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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.24  Rio de Janeiro  2019  Epub 08-Out-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-24782019240050 

Dossiê

Pesquisa em educação de jovens e adultos: memórias e ações na constituição do direito à educação para todos

YOUTH AND ADULT EDUCATION RESEARCH: MEMORIES AND ACTIONS ON BUILDING THE RIGHT TO EDUCATION FOR ALL

INVESTIGACIÓN EN EDUCACIÓN PARA JÓVENES Y ADULTOS: MEMORIAS Y ACCIONES PARA CONSTRUIR EL DERECHO A LA EDUCACIÓN PARA TODOS

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

IIUniversidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.

IIIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.


RESUMO

O artigo, parte do Dossiê 40 anos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), traz memórias e reflexões sobre o percurso de pesquisas e políticas da educação de jovens e adultos contextualizadas nos períodos históricos em que foram produzidas. O trabalho valoriza o significado da sistematização de experiências dos movimentos sociais pela educação popular e aqueles que emergiram dos incentivos da política científica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para a pós-graduação no país. A constituição do Grupo de Trabalho (GT) 18 marca o momento em que a ANPEd formalizou o campo de conhecimentos, reconhecido pelos pesquisadores. O fundamento das pesquisas no campo ancora-se fortemente no direito à educação para todos, reconquistado constitucionalmente em 1988. Esse direito incentiva e promove não apenas ações voltadas ao público jovem e adulto, mas exige também a compreensão de questões relativas ao aprender / escolarizar-se, à formação da cidadania, à luta por direitos conexos e à justiça social.

PALAVRAS-CHAVE: pesquisa em educação de jovens e adultos; educação de jovens e adultos; memórias; Grupo de Trabalho 18; ANPEd

ABSTRACT

The article, part of National Association of Graduate Studies and Research in Education (ANPEd’s) 40th Anniversary Dossier, brings memories and reflections on the course of research and policies of youth and adult education, contextualized in the historical periods in which they were produced. The work values the meaning of the systematization of experiences of social movements through popular education and those that emerged from the incentives of Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Capes) scientific policy for postgraduate studies in the country. The constitution of the work group (GT) 18 marks the moment when ANPEd formalizes the field of knowledge, recognized by the researchers. The foundation of research in the field is strongly anchored in the right to education for all, constitutionally regained in 1988. This right encourages and promotes not only actions aimed at youth and adult audiences, but also requires the understanding of learning issues/schooling, the formation of citizenship, the struggle for related rights and social justice.

KEYWORDS: research on youth and adult education; youth and adult education; memories; Work Group 18; ANPEd

RESUMEN

El artículo, que forma parte del Dossier del Aniversario 40 de Associación Nacional de Postgrado y Pesquisa en Educación (ANPEd), trae recuerdos y reflexiones sobre el curso de la investigación y las políticas de educación de jóvenes y adultos, contextualizadas en los períodos históricos en los que se produjeron. El trabajo valora el significado de la sistematización de las experiencias de los movimientos sociales a través de la educación popular y las que surgieron de los incentivos de la política científica de Coordenación de Perfeccionamento de Personal de Nível Superior (Capes) para los estudios de posgrado en el país. La constitución del Grupo de Trabajo (GT) 18 marca el momento en que ANPEd formaliza el campo del conocimiento, reconocido por los investigadores. La base de la investigación en el campo está fuertemente anclada en el derecho a la educación para todos, recuperado constitucionalmente en 1988. Ese derecho alienta y promueve no solo acciones dirigidas al público juvenil y adulto, sino que también requiere la comprensión de los problemas de aprendizaje/escolarización, la formación de ciudadanía, la lucha por los derechos conexos y la justicia social.

PALABRAS CLAVE: investigación en educación de jóvenes y adultos; educación de jóvenes y adultos; recuerdos; Grupo de Trabajo 18; ANPEd

INTRODUÇÃO

No momento em que nos dedicamos a escrever este artigo, vivemos no plano federal um novo governo eleito em 2018, o de Jair Bolsonaro. A menção a esse fato não seria de preocupação se as instituições brasileiras fossem sólidas e garantissem que políticas estabelecidas em governos anteriores, frutos de ampla discussão com a sociedade, tivessem asseguradas permanência e continuidade, sendo aprimoradas ao longo de novas gestões. Não é o caso do novo governo no que se refere à educação de jovens e adultos (EJA). Já nos primeiros atos, a estrutura que se dedicava a essa modalidade de ensino - a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) - foi dissolvida, e hoje não se encontra no Ministério da Educação (MEC) alguém responsável por ela, apenas restando a Secretaria de Alfabetização, cujo olhar está muito mais focado na educação infantil e no ensino fundamental. Se é verdade que o programa de governo do então candidato não se apresentava com um texto adensado, com claros objetivos e metas para os quatro anos de governo, nada havia para a EJA, nem mesmo menção ao elevado número de analfabetos no país e políticas para superá-las.

Desde a campanha eleitoral de 2018, em agosto daquele ano, em palestra para empresários no Espírito Santo, o candidato afirmaria: “A educação brasileira está afundando. Temos que debater a ideologia de gênero e a Escola sem Partido. [Vou] Entrar com um lança-chamas no MEC para tirar o Paulo Freire de lá”. E complementou: “Eles defendem que tem que ser crítico. Vai lá no Japão, vai ver se eles estão preocupados com o pensamento crítico”. Em seu programa de governo para a educação, defendeu expurgar o educador das escolas. A posição do vitorioso quanto à educação de adultos se restringiu a atacar o mais importante educador brasileiro, justificando que seu pensamento não deveria ser respeitado, mas excluído das escolas brasileiras, num claro anúncio de estreiteza de pensamento que visa construir uma escola não interessada em desenvolver o espírito crítico dos estudantes, apenas a aprendizagem formal de conteúdos voltados ao mercado de trabalho.

A EJA vinha sendo gradativamente reconhecida como direito humano, inscrita em legislações e orientações por parte dos governos anteriores, com incremento de políticas e recursos, fruto da pressão da sociedade não só no Brasil, mas também no plano internacional, como mostra este artigo. Tal pressão é o resultado da tomada de consciência da população sobre o elevado número de cidadãos e cidadãs brasileiros, jovens e adultos, que não haviam concluído a escolaridade básica, muitos deles nem as primeiras letras, e ainda sobre a importância da escola para uma vida com mais direitos e cidadania. O reconhecimento formal do direito não significou a implantação imediata de políticas, tampouco sua extensão para todas as pessoas.

A verdade é que grande parte do atendimento na modalidade da EJA não está nas mãos do governo federal, mas sim na dos governos estaduais e municipais. Sua presença indutora, no entanto, é significativa, como demonstram pesquisas realizadas pelo Grupo de Trabalho (GT) 18 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), além de influir nas políticas e no destino dos recursos.

Nossa avaliação é a de que vamos entrar em um período de desmonte do que foi construído no plano federal, porém com grande esperança sobre o papel dos governos estaduais e municipais - que venham a compreender a gravidade da ruptura do direito e assumir nas esferas de atuação, com recursos próprios, o dever com a educação desses sujeitos de direito. Isso nos leva a refletir acerca da pesquisa em EJA para os novos tempos. É o que procuramos fazer ao longo deste texto, por meio de uma análise a respeito da constituição desse campo de investigação e das orientações que o guiaram.

Este texto tem seu foco na EJA na modalidade formal, escolar, sem deixar de dialogar com as diversas formas de ensinar e aprender conhecidas, como educação popular, educação não formal e educação não escolar.

