Reflexões iniciais
No contexto atual, em que vivenciamos o agravamento da problemática socioambiental que vem atingindo diretamente os povos viventes nos campos brasileiros - fomentada e legitimada pela atual gestão do Governo Federal, a qual tem atuado em prol da inversão e desconfiguração da proteção ambiental, como asseveram Missiato et al. (2021) -, a promoção de formação ambiental torna-se cada vez mais emergente e uma estratégia insurgente de enfrentamento ao avanço ruralista nos territórios campesinos.
Segundo Leff (2007, p. 254), formação ambiental diz respeito a “um processo mais orgânico e reflexivo de reorganização do saber e da sociedade na construção de novas capacidades para compreender e intervir na transformação do mundo”. Assim, formar ambientalmente significa desenvolver processos formativos cotidianos ancorados no exercício constante de leitura, interpretação e ressignificação dos axiomas que fundamentam as perspectivas de ser e de estar no mundo e com o mundo. Isso porque, em conformidade com Freire (1999), o ser humano opera no e transforma o mundo, e essa transformação, à luz das discussões ambientais, precisa estar na direção de uma práxis que se concretiza em atitudes ressignificadas ambientalmente.
No cenário educacional, a promoção da formação ambiental perpassa, organicamente, o currículo, que é um território e um instrumento de poder em meio à disputa hegemônica e homogeneizante (ARROYO, 2013; SILVA, 2015b) e também em disputa pela reprodução de uma ideologia econômica que se afirma como única forma possível de sobrevivência e de desenvolvimento de uma sociedade e, tacitamente, se legitima por meio da internalização da formação a serviço do capital. Em contrapartida, o currículo pode assumir também a posição de território de resistência à medida que incorpora à cultura escolar elementos implícitos de enfrentamento à lógica econômica dominante (SILVA, 2015b).
No entanto, para que o currículo se materialize como território e instrumento de resistência, é necessário que todos nós nos reconheçamos educadores ambientais e tomemos consciência de nossa agência na “transformação da sociedade, de seus paradigmas, valores e hábitos, além das atitudes, por perceber que novas atitudes, como as que se posicionam criticamente sobre os valores estabelecidos” (GUIMARÃES, 2007, p. 140), perpassando a ética e a reorientação atitudinal em relação ao ambiente.
No espaço do campo, a realidade observada é a de que a maioria das escolas situadas no meio rural submete-se à lógica dominante do capital por meio da oferta de ensino regular baseado em currículos homogeneizantes e fundados na perspectiva do ruralismo pedagógico, desconsiderando as especificidades dos sujeitos do campo, especificidades essas que são marcadas não apenas pela sua permanência no campo, mas são atravessadas por relações ambientais, de gênero, de etnia, de tradições, de modos de ocupação do espaço, de representações do meio em que vivem que são invisibilizadas historicamente (CAPELO, 2013).
No contexto sergipano e, mais especificamente, no que se refere ao município de Simão Dias/SE1, a formação ambiental de sujeitos do campo tem se tornado cada vez mais difícil de acontecer no espaço do campo, pois o número de instituições de ensino situadas na zona rural da localidade supracitada diminui a cada ano devido ao fechamento de escolas do campo por parte das Secretarias de Educação de âmbito estadual e municipal.
No ano corrente, 2021, existem 32 instituições de ensino da Educação Básica situadas na zona rural em funcionamento no município de Simão Dias/SE, sendo 28 jurisdicionadas à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) e 04 à Secretaria de Estado da Educação, Esporte e Cultura (SEDUC/SE). Daquele total, 05 instituições municipais são destinadas exclusivamente à Educação Infantil; 26 ao Ensino Fundamental (sendo 23 municipais e 03 estaduais) e 01 ao Ensino Médio (estadual). Mediante essa informação, observa-se que, à medida que os alunos avançam para o Ensino Médio, as possibilidades de estudarem e terem acesso a uma formação ambiental nos povoados onde residem são praticamente inexistentes, haja vista o fato de haver somente uma única escola ofertando Ensino Médio na zona rural simãodiense.
De acordo com Vilhena Júnior e Mourão (2012, p. 192), a retirada dos alunos do campo serve para invisibilizar as lutas cotidianas que ocorrem no campo e despolitizar seus sujeitos a fim de fomentar aos latifundiários “a concentração e a espoliação da propriedade fundiária e privada dos meios de produção”, desvelando a ofensiva do capital nas escolas públicas denunciada por Lamosa (2016).
Logo, se a Educação do Campo é negligenciada aos sujeitos do campo em um período da vida escolar crucial para o desenvolvimento do pensamento crítico para deslegitimar o campo como espaço de luta e a luta pela terra como estratégia do Estado para alavancar “um sistema de produção baseado na monocultura, na mão de obra escrava e na grande propriedade protegida pelo Estado” (BARROS, 2018, p. 184), a formação ambiental é diretamente afetada, uma vez que, com a negação da Educação do Campo e a formação dos sujeitos ocorrendo fora do contexto em que vivem, se torna escassa e descontextualizada quanto à observância de que o agronegócio se baseia no
[...] uso intensivo de mecanização, que expulsa força de trabalho para aumentar a produtividade do trabalho agrícola, cujo sentido é de uma agricultura com número reduzido de trabalhadores rurais e exploração aviltante. Também é reconhecido o uso abusivo de agrotóxicos, como forma de aumentar a rentabilidade da lavoura e do trabalho à base de venenos, sem nenhum controle, causando todo tipo de degradação do meio ambiente, destruindo a fertilidade natural do solo e seus micro-organismos, contaminando as águas dos lençóis freáticos e a atmosfera, além da destruição do território e da cultura dos povos originários (BARROS, 2018, p. 184-185).
