SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 número72EM DEFESA DA “EDUCAÇÃO SEXUAL”: SENTIDOS PRODUZIDOS EM VÍDEOS DO YOUTUBER FELIPE NETOA EDUCAÇÃO E AS CORPOREIDADES: AS RESISTÊNCIAS NAS EXISTÊNCIAS índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.72 Salvador  2023  Epub 06-Maio-2024

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n72.p335-350 

Corpos, gêneros e sexualidades

MEMÓRIA, EXPERIÊNCIA, DISCURSOS E IDENTIDADES NA CONSTITUIÇÃO DOS GRUPOS GAYS

MEMORY, EXPERIENCE, SPEECHES AND IDENTITIES IN THE CONSTITUTION OF GAYS GROUPS

MEMORIA, EXPERIENCIA, DISCURSOS E IDENTIDADES EN LA CONSTITUCIÓN DE GRUPOS GAYS

1Universidade Federal de Pelotas

2Universidade Federal de Juiz de Fora


RESUMO

“Jesus Cristo era gay?” É com essa questão provocativa, nascida de uma reunião de um grupo gay, em que se definiam as temáticas que iriam ser discutidas, que queremos problematizar como história, memória, experiência, discursos e identidades se relacionam com a constituição dos grupos e com a construção dos sentidos de homossexualidade e homossexual. Como esses grupos estão contribuindo para fortalecer a articulação entre discursos, saberes e poder na constituição dos membros como homossexuais? Tal questão nos aproxima das perspectivas pós-estruturalista e foucaultiana dos Estudos Culturais, o que significa dizer que o interesse de investigação e de análise estará focado nos discursos e práticas que constituem os sujeitos e nas negociações estabelecidas entre os grupos.

Palavras-chave: Cultura; Discursos; Identidades; Grupos Gays

ABSTRACT

“Was Jesus Cristo gay?” It is with this provocative question, born of a meeting of a gay group, in which the themes that would be discussed were defined, that we want to problematize how history, memory, experience, discourses and identities are related to the constitution of groups and to the construction of the senses of homosexuality and homosexuality. How are these groups contributing to strengthen the articulation between discourses, knowledge and power in the constitution of members as homosexuals? This question brings us closer to the post-structuralist and Foucaultian perspectives, which means that the interest in research and analysis will be focused on the discourses and practices that constitute the subjects and in the negotiations, established between the groups.

Keywords: Cultura; Speeches; Identities; Gay Groups

RESUMEN

“¿Era Jesus Cristo gay?” Es con esta pregunta provocadora, nacida de una reunión de un grupo homosexual, en la que se definieron los temas a discutir, que queremos problematizar cómo la historia, la memoria, la experiencia, los discursos y las identidades se relacionan con la constitución de los grupos y la construcción de los sentidos de la homosexualidad y la homosexualidad. ¿Cómo contribuyen estos grupos a fortalecer la articulación entre discursos, conocimiento y poder en la constitución de los miembros como homosexuales? Esta pregunta nos acerca a las perspectivas postestructuralista y foucaultiana de los Estudios Culturales, lo que significa que el interés en la investigación y el análisis se centrará en los discursos y prácticas que constituyen los temas y en las negociaciones establecidas entre los grupos.

Palabras clave: Cultura; Discursos Identidades; Grupos gay

Introdução

“Jesus Cristo era gay?” pode ser uma frase incômoda para muitos fiéis das religiões judaicocristãs. Uma frase que incomoda, uma vez que, não havendo nenhum relato de experiência afetivo-sexual vivida por aquele que é considerado “filho de Deus”, qualquer menção que não o determine nos limites das experiências heterossexuais é encarada como blasfêmia, como um profundo desrespeito àquelas pessoas que professam a fé judaico-cristã1. Já para outra parcela da população - a comunidade LGBTT2 -, essa mesma frase pode representar uma certa necessidade de se afirmar a partir de uma figura histórica, valorizada e inquestionável. De uma maneira ou de outra, temos a figura central de Jesus Cristo sendo disputada por diversos grupos em torno da noção de sexualidade, da construção de Jesus Cristo como santo ou da tentativa de humanizá-lo a partir do vínculo com uma sexualidade, mais especificamente, de sua aproximação com a homossexualidade. Negar ou afirmar a homossexualidade de Jesus Cristo denuncia o sentido de disputa que está presente na construção da homossexualidade, sobretudo, masculina. Se, para alguns, a interrogação possa parecer uma afronta, um ataque e mesmo uma heresia, para tantos outros, pode ser a tentativa de ter uma imagem positiva que é carregada de compaixão e irretocável para a homossexualidade.

É em meio a essa disputa que essa interrogação foi construída. A provocação que deu origem a este Corpos, gêneros e sexualidades, portanto, foi o resultado de uma proposição voluntária de temática para a composição da pauta de debates anuais de um grupo gay organizado na cidade de Juiz de Fora, MG. Para além do título, a motivação para esta escrita foi nosso vínculo com pesquisas interessadas nas construções das homossexualidades masculinas no campo da Educação, entendendo-a como parte de um processo mais abrangente de constituição dos sujeitos que dizem de práticas reiteradas de educar a nós mesmos e aos outros. Nosso interesse de investigação se encontra com nossas ações políticas e nosso convívio com as pessoas que compõem quatro grupos gays organizados - o GGB (Grupo Gay da Bahia - Salvador/BA), o CORSA (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor - São Paulo/SP), o GAI (Grupo Arco-íris de Cidadania LGBT - Rio de Janeiro/RJ) e o MGM (Movimento Gay de Minas - Juiz De Fora/MG), em que foi possível entrar em contato com os modos de agir, de pensar e de se construir como homossexuais. Os grupos gays tornaram-se locais privilegiados na construção das “verdades” a respeito do que vem a ser a homossexualidade e o homossexual, sobretudo a partir da década de 1990, quando as políticas de enfrentamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis3 e Aids (IST/Aids) convocaram as organizações e as lideranças dos principais grupos atingidos, a exemplo de gays e profissionais do sexo, a atuarem na prevenção ao IST/HIV4 e no acompanhamento as pessoas vivendo com Aids. Esse quadro permitiu o financiamento de ações e a profissionalização de ativistas do movimento gay. Privilegiando as reuniões dos grupos como loci de investigação, o foco da nossa análise é o tema de um desses encontros - “Jesus Cristo era gay?”. Posta essa questão, a intenção é problematizar e discutir como essa associação entre memória, experiência, discursos, fé judaico-cristã e afirmação identitária se relaciona com a constituição dos grupos e com a construção dos sentidos de homossexualidade e homossexual. Como esses grupos estão contribuindo para fortalecer a articulação entre discursos, saberes e poder na constituição dos membros como homossexuais? Essa questão nos aproxima das perspectivas pós-estruturalista e foucaultiana, o que significa dizer que o interesse de investigação e de análise estará focado nos discursos e práticas que constituem os sujeitos e nas negociações estabelecidas entre os grupos.

Além disso, essa ótica de pesquisa ressalta o caráter construído e incompleto, entendendo sexualidades e grupos, mediados pelas identidades, como algo em constante processo, sendo, portanto, provisórios, instáveis e interceptados pelas relações de poder. Ao pensarmos as dimensões de sociabilidade dos sujeitos, a categoria "identidade" ganha ainda mais relevo porque por meio dela é que os marcadores das sexualidades seriam de pretenso domínio público e proporcionariam fenômenos de agrupamento. Hall (2006, p. 87) nos chama a atenção para o fato de que, em toda parte, “estão emergindo identidades culturais que não são fixas” e, sim, “estão suspensas, em transição, entre diferentes posições”. Essas identidades não se limitam a retirar “seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais”; acolá disso, elas “são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado” (HALL, 2006, p. 88-89) e que, assim, posicionam os sujeitos, ainda que temporariamente, nos jogos políticos da cultura e, portanto, também das sexualidades.