TEMPO DE EXPERIÊNCIAS EM MOVIMENTOS SOCIAIS: SISTEMATIZAÇÃO E MEMÓRIA

A EJA tem, entre os fatores responsáveis pela sua constituição como direito, a proximidade com os movimentos sociais. Foi no contexto das lutas de setores da sociedade por mais cidadania que apareceu a demanda por escolarização para pessoas que não tinham tido possibilidade de estudar. Essa demanda, vinda por parte de setores organizados específicos, acabava por dar qualidade ao tipo de escola requerida ao exigi-la de acordo com as lutas empreendidas e com o perfil e a especificidade dos demandantes1. Não só esse fator contribuiu, mas sem ele nada teria ocorrido com a mesma qualidade e especificidade. Isso se deu ao mesmo tempo em que o reconhecimento da EJA como direito vinha sendo produzido pelo crescente movimento da sociedade em ver a oferta de escolaridade ampliada para todas as pessoas como necessidade humana, no processo de constituição cidadã. Um direito, portanto, a ser garantido de forma universal e sem discriminação de nenhuma natureza. Trata-se também de um direito indivisível dos demais direitos, porque só com a realização de todos é possível a realização de cada um. Para que essas experiências não se percam, especialmente porque nem sempre são sistematizadas e registradas, mobiliza-se um conceito de memória como reconstrução: evocação “de um passado visto pela perspectiva do presente e marcado pelo social, presente a questão da memória individual e da memória coletiva” (Lang, 1996, p. 35).

O esforço de estudiosos como Oscar Jara (1996) e Anna Santiago e Elza Falkembach (2010) não tem sido suficiente para garantir que os movimentos sociais, nas lutas cotidianas, atentem para os necessários registros que apenas a memória acaba por não dar conta - e que se perde no tempo, porque guardada por alguns protagonistas e pesquisadores sem constituir a densa história a que o movimento social faz jus no país. A memória resgatada, sozinha, não revela a história se não houver quem a interprete. Neste artigo, a recuperação da memória dos autores e da documentação existente limita-se à parcialidade da memória, o que não a invalida, mas pode restringir sua compreensão, como alertam Schueler e Magaldi (2009, p. 52).

O fato de a sociedade vir gradativamente colocando a EJA no horizonte dos direitos nos remete a dois fatores: o primeiro é identificar esse direito como produto da pressão de grupos, indivíduos e movimentos que demandaram e exigiram que a educação fosse colocada nesse horizonte; e o segundo é que, uma vez reconhecido o direito, a ação imediata da sociedade foi requerer sua oferta pelo poder público.

A demanda por escolaridade para pessoas que não puderam realizá-la no período definido pelas sociedades como o mais adequado apareceu de modo mais permanente a partir dos anos 1950 e 60 no caso brasileiro. Com o forte crescimento econômico daquele período, baseado nos processos de industrialização e urbanização, passou-se a demandar mais mão de obra escolarizada. Também a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no período pós-Segunda Guerra, passou a promover a importância em ligar programas de alfabetização ao desenvolvimento e à construção da paz. Desses movimentos nasceram as primeiras políticas públicas (Beisiegel, 1997), ainda tímidas, voltadas a atender a necessidades da economia.

É nesse contexto geral que podemos localizar outras demandas que nasceram de setores específicos e marginalizados, consequência da luta por inclusão social. Foi da luta dos trabalhadores industriais do Grande ABC, por exemplo, que as escolas de EJA começaram a ser demandadas e ofertadas como experiência sindical; foi com os bairros mais pobres das periferias dos grandes centros que movimentos urbanos, de moradores, de mulheres, de saúde, de trabalhadores de construção civil, entre outros que lutavam por direitos passariam a demandar o ensino da leitura, da escrita e de conteúdos escolares para exercerem melhor seu papel na sociedade.

Além disso, na zona rural, a demanda por EJA passou a ser crescente. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) demandava que nos seus acampamentos as escolas de adultos chegassem às escolas para crianças e adolescentes. O mesmo ocorreu com quilombolas que viam na aquisição da escolaridade, juntamente com a recuperação de suas tradições e ancestralidades, um forte instrumento de construção da própria identidade. Também nos sindicatos de seringueiros de Xapuri, no Acre, Chico Mendes impulsionaria programas de alfabetização de trabalhadores da seringa como instrumento de defesa e luta contra os barracões que os exploravam por meio do falso controle de suas contas na compra da borracha e venda de produtos para a sobrevivência pessoal.

Mais recentemente, a luta contra todo tipo de discriminação e preconceito produziu movimentos de reafirmação de identidades de gênero, raça, orientação sexual e tantos outros que condenavam o racismo, o machismo, o patriarcado, a xenofobia, a homofobia entre muitas formas de exclusão social e atuavam no combate a elas. No bojo dessas experiências, a demanda por escolarização sempre foi reafirmada nos momentos em que surgiam necessidades pela melhor formação dos integrantes e militantes dos movimentos sociais.

Nos anos 1970, a educação popular passou a hegemonizar os interesses dos pesquisadores em EJA em detrimento dos temas da escolarização. Isso vinha ocorrendo não só pelo caráter inovador e relevante dos movimentos de cultura popular das décadas anteriores, como o Movimento de Cultura Popular (MCP), o Centro Popular de Cultura (CPC), a experiência do Movimento de Educação de Base (MEB), a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, na capital Natal, no Rio Grande do Norte (RN), e tantos outros que ocorreram no momento anterior ao golpe de 1964 (Fávero, 1983; Fávero e Motta, 2015), mas também pelos desdobramentos das décadas seguintes, em experiências de resistência e luta por novos direitos, como mencionado.

Reforçava essa postura uma acentuada crítica aos sistemas escolares como reprodutores de relações de classe, orientada pelos estudos da sociologia reprodutiva (Bourdieu e Passeron, 1970, e outros). Essa tendência acabou por resultar na criação do GT Movimentos Sociais no Campo, em 1981 (posteriormente denominado de Movimentos Sociais e Educação, no ano de 1993), e do GT Educação Popular, em 1982, na ANPEd. Ambos passaram a acolher grande quantidade de trabalhos sobre práticas de educação popular e estudos acerca de movimentos sociais que se estenderam no período de democratização, marcando consideravelmente a abertura política dos anos 1980 e 90.

Foi no âmbito dessas experiências que o tema da educação escolar de adultos passou a ser demandado pela própria população que participava desses movimentos sociais, o que levou educadores populares e professores a reivindicarem o direito à educação para essas pessoas e que se traduziu na mobilização de garanti-lo na nova Constituição de 1988, assim como na exigência do dever do Estado por ofertar esse serviço. Posteriormente, a luta por um marco legal e políticas para a EJA avançou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB de 1996), nos Planos Nacionais de Educação (PNE) e, finalmente, nas novas legislações do início deste século. Nesse contexto, no âmbito dos trabalhos e estudos apresentados no GT Educação Popular e no GT Movimentos Sociais e Educação, da ANPEd, começaram a surgir com maior intensidade estudos sobre escolarização de jovens e adultos, suas políticas, lutas e conquistas, assim como trabalhos a respeito da sistematização de experiências e práticas nessa modalidade de ensino.

O GRUPO DE TRABALHO EDUCAÇÃO DE PESSOAS JOVENS E ADULTAS

O incremento desses estudos refletia a preocupação e a sensibilidade de uma parcela dos pesquisadores que se voltaram a ouvir a demanda dos setores populares no contexto das experiências realizadas nos movimentos sociais. O número maior de trabalhos sobre o tema, unido à percepção da complexidade e especificidade da escolarização popular diante dos estudos de educação popular, acabou por levar tais pesquisadores a demandar um GT próprio em EJA que pudesse acolher essa produção de conhecimento.

