1 Introdução
O processo de expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), a partir dos anos 2000, trouxe mudanças significativas no perfil do/a estudante universitário/a. Segundo Mota (2018) , em 2007, com a aprovação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), juntamente com o sistema de seleção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)/Sistema de Seleção Unificada (Sisu) (2010), e a Lei de Cotas (2012), houve a abertura de novos cursos e de novas modalidades de ingresso, consequentemente, a ampliação do quantitativo de vagas nas universidades, aumentando, assim, o número de ingressantes. Por meio do Enem/Sisu, o/a estudante pode inscrever-se para diversas instituições, em qualquer região do país, sem precisar deslocar-se até a cidade para a realização da prova.
Nesse sentido, as universidades têm como desafio possibilitar uma expansão qualificada, que contribue com a democratização do acesso e da permanência na Educação Superior pública. Isto porque o ato de permanecer e de concluir não se restringe ao recebimento de determinados auxílios, apesar desses serem fundamentais para a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica ( MOTA, 2018 ).
Entretanto, apesar da relevância materializada nas políticas governamentais, no que tange ao financiamento, à expansão e à inclusão, o fenômeno denominado evasão de alunos dos cursos universitários constitui um problema, também, para as Instituições de Ensino Superior. Esse fenômeno, que impede de levar a termo as políticas públicas e as ações decorrentes, sinaliza um problema com impacto acadêmico, social e econômico. Com relação ao investimento do setor público, é um desperdício, pela falta de retorno à sociedade na formação de novos profissionais.
Dessa forma, é fundamental que as instituições possuam o conhecimento da situação detalhada do que vem ocorrendo com a comunidade acadêmica para atuar de forma eficiente nas questões primordiais, que poderão colaborar para a permanência dos estudantes. Portanto, há a necessidade de mensurar as causas da evasão e da retenção, de forma institucional, mapeando as ações desenvolvidas, além de sistematizar as possíveis ações e os procedimentos frente à permanência estudantil na universidade.
A pesquisa em questão visa a identificar os fatores que contribuem para a evasão de discentes na graduação presencial, de uma forma prática e estruturada, que possibilite correlacionar os diferentes tipos de vínculo dos estudantes, a fim de possibilitar a análise das estratégias mais eficientes para favorecer a permanência e o êxito dos estudantes, com foco na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
2 Permanência e dificuldades estudantis
Permanecer envolve fatores de ordem material e/ou simbólica, que podem corresponder a desejos e interesses afetos ao estudante, aos relacionamentos que se estabelecem na academia, a características da instituição formadora, a situações pessoais e familiares, entre tantos outros ( NOGUEIRA; SILVA, 2016 , p. 125).
O acesso à universidade implica em outros tipos de acesso, quer dizer, que o ingresso, por si só, não garante a continuidade ou o término do curso de graduação, neste sentido, é necessário considerar a dimensão de permanência, que sinaliza o percurso sequente e bem-sucedido (SILVA, VELOSO, 2013).
Um dos indicadores utilizados para avaliar a trajetória estudantil é a taxa de evasão. Para Gaioso (2005) , evasão é definida como toda e qualquer interrupção no ciclo de estudos. Desse modo, faz-se necessário compreender a concepção de permanência no âmbito da instituição e promover ações que possibilitem ao/à estudante a conclusão do seu curso de forma satisfatória dentro do período de integralização.
A Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras (BRASIL, 1997) define três tipos de evasão: 1) do curso – relacionada ao desligamento do curso; 2) da instituição – relacionada ao desligamento da instituição, mas permanência no sistema e 3) do sistema de Ensino Superior – relacionada ao abandono definitivo ou temporário do Ensino Superior. Comumente, os estudos abordam apenas dois tipos de evasão previstos: a do curso, também chamada de evasão aparente, e do sistema ou da evasão real ( POLYDORO, 2000 ).
Nessa pesquisa, foi abordada a evasão do curso (desvinculado do curso), por ter seu registro mais acessível aos pesquisadores. Existem inúmeras situações registradas na trajetória do discente até a saída do curso. Essas podem ser relacionadas às possibilidades evidenciadas na Figura 1 . Essa saída pode ser com êxito (na perspectiva da Instituição), quando a matrícula é finalizada com a situação de “Formado”, ou sem êxito, quando descreve outra trajetória.
