1 Introdução
The moment we are introduced to science we are told it is a cooperative, cumulative enterprise. Like the artisans who construct a building from blueprints, bricks, and mortar, scientists contribute to a common edifice, called knowledge. Theorists provide our blueprints and researchers collect the data that are our bricks. (Cooper, & Hedges, 2009, p. 4).4
O olhar sobre a totalidade é imprescindível para a compreensão da constituição da área da Educação Especial, e isso exige investigar os aspectos relacionados ao processo social de produção, de comunicação e de avaliação do conhecimento científico. Assim, analisar suas produções acadêmicas por meio da identificação dos autores e obras, e do exame de teorias e metodologias que fundamentam esse campo de conhecimento, permite compreender quais são suas áreas de atuação e interfaces, bem como desvendar aspectos essenciais dos padrões formais de comunicação científica.
A partir desse entendimento, faz-se necessário contextualizar, ainda que brevemente, a produção do conhecimento da Educação Especial brasileira, uma vez que os trabalhos científicos dessa área apresentam múltiplas abordagens e vertentes epistemológicas, enfocando desde a construção teórica e os procedimentos metodológicos utilizados nas pesquisas até o atendimento de demandas sociais e a efetividade dos resultados obtidos nesse campo de conhecimento (Hayashi, 2011).
Uma das primeiras análises sobre a produção científica no Brasil foi realizada por J. R. Ferreira (1991) que pesquisou 1.900 trabalhos apresentados em reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) no período de 1981 a 1988. O autor verificou que o termo "alunos especiais" foi mencionado em 99 estudos, os quais estavam vinculados às áreas de Educação Especial nos Programas de Pós-Graduação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
No período entre 1995 e 2004, um grupo de pesquisadores da UFSCar, UERJ e Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) desenvolveu um projeto denominado PRODISC para analisar a produção do conhecimento de teses e de dissertações com interface na Educação Especial oriundas de Programas de Pós-Graduação em Educação e Psicologia, desde 1970 até 2004 (Grupo de Pesquisa Formação de Recursos Humanos em Educação Especial [GPFOREESP], 2018).
Laplane, Lacerda e Kassar (2006) analisaram a produção científica da Educação Especial e verificaram que, a partir dos anos de 1970, houve ampliação das temáticas (relações de ensino; gênero; identidade; formação de professores; política educacional; cultura e arte) e dos enfoques teórico-metodológicos (Psicologia Social; Teoria da Aprendizagem Mediada; História Oral; Análise de Discurso; História e Sociologia).
Mais recentemente, Silva (2010) analisou as implicações epistemológicas das dissertações e das teses do Programa de Pós-Graduação em Educação em Especial da Universidade Federal de São Carlos (PPGEEs/UFSCar), defendidas no período entre 1981 e 2002 e observou que a maioria adotou a abordagem empírico-analítica, seguida pela fenomenológica-hermenêutica, sendo notada a ausência da abordagem crítico-dialética.
Por sua vez, Blanco e Orlando (2015) verificaram que, nas vertentes epistemológicas dos 52 trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho de Educação Especial da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no período de 2008 a 2012, predominou a abordagem fenomenológica-hermenêutica, enquanto houve crescimento da vertente crítico-dialética e diminuição do enfoque empírico-analítico.
Outro aspecto relevante para a consolidação da produção científica brasileira em Educação Especial foi a criação, no final da década de 1980 e início dos anos 1990, de periódicos científicos dedicados exclusivamente a essa área. Em 1987, surgiu a Revista Educação Especial (REE) editada pela Universidade Federal de Santa Maria, com a finalidade de veicular somente artigos inéditos na área de Educação Especial, provenientes de pesquisas e de práticas articuladas no campo. Em 1993, durante o III Seminário de Educação realizado no Rio de Janeiro e promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), foi criada a Revista Brasileira de Educação Especial (RBEE) com o objetivo de disseminar o conhecimento em Educação Especial. Atualmente, a revista é editada em Marília em parceria com a Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), com periodicidade trimestral. Ambos os periódicos estão classificados no estrato A2, um dos mais altos da lista Qualis/Capes utilizada para classificar a produção científica dos programas de Pós-Graduação no que se refere aos artigos publicados em periódicos científicos.
Diante disso, a pergunta que norteou a realização do presente estudo foi: como se configuram as análises da produção científica em Educação Especial publicadas na RBEE? Para responder à questão proposta, realizou-se um estudo bibliométrico que objetivou analisar os balanços das produções científicas no campo da Educação Especial publicadas na RBEE, visando compreender como esse periódico, nos 25 anos de sua trajetória, tem contribuído para a consolidação do conhecimento da área. Para além desse entendimento, considera-se que o estudo proposto pode apontar lacunas que merecem investigações futuras, além de servir de base para estudos comparados, os quais são cada vez mais demandados no cenário da produção científica em nível global. As próximas seções apresentam o método e os procedimentos metodológicos, os resultados obtidos e as notas conclusivas.
2 Método
A pesquisa realizada é de tipo bibliográfica, de nível exploratório-descritiva, que visa à compreensão quantitativa e qualitativa da produção científica selecionada para análise. Teve como base norteadora o conceito de "metanálise" que, frequentemente, é usado como sinônimo de "estado da arte", mas que, aqui, foi utilizado em seu significado mais preciso e original para descrever e analisar quantitativa e qualitativamente as sínteses de pesquisas consolidadas nos artigos que compuseram o corpus analisado.