Desde o século XIX, as sexualidades, de modo mais sistematizado, foram o foco de produção discursiva que se organizava em torno das mais diversas formas e instituições que buscavam inventar, conhecer e governar os sujeitos, ao produzi-los discursivamente. Herdeiros dessa lógica, desde os fins década de 1970, os grupos gays, no Brasil, foram ampliando a discussão dos parâmetros de construção das homossexualidades, buscando visibilizar novas formas de compreender como elas foram sendo constituídas como posição de sujeito. Exemplo disso se encontra nos modos eleitos pelo movimento para potencializar as suas agendas de direito. Nesse sentido, para que o movimento gay tivesse os seus direitos civis reconhecidos pelo Estado brasileiro, ele se utilizou, sobretudo, do expediente da visibilidade. Ao publicizar suas relações conjugais, por exemplo, o movimento gay reivindicou e se apropriou de marcadores reconhecidos socialmente como integrantes das relações familiares heterossexuais: afeto, apoio mútuo e proteção.

O enfrentamento ao estereótipo orientou as táticas do movimento social e ainda direciona suas atividades, desde sua emergência, em 1978, com o Grupo Somos, na cidade de São Paulo. O Grupo se originou muito próximo ao parâmetro de militância da esquerda, ou seja, focalizou-se em suas experiências (homossexuais) evidenciando um ethos capaz de sustentar o agrupamento social e por meio dele evidenciar a identidade homossexual. Assim, buscava atrair sujeitos capazes de atuar sobre a realidade, ao assumir responsabilidades públicas mediadas por sua identidade homossexual. Trevisan (2000), um dos fundadores do Grupo Somos, descreve que: “estávamos preocupados em não mais separar as esferas pública e privada, o crescimento da consciência individual e a transformação social (...) Queríamos ser plenamente responsáveis por nossa sexualidade, sem ninguém falando em nosso nome” (TREVISAN, 2000, p. 340-341). Esses grupos adquiriram legitimidade social para proclamar as “verdades” sobre esses sujeitos e suas homossexualidades, principalmente após o advento do HIV/Aids. Diante do duplo desafio de, ao mesmo tempo, descontruir os parâmetros da homossexualidade advindos do século XIX e construir imagens positivas dessa identidade, os grupos gays, muitas vezes, recorreram à História, utilizando-a paradoxalmente tanto para proclamar avanços e descontinuidades quanto para reivindicar direitos a partir da ideia de continuidade e tradição.

Histórias, culturas e práticas

Ao analisar a visibilidade homossexual, Weeks (1998) argumentou que, embora a homossexualidade, enquanto prática sexual, seja datada de bem antes, a cristalização do sujeito homossexual originou-se no século XIX, paralela à reformulação da família e, sobretudo, das formas com que suas práticas sexuais ocorriam. Segundo o autor, o fato foi impulsionado pela vitória do capitalismo industrial e da urbanização. O período foi assinalado pela eliminação de mulheres do mercado do trabalho e da concepção de uma massa operária sujeita ao sistema familiar, alicerçada no imperativo do ato sexual reprodutivo, algo que vai ao encontro da ética naturalista cristã que debateremos adiante. Nessa engenharia, foi preciso a criação de um papel homossexual estigmatizado que teria a função de manter a masculinidade delimitada aos padrões, acabando por fornecer um limite entre o comportamento permitido e o não permitido. A segregação dos que foram rotulados como “desviantes” produziu a contenção e os limites dos padrões comportamentais cristãos e burgueses socialmente aceitos.

A energia e o impulso por classificar e constituir um corpo homossexual têm levado muitos historiadores/as, sociólogos/as e antropólogos/as, a exemplo de John Boswell (1998), a afirmarem que o surgimento de distintas categorias sexuais, ao longo dos últimos séculos, é consequência de esforços contínuos de produzir a vigilância e o controle social da população. Existem inúmeros escritos sobre a história da homossexualidade (FRY; MAcRAE, 1985; ARIÉS, 1987; FLANDRIN, 1988; COSTA, 1992), que destacam que a emergência de uma identidade homossexual, no fim do século XIX e princípios do XX, foi uma prescrição obrigatória feita pelos sexólogos, concebida precisamente para dividir afetivamente os homens com o fim de romper seus vínculos emotivos, direcionando-os ao controle da família burguesa cristã. Não obstante, considera-se que é mais contundente ver o surgimento da identidade homossexual durante esse período como produto da luta contra as normas prevalecentes que, indiscutivelmente, têm efeitos diferentes sobre homens. Os sexólogos não inventaram o homossexual, mas tentaram traduzir a sua própria linguagem, patologizando, durante décadas, a homossexualidade.

Esse emaranhado discursivo influencia nos modos como foi percebida a homossexualidade e produzido o homossexual. O corpo discursivo dos sexólogos, com suas infinitas possibilidades e estilos performáticos, conduziu a heterossexualidade ao locus de referencialidade. Como ele se constituiu como um corpo que o tornou discursivamente rígido, qualquer movimento fora de suas expectativas o localiza no marco da dúvida. Nesse sentido, primeiramente, é importante pensar nessas necessidades e como elas se relacionam com a própria constituição do homossexual e do heterossexual. A homossexualidade e a heterossexualidade são uma invenção social, cultural e histórica (FOUCAULT, 1988), o que nos permite pensar que elas podem ser desconstruídas e reconstruídas, sobretudo se relacionadas a projetos políticos. Nesse sentido, suas homogeneidades somente existem, quando lidamos com a figura idealizada da identidade tal como existem os devaneios que buscam justificar os preconceitos e violências. Com a afirmação, abre-se a discussão: existe ou não uma identidade homossexual? Seria a identidade homossexual um rótulo? Uma forma de perpetuar as discriminações? Assim, recuperar a construção da homossexualidade é voltar para a História para buscar entender como o homossexual se estabeleceu nos limites da “homossexualidade”, ou seja, até que ponto o que está sendo organizado hoje depende desse passado. Recuperar essa história, através da construção de heróis e comemorações, não seria uma forma de pensar uma identidade homogênea da homossexualidade? Como a identidade homossexual se articula na relação entre um passado que condena e a percepção do presente como algo que pode ser produtivo?

Na busca de reconhecimento público, legibilidade política, desconstrução e construção de suas identidades, o movimento gay se aproximou da fórmula conhecida e posta em vigor nos Estados Unidos. O movimento social esteve interessado, desde o início, em “provar” a normalidade de suas práticas e a constituição positiva de suas identidades. Em mais 40 anos de atuação, de algum modo, as agendas de promoção da visibilidade gay, no Brasil, permitiram diversificar suas apresentações e desestabilizar, em intensidades diferentes, quando interseccionadas com outros marcadores sociais, os discursos hegemônicos, de quase todo o século XIX e XX, sobre as identidades homossexuais. Contudo, convém destacar que a assimilação dos estilos de vida gay a uma cultura mais ampla, em um primeiro momento, ocorreu apenas nos aspectos em que serviram para aproximar a identidade dos marcadores hegemônicos da masculinidade. Nesse aspecto, as táticas adotadas pelo movimento gay parecem residir em uma aproximação aos valores culturais heterossexuais, ao negar radicalmente os estereótipos que foram utilizados para posicionar a população socialmente, a exemplo da possessão demoníaca que mais à frente debateremos. Concomitante a isso, ao longo de sua trajetória, foram constantes, nas agendas do movimento, a luta por direitos, por respeito e o combate à violência e à discriminação5. Dessa forma, a questão “Jesus Cristo era gay?” revela a necessidade de construir imagens mais positivas da homossexualidade, de eleger e divulgar um panteão de heróis heterodesignados enquanto gays e de comemorações importantes, a exemplo das paradas do orgulho, para compor a noção de comunidade, para construir a identidade homossexual relacionada à história.