Investigações como a de Tinto (1993) , incluindo Cabrera, Nora e Castañeda. (1992), têm explorado como as Instituições de Ensino Superior (IES) e os estudantes buscam lograr êxito ao ampliarem os modelos teóricos explicativos. Dois novos modelos emergem e, de forma geral, contemplam um conjunto de variáveis que interatuam entre si, como: os fatores pessoais do estudante; a trajetória escolar; fatores institucionais e acadêmicos.
Rausch e Hamilton (2006) revisaram esses fatores, quantitativamente, ao estudar o caso de estudantes que haviam decidido abandonar a universidade. Desdobrando os já apontados, o abandono pode ser entendido como a rejeição do ambiente acadêmico, como por exemplo, a dificuldade para socializar-se e adaptar-se ao ambiente universitário, a sensação de isolamento social e acadêmico e a falta de integração. Esses estudos geraram recomendações às IES.
Nesse sentido, Fiegehen (2006) esclarece que os conceitos de evasão e de abandono usados na literatura, indistintamente, estão associados ao desempenho dos acadêmicos, mas fazendo o contraponto outros conceitos devem demarcar o estudo do fenômeno, trazendo à tona os conceitos de eficiência de graduação, ou de titulação, de persistência, de permanência e de retenção.
O conceito de retenção está vinculado ao empenho das IES em manter o estudante no sistema. Esse empenho materializa-se na capacidade institucional, de intervir na trajetória do estudante e de oferecer algum benefício, proporcionando-lhe uma trajetória exitosa, especificamente, em determinados momentos, denominados por Tinto (2000) , como períodos críticos (no primeiro ano, durante a transição do nível secundário para o superior – de um ambiente familiar para um ambiente impessoal, desconhecido; as expectativas equivocadas sobre a carreira e a instituição; o desconhecimento de canais ou de instrumentos institucionais necessários à superação de deficiências acadêmicas).
Conforme descreve Voos (2016) , há pesquisas relacionadas a modelos explicativos de permanência e de seus fatores associados. Na dimensão psicológica, são estudados fatores relacionados a atitudes e a comportamentos do estudante (FISHBEIN; AJZEN, 2006); motivação ao êxito, ao grau de controle sobre o contexto e à estabilidade ( WEINER, 1980 ); e capacidade de adaptação e de autoeficácia ( METZNER, 2004 ).
Na dimensão institucional, tanto as características da IES e a forma que o estudante a ela se vincula são considerados fatores relevantes ( BERGER, 2002 ). Também são considerados fatores a satisfação acadêmica e as experiências educativas e sociais (BEAN; VESPER, 1990; NYE, 1976 ; TINTO, 2000 ). Segundo Ataíde, Lima e Alves (2006), a estrutura da instituição afeta a decisão do estudante, considerando instalações inadequadas, falta de material bibliográfico, estrutura curricular e qualidade de Ensino. No Quadro 1 , adicionam-se e reclassificam-se algumas das razões de evasão levando em consideração vários referenciais.
Grupo | Assertivas | Autores |
---|---|---|
Estrutura do Curso ou da Instituição de Ensino | Greve; Instalações inadequadas; Estrutura curricular; Qualidade dos professores; Prestígio do curso na cidade; Sobrecarga de atividades; Método dos professores; Relacionamento entre aluno e aluno e aluno e professor. | Gomes (1999) ; Machado (2009) ; Mello et al. (2012) ; Ataíde, Lima e Alves (2006). |
Mercado de Trabalho e Carreira | Expectativa de baixa remuneração após concluir o curso; pouca opção de emprego; Escolha inadequada do curso; Falta de conhecimento sobre o curso escolhido. | Mazzetto; Carneiro (2002) ; Mendonça (2012) ; Borges (2011). |
Trabalho e Localidade | Dificuldade em conciliar estudo e trabalho; Oferta de emprego ou promoção; Localização da Instituição; Mudança de cidade; Dificuldades em adaptar-se em uma nova cidade. | Borges (2011); Gomes (1999) ; Mello et al. (2012) . |
Pessoal, Família e Finanças | Dificuldade em manter-se somente estudando; Dificuldades em manter-se em uma nova cidade; Gravidez; Casamento; Doença. | Machado (2009) ; Mendonça et al. (2012) ; Borges (2011); Mello et al. (2012) . |
Outras Razões | Mudança de Curso; Acúmulo de reprovações; Dificuldades de aprendizado; composição curricular, falta de programa de combate à evasão; fatores mentais; falta de tempo. | Ataíde, Lima e Alves (2006) Mussliner et al. (2021) ; Nunes (2021) |
Fonte: Adaptado de Cardoso e Nagai, 2018
O levantamento do Quadro 1 descreve inúmeras dificuldades que podem afetar o estudante e favorecer a evasão de curso, foram utilizadas na elaboração dos formulários estruturados, assim como estudos realizados no âmbito da UFMT.
