1 Introdução
Este artigo apresenta um estudo bibliográfico sobre a presença do bullying e cyberbullying nos currículos de referência do ensino fundamental nos estados brasileiros, levando em consideração toda a base normativa1 que trata desta temática no ambiente escolar. Trata-se de uma revisão de literatura que, por limitar-se às teses e dissertações, é caracterizada como um Estado do Conhecimento, pois como apontam Romanowski e Ens (2006, p. 5, grifos das autoras): “O estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vem sendo denominado de ‘estado do conhecimento’”.
A importância dos estudos sobre o bullying e o cyberbullying no espaço escolar e, portanto, nos currículos dos sistemas de ensino, se deve à expansão dos casos, especialmente do cyberbullying, agudizados durante o período pandêmico pelo uso preferencial das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nos processos educativos, dada a necessidade de distanciamento social. Os dados apresentados por Pedrosa (2021, p. 1, grifos do autor) ratificam a ampliação do uso das TIC:
No Brasil, 41% dos usuários de internet maiores de 16 anos residem com crianças e adolescentes. Os dados são do Painel Covid-19, em levantamento realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Já os dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019 revelam que 89% da população entre 9 e 17 anos já usavam a internet antes mesmo da necessidade de isolamento social, o equivalente a mais de 24 milhões de pessoas. Com a pandemia do novo coronavírus, boa parte da vida dos pequenos migrou para o ambiente virtual, com participação desde em aulas online a videochamadas para garantir a interação social, com impacto na rotina das famílias.
Os estudos sobre os temas bullying e cyberbullying são relevantes por se tratar de fenômeno social que causa vários tipos de danos graves, como: violência física, moral, social, psicológica, períodos de ausência escolar etc. Estes últimos trazem prejuízos não só à aprendizagem, mas também às relações sociais. A vivência escolar tem variados tipos de conflitos cuja mediação é importante para que se possa aprender com eles. (MALDONADO, 2011; VENTURA, FANTE, 2013; MESQUITA, 2017).
Arroyo (2013) esclarece que o currículo deve ter espaço para diálogo, para que os estudantes e educadores tenham o direito ao conhecimento e de se conhecer, pois
[...] o próprio conhecimento ficará mais intenso e tenso. Terá maiores significados sociais para mestres, educandos, comunidades, para o avanço da produção intelectual, para nos entender como problema (ARROYO, 2013, p. 287).
Lopes Neto (2005) situa a violência como um problema de saúde pública e menciona a “violência escolar” que “[...] diz respeito a todos os comportamentos agressivos e antisociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos etc.”. (LOPES NETO, 2005, p. S165). Para o autor, muitas das situações externas são complexas, como o ambiente familiar, a comunidade onde se vive e não dependem apenas das competências das instituições de ensino. Mesmo que a agressividade nas crianças seja universal, no que tange à convivência nas escolas, as relações positivas e a aceitação pelos pares são essenciais para o desenvolvimento de sua saúde, o que possibilita também o aprimoramento das habilidades sociais e capacidade de reagir nos momentos de tensão. Também pontua ainda que tanto o bullying quanto a vitimização consistem em diferentes tipos de participação nas situações de violência no ambiente escolar, com as possíveis consequências negativas para os envolvidos como os agressores, vítimas e observadores.
Quanto aos tipos de bullying, o autor destaca e caracteriza dois (Quadro 1).
TIPOS | DIRETO | INDIRETO |
---|---|---|
Conceito | As vítimas estão presentes e são atacadas diretamente. | As vítimas estão ausentes. |
Características | Apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal-estar nos alvos. | Atitudes de indiferença, isolamento, difamação e negação aos desejos. |
Maior frequência | Meninos (sexo masculino) | Meninas (sexo feminino) |
Fonte:Lopes Neto (2005)
Nota: Tabela elaborada pelas autoras.
Zequinão et al. (2016) apresentam outras características, como o fato de a agressão física ou moral ser intencional e repetitiva, desenvolver-se em uma relação de desigualdade de poder entre pares, ou seja, os estudantes agressores e suas vítimas, haver público espectador e existir a submissão da vítima com relação à agressão.
Os autores também indicam, além do bullying direto e indireto, outras formas presentes na literatura:
Além desses, alguns outros tipos de bullying vêm sendo relatados na literatura, como a agressão sexual (CARVALHOSA; LIMA; MATOS, 2001; RUNYON et al., 2006; MCGRATH, 2007; ANTUNES et al., 2008; SANTOS, 2010; ESPELAGE et al., 2013), a extorsão, na qual os agressores exigem dinheiro ou bens através de ameaças, e o cyberbullying, que consiste na vitimização ocorrida no espaço virtual (SMITH; ANANIA- DOU; COWIE, 2003; AGATSTON, KOWALSKI; LIMBER, 2007; CHIBBARO, 2007; MCGRATH, 2007; WOLAK; MITCHELL; FINKELHOR, 2007; ANTUNES et al., 2008; SMITH et al., 2008; WONG et al., 2008; RAIMUNDO; SEIXAS, 2009; TSANG; HUI; LAW, 2011; ZEQUINÃO et al., 2016, p. 183, grifos nossos).
No Brasil, os fenômenos sociais bullying e cyberbullying são definidos e caracterizados pela Lei n.º 13.185, de 6 de novembro de 2015, que institui o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying)”, da seguinte forma:
Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.
§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
§ 2º O Programa instituído no caput poderá fundamentar as ações do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como de outros órgãos, aos quais a matéria diz respeito.
Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
ataques físicos;
insultos pessoais;
comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
ameaças por quaisquer meios;
grafites depreciativos;
expressões preconceituosas;
isolamento social consciente e premeditado;
pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying ), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. (BRASIL, 2015, p. 1).
A Lei nº 13.663/2018, que alterou o artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nos incisos IX e X, corroborou com a Lei anterior, destacando a obrigação das escolas em:
IX - Promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas.
X - Estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas. (BRASIL, 2018, p. 1).
Na análise da produção científica sobre o bullying buscou-se também problematizar a forma como a violência nas relações interpessoais é trabalhada na escola, pois muitas propostas de combate ao bullying implicam meramente na identificação e punição de agressores, sem discutirem a questão fulcral da imanência dos conflitos no relacionamento humano e da importância da construção da sociabilidade baseada em sentimentos positivos de solidariedade, empatia e segurança, além da percepção de que todos os envolvidos nas ações de bullying são afetados pelo processo.
