Introdução
A Amazônia é formada por vários grupos étnicos, comunidades tradicionais e povos originários, que constituem uma população diversificada, construída historicamente. Lira e Rodrigues (2016, p. 07) destacam que o intercâmbio entre os grupos “[...] permitiu uma herança que se revela nas mais diferentes manifestações socioculturais expressas pelo homem amazônico na vida cotidiana, quais sejam: as relações de trabalho, a educação, a religião, as lendas, os hábitos alimentares e familiares”.
Os remanescentes quilombolas estão entre os principais agentes sociais que formam a Amazônia, sendo uma das referências de população tradicional amazônida. Suas características são marcadas pelas especificidades do grupo, como: as formas de conviver e comunicar, as representações dos lugares e a relação contígua com a natureza.
Dessa forma, a pesquisa com/sobre as comunidades tradicionais promove e fortalece a disseminação dos conhecimentos científicos e tradicionais. Portanto, a pesquisa científica é essencial para o desenvolvimento da sociedade, confronta o senso comum e busca respostas para os diversos fenômenos que surgem, sendo fundamental para informar, refletir e sustentar a produção de conhecimento. Para Kerlinger (1980, p. 11) a “[...] pesquisa cientifica é uma investigação sistemática, controlada, empírica e crítica de proposições hipotéticas sobre supostas relações entre fenômenos naturais”.
Sendo assim, este estudo tem como objetivo mapear as pesquisas desenvolvidas nos Programas de Pós-graduação em Educação nas Universidades da Amazônia Brasileira sobre/com quilombolas. Com foco nas temáticas pesquisadas, busca-se identificar como esses sujeitos vêm sendo abordados nas produções acadêmicas. Utilizou-se da metodologia do estado do conhecimento, com levantamento bibliográfico a partir das dissertações do Catálogo da Capes - Teses e Dissertações (2021).
As problemáticas investigadas nesta pesquisa são: “quais universidades do Norte do Brasil pesquisaram sobre os remanescentes quilombolas?” e “Quais as principais temáticas sobre quilombolas têm sido colocadas em pauta na pesquisa de pós-graduação em educação na Amazônia nos últimos cinco anos?”
A pesquisa foi realizada no portal de Periódicos da Capes, nos Programas de Pós-Graduação em Educação da região Amazônica, com o seguinte descritor: quilombola. Foram encontradas cinco dissertações relacionadas com o tema. O levantamento levou em consideração as produções do período de 2016 a 2020, desta maneira, destacam-se os anos de 2016 e 2018 com mais publicações, sendo cinco em cada ano.
A metodologia do estado do conhecimento é utilizada neste estudo para mapear e discutir as pesquisas acadêmicas de mestrado sobre quilombola no campo da educação. Busca-se compreender sobre uma determinada temática a partir de pesquisas já realizadas em uma determinada área.
Conforme Romanowski e Ens (2006, p. 04), “[...] o estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vem sendo denominado de Estado do Conhecimento”. As autoras (2006) ainda destacam que os estudos sobre o estado do conhecimento visam à sistematização da produção de uma determinada área de conhecimento. Nesse caso, as dissertações dos Programas de Pós-graduação em Educação das Universidades da Amazônia Brasileira serão os objetos de pesquisa.
Para cumprir o objetivo da pesquisa, foram contextualizados os quilombolas amazônidas, as Universidades e os Programas de Pós-Graduação em Educação que discutem o assunto. Ressaltam-se as linhas de pesquisas e temáticas que têm sido colocadas em pauta na pesquisa de pós-graduação em educação na Amazônia nos últimos cinco anos.
Por fim, as análises das pesquisas foram elaboradas em categorias temáticas, conforme as discussões: (1) saberes e vivências lúdicas de crianças quilombolas; (2) educação, memória e cultura quilombola; (3) memória, resistência, construção de identidades da juventude quilombola e desafios de estudantes quilombolas da Universidade. No final, as considerações finais da pesquisa.
Quilombolas Amazônidas
Os valores e a cultura da Amazônia foram construídos com as contribuições de diversos grupos, entre eles, os quilombolas. Diante disso, os remanescentes quilombolas fazem parte da formação social e cultural da região Amazônica, que resulta do encontro de diferentes grupos sociais, com suas histórias de lutas e conquistas, em tempos diferentes.