3 Pesquisa sobre evasão na UFMT
A UFMT, com sede na cidade de Cuiabá, foi fundada em 10 de dezembro de 1970, por meio da Lei nº 5.647. Formada, inicialmente, pela junção da Faculdade de Direito e do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá. Notam-se algumas publicações sobre a evasão no contexto da UFMT, no entanto, normalmente, com métodos diferenciados, aprofundando em determinado curso ou campus.
Alguns estudos abordaram as dificuldades diante da perspectiva de alguns cursos, como Kirch, Neisse e Veloso (2018) que analisaram os trancamentos de matrícula no curso de estatística. Nesse estudo, destacou-se que o trancamento da matrícula ocorre, principalmente, nos primeiros semestres, com idade maior que 25 anos, e/ou com forma de ingresso por admissão de graduado.
Cardoso e Nagai (2018) analisaram a evasão e o gênero em alguns cursos do campus da UFMT, de Rondonópolis. Concluiu-se que a evasão não é um processo dependente apenas do aluno, mas um fenômeno institucional, e que é importante descobrir os motivos da evasão e as dificuldades enfrentadas pelos discentes, especificamente, de homens e de mulheres, visando a retenção de cada gênero.
Em Backes (2015) , foi analisada a influência do sistema de seleção unificada (Sisu) na evasão do curso de Administração, mostrando uma diminuição da taxa de sucesso após a aplicação do novo sistema de seleção, levantando questionamentos sobre políticas públicas de democratização do Ensino e de planejamento da expansão das universidades públicas.
Outros estudos abordaram, também, alguns perfis discentes específicos, como Andrade (2019), que pesquisou o estudante egresso da escola pública e os elementos que possibilitam a permanência na UFMT, campus de Cuiabá. Citam-se também Pereira, Zavala e Santos (2011), que quantificaram e traçaram o perfil da evasão nos cursos de graduação do campus de Cuiabá. Os resultados dessas pesquisas levantam várias causas e dificuldades que se alternam e aprofundam diante de cada perfil e curso estudado. Os resultados desses estudos apontam para a complexidade do tema e da necessidade de um olhar atento para cada caso.
4 Metodologia
Para identificar os fatores que contribuem para a evasão, retenção, assim como para a permanência e o êxito dos discentes, utilizou-se da pesquisa exploratória e descritiva. O estudo foi dividido em quatro etapas: elaboração de diretrizes e de instrumentos; disseminação e aplicação dos instrumentos para discentes; análise e ponderação dos resultados discentes; aplicação de formulário específico para colegiados de cursos e ponderação de ações e estratégias. O estudo de caso foi realizado na UFMT, instituição com mais de 23.000 alunos, distribuídos em 106 cursos de graduação presencial (UFMT, 2018). Esse estudo teve seu foco no Ensino de graduação presencial.
4.1 Diretrizes e instrumentos
Inicialmente, recorreu-se à análise documental, investigando pesquisas com foco no objeto de pesquisa, assim como nas tendências atuais percebidas nos trabalhos empíricos, realizados em instituições com características semelhantes à UFMT. Posteriormente, procurou-se identificar convergências e questões mais relatadas, e padronizações que poderiam reduzir o tempo de respostas, aumentando, também, a quantidade de respondentes. Após, elaboraram-se quatro instrumentos específicos de pesquisa (questionários on-line semiestruturados), destinados para os colegiados de cursos de graduação, de discentes evadidos, de discentes vinculados e de egressos, a fim de obterem-se perspectivas diferentes sobre evasão e êxito.
4.2 Disseminação e aplicação dos instrumentos para discentes
Como parte importante do processo, decidiu-se por divulgar e sensibilizar a comunidade acadêmica, mais especificamente, os coordenadores de cursos de graduação, sobre a intenção da pesquisa e a necessidade de parcerias, antes da aplicação da pesquisa, apresentando os questionários e comunicando que, em breve, seriam disponibilizados para resposta.
Para aplicar os questionários, diante do tamanho da população, do objetivo do estudo e da facilidade de coleta, foi escolhida a amostragem por conveniência, um método não probabilístico. O link dos questionários foi enviado por e-mail para os estudantes egressos e desvinculados.