A aprovação pela assembleia de sócios da ANPEd do Grupo de Estudos (GE)2 Educação de Jovens e Adultos, em 1997, resultou no incremento considerável de pesquisadores e estudantes preocupados com a temática, assim como no aumento de trabalhos apresentados e discutidos, que antes eram acolhidos em outros grupos que não tinham a especificidade da temática como centralidade. Um estudo coordenado por Soares (2011) mostrou esse avanço ao investigar os trabalhos apresentados no GT nos dez primeiros anos de atuação. Paralelamente, iniciativas de alfabetização de adultos continuavam a acontecer em grupos populares organizados em igrejas, associações e sindicatos.

Durante muitos anos, o atendimento à educação de adultos esteve nas mãos da sociedade civil, por meio de uma pluralidade de iniciativas espalhadas pelo país. Organizações não governamentais (ONGs) como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi)3, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)4, o Nova5, o Instituto Paulo Freire (IPF)6, o Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes)7, o Serviço de Apoio à Pesquisa em Educação (Sapé)8 e o Vereda9 - uma ONG criada e presidida por Paulo Freire em 1982, de longa tradição na educação popular - assessoraram trabalhos comunitários e, em muitos casos, desenvolveram ações diretamente, além de integrarem a Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora do Brasil (RAAAB), que durante alguns anos sustentou a parceria entre instituições e editou uma revista denominada de Alfabetização e Cidadania (1994-2006)10. Dessa rede, também fizeram parte a Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação11, a Associação Difusora de Treinamentos e Projetos Pedagógicos (Aditepp)12, a Associação de Saúde da Periferia (ASP)13, o Centro de Formação e Assessoria Popular da Paraíba (COFP)14 e o MEB15. Outras instituições também se envolveram com as lutas de alfabetização, como o Centro de Ação Comunitária (Cedac), o Centro de Educação e Cultura Popular (Cecup, Bahia)16, o Movimento de Organização Comunitária (MOC, Bahia)17, o Instituto Universidade Popular (Unipop, de Belém)18, além de projetos desenvolvidos em parceria com universidades, como o Projeto Escola Zé Peão19, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e do Mobiliário de João Pessoa e de um grupo de professores e estudantes do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e o projeto do Centro Paulo Freire20, com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Data do fim dos anos 1970 e começo dos 80 o registro da retomada dos cursos de alfabetização de adultos em governos locais, com o início do processo de redemocratização no país. Por conta da pressão por atender os trabalhadores das prefeituras que apresentavam um quadro de analfabetismo ou mesmo de pouca escolaridade, começaram a surgir classes de alfabetização como, por exemplo, em Lages (Santa Catarina) e Campinas (São Paulo).

No âmbito internacional existem diversas redes, articulações e associações em torno da educação de adultos, tanto nos países do Norte como nos do Sul. Podem estar constituídas como redes acadêmicas, articulações de grupos da sociedade civil, de profissionais da educação, de educandos.

No mundo acadêmico, as associações de pesquisadores em educação contemplam a educação de adultos em amplo espectro - da educação vocacional, de orientação mais liberal, voltada à formação e à preparação de mão de obra, até o trabalho com grupos marginalizados e discriminados, como imigrantes, minorias religiosas, grupos de mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex (LGBTIs), normalmente orientados por pedagogias críticas. Podemos citar como exemplo o Grupo de Interesse Especial (SIG 4) em Educação de Adultos e Alfabetização de Adultos da Associação de Pesquisa Educacional da América20 e o grupo especial Educação Vocacional e Training da Associação de Pesquisa Educacional Europeia21. Há ainda redes específicas de pesquisadores em EJA, de caráter nacional ou regional, como é o caso da associação europeia de pesquisadores, a European Society for Research on the Education of Adults (Sociedade Europeia de Pesquisa em Educação de Adultos - ESREA), entre outras.

As redes e articulações da sociedade civil constituíram-se na metade do século passado como forma de pressão para o reconhecimento do direito das populações adultas por educação. Também atuam com programas educativos escolares e não escolares, podendo ou não receber subsídios públicos para o seu funcionamento. O leque de atividades é muito grande e o perfil dos usuários também. Os cursos podem ser, entre outros, no campo da literatura, artes, ensino técnico, ensino de línguas, todos voltados a jovens, adultos e idosos, com currículos e durações variáveis. As orientações político-pedagógicas também variam muito, a depender de quem promove, das culturas dos países e regiões e das demandas dos usuários, que acabam condicionando a oferta.

A grande representação internacional das redes de sociedade civil é o International Council for Adult Education (Conselho Internacional de Educação de Adultos - Icae)24. Fundado em 1972, na III Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), o Icae representa mais de 800 organizações que trabalham na promoção do “direito à aprendizagem, alfabetização, educação de jovens e adultos e aprendizagem ao longo da vida”. É constituído de organizações membros em nível regional e nacional e membros nacionais de 75 países. Entre as regionais africanas, estão, por exemplo: a Associação Pan-Africana para a Alfabetização e Educação de Adultos (Paalae), a Rede de Desenvolvimento e Comunicação das Mulheres Africanas (Femnet) e a Campanha da Rede Africana de Educação para Todos (Ancefa); no mundo árabe, a Rede Árabe para Alfabetização e Educação de Adultos (Anlae); na Ásia, a Associação Ásia-Pacífico Sul para Educação Básica e Adulta (ASPBAE); no Caribe, o Conselho Regional Caribenho de Educação de Adultos (Carcae); na Europa, a Associação Europeia para a Educação de Adultos (EAEA); e na América do Norte, a Aliança Norte-Americana para a Educação Popular e Adulta (NAAPAE). Os associados podem ser professores, pesquisadores, ativistas, estudantes e outros que atuam com essa modalidade de educação.

Especificamente no caso latino-americano, o Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (Ceaal)24, antes chamado de Conselho de Educação de Adultos da América Latina, uma das redes atuais do Icae, fundada em 1982 e tendo Paulo Freire como seu primeiro presidente, hoje congrega 195 organizações de 21 países com perfil que se identifica com a tradição da educação popular, muitas delas brasileiras. Há que se notar que essas organizações da sociedade civil, além do seu trabalho de assessoria a projetos de escolarização, como visto anteriormente, têm na sua dinâmica a produção de conhecimentos e a sistematização de práticas que se traduzem em publicações disponíveis em sites, contribuindo para o avanço da pesquisa em EJA.

No plano das organizações internacionais, entre aquelas afiliadas às Nações Unidas, vale destacar o Instituto de Aprendizagem ao Longo da Vida (UIL)25, da Unesco, com sede em Hamburgo, na Alemanha, que tem como uma de suas responsabilidades promover a educação de adultos nos Estados membros. Entre suas ações, estão a organização da Confintea e a elaboração do Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos (Grale), documento de seguimento dos acordos realizados por Estados membros nas conferências internacionais. O instituto tem biblioteca especializada em EJA e acolhe pesquisadores em suas instalações para a realização de pesquisas documentais.

No caso da América Latina, vale destacar o Centro de Cooperación Regional para la Educación de Adultos en América Latina y el Caribe (Crefal)26, situado na cidade de Pátzcuaro, México, que até muito recentemente desempenhou papel significativo como organismo regional, com apoio total do governo mexicano, promovendo cursos, investigações, publicações e contando com um centro de documentação aberto para pesquisadores no campo da EJA.

No Brasil, tanto a Unesco quanto a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) vêm cumprindo importante papel no campo da produção de conhecimentos, em convênios com ministérios e universidades.

DISPUTAS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E SOCIAIS PELO DIREITO À EDUCAÇÃO PARA TODOS

A transição do Brasil da ditadura civil-militar para a democracia iniciou-se entre 1975 e 1979, no que Geisel chamou de “distensão lenta, segura e gradual”. Figueiredo, que o sucedeu (e representou o poder militar entre 1979 e 1985), passou o poder para os civis, o que implicou também a reformulação de instituições implantadas pelo governo autoritário que deram parte de sustentação aos projetos de desenvolvimento nacional, segundo a óptica do poder constituído após o golpe de 1964.

