dados revelam que o aumento de anos sem estudar diminui a chance de conclusão. O fato de ter deixado de estudar, por 2 ou 3 anos, diminui 38% a chance de conclusão em relação aos que deixaram de estudar, no máximo, 1 ano, entre a finalização do Ensino Médio e o ingresso no Ensino Superior. Esse resultado dialoga com a questão da idade, pois, quanto maior é a idade no ingresso menor é a chance de conclusão.
Quanto à inscrição nos diferentes grupos do Processo Seletivo, os estudantes que ingressaram pelos critérios de escola pública, renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas (Grupo I) apresentam menos chances de conclusão em relação aos demais grupos. Os que ingressam apenas pelo critério de escola pública, com renda de até 1,5 salário mínimo, ou escola pública e renda superior a 1,5 salário mínimo, ou seja, sem consideração do critério étnico-racial, possuem 3,1 vezes mais chances de conclusão em relação ao Grupo I. O grupo de ampla concorrência apresenta 2,8 vezes mais chances de concluir e o grupo de escola pública parcial, 2,4. E, por último, o grupo apenas de escola pública e PPI, com renda superior a 1,5 salário mínimo, apresenta 2,3 vezes mais chances de concluir.
No caso da evasão não foi encontrada diferença, estatisticamente, significativa entre os grupos. Os resultados indicam diferenças entre os grupos de inscrição para a conclusão dos cursos na UFFS, principalmente o Grupo I, de escola pública, baixa renda e PPI, o que se aproxima do estudo de Barbosa (2019) , com relação à manutenção das desigualdades na Educação Superior, segundo características de origens social e racial. Sales Junior et al . (2016), para o caso da UFFS, encontraram resultados de maior evasão entre estudantes cotistas. E, Mendes Júnior (2014), ao comparar desempenho, evasão e conclusão, entre cotistas e não cotistas, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2005, a 1ª do Brasil a implementar ações afirmativas no acesso, revelou uma maior persistência (taxa de graduação) entre os alunos cotistas e maiores desempenho e evasão entre os não cotistas. Por tratar-se de estudos de casos, e com especificidades nos tipos de cotas de cada IES, a comparação e/ou generalização não é pertinente.
Ao analisar as características institucionais, observou-se que existem diferenças nas trajetórias dos estudantes nos diferentes campi da UFFS. Tomou-se como referência o Campus Chapecó, que possui o maior número de cursos e de ingressantes. Os estudantes do Campus Laranjeiras do Sul apresentaram 2 vezes mais chances de se evadirem e 41% menos chances de concluírem, quando comparados aos do Campus Chapecó. Já os Campi Cerro Largo (1,8 vezes), Erechim (1,6 vezes) e Passo Fundo (4,2 vezes) apresentaram mais chances de concluir, em relação a Chapecó. O Campus Passo Fundo também apresentou 59% menos chances de evasão, quando comparado a Chapecó. A hipótese é que esses dados podem estar relacionados ao desenho de cursos de cada campus, a exemplo, de Passo Fundo, que oferta apenas Medicina, curso de alta concorrência e com boas expectativas no mercado de trabalho.
Ainda com relação à modalidade dos cursos, os dados revelam, por exemplo, que os bacharelados apresentam maiores chances de conclusão quando comparados às das licenciaturas, que têm 35% menos chances de conclusão. No entanto, os estudantes de licenciaturas possuem 1,5 vez mais chance de evasão, o que pode indicar maior retenção nos cursos de bacharelados, uma vez que as diferenças nas chances de concluir são menores.
Esses resultados aproximam-se de outros estudos que mostram uma maior tendência de evasão em cursos de licenciaturas e de turnos noturnos ( ADACHI, 2017 ; COSTA, 2018 ; UFFS, 2018 ). Importante destacar que a escolha do curso e do turno, e a condição de permanência dos estudantes, encontram-se, fortemente, associadas a características pessoais, como idade, renda, sexo, raça/cor e condição de trabalho ( BARBOSA, 2019 ; FASSINA, 2018; ZAGO, PAIXÃO; PEREIRA, 2016).
Outra característica institucional que contribui para a permanência e a conclusão dos cursos é o apoio social recebido pelos estudantes por meio da política da Assistência Estudantil. Os que recebem esse apoio institucional possuem 69% menos chances de se evadirem, em relação aos que não o recebem. Com relação à conclusão dos cursos, os que recebem apoio social possuem 3 vezes mais chances de conclusão, quando comparados com os que não o recebem. Ao acompanhar a trajetória acadêmica de estudantes atendidos pela Assistência Estudantil em um dos Campi da UFFS, entre 2010 e 2016 (572 estudantes), Scher e Oliveira (2020) mostram que 65,6% concluíram o curso no tempo regular, o que indica a contribuição dessa política para a permanência estudantil. Sales Júnior et al . (2016), para o caso da UFFS, apontam que, em média, os estudantes que recebem assistência estudantil possuem 65% menos chance de evasão.