Alguns fatores relacionados à evasão podem sofrer mudanças com o tempo, principalmente os ligados à dimensão institucional. Assim, foi necessário um recorte temporal para obter um resultado mais pertinente à situação atual da Instituição. Foram considerados, então, os estudantes egressos e desvinculados no período entre 2013 e 2019, e estudantes com situação de vínculo em 2019 (estudantes cursando ou com matrícula trancada). Desses, obtiveram-se respostas válidas de 5.041 estudantes, de todos os cursos da instituição, correspondendo ao universo observado, conforme descrição na Tabela 1 , não tendo predominância de determinado curso ou área de conhecimento.
4.3 Ponderação dos resultados discentes e aplicação do instrumento para colegiados
Os resultados dos questionários aplicados para os discentes foram tabulados em planilhas eletrônicas e procedeu-se, inicialmente, uma análise descritiva, o que possibilitou conhecer a realidade dos discentes de acordo com o vínculo com a instituição. Procurou-se, também, fazer cruzamentos que colaborassem no aprofundamento da realidade do discente.
Diante da variedade de informações, foi necessário agregar dados para simplificar o direcionamento de ações. Essa agregação foi denominada “dificuldades ponderadas”, possibilitando também, uma análise geral de todos os discentes. Nesse procedimento, as respostas foram quantificadas com o valor “2” para a opção “sim, foi uma dificuldade”, “1” para “foi em parte” e “0” para “não foi um motivo”. Dessa forma, há pesos para as respostas, tornando possível cálculos diversos.
Após disponibilização das respostas dos discentes de forma individual e agregada, os formulários dos colegiados foram enviados para os cursos, sendo que, de 83 cursos, 67 responderam, correspondendo a 81% dos colegiados da instituição.
4.4 Percepção dos colegiados e priorização de ações e estratégias
Por meio do instrumento dos colegiados, foi possível analisar a percepção dos cursos sobre o que os discentes responderam e analisar seus pontos de vista quanto à evasão. Foram solicitadas, também, as ações já desenvolvidas nos últimos dois anos, ou planejadas para os próximos anos. Após, recorreu-se ao Documento Orientador para a Superação da Evasão e Retenção na Rede Federal ( BRASIL, 2014 ), esse documento aponta para estratégias que abrangem, desde o acolhimento do estudante que ingressa na Educação Superior, até aquelas relacionadas à estruturação dos cursos de graduação.
Para possibilitar priorizar as ações relacionadas às dificuldades diagnosticadas, realizou-se um cruzamento entre possíveis ações do documento orientador e dificuldades diagnosticadas nessa pesquisa. Para cada combinação, foi definido com peso 2 aquela ação que impactava, diretamente, a respectiva dificuldade, e peso 1 àquela que impactava indiretamente.
Assim, foi possível definir qual o potencial de melhoria de cada ação, servindo como atributo para sua priorização. Para tanto, foi realizada a soma dos pesos para selecionar as ações mais importantes para implementação na instituição.
5 Principais resultados
Abordaremos os questionários encaminhados aos estudantes desvinculados, vinculados e egressos da graduação presencial. Aos três grupos, foi solicitado que indicassem quais as principais dificuldades encontradas no decorrer de sua trajetória acadêmica, as informações sobre essas dificuldades para permanecer foram distribuídas em três aspectos principais: individuais, institucionais e externos. Os gráficos foram organizados em ordem decrescente de frequência para aqueles que responderam “Sim”.
5.1 Discentes Desvinculados
Os estudantes considerados desvinculados foram aqueles que abandonaram o curso por vontade própria ou por normativas da instituição. Foram obtidas 1.672 respostas de 94 cursos de graduação. Desses, 52% são do sexo feminino. Em torno de 35% afirmaram ter renda per capita familiar de até 1,5 salário-mínimo (SM). Além disso, 52% relataram que, na época em que estavam matriculados, estudavam e trabalhavam.
Quanto ao tempo de permanência na instituição dessa amostra, compreendido como a diferença entre o ano de desligamento do curso e o ano de ingresso, constata-se que 46% foram desligados no período de 1 ano ou menos e 22% entre 2 anos ou menos, ou seja, cerca de 68% desses saíram antes de completar os dois primeiros anos de estudo. Esse período inicial é crucial para a adaptação e a permanência no Ensino Superior, uma vez que o estudante é submetido a novos desafios acadêmicos e pessoais ( CASANOVA, 2018 ). Após o desligamento do curso, 44% não retornaram aos estudos, 25% migraram para instituições privadas de Ensino, 17% continuaram a estudar em outras instituições públicas de Ensino e 14% continuaram na UFMT, em outro curso de graduação. A Figura 2 relaciona as dificuldades que contribuíram para o estudante evadir-se do curso.