Legitimando o projeto nacional do golpe militar, tanto a Constituição Federal de 1967 quanto a emenda de 1969 e todas as intervenções decorrentes na área educacional asseguravam o mínimo à educação, assim como adequavam “o projeto educacional, em todos os níveis e em todas as modalidades de ensino e da formação profissional, ao novo projeto nacional” (Fávero, 2001, p. 253), marcado pela relação educação e desenvolvimento e pela ideia de educação como investimento.

Na Emenda Constitucional de 1969 (art. 176, § 3º incisos I e II) aparece, pela primeira vez, a educação como dever do Estado, assegurado apenas o ensino primário obrigatório para todos, dos 7 aos 14 anos, como direito (Brasil, 1969). Horta (1998) assinala ainda que essa mesma Constituição “retoma dispositivos legais presentes na educação brasileira desde o Império, relacionando a obrigatoriedade escolar com a faixa etária e com o nível de ensino” (Horta, 1998, p. 24).

Mais tarde, a Lei nº 5.692/71 consagrou essa relação (constante dos art. 176 e 178 da Constituição) (Brasil, 1971), entendendo o ensino primário como o de primeiro grau, já de oito anos e de obrigatoriedade dos 7 aos 14 anos. Também por ela o ensino supletivo passava, paralelamente ao Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)27, a configurar no interior dos sistemas de ensino uma modalidade compensatória de educação (Cap. IV da Lei nº 5.692/71). Essa modalidade traduzia-se por cursos de formação geral e profissionalizante, além de oferta de exames supletivos para trabalhadores sem escolaridade completa e que demandavam certificação em níveis do que hoje corresponderia aos ensinos fundamental e médio. Ela também era oferecida nos centros de estudos supletivos, com textos modulares e provas de aferição de conhecimento, gradativamente aplicadas (cf. Parecer CFE nº 699/72 sobre funções do ensino supletivo - Brasil, 1972). O ensino supletivo e a ação do Mobral, assim como outras políticas implantadas no período, estavam ancorados em conceitos da teoria do capital humano (Cunha e Góes, 1985; Ferreira Jr. e Bittar, 2008), de acordo com o caráter desenvolvimentista da ditadura militar

Bosi (1992), analisando a educação e a cultura nas constituições brasileiras, afirma que no império e na república velha a educação foi tratada como assunto privado e que tanto a Constituição de 1967 quanto a emenda de 1969, durante o regime autoritário, mais ainda se prestaram a confundir público e privado, antes separados pela Constituição de 1934, no tocante principalmente aos recursos públicos. Estudos sobre a educação nas constituintes (Fávero, 2001) demonstram que só em 1934, pela primeira vez, a Constituição Federal declarou que “a educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos (art. 149)” (apudFávero, 2001, p. 12). Segundo Rocha (2001, p. 111), essa declaração traduz, por parte dos legisladores, o lado “histórico-crítico inovador [que] estendeu-se também à renovação do campo educacional”. O autor segue afirmando: “A concepção doutrinária dos renovadores é a de considerar que o Estado moderno constitucional exige que se faça a afirmação da educação como um direito individual à semelhança do direito ao trabalho, à subsistência etc., já consagrados nas constituições modernas” (Rocha, 2001, p. 125).

No tocante à alfabetização e pós-alfabetização de adultos, antes elas eram organizadas, com legislação própria, no Mobral, um potente organismo paralelo ao sistema de educação. O Mobral era então executor de ações com recursos oriundos da loteria federal e de indicações de até 2% do imposto de renda de pessoa jurídica. Com sua extinção, o papel passaria a caber à Fundação Educar. Criada em 1985, e agora integrante do MEC, apresentava um modelo mais descentralizado e flexível, estabelecendo convênios com estados, prefeituras e instituições que desenvolviam ações visando atender à EJA, garantindo apoio financeiro e indução técnica a todos os conveniados.

Na transição democrática que se processava no país e com a derrota no Congresso da emenda constitucional por eleições diretas para a presidência da república, o governo que se instalou, eleito indiretamente por um colegiado no Congresso, teve com a morte de Tancredo Neves a assunção do vice-presidente José Sarney, com quem se iniciariam a mudança e a reformulação de muitas instituições nacionais.

Em nível político, portanto, os ventos da Constituinte organizavam a sociedade civil no sentido de consagrarem, pelo voto, representantes das lutas defendidas pelos grupos populares, em busca de conquistas por direitos, pela justiça social e pela redução da desigualdade, em muito produzida pelas escolhas do regime militar.

A perspectiva de direitos da cidadania, adensada na década de 1980 pelas lutas em prol do Estado de direito, articuladas e estimuladas em forma de organizações sociais que surgiam como resposta à repressão empreendida pela ditadura militar, via suas metas primeiras se coroarem com a Constituinte e com a mobilização de inúmeros fóruns da sociedade, propositores de temas e princípios para incorporação à nova Carta. Pressões e articulações foram tecidas para a definição do texto constitucional, finalmente aprovado em 5 de outubro de 1988, quando o direito à educação voltava à Carta Magna e passaria a ser para todos os brasileiros. A “Constituição Federal de 1988 fecha o círculo com relação ao direito à educação e à obrigatoriedade escolar na legislação brasileira, recuperando o conceito de educação como direito público subjetivo, abandonado desde a década de 30” (Horta, 1998, p. 25), cuidando, segundo o autor, para que a proteção ao direito estivesse assegurada.

A Constituição de 1988 veio, assim, contribuir para a legitimação de tensões históricas, garantindo novamente no texto da lei a educação para todos como direito. As conferências internacionais e os acordos firmados na década de 1990 reafirmaram o papel da educação continuadamente nas políticas de todas as áreas, embora esse entendimento e a garantia constitucional não fossem suficientes para mudar as práticas. No início da década seguinte, 1990, o Brasil, participando da Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, subscreveu a declaração - produto final desse encontro -, que proclama a educação para todos, gratuita e de boa qualidade. Durante os anos 1990, esse evento exerceu forte influência em outras conferências, bem como reforçou na pauta das agendas nacionais e subnacionais o direito de todos à educação.

Direito à educação, assim entendido, tem existido como fundamento à ideia de educação como condição necessária, ainda que não suficiente, para se pensar o modelo democrático de sociedade, no qual o papel do Estado, como garantidor desse direito, tem sido insubstituível.

Apesar da formulação do texto constitucional, no entanto, o direito não se faz prática automaticamente; há que ser implementado e ter garantido o seu cumprimento. Segundo Bobbio (1992), o problema mais grave na atualidade em relação à conquista de direitos não é a sua fundamentação, mas como protegê-los. Para a população que luta por direito à educação, é clara a ideia de que a luta é cotidiana, que se luta hoje para conquistar amanhã. Se não houver vigilância, o direito pode se perder, e então é preciso voltar a lutar. A luta cansa, mas também ensina, e esta é, pois, uma grande aprendizagem da luta (Sposito, 1993; Paiva, 2000).

Com visão perspicaz sobre seu tempo e projetando o porvir, Anísio Teixeira em 1968 explicitava como na história se constrói a justificação da desigualdade a serviço de interesses em ascensão na nova sociedade industrial. Lançando mão de teorias do indivíduo soberano, assim como do laissez-faire econômico, antevia a “mão invisível” das “leis naturais” na economia e o desprezo à dependência desse tal regime por um novo nível educacional da humanidade, “mantendo-se o sistema de educação das elites fundamentalmente fechado às classes populares” (Teixeira, 1996, p. 29). Todavia, a existência da formulação legal do direito à educação, como defendido por Anísio Teixeira, não significa sua prática, assim como a luta pelo direito nem sempre chega a constituí-lo.