O título deste Corpos, gêneros e sexualidades foi um dos temas escolhidos pelos integrantes do MGM para ser discutido em reunião, numa dinâmica em que cada integrante listava três temas que achava interessantes, apresentava-os aos demais participantes que votavam e escolhiam os assuntos para compor o cronograma anual dos encontros. Propostas como essa só parecem possíveis de serem compreendidas a partir de uma questão muito cara para os grupos gays - o debate entre a diversidade erótica que compõe essa população e a busca insistente de se construir uma identidade homogênea através de atitudes, comportamentos e formas de pensar que dão sustentação aos grupos de modo a retirá-los dos marcadores negativos.

Para Flandrin (1988, p. 8), “não somos livres para recusar nossa herança: ela está grudada à nossa pele. E quanto mais quisermos ignorá-la, mais seremos seus prisioneiros”. Essa é uma constatação relevante para entender o trabalho de produção de discursos dos grupos gays. A história e nossa herança moderna quase sempre são utilizadas com base no “senso comum”, mostrando uma deficiência de informação e de falta de conhecimento da construção do objeto histórico e, como consequência, um entendimento confuso da relação entre a realidade e essas construções.

Nesse sentido, a recorrência à História é comumente utilizada pelos grupos gays investigados de uma forma contraditória. Por um lado, ela é utilizada para mostrar que a homossexualidade não é nova, que já existiu em outras épocas e, que, portanto, os sujeitos não são únicos. O que entra em cena é um entendimento anacrônico da Antiguidade Clássica como época ideal em que a “homossexualidade” era comemorada, vivenciada e não discriminada. Por outro lado, ela também é usada para dar continuidade à luta, apontando os avanços do grupo, para reforçar as conquistas e definir novos desafios, marcando os avanços como ruptura e como descontinuidades. Dessa forma, são recuperados momentos da História em que a homossexualidade era mais fortemente discriminada, perseguida, evitada e desmotivada, para ressaltar o que os grupos já fizeram no sentido de alterar esse quadro. Em um ou outro caso, o que vigora é um certo desconhecimento a respeito da construção da nossa realidade, sobretudo no que se refere à sua relação com a herança moderna de construção da homossexualidade, tornando o grupo muito mais prisioneiro dessa herança do que propriamente seu libertador, visto que a construção da homossexualidade, pelos grupos, reforça as preocupações e modelos presentes no século XIX.

Esse é um debate importante de ser analisado à luz da perspectiva foucaultiana de História. Nos anos 1970, Foucault adotou o termo “genealogia” buscando reencontrar a descontinuidade e o acontecimento, a singularidade e os acasos, o que serviu para organizar a crítica à História contínua e linear. “O emprego dos conceitos de descontinuidade, de ruptura, de limiar, de limite, de série, de transformação, coloca, a qualquer análise histórica, não somente questões de procedimento, mas também problemas teóricos” (FOUCAULT, 2005, p. 23). Um primeiro problema apontado por Foucault é “libertar-se de todo um jogo de noções que diversificam, cada um à sua maneira, o tema da continuidade”, dentre eles, o da tradição (FOUCAULT, 2005, p. 23) cuja função é “dar importância temporal singular a um conjunto de fenômenos”, permitindo repensar a dispersão da história reduzindo as diferenças. Assim, na tentativa de construir uma imagem positiva da homossexualidade e de si mesmo que, ao mesmo tempo, será apresentada aos outros e ao grupo, há um investimento em recuperar a existência de um passado de glória ou, pelo menos, em um passado mais tolerante, seja ele a antiguidade clássica ou mesmo a busca por datas comemorativas e heróis que marcam a história da homossexualidade. Um investimento na tradição e na continuidade.

Um segundo eixo de discurso desenvolvido por Foucault (2005), quando utiliza o termo história, diz respeito à elaboração de um “pensamento do acontecimento”, a busca por uma história menor construída a partir de inúmeros traços silenciosos e de fragmentos de existências, demonstrando que a história não é uma duração, mas uma pluralidade de durações que se entrelaçam umas nas outras. A defesa da história como acontecimento permite fazer surgir momentos de ruptura, planos de discursos, falas singulares, estratégias de poder e focos de resistências. O acontecimento apresenta uma deliberada interação com o espaço-tempo. Essa interação, entretanto, não se determina por meio da conexão entre o ideal e o real. Se o acontecimento não se reduz à sua mera execução, ele também não é arquitetado como um sistema intrinsecamente interligado com o espaço-tempo idealizado ou transcendental. Por isso, a noção de acontecimento ignora os amplos e universais acontecimentos privilegiados nas metanarrativas, aqueles que buscam harmonizar o finito com o infinito ou a concretude e o abstrato naquelas situações em que o espaço-tempo é compreendido como a superação da contradição. O tempo das multiplicidades presentes na noção de acontecimento, pelo contrário, é entendido em sua singularidade. Como não existem contradições que forneçam a reconciliação, o que se constitui são as pluralidades, inevitavelmente mais abertas que quaisquer forças dicotômicas.

O acontecimento, na perspectiva de Foucault (2005), não se reduz aos investimentos presentes na lógica ideal-real e/ou universal-particular. Ele se beneficia da relatividade e se esquiva de parâmetros epistemológicos ortodoxos. O acontecimento não se limita ao fato em que a ocorrência seria suscetível de receber tratamentos cartesianos. Nesse sentido, o grupo gay, através da memória e dos fatos que marcam a sua história, acaba investindo na historicização do próprio olhar, de uma análise singular a partir daquilo que não é mais. Da mesma forma em que proclama uma tradição e um passado capazes de fornecer uma certa coerência e consistência ao grupo, também comemora o que foi capaz de modificar, as descontinuidades e os rompimentos com um passado que não se quer mais. Uma ou outra forma de trabalhar com a história contribui para construir a homossexualidade e os homossexuais.

Segundo Pollak (1992), a identidade, tanto individual quanto coletiva, está intimamente ligada ao sentimento de continuidade e de coerência de um grupo ou de um ser humano, a acontecimentos, personalidades, tempos e espaços que nem sempre fazem parte do passado vivenciado pelas pessoas que constituem os grupos. Para o autor, a memória deve ser compreendida enquanto fenômeno coletivo e/ ou social. Ao sinalizar a importância de lugares de memória aos quais as lembranças significativas estão, em geral, interligadas, Pollak (1992) argumenta que a memória socialmente construída foi, desde sempre, um fenômeno submetido às flutuações políticas, religiosas, econômicas, culturais, sexuais presentes nas disputas e interações mediadas pelo jogo de poder.

Dessa forma, ao contextualizar a narrativa que gira em torno da pergunta “Jesus seria gay?”, o surgimento de grupos de sociabilidade "homossexual", conforme descreve MacRae (2005), tornou-se imprescindível para reconhecer os efeitos dessa lógica no que diz respeito ao sentimento de pertencimento capaz de promover redes de amizade e a liberdade de perguntar o que seria inquestionável, a heterossexualidade de Jesus. Isso nos possibilita pensar como os grupos investem num trabalho motivados pela preocupação de marcar a diferença, a fronteira social, mas também de modificá-las, num processo de reinterpretar o passado a partir das demandas do presente.

