Introdução
O objetivo deste artigo é analisar, sob o ponto de vista da saúde, assistência e educação, três instituições construídas para abrigarem crianças carentes em Goiás no século XX: o Asilo São Vicente de Paulo (1909) e o Orphanato São José (1922), ambos ainda em funcionamento,1 localizados na Cidade de Goiás, que foi capital do estado até 1937, e o Preventório Afrânio de Azevedo (1943), que funcionou em Goiânia, capital a partir de então. O Asilo São Vicente de Paulo tinha como foco a saúde, ou seja, abrigava doentes, independentes da idade, ou órfãos; o Orphanato São José, por sua vez, priorizava a assistência a órfãs pobres e, por fim, o Preventório Afrânio de Azevedo tinha como proposta a educação dos seus internos. O asilo e o orphanato são instituições centenárias, enquanto o preventório deixou de existir e restam pouquíssimos documentos esparsos. Seria presunçoso de nossa parte propor uma análise pormenorizada das três instituições. No entanto, nossa proposta será a de apresentá-las dialogando com a saúde, a assistência e a educação. Nesse sentido, não contemplaremos todo período, abordaremos só as primeiras décadas de funcionamento de cada instituição.
Se tomarmos a historiografia goiana sobre a infância, infelizmente, poucos trabalhos foram realizados. O primeiro a desbravar essa seara foi a dissertação de mestrado de Diane Valdez, intitulada Filhos do pecado, moleques e curumins: imagens da infância nas terras goyanas do século XIX. O termo “filhos do pecado” faz alusão aos filhos frutos do concubinato, prática que a Igreja Católica condenava e que era realizada intensamente em Goiás nos séculos XVIII e XIX (VALDEZ, 1999). Consideramos que o estudo de Valdez foi o pioneiro a tentar compreender a infância em Goiás como uma construção histórica.
Na esteira dele, vieram outros trabalhos que abordaram a infância em outros contextos, como as dissertações de Lara Costa (2017) sobre as órfãs desvalidas abrigadas no Orphanato São José, de Kalyna Faria (2014) sobre os filhos dos hansenianos que foram acolhidos compulsoriamente no Preventório Afrânio de Azevedo, e Mauro Pires (2014), que abordou a Escola de Aprendizes e Artífices que surgiu no começo do século XX e objetivava a educação profissional em Goiás. Para além desses, há trabalhos que, embora não sendo o objeto principal, contemplaram a infância, como o estudo de Rildo Souza (2014). Ademais, deve-se registrar o trabalho de Sônia Magalhães e Elias Nazareno (2013) sobre as doenças que acometiam crianças goianas no século XIX.
No entanto, não há referência na obra de Maria Luiza Marcílio (2006) sobre a infância em Goiás e nem sobre estabelecimentos de assistência no estado; o que nos leva, mais uma vez, a ressaltar a ausência das pesquisas sobre o tema. Lembrando que a autora escreveu sua obra na década de 1990, mesmo período que Danilo Rabelo (2010) escreveu sua dissertação sobre a normatização dos comportamentos na Cidade de Goiás, abordando o Colégio Isabel, fundado na capital em 1876, considerado o primeiro internato de meninas “desvalidas” ou órfãs. Posteriormente, ainda no Império, foram fundadas a Companhia de Aprendizes Militares de Goiás (1877) e a Colônia Blasiliana (1881), com a finalidade de acolher os órfãos desvalidos. O objetivo da Companhia de Aprendizes era o aproveitamento para o serviço militar enquanto a Colônia Blasiliana a formação para o serviço agrícola (FERRARO, 2016). Consideramos que ainda há muito a ser pesquisado sobre a infância em Goiás; é um campo de pesquisa completamente carente de novos olhares, novas abordagens e outras leituras de velhos e novos documentos. Esperamos que este artigo inspire outros historiadores a investirem seus esforços nessa temática.
As pesquisam sobre uma história social da infância em Goiás necessitam alcançar o debate profícuo que se consolidou no Brasil desde as publicações de Maria Luiza Marcílio (2006), Irene Rizzini (2011), Mary Del Priore (2000) e Marcos Cezar Freitas (2011). Essas obras formam o alicerce para reflexão sobre o tema, apresentando-nos as possibilidades e limites para infância enquanto objeto de análise. Se a finalidade das pesquisas dos clássicos da infância no Brasil era localizar o lugar que a infância ocupava, lugares estes frutos dos discursos médicos e jurídicos que tinham como objetivo civilizar a nação. As publicações mais recentes, por sua vez, de Sônia Camara (2010), e as duas coletâneas, uma organizada por Gisele Sanglard et al. (2015) e a outra por Luiz Otávio Ferreira, Gisele Sanglard e Renilda Barreto (2019), destacam a filantropia e o higienismo para a compreensão das representações sociais da infância. Trata-se de um estreitamento dos laços com o discurso médico e as instituições de assistência na tentativa por parte de alguns grupos de moralizar a infância pobre.