Tal problemática socioambiental é silenciada por uma série de fatores: despreparo da formação docente para discuti-la de forma crítica; ênfase no cotidiano urbano-industrial supervalorizado pelos livros didáticos; representação do campo como “lugar do atraso” quanto à produção de conhecimento, haja vista sua funcionalidade centrar-se na produtividade agrícola, e currículo alinhado aos interesses do agronegócio. E é esse último aspecto que, de forma tácita, determina a formação dos sujeitos acrítica e distante da problemática socioambiental emergente do campo, transformando o currículo em um aparelho reprodutor da ideologia do Estado, como apontam Carvalho, Silva e Delboni (2017) ao discutirem sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como instrumento de formação de capital humano.
Para Modesto (2019, p. 71), a Base Nacional Comum Curricular silencia as discussões acerca do campo, abordando-o de modo pontual nas áreas de Ciências, História e Geografia com ênfase no conceito de campo “voltado para o mundo do trabalho e para o alinhamento do uso lucrativo da terra, não havendo espaço curricular para resistência, identidade e pertencimento”. Essa visão se reproduz no Currículo de Sergipe (2018), dado que esse documento segue à risca os princípios conceituais presentes na Base. O estudo da referida autora identificou ainda que os documentos curriculares que regulam a educação ofertada nas escolas situadas no campo de Simão Dias (BNCC e Currículo de Sergipe) evidenciam tentativas de implantação dos ideais neoliberais no processo educacional aparelhado pelos livros didáticos utilizados e, em certa medida, pelas ações pedagógicas desenvolvidas.
Além disso, a política de fechamento de escolas do campo - que tem sido assumida como política de governo em todo o país - provoca o deslocamento dos alunos do campo para as escolas da zona urbana, impedindo-os de ter acesso a uma educação contextualizada e emancipadora, contribuindo para o esvaziamento da zona rural que transforma “milhares de camponeses em favelados na periferia das grandes cidades” e atende à pressão dos latifundiários sobre o avanço das terras e a exploração da mão de obra (VILHENA JÚNIOR; MOURÃO, 2012, p. 192). E, junto com esse deslocamento, também solapa a identidade dos sujeitos, impedindo-os de se reconhecerem partícipes do campo, da luta e de se assumirem como agentes de enfrentamento à questão agrária e socioambiental que perpassa o campo brasileiro.
Em face disso, defendemos que a formação ambiental no contexto das escolas do campo é imprescindível para oportunizar um processo formativo que transcenda a aquisição de conhecimentos teóricos e se materialize em ações e práticas cotidianas ressignificadas que vislumbram um modo sustentável de viver e de se relacionar com o ambiente. E isso só é possível através de uma educação que fortaleça e valorize a identidade dos povos do campo com vistas ao desenvolvimento do sentimento de pertencimento e corresponsabilidade com o ambiente e com a problemática socioambiental que, no espaço do campo, se agrava largamente por conta do modus operandi da produção agrícola fundamentada no modelo do agronegócio.
Assim, o presente artigo tem como objetivo verificar se as proposições pedagógicas desenvolvidas nas escolas municipais de Simão Dias durante a etapa do Ensino Fundamental apresentam potencialidades para a formação ambiental com o escopo de enfrentar a problemática socioambiental proveniente do modelo produtivo do agronegócio.
Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa de cunho qualitativo permeada pelos seguintes procedimentos metodológicos: I) estudo sistemático da literatura especializada; II) realização de entrevistas semiestruturadas; III) análise e interpretação dos dados à luz da Análise do Discurso (AD) de tendência francesa, atravessada por três momentos: análise da superfície linguística (texto proveniente do discurso); análise do objeto discursivo (formação discursiva) e análise do processo discursivo (formação ideológica), consolidando, desse modo, o que é preconizado por Orlandi (2013).
As entrevistas foram realizadas com cinco docentes da rede municipal de ensino de Simão Dias selecionados por meio destes critérios: a) ser professor efetivo dos anos iniciais do Ensino Fundamental; b) ser licenciado em Pedagogia e c) estar lotado em escolas situadas no campo. Os sujeitos entrevistados foram nomeados como P1, P2, P3, P4 e P52.
O ressoar da formação ambiental nas vozes docentes
De acordo com Silva (2015a), a problemática socioambiental em Sergipe tem se agravado ao longo dos últimos 20 anos, e o modelo produtivo baseado no sistema patronal e no agronegócio tem contribuído bastante para isso, pois, por meio de incentivo governamental e de atuação local de empresas agrícolas, a produção subsidiada por pacotes tecnológicos tem provocado doenças associadas ao uso de agrotóxicos e à contaminação da terra, do ar, das águas e, por conseguinte, dos alimentos.