Oliveira (2008 apudSANTOS; OLIVEIRA, 2018, p. 162) destaca a pluralidade de sujeitos a pluralidade de sujeitos da Amazônia, dentre eles os quilombolas:
Na Amazônia existe uma diversidade e pluralidade de sujeitos: ribeirinhos, quilombolas, camponeses, indígenas, entre outros, que vivem em um contexto geográfico biodiverso e complexo (terra, mata, igarapés, rios, plantas, animais, recursos minerais etc.), demarcado tanto pelo enraizamento cultural quanto por situações sociais, culturais e educacionais diferenciadas.
Segundo Benchimol (2009), a Amazônia é um complexo cultural que compreende um conjunto tradicional de valores, crenças, atitudes e modos de vida que delinearam a organização social e o sistema de conhecimentos, práticas e usos dos recursos naturais extraídos de florestas, rios, lagos, várzeas e terra firme. “O melhor e o maior exemplo de brasilidade que a todos acolhe e os querencia no seu vasto, exótico e estranho mundo” (BENCHIMOL, 2009, p. 04).
Os quilombos surgiram na época da escravidão, período sombrio da história brasileira. Também conhecido como mocambo, o quilombo era o refúgio onde os negros tinham a oportunidade de reviver parte de suas tradições africanas. Na contemporaneidade, no Art. 2º do Decreto nº 4.887/2003, consideram-se comunidades remanescentes de quilombos “[...] os grupos étnico raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
Já o Art. 3º do Decreto nº 6.040/2007 traz o conceito de povos e comunidades tradicionais enquanto grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição.
Remanescentes quilombolas são sujeitos que representam a resistência e a resiliência na busca por preservar a identidade e os vínculos com seus territórios ancestrais. Sujeitos minorizados pela sociedade em virtude da ancestralidade negra ligada com a resistência à opressão sofrida historicamente.
De acordo com Bhabha (1998, p. 317), a comunidade é “[...] suplemento antagônico da modernidade: no espaço metropolitano ela é o território da minoria” e coloca “[...] em perigo as exigências da civilidade”.
Mesmo fazendo parte da construção e constituição da formação da sociedade brasileira, os quilombolas possuem pouca representatividade no campo das pesquisas científicas. Os estudos que envolvem os quilombolas nos Programas de Pós-graduação em Educação nas Universidades da Amazônia Brasileira são mínimos, conforme demonstram as pesquisas disponibilizadas no Portal da Capes (2021).
A escassez de estudos resulta da herança do processo de opressão histórica sofrida pelos sujeitos negros (as), que provocou desigualdades, exclusão e racismo institucionalizado, refletindo no campo científico. Tais desigualdades raciais são definidas por Fôlha e Rocha (2021, p. 01) como “um fenômeno caracterizado pela diferença nas oportunidades e condições de vida, que ocorre em função da etnia do sujeito, sendo resultado dos processos históricos, políticos e culturais, baseados na crença da existência de categorias raciais, com hierarquia superiores e inferiores”.
Diante da situação vivenciada pelos remanescentes quilombolas, Carneiro (2020, p. 08) denuncia o processo de invisibilização das contribuições culturais e sociais não reconhecidas, e afirma:
[...] há um conjunto de estratégias que terminam por abalar a capacidade cognitiva das pessoas negras, que conspiram sobre a nossa possibilidade de nos afirmamos como sujeito de conhecimento [...] não suficientemente dotados de racionalidade, capazes de produzir conhecimento e sobretudo, ciência.
No contexto atual, as comunidades remanescentes de quilombos utilizam da resistência e luta como uma estratégia para a sobrevivência de sua cultura e a permanência em seus territórios.
As universidades, os programas e as linhas de pesquisas
A pesquisa foi realizada nas dissertações dos Programas de Pós-Graduação em Educação da Amazônia que estudaram sobre o descritor quilombolas e tiveram seus trabalhos publicados no período de 2016 a 2020.
Portanto, a pesquisa foi realizada em uma grande área do conhecimento: as Ciências Humanas. Em relação às áreas de conhecimento avaliação e concentração, a busca foi delimitada à Educação.
Os Programas de Pós-Graduação em Educação da região Amazônica que possuem trabalhos de pesquisas publicadas sobre quilombola estão concentrados em apenas duas instituições de ensino da Amazônia, na Universidade Federal do Pará e na Universidade Estadual do Estado do Pará.