Assim sendo, há toda uma preocupação com a desconstrução dos parâmetros da homossexualidade surgidos no século XIX, que é marcado pela preocupação com a classificação do que é o “anormal” (FOUCAULT, 2001). Esse domínio da anomalia funcionou a partir de três elementos: “o monstro humano, o indivíduo a ser corrigido e a criança masturbadora” (FOUCAULT, 2001, p. 69). A sexualidade vai estar presente nesse domínio da anomalia, desde o seu início. Primeiro, porque o campo geral da anomalia vai inaugurar a preocupação com a classificação e com o policiamento. E, segundo, porque serão identificados e apresentados variados casos particulares de anomalia, caracterizados como distúrbios sexuais (FOUCAULT, 2001). Pensando que a homossexualidade também foi construída nesse contexto, parece difícil entendê-la sem levar em consideração a constituição desse domínio da anomalia. Durante décadas, as indagações sobre a homossexualidade foram fortemente ancoradas nas representações de gêneros ou atreladas a discursos patológicos. De acordo com Foucault (2001), entre os saberes que se destacaram na disputa pela verdade sobre a sexualidade, ainda que por meios e motivos diferentes, foram: o médico, o jurídico e o religioso.

A linguagem e os símbolos perpetuam poder instituindo verdades, naturalizando determinadas situações ou questões e repugnando outras, passando, dessa forma, a produzir sentido e significado social, criando o que é denominado senso comum. Segundo Moita Lopes (2002), uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida. Essas normas ou códigos são aplicados de forma sutil, de modo que tornam aceitável um poder essencialmente normatizador. Ressalta-se que, através da ideologia e da hegemonia, é que se disseminam os discursos que determinam o que é normal/anormal, certo/errado, saudável/doentio. Observar os jogos de verdades que se instituem nos grupos sociais que ocupam posições estratégicas abre a possibilidade de entender a tripla jornada de se nomear, de negar o outro e de homogeneizar verdades produzidas sobre as fronteiras das anormalidades. Esse mecanismo de poder instituído em torno das verdades sexuais, que se inaugurou no século XIX, foi responsável por incorporar as sexualidades que fugiam do formato cristão do casamento monogâmico e do modelo heterossexual adulto, assim como as perversões e as novas especificações dos indivíduos (FOUCAULT, 1988). Sendo assim, o homossexual torna-se uma personagem,

[...] um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas, já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre. É-lhe consubstancial, não tanto como pecado habitual, porém como natureza singular (FOUCAULT, 1988, p. 43).

Ainda é com essa visão do homossexual como personagem, capaz de ser identificado pela face, pelo corpo, pela memória e pela história de vida como sendo um segredo que se trai, como algo que é do sujeito sem ter como fugir, que os grupos gays estão trabalhando, entendendo a homossexualidade e produzindo discurso, perpetuando, nesse sentido, o século XIX. É esse mecanismo de poder que colocam em vigor quando discutem a homossexualidade de determinadas pessoas famosas historicamente.

Diversos autores, tais como Góis (2003) e MacRae (1990), ressaltam que, atualmente, a discussão em torno da homossexualidade deve levar em consideração algumas transformações importantes ocorridas nos anos 1980: a abertura política que foi capaz de desenvolver um sentimento de otimismo cultural e social dando origem aos primeiros grupos gays organizados, o advento e o impacto da Aids e a visibilidade de uma “cultura gay”. A combinação dessas mudanças vai formar o quadro atual que serve para pensar a noção de homossexualidade em diálogo com o trabalho dos grupos gays.

Com o advento da doença, grupos que historicamente se sentiam vítimas preferenciais de preconceito e discriminação e que já se organizavam para combatê-la, viram-se diante de um reforço através da culpabilidade pela epidemia. A Aids veio arranhar o contexto de alegria surgido nas décadas de 1960 e 1970 e reforçado nos anos 1980, causando uma profunda depressão e pessimismo e trazendo uma ideia de “destino manifesto”. Novas representações da homossexualidade tomaram forma, sobretudo aquelas ligadas às imagens da doença e do doente, sendo responsáveis por gerar uma onda de medo, violência e desespero. Juntavam-se a isso o despreparo e mesmo o descaso governamental com a epidemia, o que causou um certo atraso no lançamento de campanhas educativas e informativas capazes de frear a expansão. Autores como Altman (1995) e Góis (2003) argumentam que o aumento do número de grupos gays organizados no Brasil e o surgimento de novos grupos organizados em torno da Aids - as ONGs/Aids - se justificam por esse contexto de “crescimento da epidemia, falta de ação governamental e expansão de discursos preconceituosos pela mídia” (GÓIS, 2003, p. 28).

Se, nos anos iniciais da década de 1980, o movimento gay se distanciou majoritariamente das agendas de enfrentamento às IST/AIDS, na década de 1990, os dados epidemiológicos e a articulação entre a reivindicação de direitos civis e o enfrentamento à epidemia resultaram em uma profícua aliança entre os programas públicos de HIV/AIDS, as agências nacionais e internacionais de financiamento com as organizações homossexuais lideradas pelos homens ou pessoas trans. Essa parceria foi crucial para a consolidação masculina na condução do movimento social LGBTT e na profissionalização de ativistas que integraram as suas reivindicações, reuniões e encontros as ações de enfrentamentos epidemia de AIDS (CAETANO; RODRIGUES; SILVA, 2019).

Os debates sociais em torno da AIDS, o fortalecimento das organizações homossexuais por meio das políticas de financiamento público, a ampliação e a diversificação do interesse mercadológico e midiático pelo nicho gay possibilitaram uma complexa massificação social de apresentações homossexuais e foram fundamentais para deslocar os discursos sobre a homossexualidade de seus marcadores estigmatizados. O próprio desmantelamento da identidade homossexual para a sigla LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) será no sentido de minimizar ou apagar os marcadores estigmatizados de seus referenciais.

Diante desse quadro, a luta dos grupos gays se organizou em torno da busca de informação, prevenção e combate da epidemia e também da manutenção da afirmação pública da homossexualidade, assim como da constituição de uma identidade homossexual possível, valorizada e desejável do ponto de vista cultural e político. Surgia um novo homossexual: o militante, aquele que colocava a homossexualidade em primeiro lugar e que se prevenia. Buscava-se uma imagem positiva da homossexualidade capaz de combater a associação entre essa identidade, a doença e a promiscuidade que a Aids foi capaz de realizar, reacendendo velhos preconceitos, discursos discriminatórios e excludentes, fronteiras que estavam sendo derrubadas.

A doença pôs fim a um momento de esperança, ao mesmo tempo que impunha novos desafios, sobretudo aqueles relacionados à prevenção e à assistência dessa população, além de combater o medo, a discriminação e o preconceito que a doença foi capaz de reforçar. Parte desse trabalho foi conduzido através da desconstrução dos parâmetros da homossexualidade como doença, assim como a construção de imagens mais positivas, identidades valorizadas que levassem a maior visibilidade e fortalecimento da ideia de grupo. Portanto, é a constituição e o diálogo desses dois momentos que servem para entender o surgimento de propostas como essa em que se discutiu a possibilidade de Jesus Cristo ser gay.