Em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), deveria ser no Ensino Médio que a reflexão crítica acerca dessa problemática deveria ser aprofundada, mas, conforme demonstrado, em Simão Dias/SE, ao chegarem a essa etapa de ensino, os alunos são deslocados para as escolas urbanas. Não por coincidência, o deslocamento ocorre justamente durante a faixa etária em que esses sujeitos começam a trabalhar no campo para contribuir com a renda familiar. A negligência dessa reflexão provoca o incentivo ao agronegócio e ao êxodo rural, visto que, ao não terem condições econômicas de produzir nesse modelo, os alunos começam a migrar para tentar a vida nas cidades. Com o campo ficando esvaziado, os latifúndios e o agronegócio encontram, então, a condição ideal para crescimento.
No município em pauta, apesar de haver 32 escolas na zona rural, não é possível afirmar que são escolas do campo porque, para assim serem concebidas, seria necessário que as construções escolares e curriculares partissem da compreensão do campo como um espaço de luta e enfrentamento às desigualdades e injustiças sociais que conformaram historicamente esse espaço (CALDART, 2011). Porém, o que se observa no locus estudado é que a educação e as escolas são concebidas como rurais, isto é, idealizadas e instrumentalizadas à luz da homogeneização da educação padronizada a partir de interesses urbanos e da indústria do consumo, desconsiderando os modos de vida e a cultura dos sujeitos e priorizando a instauração do modelo econômico agrário de produtividade no campo, o agronegócio (MODESTO, 2019).
Essas escolas, por seu turno, atendem a, aproximadamente, 40%3 da população em idade escolar matriculada nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que mostra que a possibilidade de promoção da formação ambiental na zona rural simãodiense é exequível, diferentemente do que ocorre no Ensino Médio nessa localidade. A LDB preconiza que na Educação Básica ocorra “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade” (BRASIL, 1996, s/p). Entendemos que tal compreensão não pode estar dissociada da problemática socioambiental, afinal o ambiente é uma teia dinâmica que envolve inter-relações de ordem física, psicológica, biológica, social e cultural e é composta por processos e fenômenos naturais e antrópicos (CAPRA, 2006).
Contudo, para que essa compreensão de ambiente como sistema complexo seja introduzida na Educação Básica e para que a formação ambiental dos alunos seja uma realidade, é preciso que os docentes tenham sido formados ambientalmente. Esse é um primeiro desafio a ser superado porque, como demonstrou o mapeamento de Motin et al. (2019, p. 94), a presença da Educação Ambiental na formação inicial brasileira continua reproduzindo uma “visão acrítica, antropocêntrica/utilitarista/naturalista/preservacionista”. Essa constatação se apresenta nos discursos dos docentes entrevistados, que, ao serem questionados sobre o que entendem por ambiente, remeteram à ideia de habitat e de ecossistema, conforme disposto no quadro 1, a seguir.
Concepções docentes acerca do ambiente |
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· Meio em que se vive e de onde se retira o sustento e a qualidade de vida; · Meio composto por seres vivos e não vivos; · Conjunto de interações entre natureza, seres vivos, objetos e coisas; · Espaço natural e cultural; · Espaço em que os seres vivos sobrevivem; · Conjunto de unidades ecológicas que funcionam como um sistema natural; · Espaço que rodeia os seres vivos constituídos por características físicas e culturais; · Espaço físico onde nos encontramos. |
FONTE: Elaboração própria (2021).
Quando concebido como habitat e ecossistema, o ambiente é reduzido à abstração de casa e de lugar de exploração para sobrevivência e para manutenção da vida. Essa concepção coaduna as orientações comportamentalistas discutidas por Carvalho (2012), que incidem sobre a necessidade de preservar e conservar o ambiente não porque há o reconhecimento do ser humano intrínseco ao ambiente, mas porque é preciso manter os recursos existentes nele para que nada falte aos seres humanos, que se configuram como utilizadores, não como cuidadores.
Nessa concepção utilitarista de ambiente, os problemas são reduzidos a problemas restritos ao ecossistema, sem que haja consideração dos problemas sociais como sendo também ambientais. Em conformidade com Layrargues (2009), essa concepção exclui a injustiça ambiental do rol de problemas socioambientais e, por conseguinte, exclui o compromisso com o enfrentamento a essa injustiça, priorizando a busca por soluções para situações pontuais, seguindo a mesma lógica do cinismo da reciclagem que fomenta ações pontuais e individualistas sem pensar na raiz da problemática socioambiental.
A concepção dos docentes é correlata à concepção de ambiente presente na BNCC e no Currículo de Sergipe, que o reduzem ao conceito de meio ambiente, um modo naturalista e geodésico de compreendê-lo, que enfoca os aspectos ecossistêmicos e utilitaristas, mas deixa de considerar a complexidade que perpassa o sistema e a teia dinâmica em que se institui o ambiente em que somos, habitamos e nos inter-relacionamos. Para Layrargues (2009), os seres humanos exercem uma força social desenvolvimentista sobre o e no ambiente e, em nome dessa força, desenvolvem mecanismos de controle e de reprodução pautados em práticas sociais opressoras que atendem ao mercado.