Paulo Freire (1994), ao defender a humanização de homens e mulheres, por serem inacabados, impõe-se na luta política pela igualdade e pela liberdade, o que passa a ser possível, no plano histórico, por meio da vivência do método democrático:

Não hesitaria em afirmar que, tendo-se tornado historicamente o ser mais a vocação ontológica de mulheres e homens, será a democrática a forma de luta ou de busca mais adequada à realização humana do ser mais. Há, assim, um fundamento ontológico e histórico para a luta política em torno não apenas da democracia mas de seu constante aperfeiçoamento. (Freire, 1994, p. 185)

Essa questão remete-se a duas considerações. A primeira acredita ser suficiente defender o acesso à escola para todos como modo de assegurar a base democrática, e a segunda exige interrogar o modelo de democracia do qual se fala. A primeira consideração interage imediatamente com o campo de estudos da EJA, especificamente quando esta é defendida como direito à escolarização para todos. Para o Estado democrático, é dever estrito proporcionar educação a todas as crianças, jovens e adultos. No entanto, para Bosi (1992, p. 341), “o Estado neocapitalista, já que dificilmente chega a ser democrático, não pode ser menos que liberal”.

Acerca da segunda consideração, interrogando o modelo de democracia em questão, Bosi (1992, p. 341) também ajuda a compreendê-la:

Se o projeto educacional brasileiro fosse realmente democrático, se ele quisesse penetrar, de fato, na riqueza da sociedade civil, ele promoveria a um plano prioritário tudo quanto significasse, na cultura erudita (universitária ou não), um dobrar-se atento à vida e à expressão do povo; e, igualmente, tudo quanto fosse uma reflexão sobre as possibilidades, ou as imposturas, veiculadas pela indústria e pelo comércio cultural. Friso as duas direções: uma, de acolhimento e entendimento profundo das manifestações e aspirações populares; outra, de controle e de crítica, ou, positivamente, de orientação das mensagens veiculadas pelos meios que atingem a massa da população.

Este é o sentido de um projeto educador para Freire: não apenas ensinar a letra, mas levar o homem à consciência de si, do outro, da natureza.

Com essas formulações, consagradas desde o Brasil das décadas de 1950-60 e posteriormente durante o exílio, a indicação de Paulo Freire para a Secretaria Municipal de Educação (1989-1991), no mandato da prefeita da cidade de São Paulo Luiza Erundina (1989-1992), pôde experienciar um grande impulso governamental, especialmente com a criação do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, visando à educação de adultos e envolvendo fortemente o movimento comunitário, as Comunidades Eclesiais de Base, associações de moradores etc. Nessa experiência se consagrava a máxima de que a educação de adultos, na medida do possível, não deveria se descolar das forças políticas organizadas da sociedade, formulando propostas curriculares mais vinculadas às experiências e práticas sociais de jovens e de adultos.

É desse período também o surgimento de projetos de alfabetização de trabalhadores no interior das universidades públicas, como no caso da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (Oliveira e Duarte, 1992). Além desta, em algumas outras instituições universitárias projetos foram desenvolvidos e até mesmo se criaram habilitações em educação de adultos nos cursos de Pedagogia, com o objetivo de preparar futuros pedagogos para darem conta da complexidade que caracterizava esse campo (Universidade do Estado da Bahia, campus Juazeiro, 1985 apudSoares, 2008).

Todo esse conjunto de políticas, inicialmente de alfabetização de adultos, começava a ser sistematizado, e seus protagonistas iniciavam o percurso de apresentá-las em eventos acadêmicos, nos quais passaram a ser problematizadas. Um dos primeiros espaços universitários em que essas apresentações se deram foi o Encontro de Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores, que teve início em 1993 e se realiza a cada dois anos, no interior do Congresso de Leitura do Brasil (Cole), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (cf. Ribeiro, 2001). Um evento de âmbito internacional, dessa vez no Brasil em 1993, na cidade de Olinda, Pernambuco, o Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores contribuiu para reforçar a necessidade da pesquisa no campo, ao fazer um balanço dos movimentos recentes ocorridos até então e iluminar os novos horizontes que se abriam para seu desenvolvimento (Inep, 1994). Avaliou-se que as pesquisas no Brasil enfrentavam ainda muitas limitações e, “por serem pouco numerosas, abordavam aspectos particulares do tema, tinham abrangência reduzida, caráter predominantemente diagnóstico e pouco analítico, dialogando muito eventualmente com outros campos do conhecimento científico” (Haddad, 1992, p. 82). Constatava-se, ainda, que universidades e centros de pesquisa tinham sido “tímidos - quando não negligentes” (Haddad, 1992, p. 82) - no enfrentamento dos desafios colocados pela educação básica de jovens e adultos.

No ano seguinte e também no Nordeste brasileiro, outro evento internacional pavimentou o caminho do fortalecimento do campo da EJA. O IV Seminário Internacional Universidade e Educação Popular, promovido em 1994, em João Pessoa, Paraíba, situa-se entre os acontecimentos que impulsionaram a reflexão e o debate em torno do papel das instituições de ensino superior, no sentido “de colocar tudo que há de melhor na universidade à disposição da grande maioria da população latino-americana frequentemente excluída dos benefícios sociais básicos da sociedade” (Ireland, 1995, p. 12).

Em 1996, foi a vez de São Paulo sediar, no Memorial da América Latina, um evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário de grande impacto para a EJA nos anos seguintes. A realização do Seminário Internacional Educação e Escolarização de Jovens e Adultos representou um marco nacional, cujos desdobramentos dariam os contornos da mobilização em torno do campo da EJA no Brasil.

Três pontos podem ser destacados do seminário, segundo Soares (2019), entre tantos outros significativos. O primeiro diz respeito ao fato de conseguir reunir, em um só evento, um número expressivo de professores, pesquisadores, estudantes, militantes da EJA de diversas regiões do país, o que significou rara oportunidade de encontro e de conhecimento das atuações profissionais e acadêmicas desenvolvidas em diferentes pontos do Brasil. O segundo foi a divulgação de que se realizaria em Hamburgo, no ano seguinte, 1997, a V Confintea, informe que provocou espanto nos participantes do seminário, já que eram desconhecidos tanto o evento e sua importância no âmbito da Unesco quanto a existência de relatos do governo brasileiro sobre edições anteriores. O terceiro ponto a se destacar diz respeito à presença marcante de Paulo Freire, que proferiu a palestra de encerramento do seminário. Os fatos apontados, somados aos demais aspectos do evento, como a presença de expoentes internacionais da EJA (entre eles, José Rivero, da Oficina Regional de Educación para América Latina y el Caribe; Isabel Infante e Maria Eugênia Letelier, do Chile; Carlos Alberto Torres, da Universidade da Califórnia em Los Angeles; e Ramón Flecha, de Barcelona), contribuíram para potencializar iniciativas de expansão do campo.

Uma vez divulgada a realização da V Confintea, desencadeou-se no Brasil a mobilização da sociedade em torno da organização para a participação brasileira nessa conferência, que teve início com os encontros preparatórios estaduais e regionais, em 1996, culminando com o encontro nacional em Natal, vivenciado com forte tensionamento com dirigentes do MEC do governo Fernando Henrique Cardoso, cujas opção e prioridade se fixaram na universalização da escola básica, para crianças. A articulação decorrente desses encontros levou ao surgimento do primeiro fórum de EJA, no Rio de Janeiro, dando início, assim, ao fomento à criação de fóruns estaduais em todos os estados brasileiros (cf. Soares, 2004; Di Pierro, 2005; Paiva, 2005; Dantas, 2010), que em muito colaboraram para o desenvolvimento de estudos, a socialização de experiências e o avanço do campo.