Desse modo, estando à luz de referências de grande importância para a história da infância e no intuito de corroborar com a conjuntura das discussões, elencamos os recortes da filantropia e higiene nas três conjunturas aqui apresentadas. Instituições singulares na sua estrutura e fundação, mas que possuem similaridades quanto aos seus objetivos de assistência à infância carente, compondo o panorama construído ao longo do século XX em Goiás.
Saúde: o Asilo São Vicente de Paulo
A primeira instituição que analisaremos é o Asilo São Vicente de Paulo, inaugurado em 1909 e construído com os esforços da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP)2 na Cidade de Goiás, capital da capitania, da província e do estado até 1937, quando perdeu o título para a recém-construída Goiânia. Atualmente, o Asilo São Vicente de Paulo é o único prédio fora do centro histórico, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na cidade que é Patrimônio da Humanidade desde 2001, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Com uma fachada medindo 80 metros, abrigava em média de 20 a 40 internos.
Embora muito pouco explorados pela historiografia, os trabalhos que analisam os vicentinos partem de um recorte espacial bem específico, como nos casos de Geraldo Chizoti (1991), que privilegiou a atuação dos vicentinos em São Paulo; Ana Paula Magno Pinto (2017), que analisou a construção do Hospital São Vicente de Paulo na cidade de Rio Pomba na Zona da Mata mineira; Rildo Bento de Souza (2014), que estudou a criação e consolidação do Asilo São Vicente de Paulo na Cidade de Goiás; e, por fim, Cláudia Neves da Silva (1999), que aprofundou a relação entre a SSVP e o poder público municipal em Londrina, interior do Paraná.
Em seus primeiros anos de funcionamento na Cidade de Goiás, a SSVP se empenhou em ajudar os pobres em todas as suas necessidades, que abrangiam desde comida, roupas, aluguel de casas, patrocínio de casamentos e funerais, até noções de higiene e comportamento. Entretanto, o número de pobres sempre crescente diante do número reduzido de vicentinos conspirou para que prosperasse o projeto de se construir um local onde os pobres pudessem ser assistidos em conjunto. A ideia surgiu em 1886, no ano seguinte a criação da primeira Conferência em solo goiano, porém sua aprovação pelo Conselho Central ocorreu apenas em 1888, e as obras, por sua vez, começaram dois anos depois. Sua inaguração data de 26 de julho de 1909.
O asilo era administrado pela Junta Administrativa, composta de um presidente, um secretário e um tesoureiro, eleitos dentre os membros da Sociedade São Vicente, e não recebiam salários. A administração interna e o cuidado com os asilados, por sua vez, estavam a cargo das Irmãs Dominicanas, vindas diretamente da França para trabalharem na instituição. De acordo com o seu Regulamento, o objetivo primordial da instituição era “recolher os indigentes e mante-los, dando-lhes o necessario abrigo, juntamente com o consolo que proporciona a Religião Catholica” (REGULAMENTO..., 1909, p. 02). Mesmo se pautando no discurso da caridade cristã, a ideia inicial do asilo e seus propósitos também podem ser interpretados como uma tentativa de saneamento e higienização do espaço público que via no pobre, para além da repulsa, um foco irradiador de doenças. Isso justifica a construção do asilo num local distante do centro, como demonstra a Figura 1.
De acordo com o estudo de Souza (2014), os internos foram alocados na instituição sem nenhum tipo de critério a não ser a pobreza e as doenças. Com o tempo, a documentação revelou que uma vaga no asilo passou a ser disputada: idosos doavam suas casas com a condição de serem acolhidos e terem assistência; na falta de um manicômio no Estado, indivíduos com problemas psicológicos de várias cidades foram enviados à antiga capital; e na ausência de um orfanato, as crianças eram remetidas à instituição pelas autoridades locais (SOUZA; COSTA, 2021).
O Livro de Registro de Entrada do Asilo São Vicente de Paulo aponta que entre 1909 e 1946 foram acolhidos 442 internos, cujas idades variaram de 1 a 115 anos. Desse total, 281 eram do gênero feminino e 161 do gênero masculino. Se considerarmos, apenas os internos até 12 anos, esse número cai para 57 indivíduos, sendo 31 do gênero feminino e 26 do gênero masculino, o que corresponde a 13% do total. À exceção dos anos de 1909, 1910, 1912, 1913, 1923 e 1925, em todos os outros, houve o recolhimento de, pelo menos, alguém nessa faixa etária. Em um estudo que teve por base os registros fotográficos da instituição, Souza (2018) apontou que os internos, mesmo crianças, eram em sua grande maioria negros e que possuíam algum tipo de doença mental. Já em relação às doenças, dentre o total de 442 internos, o documento aponta a existência de 44 tipos de enfermidades (LIVRO DE REGISTRO..., 1909-1946). Entre as crianças, de 1 a 12 anos, por sua vez, 12 enfermidades foram encontradas, inclusive doenças contagiosas como a sífilis, conforme revela a Tabela 1.