Ao fazer a análise da abordagem do bullying nos projetos de lei no Brasil, também na produção científica, Sousa (2015) alerta para a tendência de uso “racional” com teor vitimizante e punitivo sem se preocupar com a raiz da violência nas relações humanas. Como exemplificação, a autora menciona a Cartilha “Bullying” produzida em 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como parte do Projeto Justiça nas Escolas, que conceitua o agressor e a vítima:
Os primeiros são retratados como indivíduos que procuram, através de ações egoístas e maldosas, obter status e poder; alguns apresentam a transgressão como parte da estrutura de sua personalidade; não possuem empatia, são arrogantes, manipuladores, divertem-se com o sofrimento alheio, dentre outros aspectos. Já as vítimas são caracterizadas como pessoas vulneráveis (por conta de sua situação socioeconômica, porte físico etc.), que destoam do grupo, são tímidas, introspectivas; basicamente são descritas como pessoas que não conseguem fazer frente às agressões sofridas. (SOUSA, 2015, p. 30).
Sousa (2015) observa que esses materiais apresentam uma leitura simplista dos conflitos escolares que traz como solução a identificação e punição dos agressores malvados, o que conduz à criminalização e judicialização das relações, o aumento do controle e da vigilância no ambiente escolar, com uso de catracas e revistas de bolsas e mochilas. Outro aspecto é a percepção patológica sobre os envolvidos “[...] uma vez que, na caracterização dos agressores e das vítimas, destacam especialmente aspectos de ordem psicológica, sugerindo, muitas vezes, a presença de transtornos psíquicos” (EHRENBERG, 2004; VAZ, 2010 apud SOUZA, 2015, p. 30).
Neste artigo será privilegiado o foco na produção científica brasileira acerca da temática do bullying e cyberbullying nos currículos escolares, objetivando levantar e analisar suas principais vertentes e tendências a partir de 2016, no tocante ao ensino fundamental.
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
Foram feitos levantamentos na base de indexação da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) que reúne teses e dissertações, por meio de busca Booleana, com uso do operador AND, a partir das seguintes palavras-chave: “Currículo”, “Ensino Fundamental”, “Violência”, “Bullying e Cyberbullying”. Os estudos selecionados atenderam aos seguintes critérios de inclusão:
publicação de 2016 a 2021;
presença de no mínimo duas palavras-chave;
análise dos resumos e, quando insuficientes, dos trabalhos completos;
trabalhos da área da educação.
Na busca das teses e dissertações sobre estudos sobre bullying e cyberbullying no currículo do ensino fundamental, no ensino do Brasil, foram escolhidos os trabalhos que obedeciam ao filtro do período de 2016 a 2021 seguido de grupos de palavras-chave: encontrou-se 27 trabalhos com Violência + Ensino Fundamental + Currículo, 47 trabalhos com Bullying + Ensino Fundamental e 3 trabalhos com Cyberbullying + Ensino Fundamental, totalizando 77 trabalhos para serem analisados na etapa seguinte.
Para a seleção dos trabalhos identificados utilizaram-se os critérios de exclusão:
Trabalhos realizados por pessoas não pertencentes a instituições de educação;
Segmentos que não fossem o ensino fundamental.
Restaram 39 trabalhos (5 teses e 34 dissertações), os quais foram numerados numa primeira planilha denominada “Achados”. A numeração de 1.01 a 1.39 foi utilizada em todas as demais etapas de análise.
Utilizando o mecanismo de busca de palavras nos arquivos em PDF (Portable Document Format) de todos os 39 trabalhos, foi possível verificar quais possuem, no título e no corpo do texto, as palavras: bullying, cyberbullying, currículo, violência e ensino fundamental. Esta busca permitiu verificar que os 39 trabalhos permaneceram sob análise por conterem pelo menos duas das palavras-chave em foco. Foi elaborada uma segunda tabela, com as palavras-chave e a frequência com que cada uma aparecia. Na sequência elaborou-se a tabela dos “Achados” composta por: número do documento, ano de defesa, autor, título, nível, palavras-chave do trabalho, resumo e citação do trabalho. Nessa leitura foi possível identificar os assuntos que compuseram as categorias.
Na pré-análise das teses e dissertações foi feita a leitura “flutuante” (BARDIN, 2016. p. 126) que consistiu na busca de ocorrências explicitas das palavras bullying e/ou cyberbullying, pois pode haver maneiras diferentes para tratar desse tema, como por exemplo citar o número da lei do bullying sem mencionar a palavra bullying, utilizar o significado da palavra bullying nos termos da legislação brasileira com a expressão “intimidação sistemática”, ou ainda usar a expressão “violência virtual”, entre outras que podem indicar bullying e cyberbullying de formas diferentes, ou seja, implicitamente.
Neste momento foi criada uma tabela denominada “Anotações” composta por: número dos trabalhos (o mesmo anteriormente determinado), ano de defesa, autor, título, nível, objetivo, metodologia, resultado e anotações de identificação dos assuntos de cada texto desses trabalhos.
A partir da seleção dos trabalhos que forneceram as informações necessárias à pesquisa sobre o problema em questão, formou-se o corpus (conjunto de documentos) que segundo Bardin (2016) deve ser submetido às seguintes regras: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. A preparação do material obedece a várias etapas e regras para que seja realizada a análise de conteúdo, sendo “[...] um conjunto de técnicas de análises das comunicações” (BARDIN, 2016, p. 37, grifos da autora).
Após analisar as tabelas “Achados” e “Anotações” produziram-se as tabelas “Précategorizadas 1 e 2”. Nessa etapa foi possível pré-categorizar os trabalhos por meio da leitura e interpretação dos objetivos, metodologias, resultados apresentados nos trabalhos e da frequência das palavras-chaves. Para permitir a visualização da tabela, nesta formatação, foi necessário utilizar letras para identificação das palavras-chave de pesquisa e do nível dos trabalhos. Acrescentou-se, nas Tabelas 2, 3 e 4, a frequência das palavras no corpus, para verificação das mesmas no título e nas palavras-chave dos trabalhos:
INDEXADORES | BDTD | |
---|---|---|
IDENTIFICADAS | SELECIONADAS | |
Violência + Ensino Fundamental | 180 | 16 |
Violência + Ensino Fundamental + Currículo | 27 | 5 |
Bullying + Ensino Fundamental | 47 | 8 |
Cyberbullying + Ensino Fundamental | 3 | 1 |
Fonte: Elaborada pelas autoras utilizando dados obtidos na BDTD (2021).