Tais estudos fazem parte de duas linhas de pesquisa: Educação, Cultura e Sociedade e Saberes Culturais e Educação na Amazônia. A primeira linha de pesquisa, da Universidade Federal do Pará, conforme o Edital nº 02/2018 PPGED (UFPA, 2018), realiza pesquisas que compreendem estudos e investigações que problematizam a Educação em meio à formação do sujeito, à cultura e às condições históricas das sociedades. Entende os processos educativos em articulação com as demandas da sociedade, dos movimentos sociais, das ações no campo, da mobilização política e das práticas de reivindicação por educação e inclusão social. Trata a educação na sua historicidade e a escola, em particular, com seus currículos e práticas pedagógicas, com base nas representações e ações coletivas dos sujeitos. Destaca, em específico, os processos históricos de escolarização e atendimento a crianças, jovens e adultos da Amazônia.
As pesquisas vinculadas a essa linha têm privilegiado estudos sobre: história da infância e juventude na Amazônia; educação do campo; educação freiriana; movimentos sociais e educação; estudos culturais e educação; gênero, sexualidade e docência; história social e cultural do pensamento educacional, especialmente o produzido na América Latina; modernidade, direito e educação.
A segunda linha de pesquisa, Saberes Culturais e Educação na Amazônia, conforme o Edital nº 44/2021-UEPA (UFPA, 2021), investiga temas educacionais relacionados ao contexto brasileiro e amazônico, como saberes, representações, imaginários, conhecimento e poder inerentes às práticas socioculturais e educativas. Tem como objetivo contribuir para a construção de práticas socioeducacionais, éticas, epistemológicas e politicamente comprometidas com os saberes dos grupos socialmente excluídos, e fortalecer a identidade cultural amazônica.
Sendo assim, os estudos das duas linhas refletem problemáticas da realidade educacional brasileira e trazem reflexões sobre o desenvolvimento, social e educacional, Amazônico.
Nesta perspectiva, seguem os resultados da pesquisa, de maneira consolidada, na tabela a seguir:
DESCRITOR | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 |
---|---|---|---|---|---|
Quilombolas | 02 | 01 | 02 | 00 | 00 |
Total | 05 |
FONTE: elaborada pelos autores (2021).
Neste contexto, cinco pesquisadoras(es) escreveram dissertações sobre o descritor quilombola no referido período. Vale ressaltar que, em 2019 e 2020, nenhuma pesquisa desenvolvida nos Programas de Pós-Graduação em Educação da região Amazônica foi cadastrada no Catálogo da Capes com essa temática.
As pesquisas sobre/com quilombolas nos programas de pós-graduação em educação da Amazônia
As pesquisas sobre/com quilombolas nos Programas de Pós-Graduação em Educação da Amazônia são importantes para o desenvolvimento social, educacional e cultural do grupo étnico. Visto que a pesquisa científica é instrumento de produção de conhecimento que impacta a evolução da sociedade.
Nesse sentido, Santos e Oliveira (2018, p. 08) reconhecem a complexidade de realizar pesquisas no território da Amazônia: “[...] consideramos que realizar pesquisa na Amazônia é uma tarefa árdua pelo fato de seu contexto social ser diverso e plural, e demarcado pelas grandes distâncias e complexidades geográfica e cultural”.
Dessa maneira, as pesquisas sobre/com quilombolas no espaço amazônico brasileiro mostram singularidades conforme o território geográfico e cultural em que vivem. Apresentam-se pesquisas em contextos diferentes, algumas em território quilombola e outra trazendo o espaço universitário.
Neste contexto, cinco dissertações foram analisadas: (1) Crianças quilombolas Marajoaras: saberes e vivências lúdicas (PERES, 2018); (2) No batuque do Bambaê: memória étnica e educação na Juaba/Cametá/PA (SILVA, 2016); (3) Educação e cultura na Escola da Comunidade Quilombola de São Benedito do Vizeu (OLIVEIRA, 2017); (4) Juventudes quilombolas: memória, resistência e construção de identidades (SANTOS, 2018); (5) Do quilombo à universidade: trajetórias, relatos, representações e desafios de estudantes quilombolas da Universidade Federal do Pará-Campus Belém quanto à permanência (CAMPOS, 2016).
Temáticas em Estudo
As temáticas discutidas nas dissertações abordaram os seguintes assuntos: educação, saberes e vivências lúdicas de crianças, memória étnica, cultura, juventudes, resistência, construção de identidades, universidade e representações.
Para apresentação dos resultados das pesquisas sobre/com quilombolas, as temáticas foram divididas em categorias: (1) saberes e vivências lúdicas de crianças quilombolas; (2) educação, memória e cultura quilombola; (3) resistência, identidade, representações e desafios universitários da juventude quilombola.