Na visão utilitarista, a espécie humana também é responsável por criar soluções ambientais para que o ambiente continue a ser explorado, porém os discursos e estratégias de enfrentamento, pelo fato de a escola e o currículo estarem aparelhados pelo ideário do sistema capitalista, têm sido cooptados pela ordem dominante e orquestrados para mantê-la por meio da reinvenção de técnicas de exploração pautadas na manutenção do uso insustentável do ambiente, sem que haja preocupação com mudanças ambientais, com conflitos socioambientais e com a vulnerabilidade ambiental.
Todavia, apesar dessa compreensão ingênua acerca do ambiente, os discursos docentes também desvelaram que, quando questionados sobre o modo como entendem a Educação Ambiental e a Educação do Campo, os professores as percebem como dimensões do processo formativo, como é possível ver na sequência no quadro 02.
Concepções de Educação Ambiental | Concepções de Educação do Campo |
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· Educação para vivermos em um ambiente agradável; · Educação voltada para os acontecimentos do planeta e para sua preservação; · Processo para construir valores e habilidades individuais e coletivos de preservação; · Educação com foco na sustentabilidade; · Transformação da conduta das pessoas; · Educação para conscientização e solução de problemas ambientais; · Conscientização para o cuidado com o mundo; · Educação para o meio antrópico; · Educação para uso sustentável dos recursos naturais; · Temática presente no currículo. |
· Educação com ênfase na realidade do aluno; · Conscientização e valorização das práticas diárias dos alunos do campo; · Educação oferecida nas escolas do campo; · Espaço que sistematiza conhecimento popular; · Educação voltada para evitar o êxodo rural; · Modalidade educacional que ocorre em espaços rurais; · Educação formal da população campesina; · Troca de experiências; · Educação voltada para o sustento em atividades agrícolas e pecuárias. |
FONTE: Elaboração própria (2021).
Os excertos dos discursos dispostos no quadro 02 apontam elementos que remetem a concepções que caminham para duas tendências de compreensão acerca da dimensão da Educação Ambiental e da Educação do Campo: a ingênua e a crítica. Em relação à Educação Ambiental, a análise salienta elementos que remetem às concepções ingênua e crítica. A formação discursiva concernente à concepção ingênua mostra conceitos que enfocam a Educação Ambiental em uma perspectiva conteudista, comportamentalista e utilitarista, que converge para o preservacionismo e o conservacionismo, sendo que há uma tendência a restringi-la à educação formal, reduzindo-a a um tema a ser abordado para o desenvolvimento de habilidades.
Carvalho (2012) afirma que a Educação Ambiental, por ser uma dimensão educacional, não pode ser compreendida como um objeto ou como um componente da educação formal ou da educação não formal, visto que não se trata de uma questão de compartimentalização, mas de superação, de emergência de um pensamento transfronteiriço. Para ela, a dimensão ambiental está presente em todos os espaços, sejam eles de educação formal, não formal ou informal, pois a Educação Ambiental não é escolar, mas sim comunitária.
Essa autora afirma ainda que, quando entendida como dimensão, a Educação Ambiental provoca mudanças sociais e culturais sensíveis à crise ambiental que se desdobram em novos padrões de uso do ambiente e de consumo, bem como em tomadas de decisão em prol do equilíbrio entre as relações ambientais. Porém, quando entendida como componente restrito à educação formal, o que se obtém como desdobramento são orientações comportamentais “ecologicamente corretas”, que são pontuais e individualistas e buscam preservar o meio ambiente (CARVALHO, 2012).
Entretanto, em meio aos discursos e à concepção ingênua da Educação Ambiental, se observam elementos que retratam conceitos norteados pela concepção crítica. O primeiro deles diz respeito à ideia de educação como processo. Sob a óptica freireana, Loureiro (2012, p. 102) diz que “a educação ambiental é uma dimensão essencial do processo pedagógico, situada no centro do projeto educativo de desenvolvimento do ser humano”, reverberando como práxis. Por conseguinte, a Educação Ambiental crítica se configura como um processo formativo contínuo circunscrito à própria ontologia do ser, não podendo ser restrita ao espaço escolar. Contudo, embora haja na formação discursiva dos professores elementos que indiquem possibilidades para o desenvolvimento da práxis, não podemos afirmar com esse dado que ocorre Educação Ambiental crítica nas escolas pesquisadas e que há formação ambiental, porque ela não ocorre apenas no plano discursivo - ela se efetiva na indissociabilidade do pensamento (discurso) e da ação (prática).
No que diz respeito às concepções de Educação do Campo, Caldart (2011, p. 151) argumenta que a Educação do Campo precisa assumir a perspectiva de educar os sujeitos do campo “para que se articulem, se organizem e assumam a condição de sujeitos da direção de seu destino”. Os discursos docentes, ao conceberem a Educação do Campo como uma modalidade e uma educação formal que ocorre no campo, indicam a convergência para a formação de sujeitos que atendem ao projeto educativo globalizador e à concepção assistencialista de oferta educacional para os sujeitos que vivem no campo ou em espaços rurais, conforme foi referido. Implícita a essa concepção está também a negação dos sujeitos do campo como sujeitos de direitos e protagonistas da educação, com suas identidades e seus modos de vida valorizados e reconhecidos na dimensão do processo formativo.