TESES E DISSERTAÇÕES | FREQUÊNCIA DE PALAVRAS | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Nº | ANO | AUTOR | TÍTULO | NÍVEL | PALAVRASCHAVE | BU | CY | CR | VI | EF |
1.01 |
2017 |
MONTEIRO, Michelle Popenga Geraim |
O Bullying segundo a percepção de estudantes do 5º ano do ensino fundamental |
D |
Vitimização Entre Pares, Violência Escolar, Desenvolvimento Humano. |
493 |
2 |
0 |
201 |
21 |
1.03 |
2020 |
FERREIRA, Júlia Neve |
A percepção de elementos constituintes do bullying a partir de situações de intimidação na escola |
D |
Violência Escolar. Bullying. Intimidação. Ensino Fundamental II. |
278 |
34 |
3 |
239 |
12 |
1.05 |
2019 |
BITTEN- COURT, Ana Cristina |
Bullying e a autocontinuidade de adolescentes |
D |
Bullying. Autocontinuidade. Adolescente. Agressão. Vitimização. |
146 |
4 |
2 |
19 |
9 |
1.06 | 2018 | SILVA, Alex Almeida da | As interfaces entre a superdotação e o bullying no contexto escolar | D | Bullying. Altas Habilidades. Mitos da Superdotação | 293 | 1 | 0 | 18 | 5 |
1.07 |
2016 |
BÉRGAMO, Letícia Nagel |
Vitimização entre pares e práticas docentes no ensino fundamental |
D |
Vitimização Entre Pares; Desempenho Acadêmico; Práticas Docentes |
234 |
5 |
3 |
39 |
26 |
1.09 |
2019 |
OLIVEIRA, Priscila da Silva |
Significações constituídas por professoras e alunos do ensino fundamental sobre o racismo na escola |
D |
Relações Étnico -Raciais. Psicologia Sócio-Histórica. Práticas Racistas. |
43 |
0 |
24 |
13 |
24 |
1.11 |
2018 |
ANISZEWS- KI, Ellen |
O desinteresse discente pelas aulas de educação física no ensino fundamental: análise sob a perspectiva das necessidades psicológicas básicas |
D |
Motivação, Educação Física Escolar, Necessidades Psicológicas Básicas. |
8 |
0 |
6 |
1 |
44 |
1.12 |
2018 |
COLOMBO, Terezinha Ferreira Da Silva |
A convivência na escola a partir da perspectiva de alunos e professores: investigando o clima e sua relação com o desempenho escolar em uma instituição de Ensino Fundamental II e Médio |
T |
Avaliação do Clima Escolar. Relações Interpessoais na Escola. Conflitos na Escola. Desempenho Escolar. Ensinos Fundamental II e Médio. |
83 |
2 |
5 |
79 |
90 |
1.13 |
2018 |
SOUSA, Mirtes Aparecida Almeida. |
A diversidade na escola: concepções e práticas docentes. |
D |
Diversidade. Diferença. Concepções Docentes. Ensino Fundamental |
5 |
0 |
84 |
7 |
33 |
1.14 |
2017 |
LIMA, Carla Mariana Saad De | Enfrentando e prevenindo a violência escolar: desenvolvimento e avaliação de uma intervenção com professores. |
D |
Vitimização Entre Pares; Bullying, Formação de Professores; Intervenção. |
266 |
4 |
3 |
110 |
22 |
1.15 |
2020 |
NOGUEIRA, Cristiane Andréa |
Um estudo acerca dos saberes e fazeres pedagógicos dos professores diante de situações geradoras de violência |
D |
Violência. Violência Escolar. Saberes e Fazeres Pedagógicos. |
39 |
0 |
2 |
687 |
14 |
1.16 |
2018 |
CONTER, Clarice Da Silva |
A prática das assembleias de classe em uma escola da rede marista e sua relevância na concepção da educação integral |
D |
Assembleia de Classe, Educação Integral, Resolução de Conflitos, Educação Democrática, Clima Organizacional. |
33 |
0 |
15 |
8 |
18 |
1.18 |
2020 |
SCHORN, Gabriella Thais |
Competências digitais para o ensino fundamental: foco no aluno dos anos iniciais |
D |
Competências na Educação; Tecnologias Digitais na Educação; Competências Digitais; Competências Digitais para o Aluno; Estratégias Pedagógicas para os Anos Iniciais. |
33 |
28 |
11 |
0 |
37 |
1.24 |
2017 |
MACHADO, Sandra Maria |
Ditos, não ditos, juventudes, violências, indisciplinas: tentáculos do capitalismo estético? Racismos invisíveis? |
T |
Juventudes. Escolas. Violência. Disciplina Escolar. Capitalismo. |
7 |
0 |
54 |
120 |
21 |
Fonte: Elaborada pelas autoras utilizando dados obtidos na BDTD (2021).
COMPONENTE CURRICULAR: BULLYING e VIOLÊNCIA | FREQUÊNCIA | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Nº | ANO | AUTOR | TÍTULO | NÍVEL | PALAVRAS-CHAVE | BU | CY | CR | VI | EF |
1.02 |
2016 |
OLIVEIRA, Re- nata de Abreu e Silva |
A Leitura do gênero charge e o combate ao bullying em uma turma do 9º Ano do Ensino Fundamental |
D |
Gênero Textuais/ Discursivos. Leitura. Charge. Violência. Bullying. |
318 |
18 |
2 |
95 |
130 |
1.04 |
2019 |
GABRIEL, Gilci- mara Juliana |
Ensino de Arte e prevenção da violência em ambiente escolar |
D |
Prevenção de Violência; Bullying; Educação; Arte; Ensino Fundamental. |
222 |
4 |
12 |
242 |
34 |
1.08 |
2018 |
OLIVEIRA, Mona Gizelle Dreger de |
Comportamento violento, bullying e atividade física em adolescentes |
D |
Educação Física Atividade Física Violência Violência na Escola Adolescentes Bullying |
178 |
0 |
0 |
47 |
12 |
1.10 |
2020 |
MEDEIROS, Lívia Cristina Cortez Lula de |
Do mundo da literatura à formação do leitor: A contribuição da leitura de contos para se discutir o bullying na sala de aula |
T |
Literatura Mediação Pedagógica Bullying |
824 |
8 |
1 |
335 |
15 |
1.17 |
2020 |
ALBANO, San- dra Aparecida dos Santos Magatti |
Formação literária: uma experiência prototípica multiletrada |
D |
Leitura Multiletramentos Letramento Literário |
3 |
0 |
6 |
1 |
13 |
1.19 |
2017 |
BUENO, Rita Cassia Pereira |
A história da criação do Papo Jovem: um Projeto de Educação Sexual Integrado ao currículo de uma escola de Ensino Fundamental e Médio |
D |
Sexualidade, Educação Sexual, Adolescência, Intervenção Escolar. |
1 |
0 |
16 |
10 |
21 |
1.20 |
2016 |
MELLO, Tiago Lepre |
A origem da violência nas aulas de Educação Física a prática pedagógica do professor |
D |
Violência Escolar; Educação Física; Prática Pedagógica |
93 |
3 |
10 |
831 |
14 |
1.27 |
2018 |
SILVEIRA, Bru- no Xavier |
Da Bonja pro mundo: o território vivido como potência identitária no ensino de Geografia |
D |
Território Vivido. Identidade Racial. Ensino de Geografia. Bairro Bom Jesus. |
1 |
0 |
62 |
53 |
5 |
1.29 |
2016 |
PAULO, Adria- no Ferreira de |
Religiões de Matriz Africana e Renovação Carismática Católica: tensões na aplicação da Lei 10.639/03 no ensino de História em escolas públicas do Grande Bom Jardim |
D |
Ensino de História; Religiões de Matriz Africana; Educação. |
0 |
0 |
11 |
20 |
10 |
1.31 | 2019 | SILVA, Elenice Israel da | Leitura Literária E Produção De Texto No Ambiente Da Biblioteca Escolar | D | Gêneros Literários. Biblioteca. Leitura. Escrita. Produção de Textos. | 1 | 0 | 3 | 17 | 21 |
1.33 |
2017 |
JACOB, Hema- nuelle Di Lara Siqueira |
Ensino e identidades: um estudo sobre as mulheres negras na escola |
D |
Identidade Relações Étnico-Raciais Gênero Educação Física. |
0 |
0 |
90 |
22 |
6 |
Fonte: Elaborada pelas autoras utilizando dados obtidos na BDTD (2021)
Com o resultado da formação das categorias, foi importante fazer interpretação por meio da inferência - “[...] indução, a partir dos fatos” (BARDIN, 2016, p. 168) - que permitiu compreender como o bullying e o cyberbullying são tratados nas teses e dissertações, quando são contemplados. Possibilitou, também, inferências gerais sobre a interpretação de toda a análise realizada acerca das teses e dissertações que contemplam bullying e cyberbullying implícita ou explicitamente e das que não o fazem podendo assim responder as indagações e objetivos da pesquisa, o que seria “[...] realizar uma análise de conteúdo sobre a análise de conteúdo”. (BARDIN, 2016, p. 169).