A V Confintea (Ireland, 1999) trouxe para a EJA no Brasil inúmeros avanços nos campos conceitual, metodológico e político, respaldados na Declaração de Hamburgo e na Agenda para o Futuro, documentos finais da conferência. Em relação às universidades, a Agenda estabeleceu, no art. 19, a necessidade de “abrir aos adultos as escolas e as universidades e outros estabelecimentos de ensino superior [...] estabelecendo parcerias entre universidades e comunidades para a realização conjunta de atividades de pesquisa e formação, e tornando acessíveis os serviços” (Brasil e Unesco, 2004, p. 58-59).

Completando esse breve cenário, em 20 de dezembro de 1996 foi aprovada, depois de oito anos de disputas e novas tensões, a LDB nº 9.394/96 (Brasil, 1996), imbuída de parte dos avanços sociais apregoados pela Constituição de 1988, mas, ainda assim, apontando perspectivas promissoras para a EJA no que se refere à legislação anterior, conforme Haddad (1997) e Paiva (1997).

POLÍTICAS PÚBLICAS E PESQUISA: VÍNCULOS, FOMENTOS E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Na década de 1980, em meio ao processo de redemocratização, evidenciava-se o crescimento de pesquisas sobre EJA. Inicialmente, as investigações versavam acerca da alfabetização de adultos, em grande parte como apresentado em obra de Ribeiro, Joia e Haddad (1992), na ausência de políticas públicas, na desobrigação do Estado para com a educação de adultos e na insistência de modelos de campanha com características de improvisação, aligeiramento e voluntariado, para dar respostas à questão do analfabetismo. Como apontado, as pesquisas apresentavam-se nos GTs Movimentos Sociais, Educação Popular, Alfabetização, Leitura e Escrita, Estado e Políticas Públicas, sem que houvesse um espaço mais apropriado e com interlocuções mais contínuas de pesquisadores do campo da educação de adultos.

O incremento e a crescente ampliação de programas de pós-graduação em educação nas universidades do país como política da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior culminaram em maior número de orientações de pesquisas abordando a temática da EJA, impulsionando ainda a necessidade da criação de um espaço que reunisse discussões específicas no campo. A Sessão Debate realizada na noite de 22 de setembro de 1997, na 20ª Reunião Anual da ANPEd, marcou o momento histórico da criação do GT de EJA, como enunciado no primeiro item deste artigo. Estavam ali reunidos para debater o tema Educação de jovens e adultos: desafios e perspectivas a pesquisadora Roseli Caldart (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) e o pesquisador Sérgio Haddad (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), sob a coordenação de Celso de Rui Beisiegel (Universidade de São Paulo) - todos nomes (re)conhecidos do campo. As falas enfatizaram, sobremaneira, a desobrigação do Estado para com a EJA.

Ao completar dez anos de criação, um trabalho encomendado a Soares (2011) - uma espécie de estado da arte - reuniu o conjunto de pesquisas do GT de 1998 a 2008 e foi apresentado na 31ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Caxambu, em 2008.

O estado da arte produzido para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira por Haddad (2000) concluíra, anos antes, que havia “grande dispersão do referencial teórico, com alguma unidade no referencial histórico da EJA” (Haddad, 2000, p. 16). Após análise dos 115 trabalhos do período, reforçou tendência já observada em estudo anterior do mesmo autor (Haddad, 1987).

Alguns autores do campo da EJA começavam a se firmar em determinadas temáticas, passando a constituir fontes de referência, porque, quando estudos ou pesquisas se pautam pouco, ou quase nada, em outras investigações já realizadas na área, acabam por fragilizar a consistência dessas referências para a EJA. Machado (2000), em desdobramento a este estudo, apontou aspectos relevantes no que tange à formação de educadores para a EJA. A tendência da produção, ainda em 2000, correspondia à conjuntura nacional, visto que a temática sobre políticas públicas vinha se firmando desde 2003. A partir daí, emergiu o pensar quanto aos sujeitos e aos processos de escolarização. Dava-se início a novas temáticas que viriam a se expressar no futuro, como: tecnologias da informação e comunicação; educação a distância; EJA no sistema prisional; terceira idade; e profissionalização e EJA.

O recorte estabelecido por Soares (2011)28 nos dez anos do GT correspondeu à totalidade dos trabalhos no período 1998-2008. Os textos foram agrupados em sete temáticas: Currículo e Práticas Pedagógicas, com 23 trabalhos; EJA como Política Pública, com 22 trabalhos; Alfabetização, com 22 trabalhos; Formação de Professores, com 16 trabalhos; Escolarização, com 13 trabalhos; Mundo do Trabalho, com 10 trabalhos; e Sujeitos da EJA, com nove trabalhos. Observa-se, nesse levantamento, um número mais expressivo de trabalhos nas temáticas de políticas públicas, alfabetização e currículo e práticas pedagógicas.

Mais recentemente, os caminhos de democratização no país exigiram a condição de cidadania para todos, e não apenas para alguns. Desta feita, a educação de adultos passou a tratar de questões relativas a direitos de cidadania, como tarefa eminentemente educativa, ao lado da consciência de direitos negados - por exemplo, de etnia e gênero, que vinham se reproduzindo historicamente no país, mitificados pelo ideário da democracia racial.

Formulada nesse plano político, já não se pensava mais a educação restrita aos instrumentos do saber ler e escrever, imprescindíveis, mas insuficientes para dar conta da complexidade do mundo contemporâneo. As outras dimensões que adentram na área da educação de adultos alargam seu espectro para a ideia de educação continuada e a retomada de um novo sentido para o que se chamava de educação permanente. Uma intrincada rede de relações, de conhecimentos, de saberes, de atores sociais, de sujeitos que se conhecem e se dão a conhecer se tece no cotidiano das populações, em âmbito local, alterando e exigindo o debruçamento dos que pensam os destinos do mundo na esfera global sobre as relações que uns e outros estabelecem, mesmo quando distanciados pelo tempo e pelo espaço. Ou seja, pensar o mundo pela perspectiva do conhecimento em sua incompletude, pela contribuição do pensamento complexo, que não luta contra a incompletude, mas contra a mutilação (Morin, 1996, p. 176). Aí, inclui-se a educação, pelas formas complexas como necessariamente se expressa, o que exige repensar os paradigmas que até então nortearam nossos modos de ler a realidade.

Nesse sentido, a complexidade do mundo contemporâneo requeria um aprender continuado, por toda a vida, ante os avanços do conhecimento e a permanente criação de códigos, linguagens, símbolos e sua recriação diária, retomando o que já afirmava o pensamento freireano. Demandava não só o domínio do código da leitura e da escrita, mas também competência como leitor e escritor de seu próprio texto, de sua história, de sua passagem pelo mundo. Exigia reinventar os modos de sobreviver, transformando o mundo.

Na contemporaneidade, por essa compreensão, pois, pesquisas em educação de adultos verificaram que o campo se manteve adquirindo novos sentidos, tensionados principalmente pela ampliação do público jovem entre os adultos, que originalmente o caracterizou. Fruto das práticas que se vão fazendo nos espaços que educam nas sociedades, esses sentidos produzem-se em escolas, em movimentos sociais, no trabalho, nas práticas cotidianas. Contraditoriamente, entretanto, para além da alfabetização, cada vez se afastava mais, na tradução das políticas públicas, das conquistas e do reconhecimento do valor da educação como base ao desenvolvimento humano, social e solidário. Mais do que a alfabetização, o direito constitucional em sua origem sintetizava o mínimo a que se chegara: ensino fundamental para todos, mas pouco traduzindo, nas políticas que se seguiram, a concepção de que aprender a ler e a escrever com autonomia e domínio suficientes é o início de um processo de aprendizado continuado, para manter-se em condições de acompanhar a velocidade e a contemporaneidade do desenvolvimento das ciências, técnicas, tecnologia, das artes, expressões, linguagens, culturas, do que o mundo, especialmente globalizado no tocante à difusão de informações, conferia à história.