Os discursos ingênuos deixam transparecer a concepção de que a Educação do Campo é algo ofertado para a zona rural como um tipo de assistencialismo que tem como objetivo fixar as pessoas no campo para que aprendam a torná-lo lucrativo por meio do desenvolvimento de práticas agrícolas, configurando, assim, uma educação para o mundo do trabalho ou para o sustento, segundo uma das falas coletadas.
Nesse ínterim, torna-se perceptível, nas falas dispostas no quadro 02, que a educação ofertada no campo é vista como uma preparação para o desenvolvimento de atividades agrícolas que visam à promoção do sustento na perspectiva do atendimento aos interesses da sociedade capitalista, corroborando, desse modo, a visão identificada na BNCC e no Currículo de Sergipe. Decorrente dessa visão, ocorre a naturalização tácita de que a formação omnilateral é restrita a outros sujeitos, na medida em que, para os sujeitos do campo, resta a formação para o exercício de atividades laborais em que haverá a submissão à exploração opressora feita pelos detentores da terra e dos meios de produção, submissão essa que exerce a função de mantenedora da condição de oprimido e que toma a forma de gratidão ao opressor, pois o oprimido não despertou ao longo do processo formativo a consciência de que é oprimido. Como destaca Caldart (2011), o currículo foi pensado para implementar a ignorância e a subserviência e para formar mão de obra a serviço do mercado.
Em contrapartida, em meio aos discursos que evidenciam concepções ingênuas, há formações discursivas que denotam a presença de criticidade na Educação do Campo. Tais elementos se referem à abordagem da realidade do aluno no processo formativo com vistas à conscientização e à valorização do seu cotidiano, das suas práticas e dos seus modos de vida, em uma perspectiva oposta à ideia de concepção bancária, perpassada pela concepção de educação como um movimento de troca de experiências.
Nesse movimento de criticidade, a formação discursiva referente à troca de experiências nos leva a compreender uma concepção educacional diferente da concepção bancária, em que ensinar consiste em transferir conhecimento. Segundo Freire (2017), o ambiente escolar é, nessa concepção educacional, um espaço criativo e oportunizador de condições e situações para a construção de um conhecimento que é significativo e ressonante aos saberes e aos ecos dos sujeitos aprendentes.
Desse modo, no que concerne à Educação do Campo, observamos que a formação ideológica que ecoa dos discursos ora converge para a formação ideológica presente nos documentos curriculares em relação ao direcionamento de uma educação ofertada no campo para o atendimento dos anseios do agronegócio, ora diverge dessa direção e se encaminha para uma formação ideológica crítica que, sob a ótica freireana, pode vir a se materializar em uma educação libertadora que, por meio da problematização e da intencionalidade, desperta a consciência crítica dos sujeitos em meio a um processo dialógico e mediatizado pelo mundo (FREIRE, 2017).
Assim, do ponto de vista conceitual, as vozes docentes ressoam que existem possibilidades para que o processo de ensino e aprendizagem dos anos iniciais do Ensino Fundamental ocorra de modo atrelado à formação ambiental, pois estão presentes nos discursos dos professores princípios epistemológicos que alicerçam a compreensão da formação dos sujeitos como um processo crítico. E, junto a essa criticidade, há indícios de que os docentes percebem a relação intrínseca entre a Educação Ambiental e a Educação do Campo, mas, em contrapartida, a concepção de ambiente marcada pela visão naturalista e utilitarista é uma barreira para que a inter-relação entre as duas dimensões educacionais emerja no campo discursivo.
O ressoar da formação ambiental nas práticas docentes
No tocante aos discursos relacionados às práticas de Educação Ambiental que são propostas pelos docentes, os excertos das falas dos professores acerca das ações pedagógicas apontam se as ações citadas ecoam de forma convergente ou divergente para os discursos sobre as concepções, bem como para as proposições discursivas presentes nos documentos curriculares.
O discurso de P1 traz exemplos de práticas relacionadas aos resíduos e que podem potencializar ações de Educação Ambiental à medida que abordam lixo, reciclagem e desmatamento, por meio de aula de campo, exposição fotográfica, desenvolvimento de projetos e plantio de mudas:
Nessa unidade, a gente está estudando o lixo, os recicláveis. Uma das atividades que eu fiz foi levar os alunos ao redor para eles fotografarem o que eles encontrassem que fosse lixo e depois eles fizeram relatos, né? A gente pegou as fotos, montou cartazes, que está até na secretaria, que a gente apresentou hoje e foi assim. [...] vários projetos a gente faz ao longo do ano. A gente já fez revitalização no rio Caiçá, pegamos umas mudas e plantamos. A gente desenvolve alguns projetos voltados para o meio ambiente o ano todo, não é só focado no lixo, não. (P1).
A fala desse docente evidencia uma forma fragmentada de discutir as situações relacionadas à problemática socioambiental, visto que as ações exemplificadas tratam do lixo e da reciclagem como conteúdos específicos de uma unidade de ensino, o que culmina numa visão simplista da Educação Ambiental e do processo formativo, reafirmada por ações pontuais desenvolvidas durante o ano letivo que são entendidas como projetos.