Saberes e vivências lúdicas de crianças quilombolas
A primeira categoria apresenta uma pesquisa (PERES, 2018) que trata de quilombos, ludicidade e infância; destaca a relação entre os assuntos e mostra questões importantes, como cultura e cotidiano nos territórios étnicos. A pesquisa destaca o brincar, as brincadeiras e o jogo como manifestações lúdicas expressas nas brincadeiras, evidenciando o modo de brincar e interagir com tal prática. Também apresenta os saberes e processos educativos das crianças quilombolas marajoaras.
O estudo analisado realizou uma pesquisa com crianças em que os sujeitos pesquisados assumem o papel de intérpretes de sua própria vivência e apresentam suas percepções aos pesquisadores.
Nesse sentido, a pesquisa investiga as manifestações lúdicas que se expressam nas brincadeiras das crianças quilombolas marajoaras. Por meio do brincar, a linguagem natural da criança, os saberes da cultura quilombola marajoara se manifestam.
Peres (2018, p. 24) defende que:
As crianças têm no seu brincar uma espontaneidade que não ocorre no vazio. Um brincar permeado de vivências, valores e manifestações de sua cultura, que, entre outras coisas, está ligado ao pertencimento ao lugar em que vivem - a comunidade remanescente de quilombo. O lúdico torna-se um elemento significativo no cotidiano do povo negro, pois nos remete a uma vivência que expressa seus valores ancestrais, ritmos, histórias e todo o simbolismo expresso em sua cultura.
Os saberes culturais e as vivências lúdicas experimentadas pelas crianças quilombolas são primordiais para desenvolvimento, aprendizagem e fortalecimento de identidade, saberes, cultura e memórias. Nessa perspectiva, Oliveira (2016, p. 07) destaca que os saberes são “[...] produzidos nas práticas sociais e culturais do dia a dia, refletindo a forma de viver, pensar e compreender o mundo, valores imaginários e representações. Eles são diversos, multirreferenciais e constituídos por magmas de significações”.
Nessa concepção, o brincar e as brincadeiras são oportunidades para a criança apreender para a vida; enquanto brincam os conhecimentos sobre os saberes e a cultura da comunidade são ampliados por meio de percepções, sensações, emoções, sentidos e experiências vividas.
Educação, memória e cultura quilombola
A pesquisa de Silva (2016) analisa de que forma o Bambaê do Rosário da Vila de Juaba e os saberes contidos na celebração contribuem na educação dos moradores da comunidade. Identificou os saberes existentes no Bambaê do Rosário, registrou os processos de aquisição e repasse desses saberes e como esses são processados na educação dos quilombolas.
Nesse sentido, o estudo apresenta a cultura do locus: seus costumes, organização e algumas manifestações culturais. Os saberes presentes na celebração do Bambaê do Rosário são evidenciados, bem como a memória e educação das vozes negras do Bambaê, destacando a memória coletiva e sua interface com a educação. Para Brandão (2002, p. 24), a cultura se “[...] configura como o mapa da própria possibilidade da vida social”.
Na Amazônia, existe uma diversidade e pluralidade de sujeitos, com culturas diversas. Rodrigues et al. (2006, p. 36) entendem que a cultura da Amazônia é “[...] híbrida, formada por sujeitos e culturas de diferentes tradições, mas que resguarda, assim como a dinamicidade e a abertura à mudança, matrizes e traços de originalidade, que são a voz, a experiência, o saber, o costume, o imaginário [...]”.
Oliveira (2017), em sua dissertação, busca compreender a cultura e os saberes da comunidade e como a escola vem trabalhando os saberes trazidos pelos discentes e como tem contribuído para a preservação da cultura quilombola no povoado.
A pesquisa descreve os quilombos e as comunidades quilombolas, com destaque para a Comunidade Remanescente de Quilombo de São Benedito do Vizeu-PA. Analisa os saberes culturais da comunidade e debate sobre a escola e sua relação com o saber e a cultura local.
As pesquisas dessa categoria abordam a memória étnica, a cultura e os saberes e suas interações com a educação, compreendendo que a educação é essencial no processo de preservação e fortalecimento do fazer e do saber quilombola.
Resistência, identidade, representações e desafios universitários da juventude quilombola
Nessa categoria, foram analisadas as pesquisas (SANTOS, 2018; CAMPOS, 2016) referentes às juventudes quilombolas, destacando memória, resistência, construção de identidades, representações e desafios em contexto social e universitário.