Muitas municipalidades vêm dando respostas para a EJA no cumprimento de seu dever constitucional com a educação. Essas são, de fato, as experiências mais significativas, porque constroem saberes, lideranças e legitimidade política, quando os profissionais participam da formulação pedagógica e da formação continuada que em si é, também, um processo de EJA e, como tal, um campo que se impõe ao olhar de pesquisadores, na intenção de compreender as inúmeras voltas da realidade social e política que impactam a EJA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: BREVES NOTAS CONTEMPORÂNEAS SOBRE POSSÍVEIS DA PESQUISA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Apesar da centralidade da EJA no GT 18, passados 20 anos de criação, um levantamento crítico sobre a produção demonstrada no último decênio ainda carece ser feita. A atualização de estados da arte faz-se continuamente necessária e contribui para mapear os interesses e avanços do conhecimento, assim como adensar o arcabouço teórico que possa estar sendo constituído no campo da EJA e apontar possíveis epistemológicos que tensionem as abordagens até então realizadas.

A temática continua perpassando alguns GTs da ANPEd. Nem sempre, no entanto, pesquisadores dos demais GTs se dispõem a produzir investigações afeitas à centralidade do próprio GT cujo campo empírico envolve a EJA. Um clássico exemplo pode ser situado no que diz respeito à história da EJA, cuja produção vem de pesquisadores do GT 18, assim como no que se refere à temática da alfabetização para sujeitos jovens, adultos e idosos. O que se observa, em primeiras notas conclusivas, é que com muita frequência as investigações se situam no espectro de diagnósticos, de estudos de caso, sem alcançar a profundidade requerida para conformar um arcabouço consistente do que se desejaria produzir como teoria da educação de adultos. Sem desmerecer a qualidade dessas investigações, essa preocupação arrasta-se há bastante tempo entre nós, exigindo talvez que se forme uma rede de pesquisadores à semelhança de muitas ancoradas em outros países, que ponha em contato e articule temáticas e pesquisadores, em diálogo com o GT, e para além dos trabalhos apresentados em eventos anuais tanto regionais quanto nacionais. Ao esforço do crescimento do campo apresentado pelo GT 18, cabe complementar tal grupo com uma rede que mapeie, de forma organizada, a fértil produção realizada e em andamento, que não chegamos a alcançar, apenas via GT 18. O espaço e o escopo de uma reunião, que passou a ser bienal, acompanhada nos intervalos por eventos regionais, não comportam conhecer o que se produz na atualidade no país, quando somamos 128 programas de pós-graduação em educação, entre mestrado e doutorado acadêmicos, e 42 mestrados profissionais29.

Um dos temas pouco explorados pelo GT 18, por exemplo, continua sendo o da realidade de idosos que voltam à escolarização, não acontecida no tempo da infância. A disputa que se observa na prática das escolas existe, com defesas de professores para a organização de turmas separadas por faixas etárias, pela alegada impossibilidade de fazer conviver no processo educativo jovens e idosos, supostamente intolerantes com os arroubos juvenis e vice-versa, com jovens intolerantes com as idiossincrasias dos idosos. O exercício intergeracional tem defensores que, entretanto, não socializam práticas que demonstrem o sucesso das relações de aprendizagem entre sujeitos tão diversos. No caso dos jovens, o campo de investigação denominado de juventudes veio se adensando e produzindo um conjunto de conhecimentos que passou a constituir também um núcleo de pesquisadores encontrado em muitas universidades no país. Observa-se que esses pesquisadores, de modo geral, se vinculam a redes internacionais que robustecem ainda mais o conjunto de conhecimentos e proposições, de muita utilidade nos últimos anos no fazer de políticas públicas para esses sujeitos, que marcaram os governos Lula e Dilma pela oferta específica que passaram a oferecer a grupos com necessidades bem diversas das que costumeiramente as escolas têm proporcionado.

No caso dos idosos, a temática não alcançou a mesma relevância, ainda muito circunscrita a questões do envelhecimento ligadas à saúde mais do que à gerontologia, e o risco que se passou a correr nas políticas públicas foi o de novamente se invisibilizar esses sujeitos pela negação, seja da existência de demanda (porque não se faz busca ativa), seja pelas ofertas inadequadas que não os atraem aos processos de voltar à escola e seguir o curso de seus aprendizados. Um levantamento nos trabalhos do GT pode confirmar a quase ausência do tema, que a cada dia mais se faz indispensável, pelo rápido envelhecimento populacional, pela longevidade alcançada e pelo fato de que todas as políticas poucas ou amplas existentes na história da EJA sempre tiveram esses sujeitos presentes, e até com mais forte intensidade, mas jamais deram conta de uma oferta qualificada, atraente e que mudasse o quadro atual de cerca de seis milhões de não alfabetizados (dos quais 55% são mulheres, que perdem nessa faixa etária para os homens), no conjunto de 11 milhões de analfabetos de mais de 15 anos.

No avanço que tivemos com políticas de ações afirmativas e de apoio à diversidade, suspeita-se que, entre os que passaram a acessar o nível superior, haja um contingente representativo de egressos da EJA que chegaram à universidade. Esse levantamento particular, em cada universidade pública que abriu matrículas para a diversidade de público, incluindo cursos específicos voltados a trabalhadores do campo, como o pedagogia da terra, por exemplo, justifica a investida no reconhecimento das trajetórias desses sujeitos que até então estiveram apartados desse nível de ensino. Recentemente, Santos (2019) concluiu um estudo sobre a presença de sujeitos oriundos da EJA em cursos de universidade federal.

Um desafio parece cercar a diversidade de experiências pedagógicas exigida por esses educandos, em tensão com a universalidade de conteúdos, muitas vezes requerida em avaliações padronizadas a que deve submeter-se. Propostas curriculares das mais variadas concepções teórico-metodológicas se oferecem à compreensão da pesquisa, orientadas por tensões e complementaridades que se põem diante de pesquisadores quanto aos significados da diversidade nos currículos (regionais, locais) versus a universalidade pretendida por diretrizes nacionais.

A EJA, desde há muito tempo, equilibra-se fragilmente em sentidos mais políticos de inclinação liberal em tensão com os sentidos da educação como direito, o que, na conjuntura atual, ganha mais destaque. Um MEC sem rumo e sem propostas para a educação nacional, como estamos verificando atualmente, talvez sequer assuma a existência do dever do Estado com a educação de jovens, adultos e idosos, que caminhava com tênue afirmação e oferta do direito à educação para todos.

Porque o direito à EJA é constantemente ameaçado, mesmo sendo preceito constitucional, o alerta de Bobbio (1992) segue em voga, de que o mais difícil do direito não é sua conquista, mas sua preservação e, diríamos, sua implantação. Em tempos em que o MEC altera, rompe e invisibiliza políticas existentes destinadas a grupos populacionais que não passam despercebidos nos dados de escolarização, especialmente se mais idosos, se negros, se pardos, pode-se indagar de que forma pesquisadores e suas ações de investigação concorrem para explicitar a ainda demanda potencial de 11,5 milhões de brasileiros (7%) não alfabetizados (IBGE, 2018); e que três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no país (29% do total), o equivalente a cerca de 38 milhões de pessoas (Palhares e Diógenes, 2018), são considerados analfabetos funcionais.