Aleijado | 1 | Mudez | 3 | |
Aleijão | 6 | Paralítico | 1 | |
Convulsão | 1 | Paratipho | 1 | |
Cretinismo | 6 | Sem Informação | 18 | |
Epilepsia | 3 | Siphilis | 2 | |
Fraqueza | 3 | Surdo-mudo | 1 | |
Idiotia | 11 | |||
Total | 57 |
FONTE: Livro de Registro... (1909-1946).
Com base na Tabela 1, podemos constatar o grande número de internos cuja descrição da enfermidade foi deixada em branco no registro de entrada, o que nos faz supor que o indivíduo não tinha nenhuma doença aparente (já que o documento era preenchido pelas irmãs e não por médicos). Portanto, acreditamos que as anotações do documento se referem às características mais evidentes em relação às doenças, como forma, possivelmente, de melhor identificar o interno. Por isso, “aleijão” e “aleijado”, que podemos considerar como um mesmo problema, aparecem com duas denominações. Ademais, “[...] seria prematuro entender a medicina em nível de ciência, nessa região. Conhecimentos empíricos e intuição acurada faziam parte do cotidiano do médico, contribuindo para um diagnóstico apropriado” (SALLES, 1999, p. 63).
Ainda em relação a Tabela 1, o maior número, 17 ao todo, refere-se ao cretinismo e à idiotia. Para Pedro Luiz Napoleão Chernoviz,3 os idiotas eram aqueles “[...] privados mais ou menos completamente da intelligencia desde a mais tenra idade” (CHERNOVIZ, 1890, p. 201). Outrossim, as causas dessa moléstia, “nem sempre faceis de determinar”, foram creditadas às “affecções moraes, vivas e penosas durante a prenhez (...) as quédas em que a cabeça da criança recebe o choque, o susto, uma inflammação do cerebro, as convulsões, podem também ser seguidas da obliteração da intelligencia”. E uma vez idiotas, “[...] ficam ordinariamente n’este estado toda a vida” (CHERNOVIZ, 1890, p. 202).
Já os cretinos, por sua vez, seriam aqueles que se encontravam em uma das fases da idiotia, ou graduações. Os imbecis, por exemplo, são “[...] idiotas cujas faculdades intellectuaes estão desenvolvidas até certo ponto” (CHERNOVIZ, 1890, p. 202). Ou seja, são aqueles passíveis de ser educados, conforme a descrição do autor do Dicionário de Medicina Popular. Pressupomos que “cretinia” e “idiotia” sejam sinônimos, que se distinguem pelo estágio de evolução da moléstia. Pois o cretino “[...] é uma designação para pessoas retardadas desde o nascimento, tanto mental como fisicamente. Elas também têm desfiguração facial e podem ser surdas e mudas” (KARASCH, 1999, p. 34).
Em relação aos 57 internos entre 1 e 12 anos, 21 (11 meninas e 10 meninos) morreram na instituição; 18 (nove de cada gênero) foram retirados pelos familiares ou adotados e, por fim, 18 (11 meninas e sete meninos) aparecem sem informação. Para o asilo, eram enviadas crianças a mando do juiz, delegado ou médico quando os pais se encontravam na cadeia pública ou no Hospital São Pedro de Alcântara. Por isso, há um grande número que foi retirado pelos familiares. Em relação aos órfãos, a partir de 1921, houve uma intensa mobilização entre os vicentinos para a construção de um orfanato, que sairia do papel no ano seguinte, fazendo cumprir uma vontade testamentária do vicentino José Netto Campos Carneiro, conforme veremos no tópico seguinte. Para o orfanato São José, eram enviadas as órfãs que não tinham nenhum tipo de doença. E, por fim, os que permaneciam internados no asilo eram os órfãos e crianças com algum tipo de doença e ficavam sob a responsabilidade dos vicentinos e das Irmãs Dominicanas.
Assistência: o Orphanato São José
De acordo com José Roberto do Amaral Lapa (2008, p. 96), que analisou a condição da criança pobre no Brasil entre 1850 e 1930, ser órfão era estar “[...] abrigado em asilo próprio ou sob amparo de parentes, filantropos (adoção), curadoria e tutelagem legitimados pela Justiça ou mesmo vagando ao deus-dará”. São inúmeros nomes de médicos que assumem a missão de salvar a criança pobre, sobretudo os órfãos, apoiados nas ideias higienistas para civilizar a transformar o Brasil. Na então capital goiana, o médico que tomou para si esse papel disciplinador foi José Netto de Campos Carneiro, deixando registrado em seu testamento o desejo de se criar em sua residência um estabelecimento para cuidar da infância órfã. Atendendo o seu desejo, foi fundado o Orphanato São José, um ano após sua morte em 1922.