A adversidade pessoal mais relatada por esse grupo de estudantes é a falta de tempo para os estudos. Destaca-se que, de acordo com os dados, essa dificuldade tem relação direta com a atividade laboral do estudante quando estava matriculado, uma vez que, para os estudantes que relataram essa dificuldade, cerca de 80% estudavam e trabalhavam, e 20% apenas estudavam. De maneira análoga, a falta de recursos para manter-se durante os estudos, segunda dificuldade mais relatada, correlaciona-se com a renda familiar per capita do estudante evadido, visto que, dos que apontaram essa barreira, cerca de 60% têm renda per capita de até um SM.
Os aspectos institucionais são aqueles que a instituição tem maiores condições de melhorias, pois estão associados à infraestrutura e ao programa curricular do curso. A Figura 3 relaciona as dificuldades institucionais.
Os dois aspectos institucionais que geraram maior nível de dificuldade, segundo os respondentes, foram o turno do curso e do horário incompatível, que estão relacionados, pois, dentre os que relataram essas dificuldades, em torno de 67% estavam matriculados em cursos com turno integral. Resultados similares foram encontrados por Andriola e Araújo (2021) e Cestari et al. (2017) para os quais, ter o tempo preenchido por inúmeras atividades acadêmicas, como é o caso dos universitários de cursos diurnos, diminui as chances de esses conseguirem trabalhar e ter independência financeira, aspectos considerados como potenciais estressores.
Os aspectos externos compreendem as questões que, via de regra, não dependem, exclusivamente, da instituição, dependendo muito mais da conjuntura socioeconômica do país ou da região na qual a instituição está inserida. A Figura 4 elenca as principais dificuldades mencionadas.
A dificuldade externa mais apontada são as greves, aliás, considerando todas as adversidades dos três conjuntos de aspectos (individuais, institucionais e externos), as greves foram as maiores dificuldades apontadas, com 43% dos respondentes informando, em algum grau, essa adversidade. A expectativa de baixa remuneração, o segundo motivo externo mais relatado, foi determinante para a mudança de curso dos estudantes que evadiram do curso, mas continuaram estudando na UFMT ou em outras instituições públicas ou privadas. Desse grupo, 93% mudaram de curso e apenas 7% mudaram somente de instituição e continuaram no mesmo curso de graduação.
5.2 Discentes Egressos
Para os estudantes da UFMT que se diplomaram de 2013 a 2019, foram obtidas 1.486 respostas de 81 cursos de graduação presencial. Dessa amostra, 59% são do sexo feminino. A análise desse grupo de discentes é fundamental, pois constitui um grupo que percorreu toda a trajetória do curso e conseguiu diplomar-se, além da maioria ter permanecido na instituição por cerca de seis anos.
Questionou-se, também, o que contribuiu, de forma fundamental, para conclusão do curso, e destacam-se o apoio de professores, amigos, força de vontade, apoio psicológico e atividades de pesquisa e de extensão. Para exemplificar, citam-se algumas frases dos discentes: “A paixão pelo curso e a força de vontade. Além de muitos professores serem inspiradores”; “Amor pela profissão, apoio da família e alguns professores que me inspiraram”; “Estar envolvida em projetos de pesquisa por meio da minha bolsa Pibic”. Durante a trajetória, também passaram por diversas dificuldades. A Figura 5 elenca as dificuldades individuais relatadas pelos egressos.
A principal dificuldade individual mais relatada pelos egressos foi relacionada à questão emocional. Essa adversidade é bem distribuída entre os diferentes perfis sociais, ou seja, ela apresenta-se uniforme entre os gêneros, a renda familiar, o grau acadêmico e o turno do curso do diplomado. A falta de motivação para os estudos, segunda dificuldade mais apontada, pode ter relação com o tempo de conclusão do curso, na medida em que 57% dos que apontaram, diretamente, essa adversidade terem-se formado em seis anos.
A decepção com a universidade foi uma adversidade muito sentida pelos estudantes oriundos do Ensino Médio privado, visto que, desses, 14% relataram essa dificuldade. Por outro lado, apenas 8% dos estudantes, vindos de escola pública, informaram essa mesma adversidade. Na Figura 6 , são apresentadas as dificuldades relacionadas à instituição.