Algumas variáveis não apresentaram significância estatística ou deixaram de apresentar junto com as demais variáveis, como é o caso de raça/cor e renda familiar, o que pode estar correlacionada ou estar confundida com outras variáveis.
6 Conclusão
Esse estudo explorou o efeito de características dos estudantes e institucionais sobre a probabilidade de evasão e de conclusão de cursos superiores na UFFS, a partir dos dados fornecidos pela própria universidade. Entre os principais resultados desse estudo, destacam-se:
A evasão está associada a características de gênero, idade, local de residência dos alunos e também às características institucionais: a evasão atinge mais os homens que as mulheres, os ingressantes mais velhos, os residentes na zona urbana, os estudantes que cursaram o Ensino Médio na modalidade regular, os que cursam licenciaturas e os que não recebem apoio social da universidade e
A conclusão dos cursos, por sua vez, está associada a: a) características de gênero; b) idade; c) local de moradia; d) tempo entre a conclusão do Ensino Médio e o ingresso no Ensino Superior e) grupo de inscrição no processo seletivo, e f) curso e apoio institucionais. A conclusão é mais alcançada pelas mulheres, pelos ingressantes mais jovens, pelos residentes na zona rural e pelos que ingressam com um intervalo mais curto de tempo, desde a conclusão do Ensino Médio. Apresentam menores chances de conclusão, os estudantes pertencentes ao grupo de inscrição no processo seletivo constituído por estudantes pobres, de escola pública, indígenas e negros, os que cursam licenciaturas e os que não recebem apoio social institucional.
A maioria dos resultados da UFFS aproximam-se das literaturas nacional e internacional sobre a temática da evasão e da conclusão do Ensino Superior. No entanto, na UFFS, diferentemente de outras IES, os estudantes da zona rural apresentam mais chances de conclusão. Esse resultado chama a atenção para o contexto em que a Instituição está inserida: em cidades do interior, distantes das capitais dos estados. Outro resultado interessante é que a evasão e a conclusão também não estão relacionadas ao porte dos Campi, pois Realeza e Cerro Largo, que estão localizados em cidades com menos de 20.000 habitantes, e têm um número menor de ingressantes, apresentam resultados mais positivos de desempenho, quando comparados, por exemplo, com o maior campus (Chapecó).
Outras diferenças na trajetória acadêmica identificadas nesse estudo estão relacionadas aos antecedentes escolares, principalmente, ao tipo de Ensino Médio cursado e ao intervalo de tempo transcorrido entre a conclusão do Ensino Médio e o ingresso no Ensino Superior. Além disso, o ingresso no Ensino Superior, conforme o grupo de cota, também apresenta características importantes no contexto da estratificação educacional, a exemplo dos cotistas raciais e de baixa renda.
Quanto aos aspectos institucionais, os resultados confirmam a importância da Assistência Estudantil na permanência e na conclusão da Graduação e chamam a atenção para as diferenças na trajetória de evasão e de conclusão, conforme o tipo de curso e de campus.
Os resultados sugerem a necessidade de novos estudos, principalmente, das características institucionais, que explorem o contexto dos campi e as modalidades dos cursos ofertados. Outros fatores podem ser explorados, como o desempenho acadêmico, a integração estudantil, projetos pedagógicos dos cursos e o próprio perfil dos estudantes.
Além disso, a recente expansão da Educação Superior está sendo acompanhada por políticas cujos efeitos ainda estão sendo avaliados, como é o caso da Lei de Cotas, do Enem, do Pnaes e do SiSU.
Por fim, os resultados da UFFS, embora apresentem percentuais altos de evasão e baixos percentuais de conclusão, traduzem algumas especificidades em relação a outros estudos que precisam ser analisadas, levando em conta a configuração do contexto institucional, suas políticas de acesso e de permanência diferenciadas, os tipos de cursos oferecidos e o perfil universitário, bem como o fato de ser uma Instituição bastante jovem e que, em 2013, ainda estava em processo de implantação.
Estudos nessa direção são importantes para que as Instituições conheçam melhor os fatores que interferem na trajetória estudantil, e os aspectos que podem ser considerados nas políticas institucionais, voltadas para o aumento da permanência e da conclusão, e para a minimização da evasão dos estudantes. Por fim, considera-se que a desigualdade de oportunidades na Educação Superior permanece, mesmo em contextos de maior inclusão, o que pode ser exemplificado pela escolha das carreiras dos estudantes, de acordo com sua origem social e pelas diferenças de trajetórias, envolvendo probabilidade menores de conclusão do curso, como é o caso dos mais pobres, pretos, pardos e indígenas e dos estudantes oriundos de escola pública.