Lixo - forma como os resíduos sólidos comumente são chamados na escola - é um assunto recorrente na cultura escolar e que também aparece nas práticas exemplificadas pelo docente P4, quando diz “Mandei pesquisar o total de tempo que é para decompor quando eles jogam alguma coisa no lixo, né? Na escola a gente faz esses trabalhos”, e perpassa as ações de P2 através dos princípios dos 5R: “Outra coisa que eu faço é orientar maneiras de preservar o meio ambiente pra eles lembrar do 5R e não gerar problema ambiental”, e de P5, por meio da abordagem sobre o tempo de decomposição dos materiais: “Trabalho o tempo de decomposição de alguns materiais presentes na natureza, através de situação-problema e produção de poemas”.
Segundo Layrargues (2011), o lixo tem sido apontado como um dos mais graves problemas socioambientais e tem sido objeto de estudo na implantação de programas escolares que têm foco em discutir o gerenciamento da produção e do descarte de resíduos sólidos. No entanto, o estudioso observa que as ações desenvolvidas nos programas são reducionistas e ocorrem em função de atividades de reciclagem de garrafas pet, embalagens tetra pak e latas de alumínio.
Sobre esses materiais, o discurso de P5 destaca o trabalho com o tempo de decomposição dos resíduos e afirma que Educação Ambiental é muito mais que reciclagem: “Costumo trabalhar com debates, textos reflexivos, para que os meus discentes percebam que proteger o meio vai muito além da construção de objetos feitos de reciclagem”.
Essa fala demonstra que há a compreensão de que atividades que envolvem reciclagem são reducionistas e que é necessário avançar nas discussões, porém o único exemplo dado acerca do que é discutido revela também uma abordagem reducionista, visto que informar o tempo que cada resíduo descartado no ambiente leva para se decompor e não problematizar como foram produzidos e quais as estratégias de redução de consumo de produtos que geram os resíduos são ações que não possibilitam o avanço para a perspectiva crítica da Educação Ambiental.
Contudo, Layrargues (2011) alerta que a principal característica das atividades propostas é que elas focam em discussões superficiais incapazes de alterar pensamentos e ações acerca do estilo de produção e de consumo, reforçando, por meio de projetos e práticas, a ideia de que o consumo não é um problema desde que esteja caminhando junto da reciclagem.
No município pesquisado, os projetos desenvolvidos são apresentados em exposições semestrais abertas ao público que reúnem os resultados das ações desenvolvidas em todas as escolas. Porém, o discurso de P4 retrata o que Layrargues (2011) ressalta sobre o cinismo que perpassa as ações sobre lixo e reciclagem. De acordo com a fala do docente, o direcionamento das atividades é dado pela SEMEC, que utiliza os resultados das ações com finalidade propagandística, evidenciando que não há, por parte do órgão, uma preocupação com o enfrentamento ao problema referente aos resíduos sólidos desde a raiz, conforme aponta a seguinte fala do professor:
A secretaria cobra. Eu organizo. Vou cobrar do meu aluno. Mas a secretaria nem procura saber... “Meu Deus, o que eles estão precisando?” Eles dão um trabalho a você assim: “Você, faça isso aqui! Você, vá apresentar! Sexta-feira eu quero reciclagem, eu quero isso, aquilo, a natureza. O que a secretaria quer... Aí chega, vem com aquela câmera bem chique, com o prefeito de um lado, o secretário de educação, tira aquelas fotos tão lindas... Ô meu Deus, que pena! (P4).
Observamos uma situação em que as propostas da SEMEC não apresentam sentido para o docente, que se vê na condição de executor de uma atividade pedagógica hierarquicamente imposta e que, da forma como ocorre, fomenta a promoção de uma Educação Ambiental superficial, acrítica e alienada, configurada como uma estratégia de reprodução do status quo.
Além de chamar atenção para a falta de autonomia da escola no direcionamento do desenvolvimento do projeto, o discurso de P4 mostra a angústia decorrente da transferência de responsabilidade de discussão ambiental na escola para os professores, retratando, desse modo, o estímulo ao individualismo. Isso também pode ser identificado na construção discursiva produzida em 1ª pessoa do singular, demonstrando que não há um engajamento coletivo nem no desenvolvimento das práticas pedagógicas, nem na luta pelo enfrentamento à problemática socioambiental.
Esse engajamento é almejado pelo professor quando afirma “Eu gostaria que, assim, secretário da educação, prefeito, fosse todo mundo engajado em uma coisa só. Não aquele negócio como eu tô dizendo a você...” (P4). Identificamos aqui a criticidade que se faz presente na forma como a Educação Ambiental é compreendida pelo sujeito entrevistado, demonstrando uma concepção crítica e ancorada na coletividade.
Esse estímulo ao individualismo corrobora um dos princípios neoliberais presentes na Base Nacional Comum Curricular, que é o fortalecimento da lógica individualista responsável por incutir nos sujeitos a responsabilidade exclusiva pelo seu sucesso e pelas ações de sucesso que é capaz de desenvolver - neste caso, no ambiente -, estimulando uma visão de mundo meritocrática, competitiva e egoísta que se regozija na glória de poucos em detrimento da inglória de muitos, legitimando, mantendo e perpetuando o status quo.