A pesquisa de Santos (2018), Juventudes quilombolas: memória, resistência e construção de identidades , analisou os processos de construção de identidades desenvolvidos pelos (as) jovens quilombolas nos confrontos entre as suas relações e práticas no contexto do quilombo e com territórios externos, assim como as estratégias de resistência que são geradas nesses processos. O estudo discute sobe juventudes quilombolas a partir da memória, da forma de organização e da construção de identidades. Discorre sobre os conceitos e a luta dos jovens por políticas públicas, com destaque aos jovens negros (as) e quilombolas. Descreve a luta dos quilombolas contra o sistema escravagista e pela manutenção de suas territorialidades, bem como realiza um debate sobre o processo de construção das identidades.
Nessa discussão, para as comunidades de remanescentes quilombolas, os jovens são a garantia da conservação e continuação de sua história e cultura por meio de identidade, resistência, memória, cultura, dentre outros aspectos. Por esse motivo, Santos (2018, p. 23) destaca que “[...] os jovens têm uma grande responsabilidade com os mais velhos, sobretudo, na manutenção da identidade quilombola, considerada não como uma identidade homogênea, mas de resistência”.
O estudo aborda a importância de discutir “identidades”, com caráter mantenedor e estratégico de luta e resistência. Santos (2018) defende que os jovens quilombolas assumem sua identidade, em meio a outras que lhes atravessam, como um artifício para manutenção de sua história e cultura. Neste sentido, Bauman (2005) descreve que as transformações oriundas do mundo globalizado rompem barreiras e aproximam as fronteiras das nações, acrescentando novos elementos identitários que se somam a outros já existentes, dando forma, assim, a uma multiplicidade de identidades.
Destacam-se as identidades de resistência como uma subversão ao sentimento de inferiorização a que nações, estados, comunidades e grupos de sujeitos foram submetidos; os que, na contemporaneidade, reivindicam sua liberdade mediante a descolonização cultural e/ou histórica.
A pesquisa de Campos (2016), Do quilombo à universidade: trajetórias, relatos, representações e desafios de estudantes quilombolas da Universidade Federal do Pará-Campus Belém quanto à permanência, também analisa trajetórias, representações e desafios dos estudantes quilombolas ingressos pela reserva de vagas do processo seletivo especial aos cursos de graduação da UFPA, em relação ao acesso e à permanência no ensino superior.
A pesquisa de Campos (2016) discute o contexto das ações afirmativas no ensino superior brasileiro para quilombolas; nela, são discutidos os aspectos teóricos acerca da categoria quilombo no Brasil e no Estado do Pará, no âmbito histórico e político sobre o significado do território quilombola. O estudo apresenta os fundamentos teóricos de algumas definições da categoria “Ação Afirmativa” e elabora o perfil dos estudantes quilombolas da política de reserva de vagas da Universidade Federal do Pará-Campus Belém que participaram da pesquisa, suas trajetórias até o ingresso à universidade, além de suas dificuldades, perspectivas, desafios, redes de sociabilidade e estratégias criadas para a permanência.
Nessa perspectiva, Arroyo (2014, p. 125) destaca que “[...] a educação tem participado diretamente na construção e preservação dessas representações segregadoras, inferiorizantes.” Diante desse contexto, a necessidade de ampliar as políticas de ações afirmativas é essencial na luta pelos direitos básicos dos quilombolas que estão no processo de afirmação identitária. Sobre esse assunto, Munanga (2003, p. 03) afirma que:
A identidade de resistência, que é produzida pelos atores sociais que se encontram em posição ou condições desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica dominante. Para resistir e sobreviver, eles se barricam na base dos princípios estrangeiros ou contrários aos que impregnam as instituições dominantes da sociedade.
Os estudos dessa categoria ― resistência, identidade, representações e desafios universitários da juventude quilombola ― mostram os desafios e as conquistas em contexto social e universitário. Levam à reflexão sobre os jovens quilombolas enquanto sujeitos de direitos, que são constituídos de cultura, memória, história, identidades e saberes.
Considerações finais
Os resultados do mapeamento das pesquisas nos Programas de Pós-graduação em Educação nas Universidades da Amazônia Brasileira sobre quilombolas demonstram que apenas duas instituições de ensino têm pesquisas com essa temática: a Universidade Federal do Pará e a Universidade Estadual do Estado do Pará. Estando presentes em duas linhas de pesquisas: Educação, Cultura e Sociedade e Saberes Culturais e Educação na Amazônia.