As três principais dificuldades elencadas na Figura 6 apontam para aspectos distintos do contexto acadêmico. A primeira está relacionada ao docente e à sua metodologia de Ensino, a segunda, à estrutura pedagógica do curso e a terceira, à sua infraestrutura física. A metodologia de Ensino do docente, tal como a falta de motivação para os estudos, mostra uma possível relação com o tempo de conclusão do curso. Dentre os que relataram a metodologia de Ensino do docente como uma dificuldade, 41% e 48%, respectivamente, também informaram a qualidade dos docentes e o relacionamento docente/aluno como um obstáculo à conclusão do curso.
Como o ocorrido na análise dos desvinculados, a greve também foi o fator que mais dificultou a permanência e a conclusão, segundo os respondentes. Tanto na greve quanto na expectativa de baixa remuneração, segunda principal dificuldade, não houve distinção preponderante entre o perfil dos estudantes. O terceiro fator mais relatado pelos egressos, segurança nos campi e nos arredores, é reflexo dos problemas sociais vivenciados, principalmente, nas capitais e nas regiões metropolitanas. Enquanto nos campi do interior do Estado esse problema foi explicitado por 11% dos respondentes, em comparação ao campus da capital, esse índice sobe para 20%.
5.3 Discentes Vinculados
No grupo denominado “discentes vinculados”, foram incluídos os estudantes que possuíam matrícula ativa ou trancada. Nesse grupo, são evidenciados os aspectos que mais dificultam ou contribuem para a permanência e a conclusão. Foram obtidas 1.885 respostas dos estudantes de 91 cursos de graduação presencial. Salienta-se que apenas 15,4% dos respondentes vinculados informaram não estar satisfeitos com o curso, enquanto 55,4% informaram estar parcialmente satisfeitos e 29,2% satisfeitos com o curso.
Desse grupo, 59% são do sexo feminino e 75% são oriundos do Ensino Médio público. Quanto às atividades desenvolvidas atualmente, 58% informaram que estão somente estudando, 36% estão trabalhando e estudando e 4% estão somente trabalhando. A renda mensal per capita de 57% dos respondentes é de até 1,5 SM. A maioria, 71%, relata dificuldades para permanecer no curso. Na Figura 8 , serão apresentadas as principais dificuldades individuais.
Os cinco principais aspectos que dificultam a permanência e a conclusão do curso, em, pelo menos, algum grau, segundo os estudantes vinculados, estão relacionados à saúde emocional (problemas emocionais), aos recursos financeiros (falta de recursos para manter-se) e às questões relativas ao aprendizado (falta de motivação para os estudos, dificuldade de aprendizado, base escolar insuficiente). Os problemas emocionais, diferentemente do ocorrido com os egressos, têm mais frequência no sexo feminino, visto que 70% informaram esse item como uma dificuldade determinante para a sua permanência e conclusão.
Dos estudantes oriundos de escola pública, 18% informaram dificuldade de aprendizado e 21%, base escolar insuficiente, já nos de escola privada, essas taxas caem para 13% e 5%, respectivamente. Na Figura 9 são apresentados os temas institucionais adversos à permanência e à conclusão dos estudantes vinculados.
A metodologia de Ensino docente e a insuficiência de recursos financeiros por boa parte dos estudantes aparecem, novamente. Como uma das principais dificuldades dos estudantes, principalmente para os que detêm menor renda, cujos dados revelam que, entre os estudantes com renda per capita familiar de até 1,5 SM, essa dificuldade é sentida por 42% dos respondentes. Por outro lado, entre os estudantes com renda maior de 3 SM, esse índice é de 11%.
A falta de opções de horários para as disciplinas e outras atividades é uma adversidade mais exposta pelos estudantes trabalhadores. Desses, 28% relataram essa dificuldade, em contrapartida com 23% dos que somente estudam. As dificuldades consideradas externas à instituição, relatadas pelos estudantes vinculados, são apresentadas na Figura 10 .
As greves, novamente, aparecem como o aspecto externo que mais trazem dificuldade aos estudantes. Sessenta e nove por cento dos respondentes sentiram essa adversidade, pelo menos em parte. Tal como na análise realizada nos dados dos egressos, a segurança nos campi e nos arredores é mais frequente nos campi localizados na capital.
5.4 Dificuldades Ponderadas
Diante da variedade de informações relacionadas às dificuldades discentes, assim como às diferenças que surgem quando se analisa, no âmbito dos cursos, elaborou-se outra abordagem denominada “dificuldades ponderadas”. Conforme descrito na metodologia, nessa abordagem são atribuídos pesos para as respostas dos discentes. Dessa forma, foi possível ponderar aquelas mais citadas. Essa análise possibilita desagregar e agregar as dificuldades de várias formas. A Figura 11 mostra as dificuldades mais relatadas por tipo de vínculo.