3 BULLYING e CYBERBULLYING NAS TESES E DISSERTAÇÕES
Em outubro de 2021 foram encontrados os seguintes resultados com os grupos de palavras-chave especificados na Tabela 1:
Frequência de palavras: Bullying (BU) - Cyberbullying (CY) - Currículo (CR)-Violência (VI) - Ensino Fundamental (EF).
Nível: Dissertação (D) - Tese (T).
Essas tabelas foram indispensáveis para a análise dos indicadores de frequência, não apenas pela repetição das palavras-chave de pesquisa no corpo, no título ou ainda nas palavras-chave dos trabalhos analisados, mas pela composição do conteúdo do trabalho verificado na leitura dos resumos e quando necessário do trabalho completo. De acordo com Bardin (2016, p. 148) “Classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com os outro”.
Chegou-se às categorias:
Categoria 1 formada por: Violência + Vitimização (bullying, cyberbullying, conflito e relações na escola).
Categoria 2 formada por: Leitura + Componente Curricular (bullying, cyberbullying, violência, Ensino Fundamental).
Os critérios de exclusão destes documentos foram:
Não estar relacionado com bullying ou cyberbullying;
A investigação da pesquisa não ocorrer no Ensino Fundamental nem em programas de pós-graduação na área da educação.
Após todo esse processo, foram selecionados os oito (8) trabalhos apresentados no Quadro 2, que tratam de ações concretas de combate ao bullying e cyberbullying na prática pedagógica dos professores obedecendo à Lei nº 13.185/2015.
Nº | ANO | AUTOR | TÍTULO | NÍVEL/INSTITUIÇÃO |
---|---|---|---|---|
1.01 | 2017 | MONTEIRO, Michelle Popenga Geraim | O bullying segundo a percepção de estudantes do 5º Ano do Ensino Fundamental | Dissertação/ Universidade Federal do Paraná |
1.03 | 2020 | FERREIRA, Júlia Neve |
A percepção de elementos constituintes do bullying a partir de situações de intimidação na escola | Dissertação/ Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” |
1.05 | 2019 | BITTENCOURT, Ana Cristina |
Bullying e a autocontinuidade de adolescentes | Dissertação / Universidade Federal do Paraná |
1.06 | 2018 | SILVA, Alex Almeida da | As interfaces entre a superdotação e o bullying no contexto escolar | Dissertação/ Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” |
1.07 | 2016 | BÉRGAMO, Letícia Nagel |
Vitimização entre pares e práticas docentes no Ensino Fundamental | Dissertação/ Universidade Federal do Paraná |
1.08 | 2018 | OLIVEIRA, Mona Gizelle Dreger de |
Comportamento violento, bullying e atividade física em adolescentes |
Dissertação Universidade Federal de Sergipe |
1.09 | 2019 | OLIVEIRA, Priscila da Silva | Significações constituídas por professoras e alunos do Ensino Fundamental sobre o racismo na escola | Dissertação/ Universidade Federal do Paraná |
1.10 | 2020 | MEDEIROS, Lívia Cristina Cortez Lula de | Do mundo da literatura à formação do leitor: a contribuição da leitura de contos para se discutir o bullying na sala de aula | Tese/Universidade Federal do Rio Grande do Norte |
1.11 |
2018 |
ANISZEWSKI, Ellen |
O desinteresse discente pelas aulas de Educação Física no Ensino Fundamental: análise sob a perspectiva das necessidades psicológicas básicas | Dissertação/ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro |
1.12 |
2018 |
COLOMBO, Terezinha Ferreira Da Silva |
A convivência na escola a partir da perspectiva de alunos e professores: investigando o clima e sua relação com o desempenho escolar em uma instituição de Ensino Fundamental II e Médio |
Tese/Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” |
1.13 | 2018 | SOUSA, Mirtes Aparecida Almeida. | A diversidade na escola: concepções e práticas docentes. | Dissertação/ Universidade Federal de Campina Grande |
1.14 | 2017 | LIMA, Carla Mariana Saad De | Enfrentando e prevenindo a violência escolar: desenvolvimento e avaliação de uma intervenção com professores. | Dissertação/ Universidade Federal do Paraná |
1.15 | 2020 | NOGUEIRA, Cristiane Andréa | Um estudo acerca dos saberes e fazeres pedagógicos dos professores diante de situações geradoras de violência | Dissertação/ Universidade Católica de Minas Gerais |
1.16 | 2018 | CONTER, Clarice Da Silva | A prática das assembleias de classe em uma escola da rede marista e sua relevância na concepção da educação integral | Dissertação/ Universidade Católica de Minas Gerais |
1.18 | 2020 | SCHORN, Gabriella Thais | Competências digitais para o Ensino Fundamental: foco no aluno dos anos iniciais | Dissertação/ a Universidade Federal do Rio Grande do Sul |
1.20 | 2016 | MELLO, Tiago Lepre | A origem da violência nas aulas de Educação Física: a prática pedagógica do professor | Dissertação/ Universidade Federal de São Carlos |
1.24 | 2017 | MACHADO, Sandra Maria | Ditos, não ditos, juventudes, violências, indisciplinas: tentáculos do capitalismo estético? Racismos invisíveis? | Tese/Universidade Federal do Espírito Santo |
1.35 | 2018 | NASCIMENTO Junior, Raimundo Nonato |
Educação e diversidade étnico racial | Dissertação/ Pontifícia Universidade Católica de Goiás |
Fonte: Elaborado pelas autoras utilizando dados obtidos na BDTD (2021).