A busca por heróis que valorizem a homossexualidade passou a organizar esses objetivos. Nesse sentido, outros temas de reunião semelhantes completam esse quadro de construir referências positivas para os homossexuais e também para a sociedade de forma geral. Exemplo da afirmativa pode ser dada com a lista dos cem gays mais famosos divulgada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), em 24 de abril de 2000. Na ocasião, a imprensa noticiava que o Grupo, no dia anterior, havia lançado a relação dos cem homossexuais mais famosos da História do Brasil a fim de comemorar os 500 anos do descobrimento do país. O objetivo da pesquisa, diziam os jornais, era registrar a presença gay na história da sexualidade brasileira e propor a consolidação dos direitos humanos de minorias sexuais. As informações sobre políticos, artistas, intelectuais e heróis nacionais que fizeram parte da lista foram produzidas a partir das pesquisas feitas pelo antropólogo Luiz Mott em instituições de guarda documental. A lista trazia figuras importantes na historiografia brasileira, como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos Dumont, Dom João VI, Imperatriz Leopoldina, Mazzaropi, Olavo Bilac, Mario de Andrade, Gilberto Freyre, entre outros. Nesse caminho, surgiram outras propostas, como: a história da homossexualidade, os grandes gays da humanidade, São Sebastiãoo patrono dos gays, os gays e lésbicas mais famosos do Brasil de hoje, homossexuais negros mais famosos do Brasil e Mário Gusmão - o maior ator gay negro da Bahia. Essas propostas nos colocam diante da utilização da história para a construção de identidades.

Cultura, identidade e fé

Problematizar o movimento que os grupos gays fazem de articulação entre história e identidade significa pensar como a História foi se tornando, pouco a pouco, a produção de saber sobre si mesmo. Dessa forma, é a sociedade que produz saber sobre si mesmo, o que Foucault (1988) e Giddens (1993) classificam como sociedade de alta reflexividade. Esse movimento se prolonga fazendo com que os grupos tenham a necessidade de também produzir saberes sobre si, cada um individualmente, o que gera um diálogo entre o que há de particular e o que há de coletivo. Pensar que o tema “Jesus Cristo era gay?” foi proposto numa reunião de um grupo gay é pensar o que une, o que há de semelhante entre de Jesus Cristo e esses sujeitos presentes e que se sentem homossexuais, fornecendo, portanto, uma identidade e uma ideia de fazer parte de um grupo - o grupo dos homossexuais - o que reforça a identidade como tal.

A tática adotada pelos grupos gays de trazer a sexualidade de Jesus Cristo ao centro de seus debates identitários pode ser encarada, em um primeiro momento, por dois lados. De um lado, a identidade gay assume o caráter dogmático e inquestionável da religião. Nessa posição, o filho de Deus atribui à sexualidade uma força imperativa capaz de torná-la natural, já que a natureza fora criada por seu pai. De outro lado, Jesus Cristo, figura inquestionável, seria humanizado e, nessa posição de aproximação com o segundo nome da Santa Trindade, o movimento gay produziria um convite à compaixão, ensinamento explícito nas diversas vertentes do cristianismo, com os pecadores. Em ambos os lados, o fio condutor seria a natureza.

Segundo Marcos Torres (2006), a categoria natureza, no interior da moral judaico-cristã, está circunscrita à cosmogonia do mito fundador. Para o autor, a divindade superior criou o homem e a mulher para que povoassem o planeta Terra. Nos anos iniciais do cristianismo, essa dimensão foi profundamente enfatizada, condenando-se, a todo e qualquer modo, as práticas sexuais orientadas pelo prazer ou sem a finalidade de procriação, a exemplo da sodomia. Entretanto, foi somente a partir dos séculos XI e XII que o castigo e a exceção ao sodomita cresceram e o reconhecimento do vício e/ou pecado da sodomia assumiram a dimensão de “nefando”. De acordo com o autor, entre os séculos XV ao XIX, os pecados de cunho sexual foram nomeados pela Igreja Católica em dois grandes eixos:

[...] os de acordo com a natureza (fornicação, adultério, incesto, estupro e rapto) e aqueles contrários à natureza (masturbação, sodomia, homossexualidade e bestialidade). O segundo grupo, aqueles contra a natureza, se tornava mais grave por ferir o critério de procriação, constituindo um abuso mais radical da sexualidade humana no discurso sedimentado historicamente (TORRES, 2006, p. 149).

A ideia de uma determinada ética natural, entendida como hegemônica, influenciou tanto a teologia católica quanto os protestantes na Modernidade. Foi exatamente a ética natural, alimentada pela dualidade grega entre o corpo e a alma, e pelas orientações judaicas acerca da candura do corpo humano, que possibilitou a invenção do sodomita fortemente condenado na História do Cristianismo Ocidental (TORRES, 2006). A religião de matriz judaico-cristã se caracterizou como um dos mais eficientes meios de normatizar as leis no Ocidente. Seus discursos, em vários momentos, encontraramse com os da ciência e do Estado, resultando, desse diálogo, a naturalidade dos governos androcênticos e heteronormativos de suas interpretações bíblicas.

Ao analisar a homossexualidade à luz da historiografia, torna-se interessante observar que os diálogos entre a tradição judaico-cristã com os discursos biomédicos e jurídicos não resultaram em crítica, distanciamento ou rompimento com a ética naturalista. No máximo, foi possível constatar “pequenos ajustes” no modo como os homossexuais passaram a ser tratados. É importante recordar que o pensamento naturalista católico se atualizou nas últimas décadas em decorrência dos debates científicos sobre a sexualidade e também graças ao “discurso naturalista que desempenhou historicamente um papel central nas lutas dos homossexuais por reconhecimento na arena política” (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2007, p. 280-281). Em outras palavras, o movimento gay, ao se valer de retóricas naturalistas para enfrentar a discriminação, acabou contribuindo na revisão do discurso católico sobre sua ética naturalista. Assim sendo, foi se tornando hegemônico o entendimento de que, por trás da infração à lei natural, pode-se encontrar, ainda que anômala, uma natureza”, surgindo “posturas conservadoras e progressistas, perpassadas pela temática do naturalismo. Ser homossexual não é, necessariamente, pecado - ainda que a prática homossexual possa ser culpabilizada” (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2007, p. 280-281).

Sobre a posição das igrejas cristãs, Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, afirmou:

[...] só posso dizer que as igrejas protestantes são extremamente homofóbicas em todos os sentidos, especialmente as igrejas neopentecostais, como Assembleia de Deus e Universal do Reino de Deus. As curas e exorcismos de homossexuais nos cultos é feito com muita violência, muita agressão e muita humilhação. Agora Jesus, que não jogou pedra na mulher adúltera, que garantiu a precedência no Reino dos Céus aos publicanos e meretrizes, que não recusou curar o escravo/amante do centurião romano, que garantiu que “há eunucos/gays que assim nasceram do seio de sua mãe”, este mesmo Jesus, caso estivesse entre nós, neste terceiro milênio de seu nascimento, de que lado estaria? Do lado de alguns pastores brasileiros, que declararam: “Gay é gente pela metade, se é que são gente!”, ou “homossexualismo é uma aberração, uma imoralidade comparável à cleptomania!”; que escreveram cartas aos parlamentares para não aprovarem o projeto de união civil entre homossexuais? Ou estaria Jesus do lado dos gays, a minoria social mais discriminada do mundo, pois até em casa são vítimas de repressão e violência, e cujo único “pecado” é amar seu semelhante? Esquecem-se os donos do poder religioso do ensinamento do discípulo que Jesus amava”, ao afirmar: “Deus é amor e onde há amor, Deus aí está!” (MOTT, 2013, s.p.).