Consoante os discursos apresentados, o consumo de agrotóxicos figura como um dos problemas ambientais abordados nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas situadas no campo, o que reflete uma contextualização da educação que é invisibilizada nos documentos curriculares e nos livros didáticos. Com o avanço do agronegócio, o ambiente e as comunidades rurais ficam cada vez mais expostos às consequências do uso dos agrotóxicos, e as crianças viventes nessas comunidades começam a manuseá-los cada vez mais cedo, o que torna esse assunto um tema de extrema relevância a ser abordado nas escolas, sobremaneira nas situadas no campo.
Contudo, assim como as discussões relacionadas aos resíduos sólidos, o problema relacionado aos agrotóxicos não pode ser tratado de forma superficial nos discursos e nas ações pedagógicas. A abordagem superficial, pontual e pragmática, além de não trazer um sentido e um significado que despertem a consciência crítica, colabora para a continuação da utilização, pois as estratégias empregadas pela mídia brasileira para o uso de agrotóxicos serão mais eficazes do que as empregadas pela escola para a não utilização ou utilização adequada e consciente desses produtos.
Na fala do entrevistado P2, quando assinala que “Outro exemplo é que eu trabalho nas aulas de ciências as consequências dos agrotóxicos e a quantidade de agrotóxico utilizado na agricultura, produzindo gráficos de matemática”, a menção ao agrotóxico diz respeito à quantidade utilizada nas produções agrícolas que é usada como dado quantitativo para a produção de gráficos em aulas de Matemática. Discutir a quantidade utilizada é importante, isso porque as crianças passam a ter noção de quão excessivo ou não é o uso desses produtos químicos; todavia, é necessário também que outros aspectos sejam abordados, como as implicações positivas e negativas para a produção, para o ambiente, para a saúde, para a comunidade, a fim de que se desperte a criticidade dos alunos, que, se vierem a produzir futuramente com a utilização de agrotóxicos, terão uma consciência crítica que oportunizará uma tomada de decisões conscientes, éticas e sustentáveis.
Na fala do entrevistado P4, a menção ao agrotóxico demonstra a preocupação do professor com o manuseio adequado desse insumo para evitar a contaminação do solo e retrata que essa discussão deve se iniciar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois as crianças do campo relatam que começam a trabalhar nas atividades de plantio ainda na infância.
No campo se usa muito agrotóxico. Segundo relatos dos próprios alunos que desde pequeno eles já começam a trabalhar com esse agrotóxico. E aí a escola tem esse papel de, digamos, de educar eles, de ensinar pelo menos algumas formas para evitar essa contaminação do solo. A gente trabalhou Educação Ambiental, que a gente tá querendo colocar na cabeça do aluno que ele passe para o pai, a gente faz reunião, e o agrotóxico está acabando. (P4).
O discurso de P4 traz a concepção de aluno como multiplicador das discussões ambientais e a escola como espaço proponente de reflexões. Observando o discurso, identificamos que o docente compreende que a Educação Ambiental é algo a ser colocado na cabeça do aluno, o que circunscreve uma concepção de educação bancária e, consequentemente, uma continuidade da educação opressora, mesmo diante da boa intenção presente no discurso e na ação, constituindo-se, assim, uma armadilha paradigmática.
Observamos ainda que há nesse discurso uma naturalização do uso do agrotóxico quando o docente escolhe se posicionar em favor de um uso adequado ao invés de questioná-lo e suscitar discussões sobre alternativas sustentáveis de produção agrícola, como a agroecologia, por exemplo, configurando-se novamente como armadilha que reproduz os discursos veiculados pela mídia e pelo Partido do Agronegócio (LAMOSA, 2016).
Retomando os pensamentos de Carvalho (2012), é comum observarmos direcionamentos comportamentalistas presentes nos espaços escolares, direcionamentos que enfatizam comportamentos ecologicamente corretos, mas que são irreflexivos e vazios de ações políticas. A autora fala ainda que esses direcionamentos funcionam como um adestramento das ações dos alunos. Esse tipo de atividade se baseia nos preceitos da psicologia comportamental e induz ao disciplinamento na ação, “sem implicar transformações significativas no sentido da construção de novo padrão social, de novo pacto civilizatório, desejado por um ideário ecológico emancipador” (CARVALHO, 2012, p. 185-186).
Algo observado no próprio discurso do entrevistado é que o resultado buscado pela orientação disciplinar e comportamentalista diz respeito ao usufruto de um espaço agradável, pondo em evidência, desse modo, a percepção de que a necessidade de cuidar do espaço é, essencialmente, antropocêntrica, não havendo preocupação com o ambiente, somente com os seres humanos. Essa asserção pode ser verificada neste excerto:
Juntamente com a equipe gestora e a equipe docente, realizamos trabalhos em sala de aula. Leituras, atividades práticas relacionadas ao tema ambiental e as atividades do projeto de leitura da escola, cujo tema deste ano é a questão ambiental. Levo os alunos a observarem os problemas que poderão ser causados a partir de alguns comportamentos, por exemplo, conservarem o ambiente escolar limpo, porque, desta forma, eles mesmos é quem vão usufruir de um espaço agradável enquanto estudam. (P3).