José Netto nasceu em 23 de fevereiro de 1855, primogênito de família importante da região de Catalão, no sudeste do estado de Goiás. Ao escolher a medicina como profissão, foi para Bahia estudar no ano de 1876 e posteriormente especializou-se na França. Escolheu a Cidade de Goiás para exercer a medicina e, com o tempo, ganhou a alcunha de “pai dos pobres” pelos vilaboenses. Tratava e acompanhava os desvalidos nas suas residências, justificando sua proximidade com a população local. Embora seja lembrado por escritores, memorialistas, jornalistas goianos como importante médico, atuou também como político. Foi membro importante da SSVP, ajudou na construção do asilo bem como demonstrava preocupação de não haver na cidade um orfanato para abrigar as crianças desvalidas.
Reconhecemos José Netto fruto da sua época, o qual buscou no contexto vivido uma presença e participação ativa segundo os princípios cristãos. Seu engajamento cristão o acompanhou e se estendeu para o desejo de organizar a sociedade em busca da civilidade e do progresso, seguindo os preceitos da ciência e da razão. Gisele Sanglard afirmou que a forma como se deu as obras filantrópicas no Brasil, especialmente nesse período, esteve vinculada ao projeto daqueles que a defendia. Líderes, sobretudo médicos e bacharéis em Direito, afirmavam que o modelo caritativo era um sistema que não traria o progresso e a civilidade e, portanto, deveria ser abandonado. Essa mudança ocorreu de forma gradual e dividiu espaço com as obras de caridade, embora houvesse um esforço para “[...] ser percebido mais como prevenção à miséria do que uma forma de suavizá-lá” (SANGLARD, 2005, p. 29).
Seu falecimento ocorreu em 1921, e como não era casado e nem deixou herdeiros diretos, a divisão dos seus bens ocorreu por vontade testamentária, na qual especificou que parte iria para a sua família e outra para a caridade, incluindo a doação dos seus instrumentos profissionais para o Hospital de Caridade São Pedro de Alcântara e apólices de dívida pública federal para o Seminário Diocesano (ambas na Cidade de Goiás). O remanescente do seu patrimônio foi destinado para a construção de um estabelecimento para órfãs desvalidas sob responsabilidade da mitra diocesana (CERTIDÃO DE TESTAMENTO..., 1920).
O remanescente citado no testamento tratava-se de 75 casas localizadas na cidade. O rendimento cobrado pelos aluguéis desses imóveis seria usado para a manutenção do orfanato e pagamento das duas Irmãs Dominicanas, que seriam responsáveis pela instituição. Todos os bens deixados para sua família seriam de usufruto, ou seja, quando falecessem seriam também doados ao orfanato. Embora possuísse vários imóveis na cidade, a escolha da sede da instituição foi por sua casa, o que sugere uma intencionalidade na ligação do seu nome ao orfanato. Nos documentos de pedidos de subvenção, a descrição era de um lugar que atendia aos preceitos de higiene da época. No entanto, em 1957, uma denúncia do jornal local expôs a precariedade em que o estabelecimento se encontrava, e a pedido do Juiz de Direito, o prédio passou por uma extensa reforma, perdendo, finalmente, as características de uma residência familiar, e ganhando formas de um edifício de assistência, amplo e arejado.
Em relação à organização do orphanato, a mitra diocesana, designada como responsável financeira, organizou uma junta administrativa composta por um provedor, um tesoureiro, um procurador e dois secretários (ESTATUTO DO ORPHANATO..., 1922). Para a direção interna, foram escolhidas as Irmãs Dominicanas, que já cuidavam do Asilo São Vicente de Paulo e do Colégio Santana, além de auxiliarem no Hospital de Caridade São Pedro de Alcântara; sua responsabilidade no orfanato era quase similar à do asilo e incluía zelar e cuidar do cotidiano, da educação e construção do Estatuto Interno que incluía suas atribuições e remunerações, bem como as obrigações das asiladas (ESTATUTO DO ORPHANATO..., 1922). No início, quando foram admitidas, não participavam diretamente das decisões da Junta Administrativa, o que mudou em 1953. Dos cargos da Junta, apenas o de provedor era escolhido pela Mitra Diocesana. Nesse sentido, a composição dos cargos foi ocupada pelas Irmãs Dominicanas em exercício, acrescida do cargo de assistente eclesiástico, estreitando os laços entre a instituição e a Igreja Católica.
Quando Jose Netto designou a Mitra Diocesana como guardiã do seu patrimônio e da sua obra pós-morte, o médico estabeleceu os ditames religiosos e morais que o orfanato seguiria, como consta nos seus objetivos “[...] pela manutenção e educação moral, religiosa e doméstica das órfãs pobres (...)” (ESTATUTO DO ORPHANATO..., 1922).