Quando nos voltamos a refletir sobre a posição do ativista e antropólogo Luiz Mott, lembramo-nos das considerações de Jurkewicz (2005) sobre o cristianismo. Ele identifica três distintos posicionamentos frente à homossexualidade. No primeiro posicionamento, o total rechaço foi encontrado por ele entre as vertentes que compreendem a homossexualidade como um comportamento antinatural e como profundamente pecaminosa porque desobedece à prerrogativa determinada pelo divino de procriação por meio do ato sexual. Contudo, mesmo associando a homossexualidade à perversão, o homossexual é acolhido na Igreja. Aceita-se o homossexual e repugna-se a homossexualidade. Em outra vertente, a homossexualidade é aceitável em seu interior de comunhão, embora o homossexual assuma um status inferior na congregação. A postura funciona como uma sugestão de que ele seja incapaz de se adequar à heterossexualidade ou de realizar abstinência que o direcione à relação estável heterossexual. Já a terceira e última posição considera a homossexualidade e o homossexual tão dignos quanto a heterossexualidade e o heterossexual. Nessa vertente, afirma-se que o pecado não está na homossexualidade ou na vida homossexual. Ele reside na promiscuidade, fenômeno apontado como presente também nas relações afetivo-sexuais heterossexuais.

Natividade e Oliveira (2007) serão outros autores que também irão se debruçar sobre as diferenças existentes entre as religiões de caráter cristão. Para eles, entre os adeptos da Igreja Católica, existe uma hegemônica rejeição à homossexualidade, sem que isso represente a exclusão do homossexual da congregação. Os antropólogos identificaram uma certa flexibilidade, quando associada aos setores entendidos como “progressistas” que defendem o acolhimento ao sujeito homossexual que se mantém nos padrões comportamentais do heterossexual. Entretanto, se, de um lado, a doutrina da Igreja se apregoa inclusiva ao homossexual, de outro, ela é enfática na orientação de que o homossexual deve buscar tratamento com especialistas e vivenciar a abstinência sexual, quando for impossível uma vida sexual nos marcos da heterossexualidade. Com as Igrejas Evangélicas brasileiras não existiria uma unicidade discursiva em relação ao homossexual e à homossexualidade. Semelhante a Jurkewicz (2005), Natividade e Oliveira (2007) assinalaram três posturas diferentes. Na primeira, os pentecostais interpretam a homossexualidade como uma possessão demoníaca ou um problema de cunho espiritual do homossexual que facilmente pode ser superado com a procrastinação e a experiência religiosa. A segunda postura, elaborada a partir de uma perspectiva psicológica, associa a homossexualidade com dificuldades no processo de socialização infantil e/ou traumas vividos nesse período da vida. O homossexual é encarado como deformado, sendo-lhe proposta sua associação às ações de conversão à heterossexualidade, a exemplo do Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES); Ministério Exodus Brasil, Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), Associação Brasileira de Apoio aos que Voluntariamente Desejam Deixar a Homossexualidade (ABRACEH), entre outros. E, finalmente, a última postura, mais recente e fortemente atrelada à tendência liberal, que desloca o foco da orientação para o comportamento sexual.

Sem questionar a validade desses processos, a utilização da história, feita dessa forma pelos grupos gays, a exemplo do que foi feito pelo ativista e antropólogo Luiz Mott, está servindo para multiplicar os projetos sobre memórias particulares, uma vez que o tema serve para pensar o que faz cada um homossexual, projetando, assim, essas características na história de vida dessa personagem. Isso pode ser percebido pelo material distribuído pelo responsável pelo debate no Grupo MGM e que serviu como ponto de partida para discussão.

Como as coisas não são explícitas e não há paralelo em torno do Evangelho, a imaginação fica solta. Jesus Cristo poderia ser gay? Protegia João por ser o mais jovem dos discípulos? (...) Durante o Evangelho repete-se várias vezes a expressão “o discípulo que Jesus amava” em vez do nome do discípulo. E o detalhe de João inclinar sua cabeça sob o peito de Jesus? Seria somente João gay e Jesus não? Mas por que o protegia de modo especial? Pela sua condição? Seria somente intimidade de amigos heteros?

A narrativa produz a ideia de que as dimensões e os encontros da sexualidade com a experiência religiosa são propriedades que formam a subjetividade humana, direcionando o sujeito a diferentes modos de compreensão de sua experiência no/com/sobre o mundo. Esse movimento é contínuo e constantemente reelaborado por meio das interações no curso da vivência social, o que possibilita ao sujeito inúmeras possibilidades de construção de si. Tanto as vivências relativas ao campo da sexualidade quanto aquelas experimentadas nas dimensões religiosas munem, em distintos ciclos da vida, representações culturais que dimensionam e produzem significados sobre a vida. A vivência religiosa é, no geral, refletida como parte integrante e indissociada dos processos cognitivos de construção de si e é capaz de orientar as interações com outras dimensões sociais, a exemplo da família e relacionamentos afetivo-sexuais (NATIVIDADE, 2005; HEILBORN, 1999).

Segundo Nora (1993, p. 12), “com a emergência da sociedade no lugar do espaço Nação, a legitimação pelo passado, portanto pela história, cedeu lugar à legitimação pelo futuro; o passado, só seria possível conhecê-lo e venerá-lo, e a Nação servi-la; o futuro, é preciso prepará-lo”. Os grupos gays parecem lidar com a necessidade dessa dupla legitimação, através do passado e daquela ligada à preparação para o futuro. Em ambas, é a história que está sendo utilizada para isso. Dessa forma, os grupos gays estão se tornando “lugares de memória” (NORA, 1993), local em que permanece a busca por uma consciência comemorativa através da história. Não é à toa que surgem momentos de comemoração como, por exemplo, “Festa de aniversário do GGB: 23 anos de luta”. Constróise, por esses mecanismos, uma coletividade envolvida na sua transformação e renovação. Identificando vitórias, os grupos reforçam o seu caráter de preparação para o futuro, demonstram estar no caminho “certo”, conduzindo a todos para uma realidade “melhor”.

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria (NORA, 1993, p. 13).

Isso faz com que os grupos gays busquem marcos que testemunhem o surgimento de uma outra era, comemorando suas conquistas e transformando-as em datas comemorativas, dado o fato de que o que eles defendem está constantemente ameaçado. A lembrança da ameaça de um período rompido com o advento da Aids faz com que haja constantemente a ameaça do surgimento de um outro fato. Assim, a escolha desse tema foi influenciada por um outro fato. Meses antes, a imprensa havia divulgado o resultado de uma pesquisa histórica que levantava a homossexualidade presumida de Hitler, o que causou grande inconformismo nos integrantes dos grupos gays, amedrontados pela consequência dessa declaração, o que poderia gerar a relação entre as atrocidades cometidas na segunda guerra ao fato de Hitler ser homossexual. Nesse sentido, a fala de um integrante do movimento gay é reveladora: “eles nos deram Hitler, mas nós queremos Jesus Cristo”.

A busca por uma história que os legitime é um dos mecanismos empregados pelos grupos gays como mobilização social de uma crítica social. Assim, a construção dessa história específica está centrada no que Foucault (1999) classificou como “insurreição dos saberes sujeitados”. Esses saberes incluem os saberes “baixos” (dos homossexuais) e os “altos”, eruditos, visto que a erudição é que foi capaz de recuperar os conteúdos históricos que foram “mascarados” por sistematizações formais. Portanto, a insurreição serviu para trazer para discussão esses saberes escondidos. Esse parece ser o sentimento que organizou a reunião, em que se percebia uma acusação de que as fontes históricas, a historiografia e os historiadores buscavam esconder esse aspecto da vida de Jesus Cristo e que cabia ao grupo revelar, desmascarar esse saber escondido, adormecido. Ou seja, os grupos vão construindo um saber específico, fortalecido e que ganha legitimidade através do inconsciente coletivo, de que são vítimas e que são constantemente perseguidos, possibilitando, assim, pensar que talvez Jesus Cristo fosse mesmo homossexual e que isso teria sido escondido.