Se em passado recente os fóruns de EJA representaram uma natureza própria de organização e de intervenção política pela articulação de diferentes segmentos e atores institucionais e sociais com positividades alcançadas por meio dessas ações, deve-se atentar para o fato de que há, no momento presente, um contingente tamanho de pesquisadores no campo que podem, potencialmente, se organizados em rede nacional, complementar a institucionalidade do fazer da ANPEd, por meio do GT 18, e contribuir com ele.

Cabe ainda questionar, perante os elementos aqui apresentados, de que forma a pesquisa pode responder à questão de como os movimentos sociais e as novas ações coletivas percebem a organização da escola que para eles é oferecida, se põem diante dela e como formulam suas demandas. Se antes a EJA se colava à questão de classe social, qual seria o elo que aproximaria a escola de movimentos sociais em crise e das novas ações coletivas, demandantes de relações de poder mais horizontais, menos hierárquicas? Que temas de conhecimento seriam requeridos por esses outros tipos de fazer política, em grupos e coletivos de pessoas reunidas em novas maneiras de organização da sociedade? Em que medida os projetos a eles apresentados responderiam a demandas de que são portadores? Como investigar esse conjunto temático? Com que arcabouço teórico e metodológico se trabalharia para dar conta de outro possível paradigma epistemológico?

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1 Sobre movimentos sociais e educação, ver particularmente Gohn (2011).

2 Grupo de estudos é a forma inicial como se cria um GT na ANPEd. Ao cabo de dois anos, avalia-se a produção do GE e, se constatada efetiva demanda qualificada de trabalhos, nova assembleia de sócios aprova-o definitivamente, agora como GT. Posteriormente, o GT passou, por questão de gênero, e mantendo maior diálogo com o campo na América Latina, a receber a denominação de Educação de Pessoas Jovens e Adultas.

3 O Cedi nasceu da experiência do Centro Evangélico de Informação (CEI), criado em 1964/1965 por militantes ligados à Confederação Evangélica do Brasil, afastados das igrejas após o golpe civil-militar de 1964. Em 1968, incorporando militantes católicos, o CEI passou a denominar-se Centro Ecumênico de Informação e, em 1974, institucionalizou-se como Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi). A sede inicial foi no Rio de Janeiro, mas a ampliação das atividades deu origem a uma subsede em São Paulo. Mais informações disponíveis em: http://forumeja.org.br/node/2931. Acesso em 24 mar. 2019.

4 A Fase, fundada em 1961, atua hoje em seis estados brasileiros e tem sua sede nacional no Rio de Janeiro. Desde suas origens, esteve comprometida com o trabalho de organização e desenvolvimento local, comunitário e associativo. O golpe de 1964 obrigou à redefinição de seus rumos, e a resistência à ditadura e a formação de oposições sindicais e de movimentos comunitários de base passaram a ser o foco principal da entidade. Mais informações disponíveis em: https://fase.org.br/. Acesso em 24 mar. 2019.

5 O Nova Pesquisa e Assessoramento e Avaliação em Educação foi criado em dezembro de 1973, por meio de definição de uma assembleia em Salvador, Bahia. Publicou 32 Cadernos de Educação Popular, dos quais 30 foram pela editora Vozes.

6 O IPF pode ser encontrado na página https://www.paulofreire.org/. Acesso em 24 mar. 2019.

7 O Cedes surgiu em março de 1979, como uma das propostas do I Seminário de Educação Brasileira, realizado em 1978, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas. Resulta da atuação de educadores preocupados com a reflexão e a ação ligadas às relações da educação com a sociedade. Edita a revista Educação & Sociedade e os Cadernos Cedes. Mais informações disponíveis em: https://www.cedes.unicamp.br/. Acesso em 24 mar. 2019.

8 O Sapé foi fundado em 10 de março de 1987, no Rio de Janeiro, com secretaria executiva de Aida Bezerra, com as finalidades de realizar e patrocinar pesquisas e assessorias, produzir material didático e executar outros serviços na área de educação e, mais especificamente, na área da educação popular.

9 O Vereda - Centro de Educação Popular e de Documentação - teve José Carlos Barreto e Vera Barreto como principais educadores.

10 Em 19 edições, o periódico constituiu um importante espaço para o intercâmbio de experiências, a sistematização de práticas e a disseminação de princípios e ideias por parte de pesquisadores, gestores de políticas, representantes de movimentos sociais, educadores e educandos do campo da EJA. A revista tornou-se fundamental nos processos de formação de educadores. Foram estas as temáticas publicadas, a partir de 1994: temática especial da alfabetização e da pós-alfabetização (n. 1); com textos da América Latina (n. 2); alfabetização: revendo o conceito e as práticas (n. 3); diversidade dos sujeitos (n. 4); parceria na alfabetização de jovens e adultos (n. 5); educação matemática de jovens e adultos (n. 6); educação de jovens e adultos e direitos humanos (n. 7); educação de jovens e adultos e trabalho (n. 8); história e memória (n. 9); jovens, escola e cultura (n. 10); práticas educativas e a construção do currículo (n. 11); leituras (n. 12); formação de educadores de jovens e adultos (n. 13); educação matemática (n. 14); avaliação (n. 15); alfabetização de jovens e adultos (n. 16); políticas públicas de educação de jovens e adultos (n. 17); movimentos sociais e educação de jovens e adultos (n. 18); diversidade do público da EJA (n. 19).

11 A Ação Educativa assim se constituiu em 1994.

12 A Aditepp atuava no Paraná e tinha como representante Cristina Simeão.

13 A ASP era um ativo movimento da periferia de São Luís, no Maranhão.

14 O COFP tinha sede em Cabo Branco, na Paraíba.

15 O MEB, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de atuação nacional, nasceu da experiência das escolas radiofônicas de Natal e foi criado em 1961, pelo Decreto nº 50.370, de 21 de março.

16 O Cecup foi constituído em 1982, em Salvador, Bahia.

17 O MOC iniciou sua ação em Feira de Santana, em bairros periféricos, por meio de ação social da Igreja Católica, e tem 52 anos de existência, atuando no semiárido com agroecologia.

18 O Unipop foi criado em 1989 para formação, articulação e controle social na efetivação de direitos.

19 A Escola Zé Peão abriu suas primeiras seis salas de aula em canteiros de obras da cidade de João Pessoa em 1991.

20 O Centro Paulo Freire, sociedade civil sem fins lucrativos, fundado em maio de 1998, para manter vivas as ideias de Paulo Freire.

21 Mais informações disponíveis em: www.aera.net/SIG004/Adult-Literacy-Adult-Education-SIG-4. Acesso em: 1º ago. 2019.Mais informações disponíveis em: https://www.esrea.org/. Acesso em: 1º ago. 2019.

24 Mais informações disponíveis em: http://uil.unesco.org/es. Acesso em: 1º ago. 2019.

25 Mais informações disponíveis em: https://crefal.org/. Acesso em: 1º ago. 2019.

26 Foi um órgão do governo brasileiro, instituído pelo Decreto nº 62.455, de 22 de março de 1968, conforme autorizado pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, no regime militar.

27 O estudo só foi publicado em 2011, como se pode verificar nas referências.

28 Houve no período que abrange 2007 a abril de 2019 expansão do número de programas de pós-graduação em educação, passando de 78 em 2007 para 184 no fim do período observado, ou seja, aumento de 136%.

22 Mais informações disponíveis em: https://eera-ecer.de/networks/2-vocational-education-and-training-vetnet/. Acesso em: 1º ago. 2019.

23 Mais informações disponíveis em: http://ceaal.org/v2/index.php. Acesso em: 1º ago. 2019.

Recebido: 25 de Março de 2019; Aceito: 27 de Agosto de 2019

Jane Paiva é doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: janepaiva27@gmail.com

Sérgio Haddad é doutor em história e sociologia da educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: sergiohaddad@terra.com.br

Leôncio José Gomes Soares é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: leonciogsoares@gmail.com

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