Nº | ANO | AUTOR | TÍTULO | NÍVEL/INSTITUIÇÃO |
---|---|---|---|---|
1.02 | 2016 | OLIVEIRA, Renata de Abreu e Silva |
A leitura do gênero charge e o combate ao bullying em uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental | Dissertação/Universidade Federal De Minas Gerais |
1.04 | 2019 | GABRIEL, Gilci- mara Juliana |
Ensino de Arte e prevenção da violência em ambiente escolar | Dissertação/Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” |
1.17 | 2020 | ALBANO, Sandra Aparecida dos Santos Magatti | Formação Literária: uma experiência prototípica multiletrada | Dissertação/ Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” |
1.19 |
2017 |
BUENO, Rita Cassia Pereira | A história da criação do Papo Jovem: um projeto de Educação Sexual integrado ao currículo de uma escola de Ensino Fundamental e Médio | Dissertação/Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” |
1.27 | 2018 | SILVEIRA, Bruno Xavier |
Da Bonja pro mundo: o território vivido como potência identitária no ensino de Geografia | Dissertação/Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita Filho” |
1.29 |
2016 |
PAULO, Adriano Ferreira de |
Religiões de matriz africana e renovação carismática católica: tensões na aplicação da Lei 10.639/03 no ensino de história em escolas públicas do grande Bom Jardim |
Dissertação/Universidade Federal Do Ceará |
1.31 | 2019 | SILVA, Elenice Israel da | Leitura literária e produção de texto no ambiente da biblioteca escolar | Dissertação/Universidade Federal Do Triângulo Mineiro |
1.33 | 2017 | JACOB, Hema- nuelle Di Lara Siqueira |
Ensino e identidades: um estudo sobre as mulheres negras na escola | Dissertação /Universidade Federal de Goiás |
Fonte: Elaborado pelas autoras utilizando dados obtidos na BDTD (2021).
A Tabela 1 mostra um resumo de quantos trabalhos foram identificados e selecionados após as leituras em busca do tratamento de bullying e cyberbullying nas pesquisas científicas sobre ensino fundamental, na área da educação. Ao selecionar esses trabalhos é interessante mostrar a frequência com que essas palavras-chave aparecem, pois isso revela o foco de investigação de cada tese e dissertação.
Os quatorze (14) trabalhos selecionados e apresentados na Tabela 2 mostram o foco da pesquisa através de título, palavras-chave dos trabalhos e frequência dessas palavras no corpo dos textos, o que confirma a presença da violência, da vitimização e do bullying em ambiente escolar no ensino fundamental.
Na Tabela 3 apresenta-se a frequência das palavras-chave com foco nos componentes curriculares que apresentam bullying, cyberbullying e violência.
É possível observar na Tabela 3 os títulos das teses e dissertações, as palavras-chave dos trabalhos e frequência dessas palavras que identificam ações sobre os assuntos, bullying, cyberbullying e violência nos componentes curriculares. As teses e dissertações que compõem as categorias como a identificação da presença de violência, bullying e cyberbullying no ensino fundamental da educação brasileira e a identificação de ações em relação ao bullying, cyberbullying e violência nos componentes curriculares do ensino fundamental fazem parte da análise de cada tese e dissertação.
3.1 Análise das categorias
Na educação básica brasileira o ensino fundamental tem nove anos, ou seja, a previsão é que a criança inicie aos seis anos de idade o primeiro ano do ensino fundamental e termine aos 14 anos esta etapa de escolarização. Nesses nove anos na escola com todos os desafios a serem enfrentados, tanto acadêmicos quanto de sociabilização, pessoais e transições entre as fases da vida como infância, pré-adolescência e adolescência, os conflitos fazem parte do espaço escolar.
Alves (2019) considera que o conflito tem sua importância, na medida em que evitá-lo impede as discussões necessárias sobre as relações de poder, desigualdades e exclusões que podem permanecer na escola. Discutir sobre os conflitos para encontrar uma forma de aprender a lidar com as situações e relações escolares faz parte do crescimento dos sujeitos envolvidos. As mediações são desenvolvidas em face de cada situação de conflito.
O fenômeno social bullying envolve vários tipos de violência, de acordo com a Lei nº 13.185/2015 em vigor desde fevereiro de 2016. Ela “Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em todo território brasileiro e foi reforçada pela Lei nº 13.663/2018 que entrou em vigor dia 15 de maio de 2018 e altera o artigo 12 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir a promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a promoção da cultura de paz entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino.
Diante deste cenário, segundo Mesquita (2017, p. 15):
[...] o programa instituído por lei possui nove objetivos - claramente elencados no art. 4º, incisos I a IX. As escolas e clubes não possuem a faculdade de cumprir algumas exigências e descartar outras, visto que se trata de medida de segurança dos alunos, professores e associados à implementação do programa.
Destaca-se a segurança dos alunos, professores e associados para que seja cumprido o combate à violência com ações que devem fazer parte do cotidiano da escola, visto que o programa não é desenvolvido apenas em uma data marcada e sim continuamente como prevenção, mediação e combate à violência.
Com o resultado da formação das categorias é possível a interpretação por meio do contexto e da inferência (BARDIN, 2016).
A Categoria 1 - formada por: Violência + Vitimização (bullying, cyberbullying, conflito e relações na escola), trata da investigação sobre a existência de violências tipificadas como bullying no âmbito escolar.
Leram-se os resumos e, quando estes foram insuficientes, o trabalho completo. Serão apresentados a seguir os focos de pesquisa desses documentos.
As investigações de Bérgamo (2016), Monteiro (2017) e Medeiros (2020) tiveram o foco nos estudantes do 5º ano, evidenciando que, dentre os estudantes do ensino fundamental, os do 5º ano são os que mais se envolvem com bullying. Constatou-se também que o bullying em relação ao gênero é forma de violência; e por fim, para identificar o bullying na sala, utilizaram textos literários para promover a reflexão sobre atitudes dos personagens com a realidade do ambiente escolar.