É a produção de um “saber histórico” das lutas como discurso de verdade que serve à luta política desses grupos. Nesse sentido, os grupos estão revelando as múltiplas relações de poder que caracterizam nossa sociedade, que caracterizam e constituem todo corpo social. Assim, os grupos não seriam capazes de existir, de se estabelecer e de funcionar sem a produção de um discurso de verdade. Como não há exercício de poder sem discursos de verdade (FOUCAULT, 1999), reivindicar Jesus Cristo para a galeria de personagens históricos já consagrados como homossexuais deve ser entendido, nessa organização e funcionamento de mecanismos de poder que definem as lutas, como forma de luta, como reivindicação de poder. “Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção da verdade” (FOUCAULT, 1999, p. 28-29).

A produção de conhecimento, as instituições em si, a escolha de símbolos, a definição de marcos comemorativos, as práticas sociais vão compondo o que seria o patrimônio dos grupos gays, com o objetivo politicamente claro de oferecer à comunidade um sentimento de pertencimento que vai servir para construir as identidades homossexuais. Um exemplo disso é a transformação das Paradas do Orgulho Gay como o grande dia de comemoração da comunidade homossexual. Nascidas como comemoração de uma data histórica6 importante para o movimento e comunidade homossexual, as Paradas hoje contam com o apoio do poder público6 que entende que se trata de um momento importante para o fortalecimento da identidade homossexual, da valorização da autoestima, o que vai ocasionar em práticas sociais preventivas, resultando numa ação de prevenção e combate à Aids. As autoridades públicas gostam de enquadrar as comemorações que também servem para enquadrar seu público (LAVILLE, 2005).

Essas comemorações servem para cultivar a memória, criando um sentimento de pertencimento, fortalecendo o grupo. Comemorar é produzir discurso, encenar o passado em gestos, mas no presente, e preparar o futuro, fornecendo uma ideia de coletividade. Portanto, um passado, um presente e um futuro que se unem na comemoração (LAVILLE, 2005). Isso nos remete à importância das narrativas para a construção do conhecimento produzido. Como os membros dos grupos não são historiadores, as narrativas se tornam história, mesmo porque o entendimento de história é aquela narrada. Nós vivemos numa sociedade em que todos são chamados a produzir narrativas sobre si mesmos, a recuperar e narrar suas histórias de vida. A dinâmica das reuniões segue essa lógica de autorreflexão e de confissão construída através da transformação das memórias em narrativas. O entendimento de história compartilhado é este que a define como uma narrativa que remete ao passado. Assim, o lugar dos historiadores está sendo invadido.

Considerações finais

Historicamente, os sentidos que transitaram acerca da homossexualidade e do homossexual foram mediados pela negação da existência e dos relacionamentos afetivo-sexuais. O tratamento moral balizado na ética naturalista obstaculizou o deslocamento dos debates no âmbito ético-político de reconhecimento das necessidades apresentadas pelo movimento gay. A visão religiosa que orientou as afirmações sobre a homossexualidade irá entendê-la como algo externo e que subjuga o corpo físico, emocional e espiritual do homossexual. Nesse sentido, a homossexualidade e o homossexual são corpus distintos que devem ser entendidos como entes que solicitam tratamentos e abordagens distintas da fé cristã.

Nessa lógica, se existe uma força externa indiciada e responsabilizada como sendo a causadora do “pecado” ou “desvio heterossexual”, também coexistem discursos que igualmente convocam a responsabilidade do homossexual por consentir experiências impostas pela tentação da carne. Se, ao longo da tradição católica, os argumentos predominantes se alocam em afirmar que o homossexual se distanciou da natureza, na perspectiva evangélica, de um modo geral, é preponderante a presença da ideia de possessão, eximindo o homossexual de sua responsabilidade sobre a homossexualidade. Com isso, não se trata de desconsiderar as retóricas que balizam a leitura antinatural da homossexualidade, elas confirmam uma profunda dedicação às regras heteronormativas. A pergunta “Jesus Cristo era gay?” sugere expressar uma tensão entre os discursos religiosos e a necessidade de determinada ética que, balizada na inquestionável natureza, buscaria, no filho de Deus, a afirmação da identidade homossexual.

1As tentações vividas por Jesus Cristo durante os 40 dias em que esteve meditando no deserto foram inspiração da produtora “Porta dos Fundos” para uma das cenas do especial natalino “A primeira tentação de Jesus”, veiculada pela Netflix, em 2019. Na sátira de 46 minutos, Jesus Cristo (interpretado pelo ator Gregório Duvivier) volta do deserto com o excêntrico Orlando (interpretado pelo ator Fábio Porchat), com quem parece viver um relacionamento, para a sua festa de aniversário. Essa cena foi o suficiente para despertar reações de lideranças cristãs e políticas que elaboraram um abaixo-assinado que pediu a proibição da veiculação do filme no canal fechado da Netflix. Não obstante, a sede da produtora do programa, na madrugada do dia 24 de dezembro, foi atacada com dois coquetéis molotov.

2Quando nos referimos à comunidade LGBTT, não estamos entendendo-a como homogênea, mas um coletivo que congrega diferentes maneiras de viver, pensar, ser e estar no mundo. Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais que correspondem a uma parcela da população que se identifica com e que se nomeia a partir dessa diversidade de gênero e sexual.

3As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) podem ser causadas por bactérias, vírus ou outros microrganismos vivos, sendo transmitidas, sobretudo, por meio do contato sexual (anal, vaginal e oral) sem o uso de camisinha feminina, masculina ou barreira de látex (um quadrado de látex fino posto sobre a área da vagina ou dos anus durante a realização do sexo oral) com uma pessoa infectada. A transmissão também pode ocorrer verticalmente por meio da mãe à criança durante a gestação, no parto ou no período de amamentação. Ainda que não sendo comum, as IST podem ser transmitidas por meio do contato das bactérias, vírus ou outros microrganismos vivos da pessoa contaminada com a mucosa ou pele não íntegra da pessoa receptora.

4HIV é a sigla, em língua inglesa, do vírus da imunodeficiência humana. Ele é o causador da aids e seu principal efeito é sobre o sistema imunológico responsável por defender o organismo de doenças. Ser portador do HIV não é o mesmo que estar com a aids. Existem inúmeras pessoas soropositivas que não apresentam os sintomas e/ou desenvolvem a doença. Contudo, a pessoa portadora do HIV, sem o tratamento médico e carga viral detectável, é agente transmissora do vírus quando mantém relação sexual desprotegida, compartilhando seringas contaminadas ou quando a mãe passa à criança durante a gravidez ou no período de amamentação, quando não são tomadas as medidas preventivas adequadas.

5Em sessão do dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passasse a ser considerada um crime. Dez dos onze ministros reconheceram a demora inconstitucional do Legislativo em tratar do tema e, diante da omissão do Congresso Nacional, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que a conduta passasse a ser punida pela Lei de Racismo (Lei Federal nº. 7716/89), que prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”.

6 As paradas gays no mundo têm uma história. Há um certo consenso de que esse movimento que hoje leva milhões de pessoas às ruas nasceu no dia 28 de junho de 1969, após uma batida policial no Stonewall Inn, um bar frequentado por lésbicas, gays, bissexuais, travestis em Nova York, nos Estados Unidos. Muito abalados com o falecimento da diva gay Judy Garland, no dia 22 de junho de 1969, e cansados das práticas de agressões, preconceitos, humilhações e perseguições, um grupo resolveu enfrentar os policiais, resultando numa batalha campal que se estendeu por dias seguidos. Ao final, resolveram ir caminhando até a prefeitura da cidade com uma pauta de reivindicações.