A admissão seguiria critério também estabelecido no estatuto, o que não se diferenciava muito de outros orfanatos. A orfandade era comprovada por atestado de óbito e as condições de saúde por exame médico. A verificação de diligência do pai ou mãe vivos seguia as regras religiosas, não podendo, por exemplo, manter relacionamentos considerados imorais, devendo possuir ocupação e ser católico. O segundo requisito, sobre a idade, destacamos que não eram admitidas crianças menores de três anos e maiores de 12, embora a permanência destas seguissem até o limite de 18 anos de idade. No Asylo de Orphãs em Campinas, em São Paulo, por exemplo, o ingresso seguia o mesmo padrão, no entanto, este aceitava crianças de zero a doze anos, incluindo bebês.
Segundo Ana Maria Melo Negrão, sobre o Recolhimento de Órfãs da Misericórdia do Rio de Janeiro, as internas “[...] eram preparadas para serem mães de família ou empregadas domésticas, com quatro horas de estudo e as demais para trabalhos manuais e domésticos, limpeza dos ambientes, lavagem de roupa, trabalhos de agulha, refeições e momentos de recreio, sob horário rigoroso” (NEGRÃO, 2002, p. 38). O mesmo acontecia, segundo a autora, no Asilo de Órfãs em Campinas (SP), e em diversos outros estabelecimentos do mesmo seguimento: o recolhimento, a disciplinarização do comportamento feminino e a proteção de sua “honra”.
Nos pedidos de subvenção do Orphanato São José encaminhados ao município, há uma referência de atendimento médico-dentário, e “[...] um curso primário nos moldes dos regulamentos oficiais, com professoras especializadas”, no caso as Irmãs Dominicanas (PEDIDO DA DIRETORIA..., 1937). As professoras especializadas seriam as Irmãs Dominicanas que trabalhavam no orfanato cabendo a algumas delas - com a adequada formação - ensinar às órfãs a ler, escrever e contar. Essas três operações se enquadravam na chamada educação primária.
Uma importante ferramenta de dados acerca das órfãs goianas são as fotografias localizadas na documentação da instituição. Esses registros podem nos dar acesso à heterogeneidade das órfãs, além de permitirem análises mais detalhadas.
Como podemos observar na Figura 2, são 49 crianças de idades diversas. Esse número variava dependendo do tempo e da situação financeira, sendo relevante a indicação de uma pessoa conhecida pela junta administrativa e a aprovação final do arcebispo. Conforme consta no seguinte registro em ata, quando “[...] aprovou-se a admissão de uma órfã de pai e mãe, de menor idade estabelecida e apresentada pelo farmacêutico Dr. Elisio Campos. Como decidiu-se, a sua permanência definitiva dependerá de autorização do Exmo. Sr. Arcebispo” (ATA DA JUNTA ADMINISTRATIVA DO ORPHANATO..., 1944).
Ressalta-se na imagem, também, internas brancas (colocadas à frente) e negras (ao fundo). Ademais, as órfãs não estavam uniformizadas, mas com vestidos de cor claro em sua maioria muito simples e sem grandes detalhes de rendas, babados ou fitas. Todas estão descalças e possuem o olhar triste e até mesmo cabisbaixo. O cabelo de todas está curto, algo bem comum para instituições do gênero. Podemos observar que fisicamente não havia meninas com “moléstia contagiosa ou repugnante, nem defeito físico que inabilite para o trabalho” conforme constava no item “d” do estatuto. As que se encontravam nessas condições iam para o Asilo São Vicente de Paulo.
Em 1964, o Orphanato São José mudou de nome passando a ser chamado de Lar São José, tal mudança em nada mudou nos princípios e objetivos da instituição. Somente na década de 1980 que uma mudança profunda ocorreu: Dom Tomás Balduíno, bispo de Goiás, fechou a instituição após análise de uma equipe técnica chegar à conclusão de que,
[...] com o objetivo de abrigar crianças órfãs pobres e desvalidas, o Lar São José até 1979 realizou uma prática essencialmente assistencialista. As crianças admitidas eram do sexo feminino. Preparadas para exercerem a profissão de doméstica, quando saiam do Orfanato, geralmente já eram encaminhadas às famílias de elite. Isso demonstra a interligação entre a Entidade e a alta burguesia (PROPOSTA DE TRABALHO..., 1980).
A denúncia feita em 1979 reforça a análise de que a intencionalidade de estabelecimentos assistencialistas não ocorria apenas em Goiás, segundo Laura Maria Silva Araújo Alves, sobre O Colégio Nossa Senhora do Amparo (1838) e o Orphelinato Paraense (1893), “[...] as meninas ali acolhidas eram amparadas da miséria e ignorância e se tornavam mulheres úteis à sociedade paraense” (ALVES, 2018, p. 151). A autora afirma que as duas instituições também eram procuradas por famílias abastadas para servirem de mão de obra doméstica (ALVES, 2018, p. 138). As retiradas de órfãs em estabelecimentos como Orphanato São José ocorriam por meio de contrato de trabalho, como o consta no documento (ATA DA JUNTA ADMINISTRATIVA DO ORPHANATO..., 1944). O processo se dava não pela retirada imediata da órfã, esta era levada inicialmente para serviços domésticos em eventos ou festas, havendo posteriormente o interesse ou não da família em sua colocação.