Fonte: Elaboração própria, 2021. *Soma das dificuldades após aplicação dos pesos, dividido pelo número de respondente de cada perfil
A Figura 11 descreve as dificuldades mais relatadas, levando em consideração o número de respondentes de cada perfil. Dessa forma, é possível entender a complexidade da atuação institucional, tendo em vista que dificuldades de âmbito externas, individuais e institucionais misturam-se entre as mais citadas. Para possibilitar uma análise geral, as dificuldades ponderadas foram agregadas, levando em consideração os temas aos quais estavam relacionadas. Dessa forma, a Figura 12 relaciona as dificuldades agregadas para a UFMT, como um todo.
Notam-se que as dificuldades agregadas mais citadas estão relacionadas ao corpo docente, sendo elas, em ordem decrescente: metodologia de Ensino docente, carga excessiva de trabalhos estudantis, relacionamento aluno/docente, forma de avaliação e de assiduidade docente. Relacionamentos interpessoais, entre professores e outros estudantes, podem ser determinantes para a decisão de abandono do curso universitário (MATTA; LEBRÃO; HELENO, 2017), bem como inadaptação às estratégias de Ensino ( ARAÚJO, 2017 ).
Com relação às dificuldades agregadas, relacionadas com a estrutura do curso, cita-se em ordem decrescente: estrutura curricular, curso não prepara para o mercado de trabalho, turno do curso, falta de carga horária prática e qualidade do curso.
As dificuldades relacionadas com o aprendizado também foram muito citadas, destacando-se a falta de motivação para os estudos, dificuldade de aprendizado, base escolar insuficiente, falta de hábito de estudo e, por fim, a quantidade de reprovações em disciplinas.
Em seguida, as dificuldades relacionadas com finanças, trabalho e tempo, sendo que a mais citada foi a falta de recursos para manter-se financeiramente, falta de tempo, falta de dinheiro para material didático, necessidade de sustentar a família e mudança de emprego. Destacam-se também as dificuldades relacionadas com a estrutura da instituição, do mercado de trabalho, da falta de auxílios e dos horários flexíveis, da saúde (principalmente relacionada a questões emocionais).
O método de ponderação possibilita também fazer outros cruzamentos, como as dificuldades por área de conhecimento, a Figura 13 apresenta a Classificação Internacional Normalizada da Educação (Cine Brasil).
Notam-se, na Figura 13 , muitas semelhanças nas dificuldades dos alunos de cursos de diferentes áreas, principalmente quanto às dificuldades relacionadas ao corpo docente e à estrutura do curso. Salientam-se, no entanto, diferenças nas dificuldades relacionadas ao aprendizado, que foram bem expressivas nos cursos de computação e de tecnologias da informação, de ciências naturais, de matemática e de estatística, de engenharias e de agricultura, de silvicultura e de agropecuária.
6 Discussão e estratégias
Essa seção descreve algumas das possíveis ações que poderão ser implementadas pelos setores para minimizar as dificuldades relatadas pelos discentes, materializando, dessa forma, como subsídio para planejamento de ações para unidades acadêmicas e administrativas.
As unidades acadêmicas relataram, por meio do formulário respondido pelos colegiados de curso, algumas ações que vêm realizando nos últimos dois anos no âmbito dessa temática. Citam-se várias iniciativas de acolhimento ao ingressante com apresentação do curso, palestras com profissionais de referência formados na instituição, ações motivacionais, divulgação dos serviços oferecidos e das principais normativas que possuem relação com o discente e a instituição.
Notam-se, também, ações relacionadas à atualização dos Projeto Pedagógico do Curso (PPC), diminuição de pré-requisitos em disciplinas do curso, disponibilização de projetos e cursos de nivelamento em horários flexíveis, tutoria específica e avaliação do histórico escolar de forma individualizada, além de turmas especiais em disciplinas de alta retenção.
Destaca-se, também, a proposição de palestras e de seminários, com profissionais da área, com o objetivo de discutir as perspectivas oferecidas pelo curso e pela profissão. Alguns realizaram, também, o contato com discentes que haviam ultrapassado o tempo de integralização, além da avaliação com os docentes, divulgação e ampliação do canal de comunicação com os discentes, entre outras.
Para facilitar o direcionamento de ações diante das dificuldades mais citadas pelos discentes, elaborou-se a Figura 14 , que contém as ações mais relevantes que podem ser adotadas pelas unidades acadêmicas, assim como a sugestão de procedimentos para a realização dessas.