Observa-se por meio dos dados coletados que as discussões dos estudos estão em torno de assuntos relevantes para o fortalecimento dos afrodescendentes e remanescentes quilombolas. São temáticas, como: educação, quilombo, cultura, memória, saberes, conhecimentos, resistência, construção de identidades, juventude, universidade, vivências lúdicas de crianças quilombolas e representações e desafios de estudantes quilombolas.
Na categoria saberes e vivências lúdicas de crianças quilombolas, o estudo de Peres (2018) identificou vários saberes que são vivenciados e partilhados na coletividade do brincar e das brincadeiras da infância quilombola; tais saberes lúdicos estão vinculados ao cotidiano: trabalho, hierarquia, territorialidade, cultura e religiosidade. Nesse sentido, as vivências lúdicas experimentadas pelas crianças quilombolas são essenciais para desenvolvimento, aprendizagem e fortalecimento de identidade, saberes, cultura e memórias, visto que esses sujeitos são duplamente invisibilizados: por serem crianças e quilombolas.
Na categoria educação, memória e cultura quilombola, os estudos de Silva (2016) e Oliveira (2017) estão voltados para a correlação da educação com a cultura. Observa-se que ambas as pesquisas retratam os desafios das comunidades tradicionais de manter sua cultura diante de uma educação escolar que não dialoga com os saberes vivenciados pela comunidade. Mostram a necessidade de implementação da educação quilombola na escola de maneira efetiva, que valorize os saberes locais. Essas pesquisas apontam que é necessário que os elementos marcantes da cultura local, como as manifestações culturais, as práticas cotidianas e os saberes estejam no currículo e nas práticas pedagógicas das escolas das comunidades e daquelas escolas que recebem estudantes quilombolas.
Na categoria memória, resistência e construção de identidades da juventude quilombola e desafios de estudantes quilombolas da Universidade, as pesquisas de Santos (2018) e Campos (2016) demonstram que as interações e vivências nas comunidades educativas são transferidas de geração a geração, por meio dos saberes e das práticas cotidianas que sustentam a identidade quilombola. No entanto, as transformações constituídas pelo mundo globalizado possibilitam a formação de novas identidades formadas mediante ao conjunto de novos valores, visões de mundo e de cultura.
No espaço universitário, a pesquisa de Campos (2016) demonstra a conquista do engresso no ensino superior pelos estudantes quilombolas e os desafios enfrentados para permanecer no espaço universitário, como: preconceito e/ou racismo institucional, ausência de atividades acadêmicas que representem a realidade quilombola e dificuldades em relação ao capital informacional na universidade.
A partir do estudo realizado, constata-se que é mínima a quantidade de pesquisas nos Programas de Pós-graduação em Educação nas universidades da Amazônia Brasileira sobre/com quilombolas, disponíveis no catálogo de Teses e Dissertações da Capes. Assim, a negação de direitos, oportunidades e vozes, que resulta de uma herança da opressão histórica sofrida, reflete-se diretamente nas pesquisas científicas desenvolvidas nos programas de pós-graduação de educação.
Entende-se que a produção de conhecimento científico e tradicional contribui para potencializar a cultura, as políticas públicas, os saberes ancestrais e a afirmação da identidade quilombola; nessa perspectiva, as pesquisas são essenciais para evidenciar e valorizar as identidades e as maneiras de se organizar dos quilombolas.
Ressalta-se a importância de os remanescentes quilombolas serem protagonistas do desenvolvimento científico, participando ativamente como pesquisadores e não apenas como os seres pesquisados ou objetos de estudo.
Conclui-se, destacando a necessidade de ampliar as pesquisas científicas no campo da educação, que privilegiem as várias educações, as vivências, os saberes e os conhecimentos dos quilombolas para alargar a representação desses sujeitos em todos os espaços. Também necessita-se fortalecer as epistemologias dos grupos racializados, a cultura, as memórias, a resistência, a construção de identidades, as vivências lúdicas e as práticas de educação diferenciada.
Destaca-se do mesmo modo a produção científica, no sentido de divulgar e fortalecer as políticas públicas voltadas ao acesso e à permanência na educação básica e no ensino superior, as políticas de fortalecimento da identidade, as políticas à sustentabilidade socioambiental e o direito de as comunidades permanecerem em seus territórios ancestrais.