Segundo a historiadora Carla Bassanezi Pinsky, na primeira metade do século XX, “[...] parecia não haver dúvidas de que as mulheres eram, ‘por natureza’, destinadas ao casamento e à maternidade. Considerando parte integrante da essência feminina, esse destino surgia como praticamente incontestável” (PINSKY, 2012, p. 470). No entanto, esse papel parece ainda mais reforçado quando se tratava de meninas pobres asiladas, na qual a instituição representava “salvar sua honra e garantir seu destino”, dentro dos preceitos morais da época, retiradas do meio social e isoladas do que era considerado perigoso.
No caso da instituição goiana, uma nova proposta foi elaborada pelo programa de Direitos Humanos da então Universidade Católica de Goiás, excluindo o modelo de internamento que obedecia às regras morais e religiosas. Observamos que o orfanato estabeleceu um modelo assistencialista amparado no modelo “educar” e “civilizar” os grupos mais pobres, atendendo às necessidades de mão de obra doméstica de um determinado grupo social. Enquanto o Asilo São Vicente de Paulo cuidava dos doentes, independente do gênero, e dos órfãos, o orphanato auxiliava apenas órfãs saudáveis. Nesse sentido, os objetivos inerentes a cada estabelecimento de assistência à infância estavam ligados à condição de saúde do órfão, determinando, desse modo, o seu local de asilamento. Em Goiás, a partir da década de 1950, os filhos dos doentes de lepra, por exemplo, foram enviados para os chamados “preventórios”.
Educação: o Preventório Afrânio de Azevedo
As medidas profiláticas de combate à lepra no Brasil se ancoravam precariamente no tripé institucional composto por: “Dispensário”, com a função de descobrir, selecionar, internar os doentes, examinar os seus comunicantes e educar as massas; “Leprosário”, que procurava isolar, assistir - material e moralmente - tratar e recuperar os doentes, devolvendo-os ao meio social; e “Preventório”, que recolhia os filhos sadios dos hansenianos, tanto os nascidos nos leprosários, como os oriundos dos lares de onde saíram os doentes.
No estado de Goiás, na década de 1920, instituições de isolamento e assistência aos doentes da lepra se utilizavam dos discursos sanitaristas para segregar os leprosos e suas famílias, como a Associação Caritativa Pró-Lázaros na Cidade de Goiás, o Leprosário Macaúbas na Ilha do Bananal,4 o Leprosário Helena Bernard na cidade de Catalão e o Leprosário São Vicente de Paula na cidade de Anápolis. Na década de 1940, o assistencialismo e o isolamento ganharam força com a construção e inauguração da Colônia Santa Marta e o Preventório Afrânio de Azevedo na capital Goiânia (SILVA, 2016).
No Brasil, “à revelia das recomendações internacionais que desde a década de vinte já desaconselhavam o isolamento do doente, a prática profilática adotada foi a do isolamento compulsório”, o que contribuiu para disseminar preconceitos em relação à doença; cujo estigma atingiu “[...] pessoas que nunca portaram a doença, como foi o caso das crianças sadias filhas de hansenianos”, obrigando-as a serem internadas em preventórios a fim de esconderem sua situação (MONTEIRO, 1998, p. 4).
Nesse sentido, os preventórios caracterizaram-se como instituições de amparo às crianças filhas dos leprosos que eram internadas nas colônias/leprosários. Com a criação da Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros (FSAL) e Defesa Contra a Lepra (DCL), a necessidade de se criar preventórios para abrigar somente os filhos dos leprosos veio da dificuldade em se encontrar qualquer outra instituição de amparo à infância que os aceitasse receber e a dificuldade em encontrar uma alternativa de acolhimento aos filhos sadios fazia com que os pais ou os responsáveis pelas crianças, que estivessem doentes, recusassem-se a realizar o tratamento adequado ou mesmo permanecesse nas colônias/leprosários onde as fugas nesses casos eram frequentes.
Os preventórios/educandários no Brasil tinham entre suas obrigações oferecer aos internos o ensino básico escolar e a possibilidade do ensino industrial ou profissional por meio de oficinas pensadas a partir das demandas de cada Estado. A estrutura física era semelhante em todas as construções, sem se preocupar com a privacidade dos internos. O bom funcionamento dessas instituições advinha da imposição da ordem e da disciplina, mesmo que isso prejudicasse socialmente os internos (MONTEIRO, 1998). E o Regulamento dos Preventórios Para os Filhos de Lázaros instalados no Brasil (1941) defina e regia o funcionamento destas. Em relatório do Ministério da Educação e Saúde de 1947, foi constado no Brasil a existência de 27 instituições de caráter preventorial que já estavam em funcionamento.