Ferreira (2020) apresentou a opinião dos estudantes do 7º ao 9º ano sobre bullying no ambiente escolar e constatou a gravidade das consequências negativas e a necessidade da formação dos docentes para valorizar a convivência ética no ambiente escolar. Na pesquisa de Conter (2018), no 7º ano, a escola utilizou a prática de assembleia com os estudantes com a intenção de autorregulação do grupo não para resolver problemas imediatos e sim para o exercício da empatia, formação integral e ética do aluno, para cultivar saber ouvir o outro. Do 7º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do ensino médio constatou-se, segundo Bittencourt (2019), que há uma descontinuidade dos comportamentos de agressão e vitimização entre os adolescentes em relação ao bullying.
Oliveira (2018) relacionou a atividade física com o comportamento violento (bullying) e associou a probabilidade de quem sofreu bullying cometer bullying. Nas aulas de Educação Física, Aniszewski (2018) constatou que um dos motivos de faltas nessas aulas é o bullying. Também há constatação de violência, inclusive bullying, nas aulas de Educação Física, segundo Mello (2016), devido a práticas silenciosas e autoritárias desenvolvidas pelo professor que fomentam tais violências.
Entre as estratégias e práticas pedagógicas para a identificação do bullying,Colombo (2018) entende que apesar da existência de bullying e cyberbullying no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, o programa anti-bullying e anti-cyberbullying mostra uma percepção entre positiva e intermediária. Já as práticas pedagógicas das docentes na pesquisa de Souza (2018) apresentaram-se celebratórias, ou seja, ao invés de discutir a situação do conflito de diferenças culturais e diversidades que levam ao bullying, apenas apaziguam. Ou, de acordo com Machado (2017), as medidas tomadas nos casos das ações consideradas violência e indisciplina, inclusive bullying, nas fichas individuais dos estudantes, apontam a existência de uma banalização e/ou supervalorização das ações. Outra estratégia, descrita por Lima (2017) após a constatação da presença de bullying entre os estudantes, foi a realização de um curso de 6 horas para professores sobre o enfrentamento e a prevenção de bullying que, colocado em prática, reduziu a vitimização entre os estudantes do Ensino Fundamental I.
Nascimento (2018) realizou um estudo sobre as produções acadêmicas que tratavam da diversidade étnico-racial expressa no cotidiano escolar que envolve bullying, suas variações e a importância da formação dos professores e das crianças no combate ao racismo e a toda forma de discriminação e preconceito na escola. Diferentemente na escola onde Oliveira (2019) pesquisou, o conceito de racismo reduziu-se ao conceito bullying e houve a necessidade de discutir sobre as parcerias entre a gestão escolar e professores para o combate ao racismo.
Mediante a análise de alguns casos de superdotação e bullying, na pesquisa de Silva (2018) mostrou-se que não há nenhuma relação, ou seja, o superdotado pode ser agressor, vítima ou vítima passiva. Nogueira (2020) observa que os professores já vivenciaram ao menos uma vez uma situação de violência no cotidiano escolar e que se consideram apenas vítimas das violências que envolvem o bullying e a comunicação violenta. Schorn (2020) constata em sua pesquisa que, apesar de os estudantes estarem imersos nas redes sociais, eles não possuem competências digitais para evitar situações de cyberbullying e fake news, entre outras típicas da comunicação em rede.
Nas teses e dissertações indicadas no Quadro 1, os pesquisadores investigaram os tipos de violências, inclusive as classificadas como bullying, e a presença ou não de bullying e cyberbullying no âmbito escolar. Todas apresentaram as palavras bullying, violência e Ensino Fundamental no texto completo de cada trabalho. São duas (2) teses e 16 dissertações, totalizando 18 trabalhos da Categoria 1, dos quais 10 apresentam a palavra cyberbullying.
O Quadro 2 - Categoria 2: Leitura + Componente curricular (contempla Bullying, Cyberbullying, Violência - Ensino Fundamental) reflete o trabalho dos professores dos componentes curriculares em sala de aula tratando do assunto de violência, inclusive com resultados de trabalhos desenvolvidos nas aulas nos componentes curriculares.
O Quadro 2 traz a Categoria 2 (Leitura + Componente Curricular que contempla o Bullying, o Cyberbullying e a Violência no Ensino Fundamental). Cada dissertação apresenta ações praticadas em componentes curriculares específicos. Será apresentada a seguir a síntese de cada trabalho,’ com foco nos objetivos referentes a bullying, cyberbullying e violências relacionadas aos mesmos.
Oliveira (2016) realiza uma investigação sobre “A leitura do gênero charge, o combate ao bullying e ao cyberbullying em uma turma de 9º ano do ensino fundamental”. Essa dissertação parte da dificuldade dos alunos em ler os diversos tipos de gêneros, como, por exemplo, charge. Dentre os vários objetivos o trabalho pretende contribuir para uma reflexão sobre a violência, por meio de oficinas de leitura e de produção textual. Os principais resultados obtidos, sob os aspectos sócio-histórico, com os alunos, foram o desenvolvimento de algumas capacidades para melhor ler o gênero charge e a contribuição para o desenvolvimento de um senso crítico importante para o combate à violência no ambiente escolar. Esse trabalho mostrou a possibilidade de trabalhar questões sociais como o bullying e o cyberbullying dentro do currículo de Língua Portuguesa.
Também em Língua Portuguesa, Albano (2020) constatou a dificuldade em leitura, principalmente em leitura literária e, apoiado na linha teórico-metodológica dos estudos bakhtinianos, realizou pesquisa-ação que corroborou com a premissa de repensar o trabalho com a literatura no ensino fundamental. Os resultados da pesquisa demonstraram que os alunos se identificaram com discursos de bullying, racismo, misoginia etc. pois a cada atividade feita notava-se uma crescente capacidade de análise do contexto em seus discursos; adicionalmente, demonstra-se que trabalhar o letramento literário por meio do conto é uma maneira, entre outras, de fomentar e auxiliar a formação de leitores que entendam e apreciem o que leem, capazes de ler além do texto, fazer inferências, interpretar o contexto e apreender os sentidos por ele vinculados.