Os elementos presentes na formação discursiva dos docentes apontam que os discursos se dividem entre as duas concepções. Ora atendem à função de legitimação e manutenção dos discursos da hegemonia dominante e opressora, ora se direcionam para uma educação transformadora que, em essência, é libertadora da condição de oprimidos porque leva os sujeitos a perceberem quem são os opressores e como agem e, a partir disso, a se engajarem na luta pela libertação em um movimento de ação reflexiva que resulta em práxis (FREIRE, 2017).
Com base nesses dados, verifica-se que a problemática socioambiental presente no território sergipano oriunda do agronegócio não tem sido discutida e trabalhada em uma perspectiva crítica e continuada nas escolas situadas na zona rural de Simão Dias/SE, mesmo estando presente no contexto da comunidade e sendo vivenciada pelos alunos. Com isso, a compreensão crítica do ambiente e de sua problemática nos anos iniciais fica comprometida e se aprofunda à medida que os alunos vão sendo deslocados para as escolas da zona urbana, e, em um continuum reprodutivista, o currículo e todos os elementos que compõem a cultura escolar são instrumentalizados como aparelhos de reprodução dos interesses do agronegócio de modo financiado e legitimado pelo Estado.
E, frente a essa conjuntura, os interesses ruralistas sobre o esvaziamento do campo e a apatia dos sujeitos viventes desse espaço frente à problemática socioambiental da atividade agrícola são atendidos pela via curricular e abrem caminhos para o avanço da produção agrícola face aos moldes do sistema patronal e subsidiada pelos pacotes tecnológicos. Dessa maneira, discussões e reflexões sobre a viabilidade da produção por meio da agricultura familiar; a mitigação dos impactos ambientais provenientes do agronegócio; o sentimento de pertencimento e o campo como espaço de luta são aspectos silenciados e invisibilizados no currículo a serviço do capital.
Nessa lógica, os discursos e práticas docentes acabam sendo cooptados pela ideologia do agronegócio porque falta aos professores a formação ambiental - que também está ausente na formação dos alunos. Tal formação deveria emergir da interlocução entre a Educação do Campo e a Educação Ambiental sob a forma de práxis educativa pautada na formação de sujeitos emancipados, que se utilizam da consciência para transformar, transformando a si mesmos; que buscam o equilíbrio das energias, matérias e condições de vida na Terra; que acreditam na possibilidade de ressignificar os conflitos entre natureza e cultura por intermédio de seu modo de se portar no ambiente, buscando serem sujeitos ecológicos e que se reconheçam como sujeitos de direitos e de resistência (MODESTO, 2019).
Considerações finais
Observamos que o que ecoa das vozes docentes são evidências convergentes para os ecos que ressoam dos documentos curriculares e são reprodutoras de um pensamento ingênuo acerca da Educação do Campo e da Educação Ambiental, que emergem de embates cotidianos nos quais tentativas de dissonância e resistência aparecem ainda soando devagar. Essa percepção nos leva a notar como os princípios do sistema capitalista e do neoliberalismo introjetados nos documentos curriculares construídos pelo Estado são reverberados por outros elementos curriculares, como os discursos e as práticas pedagógicas, ainda que de maneira não intencional, em uma articulação tácita que desvela a forma como o currículo se torna espaço de poder e instrumento de exercício de poder no cotidiano escolar.
Em que pese o agronegócio ser o modelo produtivo presente no campo de Simão Dias/SE e ser também a realidade vivenciada pelos alunos e muitos docentes das escolas situadas na zona rural do referido município, é nítido o silenciamento das discussões e reflexões sobre esse contexto e sobre a problemática socioambiental que dele decorre. Tal ausência se dá em uma conjuntura reprodutivista e em meio ao déficit de formação ambiental presente nos discursos docentes e em suas práticas, mesmo quando os discursos têm o potencial de enfrentamento à conjuntura preestabelecida. A precarização da formação docente e, sobremaneira, da formação continuada no tocante à problemática socioambiental é o principal fator causador dessa situação e a principal barreira a ser superada para a formação ambiental e a defesa da luta no campo, fazendo com que sejam trabalhadas na escola desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Como expõe Guimarães (2012), a educação é como um rio que corre para os interesses da hegemonia dominante, e os sujeitos que dela fazem parte são remadores que remam na direção de seu curso natural(izado). O desafio é suscitar nos remadores a vontade de remar contra a corrente e de chegar a um lugar diferente do lugar para onde o rio pretende levar; esse lugar é o da criticidade. Neste escrito, vimos o desafio elencado pelo autor ser reafirmado e a necessidade de despertar a percepção dos sujeitos para a produção de novos sons que sejam dissonantes dos que ecoam do currículo em relação à educação, à problemática socioambiental e à Educação do Campo e que causem incômodo, além de desestabilização da zona de conforto, bem como desconstruções e ressignificações conceituais e práxicas, pois é desse sonido que emerge a (trans)formação ambiental.