Para a realidade de Goiânia, infelizmente, não conseguimos a documentação pertinente aos estudos básicos dos internos na primeira década de funcionamento do estabelecimento, ou seja, se a educação foi ministrada na instituição, ou se a criação da escola estadual Eunice Wever foi pensada com o objetivo de ministrar o “ensino primário”. O certo é que, ao atingir a idade necessária para fornecer força de trabalho para o mercado consumidor, os internos e os desvalidos pela orfandade seriam direcionados a uma escola de aprendizes e artífices ou instituições afins. Na dilatação do raio de ação da higiene e do ensino, estaria a chave mestra para fazer com que a escola cumprisse o duplo desiteratum de instruir e moralizar para se constituir em uma das modalidades das escolas internatos higiênicos com o lema de que o corpo modelado e higienizado possibilitaria uma mente sã (GONDRA, 2000).
A educação escolar e técnica, vista antes como problema nacional, tornou-se durante o Governo Vargas e nos governos seguintes componente do discurso de construção de uma sociedade moderna. Um corpo educado e disciplinado era o que o Brasil moderno necessitava para a industrialização que Vargas implementava, e Goiânia, a nova capital de Goiás, a partir de 1937, não fugiria de seu destino de uma cidade sã e de cidadãos sadios. Tendo como aporte o discurso médico e modernizador da nova capital do estado de Goiás, foi fundada em 1949, com o apoio da Loja Maçônica Liberdade e União de Goiânia, a Fundação Abrigo de Menores Abandonados (FAMA), que acolhia crianças com o intuito de lhes oferecer um ensino profissionalizante. A fundação abrigava crianças abandonadas ou advindas do Preventório Educandário Afrânio de Azevedo com o intuito de lhes ensinar um ofício.
Os critérios de entrada na associação definidos pelo Regimento Interno preconizavam que a instituição admitiria “[...] pessoas, sem distinção de raça, de sexo, nacionalidade, crença religiosa ou política, em pleno gozo de seus direitos civis” (ESTATUTO SOCIAL..., 2010). Cada criança e adolescente encaminhados para a FAMA deveriam apresentar documentos de identificação e um responsável; no caso dos internos do preventório, a diretora era a responsável. Os internos do preventório eram encaminhados para a FAMA após completarem o ensino primário. Na FAMA, recebiam os ensinos do ginásio, do colegial e oficinas de aprendizagem.
A educação escolar na infância passava por uma reformulação que acompanhava as mudanças do novo século, um exemplo dessas mudanças foram as noções da moderna pedagogia estabelecidas pela Escola Nova desde os anos de 1920. A Escola Nova, que segundo Cunha (2000) desconsiderava os ensinos familiares, fundamentava que a educação acontecia na socialização de crianças e jovens a partir das revelações da Psicologia, da Biologia e das Ciências Sociais.
Ensinar um ofício, como acontecia na FAMA, era, mesmo que a passos lentos, uma forma de promover a profissionalização de crianças e jovens que não tinham apoio familiar e recursos para o aprimoramento de suas habilidades. Para além da organização da sala de aula em um modelo tradicional, o mesmo utilizado atualmente, um detalhe observado na Figura 3 é a obra escolar de Ariosto Espinheira,5Infância brasileira, literatura da Escola Nova que foi utilizada nos educandários nas décadas de 1950 e 1960. Ainda em relação à imagem, as crianças estão vestidas com o uniforme da instituição que se compõe de uma camisa branca em versões de manga comprida ou curta, bermuda ou calça escura e sapatos pretos.
A educação formal se pautava na separação entre a formação das meninas e dos meninos. Segundo Marcilio (1997, p. 294), ao passo que os meninos eram acolhidos nas casas dos mestres artesãos para aprenderem os trabalhos manuais das oficinas de artesanato, as meninas tinham como uma das poucas opções a profissão de professoras primárias. O ensino profissional6 não era voltado para as crianças e adolescentes com situação financeira abastada, eram as crianças e adolescentes pobres que aprendiam os ofícios.
Os internos do preventório e da FAMA se encaixavam no perfil de indivíduos que, apesar de não possuírem educação advinda da família, eram vistos como corpos a serem disciplinados, modelados e aproveitados como mão-de-obra industrial. A FAMA oferecia cursos de serralharia, lavanderia, agricultura, gráfica, selaria, entre outros. Os cursos visavam à formação dessas crianças e a sua inserção no mercado de trabalho.
Nos registros iconográficos analisados, percebemos a falta de segurança e salubridade nas oficinas. A Figura 4 apresenta um dia de trabalho na oficina de serralheria, onde três meninos aprendem o ofício e realizam as atividades com pouco ou nenhum equipamento de segurança. A criança em segundo plano está inclusive sem calçados.