A Figura 14 constitui um instrumento importante no combate das dificuldades levantadas pelos discentes, pois é o resultado da análise de várias estratégias referenciadas e elaboradas em conjunto com a academia, após a análise dos estudantes, assim como das ações propostas pelos colegiados e pelas unidades administrativas. Essas poderiam colaborar para amenizar o maior número de dificuldades levantadas pelos discentes, e, dessa forma, foram consideradas estratégias prioritárias. Se todos os cursos tomassem conhecimento das dificuldades e pudessem implementar o maior número possível dessas estratégias, a instituição poderia aprimorar seus indicadores, o que impactaria, positivamente, na sociedade em geral.
7 Considerações finais
A democratização do acesso à Educação Superior, com a garantia de manutenção da qualidade, é um dos compromissos do Estado brasileiro, conforme citado na meta 12 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 ( BRASIL, 2014 ). No entanto, ampliar o acesso não é suficiente, se não for acompanhado das condições que contribuam para a permanência dos estudantes, do ingresso à formatura. É nesse contexto que a compreensão aprofundada da permanência, da evasão e da retenção torna-se peça-chave no intricado painel de fenômenos que cercam a Educação Superior.
O diagnóstico relacionado às dificuldades acadêmicas, pela perspectiva de discentes egressos, desvinculados e vinculados consiste em um instrumento fundamental. Por meio desse, é possível identificar e compreender as principais dificuldades que acometeram, ou que acometem, esses estudantes em seu cotidiano acadêmico, econômico e social e, dessa forma, dar subsídios às formulações de políticas institucionais que possibilitem ampliar a permanência e a conclusão de curso dos estudantes.
De forma geral, os estudantes que se desvincularam de cursos da UFMT, fizeram-no nos primeiros anos de estudo. As principais dificuldades relatadas por esse grupo estão relacionadas à falta de tempo, à insuficiência de recursos financeiros e às greves. Essa insuficiência financeira pode, também, ser identificada em outras adversidades relatadas, como: presença de atividade laboral, falta de tempo para atividades acadêmicas, turno do curso, expectativa de baixa remuneração e horário incompatível.
Os estudantes egressos, que, por terem vivenciado toda a trajetória de seu curso e, consequentemente, ao terem permanecido por longo período, possuem grande contribuição nessa pesquisa, relatando não apenas os aspectos que contribuíram para diplomação, mas, também, as adversidades procedentes de todas as etapas do curso. As principais dificuldades relatadas por esse grupo de estudantes estão relacionadas aos aspectos internos do curso: metodologia de Ensino, laboratório e equipamentos insuficientes e estrutura curricular do curso, e aspectos pós-academia, tais como: curso não preparado para o mercado de trabalho, expectativa de baixa remuneração, falta de carga horária prática e baixa oferta de emprego.
Com relação aos estudantes vinculados, além das dificuldades financeiras (falta de recursos para manter-se e falta de bolsas e de auxílios) estão presentes, também, aspectos acadêmicos (metodologia de Ensino do docente, falta de ações de apoio ao aprendizado, falta de horários para as disciplinas) e individuais (base escolar insuficiente, dificuldade de aprendizado e problemas emocionais).
Evidencia-se que, em comparação com os estudantes desvinculados, os egressos tiveram maiores dificuldades relacionadas ao contexto acadêmico do que ao econômico-financeiro. Por outro lado, os estudantes vinculados contemplam as dificuldades vivenciadas pelos outros dois grupos, uma vez que esses serão os futuros egressos ou desvinculados. Dessa maneira, analisar os fatores que impactaram na trajetória acadêmica dos estudantes que passaram pela instituição é imprescindível para auxiliar na permanência e na conclusão dos estudantes vinculados.
Apesar de o foco do estudo procurar diagnosticar as dificuldades mais relatadas pelos discentes, identificaram-se, também, alguns fatores que auxiliaram a permanência e a conclusão de alunos por meio do questionamento aos egressos. Como exemplo, citam-se a importância de professores inspiradores, o apoio de amigos e de familiares, às atividades extracurriculares e a persistência.
Os instrumentos apresentados podem ser utilizados tanto para tomada de decisão, planejamento, evolução de processos institucionais e seu acompanhamento, quanto para outras atividades que aprimorem as condições dos estudantes e possibilitem a melhora dos indicadores, diminuindo os índices de evasão e de retenção universitária, materializando, por consequência, maior contribuição no sentido do papel social da instituição. Estudos futuros poderiam focar nas características sociodemográficas dos discentes, assim como utilizar-se de outras ferramentas estatísticas.