Além de Albano e Oliveira, Silva (2019) traz em sua pesquisa o questionamento sobre a biblioteca escolar já que é inevitável a escolarização da literatura, como fazer para que não seja utilizada apenas com o objetivo de cumprir currículos pedagógicos, mas sim promover ganhos na formação do aluno? Tem como metodologia a pesquisa-ação para atingir o objetivo: apresentar e discutir o desenvolvimento de um caderno de atividades de intervenção com práticas de leitura, interpretação e produção de texto a partir da abordagem de gêneros literários no ambiente da biblioteca escolar. A equipe dirigente e pedagógica da escola encaminhou à biblioteca uma servidora em desvio de função. Com isso, esse espaço estava sempre disponível para aqueles que desejavam pegar livros por empréstimo ou fazer pesquisas. Essa indicação resolveu um dos maiores problemas da biblioteca, que era a falta de acesso dos alunos ao acervo. Com as atividades propostas, foi possível levá-los a refletir sobre a necessidade da leitura e perceber que ler e produzir textos são caminhos fundamentais para diminuir as demais dificuldades que geralmente advém da hipossuficiência ao ler e compreender textos, além de perceber as relações entre a ficção presente no texto literário e os obstáculos comuns na vida real, como tribulações financeiras, no amor, familiares, prioridades e escolhas que precisam ser feitas, bullying, preconceito, julgamento e até brigas de torcida de time de futebol.
Partindo de uma abordagem comportamental, Gabriel (2019) objetivou elaborar, aplicar e avaliar um conjunto de atividades na disciplina de Arte, no Ensino Fundamental I, voltado para a prevenção de violência escolar e bullying. A pesquisa é um estudo quase experimental, descritivo e interventivo. Os procedimentos envolveram o levantamento de informações sobre a conduta dos alunos, com a utilização dos registros do livro de ocorrências da escola e elaboração das atividades de um programa de ensino. Estas atividades foram planejadas para atender às características dos comportamentos levantados no livro de ocorrências. Os resultados mostraram que o procedimento aplicado foi efetivo, pois os alunos apresentaram altas porcentagens de acertos sobre os conhecimentos trabalhados e passaram a reconhecer as situações de violência com características de bullying. Considera-se que este estudo tenha trazido subsídios para o trabalho de prevenção da violência, especialmente o bullying e, consequentemente, o cyberbullying entre crianças do Ensino Fundamental I.
Bueno (2017) relata sua própria história de bullying quando foi mãe na adolescência, as consequências, as orientações e a importância da formação em Educação Sexual. A problemática de sua pesquisa é sobre “o como” e se “tem possibilidade” de professores e ou educadores desenvolverem projetos de Educação Sexual e integrá-los ao currículo escolar e ao Projeto Político Pedagógico. A autora desenvolveu um projeto chamado Papo Jovem em uma escola de ensino da rede privada do Estado de São Paulo e teve como objetivo geral mostrar como ocorreu a institucionalização da Educação Sexual nesta escola. A metodologia de aplicabilidade do projeto Papo Jovem no colégio provém da natureza da pesquisa-ação, valendo-se do método histórico-analítico para investigar a trajetória desse projeto que contribuiu para o empoderamento sexual entre os adolescentes, permitindo que se sentissem mais seguros sobre suas atitudes, decisões e questionamentos perante visões contrárias aos direitos das mulheres e adolescentes e violência, visto que as adolescentes mães sofrem preconceito, bullying e muitas vezes ocorre o abandono escolar.
Os estudos de Paulo (2016), Jacob (2017) e Silveira (2018) tratam do preconceito e da discriminação por cor. Silveira (2018) tem como objetivo geral compreender como o protagonismo dos educandos pode instaurar práticas no ensino de Geografia que possibilitem o processo de tornar-se negro. Nas entrevistas com estudantes brancos é relatada a facilidade de ser branco por não enfrentar o bullying pela cor, diferentemente dos negros, mas enfrentá-lo por morar no bairro onde ocorre a pesquisa em questão. Movido pela pesquisa-ação, o pesquisador problematiza o modo como o racismo se manifesta territorial e corporalmente nos sujeitos, afetando identidades, sobretudo as dos estudantes negros, tendo em vista a herança colonial de violência e pobreza. As territorialidades dos estudantes e saberes sobre o bairro foram desveladas e refletidas na escola. Sendo assim, utiliza o currículo de Geografia sobre territorialidades dos estudantes para trabalhar as violências e o bullying com alunos do 3º ciclo do Ensino Fundamental, com idade média a partir de 12 anos, ou seja, do 7º ao 9º ano. Este estudo impacta nas práticas do ensino dessa disciplina mediante a produção dos saberes sobre o racismo.
Na pesquisa de Paulo (2016) a discriminação, a violência religiosa e a violência simbólica que ocorrem na escola são caracterizadas como bullying, apesar do termo não ser mencionado no texto da dissertação. Foram investigados os documentos da Renovação Carismática Católica sobre as religiões de matriz africana e as consequentes tensões geradas na aplicação da Lei 10.639/03, no ensino de História, em escolas públicas do Grande Bom Jardim. Utilizou-se a metodologia norteada pela pesquisa Etnográfica. Verificou-se que esta violência é latente: os alunos não pertencentes a algum segmento da religião cristã (católico ou evangélico) enfrentavam situações preconceituosas ao ousarem dizer o nome de sua profissão de fé abertamente. Os resultados obtidos mostram que ações de violência religiosa entre alunos e professores foram encontrados e apontados como alarmantes e que a Renovação Carismática Católica se apresenta como mais um segmento religioso que marginaliza as religiões de matriz africana, difundindo em seus grupos e comunidades religiosas preconceitos sobre estas crenças. O debate e a desmistificação do tema, tendo como auxílio na educação o ensino de História, relacionando aspectos religiosos e sociais, seus ganhos e perdas para a formação do Brasil, trará contribuições para a educação com maiores significações multiculturais.
Jacob (2017) traz um estudo de caso de caráter exploratório com metodologia principal de grupos focais com estudantes e trabalhadoras de uma escola municipal de Goiânia. Questiona sobre as identidades das mulheres negras presentes no cotidiano escolar, a distinção entre a percepção de estudantes, trabalhadoras docentes e técnicas e se o currículo ensinado na escola influencia na construção dessas identidades. O objetivo principal desta pesquisa foi elaborar uma sequência didática para a disciplina de Educação Física com o tema “Mulher Negra no Futebol”, voltada para a formação humana e o combate aos diversos tipos de violência e preconceitos praticados contra a população negra, em específico as mulheres negras. Foi identificado inicialmente que há ainda uma barreira invisível que estigmatiza e exclui as mulheres negras no mercado de trabalho e em outros aspectos da vida. A conclusão foi que as identidades são construídas nos processos sociais e culturais a partir das experiências de vida e do seu lugar de fala por exemplo, das classes sociais, das experiências sexuais, das relações de gênero e das relações étnico-raciais, nas relações de trabalho, enfim, da sua existência no mundo. A pesquisadora usa a disciplina de Educação Física para trabalhar as violências e preconceitos que caracterizam também o bullying sem citar a palavra diretamente.