A necessidade de se aprender um ofício ia para além da tentativa da União em especializar as camadas pobres em mão de obra. A permanência dos internos nos preventórios era definida pelo regulamento que definia a idade máxima de 18 anos para os meninos e 21 anos para as meninas. A maioria desses jovens não tinham famílias que pudessem os acolher, seja pela internação compulsória de seus pais nas colônias que abrigavam doentes de lepra - em Goiânia era na Colônia Santa Marta -, seja pelos parentes e outros familiares que negavam o convívio, impregnados pelo estigma e medo da doença. Aprender uma profissão significava a sobrevivência dos filhos dos lázaros, que enfrentavam o abandono, a falta de referência familiar e o preconceito da sociedade desde a sua infância. Ter uma profissão era a alternativa de muitos para a construção de uma vida “digna” perante uma sociedade excludente.
A disciplina pregada e posta em prática pelas instituições como o Preventório Afrânio de Azevedo e a Fundação Abrigo a Menores Abandonados, que abrangiam rotinas de estudo e trabalho, foi vista como uma forma de controlar e modelar essas crianças e jovens para o futuro, para além dos muros das escolas. Acreditava-se que sem uma profissão esses jovens estariam fadados a um futuro incerto. Entretanto, trabalhos recentes consideram que o fato de que atualmente o Brasil é endêmico em relação à hanseníase “[...] demonstra que a política de isolamento compulsório, estendida também aos descendentes os internos, foi ineficaz para o controle da doença, além disso resultou em inúmeros transtornos psicossociais aos acometidos pela doença e seus familiares” (SOUZA; SOUZA; MELO, 2022, p. 73).
Considerações finais
Como afirmamos no começo deste trabalho, seria presunçoso de nossa parte propor uma análise profunda das três instituições; em separado, cada uma delas renderia interessantes artigos. Porém, ao propor este estudo com as três, mesmo cientes de nossas limitações, objetivamos compreender o processo de institucionalização da infância em Goiás no século XX, apresentando o asilo, o orfanato e o preventório a partir do foco na saúde, assistência e educação. Há várias lacunas a serem preenchidas em futuros estudos.
O Asilo São Vicente de Paulo representou, até a construção do Orphanato, um espaço onde se abrigava o são e o doente, independentemente da idade. Para ser acolhido, o indivíduo só precisava estar necessitado, disposto a ser ajudado, e o principal, ser católico. Após a criação do Orphanato, em 1922, as meninas sadias saíram do asilo e foram encaminhadas para a nova instituição. No asilo, ficaram as crianças doentes e os meninos órfãos que não tinham quem lhes valessem. Atualmente, a instituição não recebe mais crianças, só adultos com problemas mentais; dos mais de 60 internos, a maioria é constituída de pessoas idosas.
Não há como dissociar o Orphanato São José do seu idealizador, José Netto Campos Carneiro. A medicina e o fato de estar constantemente envolvido com as questões sociais da cidade estabeleceram a imagem de um “homem caridoso” para o médico goiano, que consideramos filantropo. Isso significa perceber que Jose Netto aliou sua intenção de não ser esquecido pela história, ao deixar sua própria casa para o funcionamento do Orphanato, a suas ideias médicas. Transformou seu patrimônio em um projeto higienista e normatizador da moral. Instituições como o Orphanato São José recolhiam as meninas em um sistema de afastamento do meio social, dos ditos “perigos do vício” e de tudo o que era considerado imoral, sobretudo as incluídas nas normatizações legais e, principalmente, religiosas, por isso contavam com as Irmãs Dominicanas. As práticas introduzidas no Orphanato cumpriam o papel de moldar meninas para seguirem o comportamento feminino esperado na época.
A assistência, principalmente no campo da Educação, do Preventório Afrânio de Azevedo aos filhos dos leprosos goianos, internados compulsoriamente na Colônia Santa Marta, possibilitou condições mínimas, por parte do estado, para que essas crianças pudessem se desenvolver. Porém, o acolhimento recebido, por meio de uma intensa e severa educação formal, excluiu a falta de um modelo familiar. Pressupomos que tais crianças, embora livres da lepra, foram igualmente vítimas desse processo de estigmatização da doença e dos doentes. Separados dos pais, ignorados pelos familiares, só restava, para muitos, o preventório. Não queremos, de forma alguma, romantizar esse processo, sabemos que tais instituições de convívio forçado representavam privações e sofrimento, com abusos físicos e/ou psicológicos. Entretanto, apesar disso, as crianças aprenderam um ofício profissional, visando à sua reinserção à sociedade, quando chegassem à maioridade. Para muitos, o sofrimento no preventório poderia ter sido evitado, já que na década de 1950 a lepra-hanseníase já tinha condições de ser controlada com medicamentos e não pela exclusão.