7No início dos anos 1980, existiam aproximadamente 20 grupos homossexuais no Brasil que eram financiados por meio da doação de seus quadros (TREVISAN, 2000). Com a eclosão da epidemia de Aids, que afetou com mais incidência e, primeiramente, os homossexuais masculinos, muitas organizações passaram a atuar em projetos de combate à Aids utilizando, como principal mote de atuação, a “educação entre pares” e a elevação da autoestima (PAIVA, 1991). As organizações acreditavam que um sujeito com autoestima elevada não se sujeitaria à prática sexual sem nenhum método de barreira, a exemplo da camisinha, considerando que a integridade de sua saúde poderia ser afetada com o contágio ao HIV. Foi com esse argumento que o movimento gay garantiu, inicialmente, o financiamento dos programas públicos e agências de colaboração de enfrentamento às IST/Aids para as Paradas do Orgulho. No Brasil, o primeiro ato, semelhante às Paradas, ocorreu em 1995, no Rio de Janeiro, no final da 17ª Conferência da, então, Associação Internacional de Lésbicas e Gays (ILGA), que terminou com uma marcha em Copacabana, RJ. No ano seguinte, aconteceu uma manifestação em São Paulo, que reuniu cerca de 500 pessoas. E só em 1997 foi realizada a primeira Parada do Orgulho Gay, Lésbica e Travesti - GLT (assim era a sigla), na Avenida Paulista, com apoio de recursos públicos. No governo do Presidente Lula, foram acrescidos aos recursos das políticas de ITS/ Aids, o financiamento das políticas culturais dos governos federais, estaduais e municipais. Com a explosão da Parada do Orgulho LGBTT de São Paulo, o recrudescimento do conservadorismo no Brasil e o esvaziamento das políticas de promoção à cidadania LGBT nas esferas governamentais, os movimentos sociais, das grandes capitais, têm buscado, na iniciativa privada, os recursos para a realização dos eventos, a exemplo da empresa de fast food Burger King, a Cervejaria Amstel e o aplicativo de mobilidade Uber.

REFERÊNCIAS

ALTMAN, Dennis. Poder e comunidade: respostas organizacionais e culturais à AIDS. 1ª edição. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. [ Links ]

BOSWELL, John. Cristianismo, tolerancia y homosexualidade: los gays en la Europa Occidental desde el comienzo de la edad cristiana hasta el siglo XIV. Barcelona: Muchnik, 1998. [ Links ]

CAETANO, Marcio; RODRIGUES, Alexsandro; SILVA, Cláudio. A mobilização social e resposta comunitária LGBT à AIDS - itinerários reflexivos. # Tear: Revista de Educação Ciência e Tecnologia, Canoas, v.8, n.1, p. 01-17, 2019. [ Links ]

FLANDRIN, Jean-Louis. O sexo e o ocidente: evolução das atitudes e dos comportamentos. São Paulo: Brasiliense, 1988. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 1ª. Edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Os anormais. 1ª. Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2001. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. 8ª Edicão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. [ Links ]

FRY. Peter; MAcRAE, Edward. O que é homossexualidade. 1ª Edicão. São Paulo: Brasiliense, 1985. [ Links ]

GIDEENS, Antony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. 1ª Edição. São Paulo: Editora UNESP, 1993. [ Links ]

GÓIS, João Bosco Hora. A mudança no discurso educacional das ONGs/AIDS no Brasil: concepções e desdobramentos práticos (1985-1998). Revista Interface - comunicação, saúde e educação. v. 7, n. 13, p. 27-44, 2003. [ Links ]

GREEN, James Naylor. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. 1ª. Edição. São Paulo: Editora UNESP, 2000. [ Links ]

GUIMARÃES, Carmem Dora. O homossexual visto por entendidos. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004. [ Links ]

HEILBORN, Maria Luiza. Construção de si, gênero e sexualidade. In. HEILBORN, Maria Luiza (Org.). Sexualidades: o olhar das Ciências Sociais. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 40-58. [ Links ]

JURKEWICZ, Regina Soares. Cristianismo e homossexualidade. In: GROSSI, Miriam et al. (orgs.). Movimentos Sociais, Educação e Sexualidades. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p. 4552. [ Links ]

HALL, S. A identidade cultural da pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2006. [ Links ]

LAVILLE, Christian. Em educação histórica, a memória não vale a razão! Educação em Revista. Belo Horizonte, n. 41, p. 13-41, 2005. [ Links ]

MAcRAE, Edward. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da abertura. 2ª Edição. Salvador: EDUFA, 2018. [ Links ]

MAcRAE, Edward. Em defesa do gueto. In: GREEN, James Naylor; TRINDADE, José Ronaldo (Org.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos. 1ª Edição. São Paulo: Ed. da Unesp, 2005. p. 291308. [ Links ]

MOITA LOPES, Luiz. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. 1ª Edição. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2002. p. 232. [ Links ]

MOTT, Luiz. As igrejas protestantes são homofóbicas. Entrevista dada Eder Fonseca. Panorama Mercantil, 14 de ago. 2013, disponível <https://www.panoramamercantil.com.br/asigrejas-protestantes-sao-homofobicas-luiz-mottantropologo-pesquisador-historiador-e-fundadordo-grupo-gay-da-bahia/> Acesso em: 25 mar. 2020. [ Links ]

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro. Religião e intolerância à homossexualidade. In: SILVA, Vagner G. (org.) Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afrobrasileiro. 1ª Edição. São Paulo: Edusp, 2007. p. 261-302. [ Links ]

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro. Homossexualidade Masculina e experiência religiosa pentecostal. In HEILBORN, Maria Luiza et al (org.) Sexualidade, família e ethos religioso. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p. 247-272. [ Links ]

NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Projeto História -Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História PUC/SP, São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993. [ Links ]

PAIVA, Vera. Em tempos de Aids. 1ª Edição. São Paulo: Simmus, 1991. [ Links ]

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC, v. 5, n. 10, p. 200-215, 1992. [ Links ]

TORRES, Marcos A. Os Significados da Homossexualidade no Discurso Moral-religioso da Igreja Católica em condições históricas e contextuais especificas. In: REVER - Revista de Estudos da Religião, São Paulo, no 1, p. 142-152, 2006. [ Links ]

WEEKS, Jeffrey. Sexualidad. 1ª Edicion. Ciudad de México: UNAM/PUEG/Paidós género y sociedade, 1998. [ Links ]

Recebido: 29 de Agosto de 2023; Aceito: 10 de Outubro de 2023

*

Pós-doutor em Currículo e Narrativas Audiovisuais, com apoio da CAPES e sob orientação da Profa. Dra. Conceição Soares, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do Centro de Memória LGBTI João Antônio Mascarenhas (UFPEL/FURG/UFES/UFOB). Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). E-mail: mrvcaetano@gmail.com

**

Possui graduação em Licenciatura Em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1991) e graduação em Bacharelado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994). Na pós-graduação possui Especialização em Sociologia Urbana pela UERJ (1996) e Especialização em História das Relações Internacionais também pela UERJ (1997), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Atualmente é professor associado de Ensino de História da Faculdade de Educação da UFJF. É professor permanente do PPGE/UFJF (mestrado e doutorado) da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: anderson.ferrari@ufjf.br

Creative Commons License Este é um Corpos, gêneros e sexualidades publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.