Esta categoria de pesquisa revela que dentro do conteúdo e tempo dos componentes curriculares desenvolveram-se pesquisas que não se limitaram em apenas a descobrir algum tipo de violência. Trabalharam, por momentos de leituras de variados gêneros, reflexões, o conceito, a diagnose e possíveis intervenções. Ao analisar cada trabalho foi possível constatar a dificuldade da realização das pesquisas nas escolas, por fatores como indisciplina e tempo disponível dos envolvidos. Porém, as pesquisas trouxeram informações sobre como o bullying é tratado. Nota-se igualmente que nem sempre há a escrita da palavra bullying no estudo de fenômenos que podem ser caracterizados como tal.
Das 8 dissertações do Quadro 2, 7 possuem a presença da palavra bullying e 2 as palavras cyberbullying. As palavras violência e Ensino Fundamental estão presentes em todas as dissertações. Há combate ao bullying e ao cyberbullying, nos componentes curriculares.
4 considerações finais
A decisão de realizar o Estado do Conhecimento sobre bullying e cyberbullying em âmbito escolar no ensino fundamental do sistema educacional brasileiro a partir de 2016 está relacionada a uma das fases da pesquisa para uma dissertação de mestrado sobre esse assunto.
A iniciativa desta revisão bibliográfica mostrou-se importante para analisar as vertentes dos estudos acadêmicos sobre essas violências nas escolas brasileiras.
Observou-se se o bullying e o cyberbullying estão presentes nos currículos do ensino fundamental e constatou-se que há uma gama de teses e dissertações produzidas no Brasil, segundo a BDTD, considerando os recortes, limitações e critérios para identificá-las.
O fenômeno social bullying, que abrange as violências citadas na Lei nº 13.185/2015 e cuja denominação é “intimidação sistemática”, foi pouco identificado nas pesquisas, embora observe-se uma ampliação de estudos sobre o tema nos cursos de pós-graduação Stricto Sensu.
Segundo Tokarnia, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) desenvolvida em 2019, antes da pandemia, já se apontava que:
Aproximadamente um em cada dez adolescentes (13,2%) já se sentiu ameaçado, ofendido e humilhado em redes sociais ou aplicativos. Consideradas apenas as meninas, esse percentual é ainda maior, 16,2%. Entre os meninos é 10,2%. [...] A partir de 2020, com a suspensão das aulas presenciais, o uso das redes sociais, até mesmo como ferramenta de estudos, foi intensificado. (TORKANIA, 2021, p.1)
Ou seja, quantos milhões de adolescentes já sofriam cyberbullying antes da pandemia e, atualmente, com o aumento da utilização das redes sociais, quantos passaram a sofrer, inclusive para estudar? Qual será a estimativa deste aumento, não somente para adolescentes, como também para crianças que passaram a utilizar ainda mais as redes sociais?
Os objetivos da pesquisa foram alcançados segundo as informações das análises realizadas no conteúdo dos trabalhos. Dos 39 trabalhos analisados, oito referem-se Categoria 2 e apresentam estudos sobre os temas bullying, cyberbullying e as violências relacionadas, nos componentes curriculares de Arte, Educação Física, Geografia, História, Ciências e Língua Portuguesa.
Dos oito trabalhos da Categoria 2, três utilizaram a literatura nas aulas de Língua Portuguesa para leitura, interpretação, produção de textos e reflexão sobre as atitudes dos personagens possibilitando a identificação do bullying e outras violências.
Apenas um trabalho na disciplina de Arte utilizou informações sobre a conduta dos alunos registradas no livro de ocorrências para desenvolver um conjunto de atividades que proporcionaram o reconhecimento das violências relacionadas ao bullying e subsídio para a sua prevenção.
Três trabalhos abordaram a discriminação e o preconceito nas disciplinas de Geografia com a territorialidade, História com violência religiosa, e Educação Física, com gênero e relações étnico-raciais. As atividades desenvolvidas com os professores contaram com diálogos, reflexões, esclarecimentos e desmitificações, entre outros.
Houve um trabalho específico sobre a Educação Sexual integrada ao currículo e ao Projeto Político Pedagógico da escola. Orientado por professores de Ciências, em parceria com os outros professores da escola, proporcionou empoderamento sexual, sentimento de segurança nas atitudes, tomada de decisões e questionamentos perante os direitos das mulheres, dos adolescentes e acerca do combate às violências.
Para Arroyo (2013) ao se ignorar a violência e a indisciplina, que é uma condição humana, se ignora também os jovens e adolescentes; por isso o autor alerta que:
Enquanto os currículos, os conhecimentos e a produção cultural não reconhecerem essas dimensões da condução humana e sobretudo não reconhecerem as desordens e violências sociais, essa juventude não terá vez campo de interesse para os conhecimentos escolares. (ARROYO, 2013, p. 243).
O conflito é utilizado para discussão e busca de alternativas para resolver o problema e aprender com o processo, pois não se deve resumir a uma punição diante dos fatos. A intenção proposta pela Lei do bullying não é punitiva, e sim a de proporcionar orientações para que cada realidade escolar desenvolva e instale um programa de conscientização, combate e prevenção ao bullying, cyberbullying e violências relacionadas, com ações efetivas que tenham monitoramento constante para que os estudantes tenham a segurança garantida no ambiente escolar.
Os dezoito trabalhos relacionados na Categoria 1 abrangeram investigações sobre a existência ou não de bullying escolar. São pesquisas que apresentam um levantamento dos tipos de bullying. Têm a importância por expor a constatação desse fenômeno social no âmbito escolar. Houve treze trabalhos excluídos porque, apesar de serem pesquisas que contêm as palavras-chave, não apresentam seu foco no bullying, cyberbullying ou nas violências relacionadas no ensino fundamental.
A partir dessas constatações, fica claro que há pesquisas acadêmicas em relação ao bullying, cyberbullying e as violências relacionadas. A tendência dessas pesquisas é a de investigação para diagnosticar o problema em âmbito escolar. Para responder à hipótese deste estudo, foram identificados trabalhos que envolvem os componentes curriculares e que trabalham os temas nas escolas, porém em nenhum deles tratou-se da temática nos componentes curriculares dos estados brasileiros a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e sim a partir do cumprimento da Lei nº 13.185/2015. Restam várias lacunas a serem investigadas, por exemplo: Há programas de combate ao bullying nas escolas estaduais? Como funcionam esses programas na unidade escolar? Como os componentes curriculares estão trabalhando o bullying? Somente o desenvolvimento das competências socioemocionais relacionadas ao bullying é suficiente para combatê-lo dentro da escola?
Observa-se, portanto, que ainda há muitos aspectos do bullying e do cyberbullying a serem investigados ainda e os estudos trazidos neste artigo se configuram como caminhos iniciais de abordagem desse tema tão relevante e necessário, tanto na escola como no meio social mais amplo.