Para dar conta desse empreendimento metodológico, foram combinadas duas abordagens: a análise bibliométrica, que produz indicadores de produção científica utilizados, entre outros aspectos, para extrair informações úteis para a compreensão da estrutura social e intelectual de um campo científico mediante a análise dos padrões de comunicação científica presentes nos documentos analisados, conforme explica Hayashi (2013); e a análise de conteúdo, um conjunto de técnicas de análise que possibilita a descrição objetiva, sistemática e quantitativa que permite a inferência de conhecimentos extraídos dos textos (Janis, 1982).
A fonte de dados da pesquisa foi a RBEE. A coleta ocorreu em fevereiro de 2018 e foram selecionados artigos publicados entre 1999 e 2017, por meio de buscas na biblioteca eletrônica SciELO e no site da revista para os volumes anteriores a 2005. As expressões de busca utilizadas foram: "produção científica"; "produção de conhecimento"; "revisão"; "ANPED" e "RBEE", o que resultou em 24 artigos.
Em seguida, realizou-se uma busca complementar na coleção completa do periódico mediante a leitura de todos os títulos e resumos dos artigos publicados, resultando em mais de 52 artigos. Esse procedimento visou recuperar artigos que eventualmente não tivessem sido contemplados na coleta inicial, mas igualmente relevantes para o estudo.
Do total coletado (n=76) foram excluídos artigos sem texto completo (n=2); ensaio teórico (n=1); artigos sobre normalização documentária (n=3) e avaliação da RBEE e de outras revistas que publicam na área de Educação Especial (n=10). O corpus final investigado (n=60) foi extraído das seguintes seções da RBEE: revisão de literatura (n=35); relato de pesquisa (n=12); revisão bibliográfica (n=5); edição especial 20 anos RBEE (n=5); sobre a RBEE (n=1); seção sem denominação (n=2). A Figura 1 apresenta o fluxograma de seleção do corpus da pesquisa.
Os dados coletados foram inseridos em uma planilha Excel para registro das seguintes informações, visando à elaboração de categorias bibliométricas e de conteúdo dos artigos: referência completa do artigo; seção da revista; ano; autores (gênero; masculino ou feminino); autoria (individual ou coautoria); resumo; palavras-chave; temáticas; questão de pesquisa; método; fontes de dados; corpus analisado; período de análise; categorias de análise. Em seguida, a planilha foi modelada para eliminar inconsistências que poderiam afetar os resultados, tais como abreviaturas dos nomes dos autores, repetição de registros. Em seguida, os dados quantitativos foram tratados mediante estatística descritiva visando à produção e à análise de indicadores bibliométricos. Para a elaboração e a análise dos indicadores de conteúdo, os dados qualitativos dos artigos foram processados em três etapas: pré-análise, exploração e interpretação dos textos. É importante enfatizar que, às vezes, os dados quantitativos e qualitativos não estavam explícitos nos textos, exigindo que a leitura do texto integral fosse bastante criteriosa de modo a não produzir vieses.
3 Resultados
Os resultados da análise bibliométrica e de conteúdo são apresentados a seguir.
3.1 Temporalidade dos artigos
O corpus analisado (n=60) cobriu 17 anos da RBEE quase que ininterruptos, de 1999 até 2017. Contudo, notou-se a ausência de artigos de balanço nos anos de 2000 e 2005. A distribuição anual dos artigos manteve-se estável até 2009, com média aproximada de dois artigos por ano, e, a partir de 2010, apresenta crescimento importante, embora com quedas nos anos de 2012 e 2014 (Figura 2).
Verificou-se que o primeiro balanço da produção científica em Educação Especial (Nunes, Ferreira, Mendes, & Glat, 1999) refere-se aos resultados do projeto PRODISC que analisou a produção científica discente dos Programas de Pós-Graduação da UERJ e UFSCar, e foi publicado seis anos após a primeira edição da RBEE.
As comemorações dos 20 anos da RBEE, ocorrida em 2011 com a publicação de uma edição especial além das três edições anuais regulares até então, teve impacto no crescimento de artigos do tipo balanço que foram publicados nesse ano (n=9). Nos três anos seguintes, os escores anuais voltam aos patamares anteriores, tornando a crescer a partir de 2015 e atingindo o ápice em 2017 (n=11). É válido mencionar que, desde 2012, a periodicidade do periódico passa a ser trimestral, com quatro edições anuais, consequentemente repercutindo no total de artigos publicados anualmente.
3.2 Autores: produção, gênero e tipo de autoria
A produção dos autores foi investigada considerando suas contribuições individuais, isto é, a participação de cada autor em um artigo, o que resultou na contagem de 147 autores. Desse total, verificou-se que 7,5% (n=11) dos autores fizeram entre três (Eduardo Manzini, Jáima Pinheiro de Oliveira) até duas contribuições (Maria Amélia Almeida, Altemir José Gonçalves Barbosa, Kátia Regina Moreno Caiado, Silvia Márcia Ferreira Meletti, Júlio Romero Ferreira, Rosana Glat, Eniceia Gonçalves Mendes, Leila Regina d'Oliveira de Paula Nunes e Débora Regina de Paula Nunes) cada um, enquanto 92,5% (n=136) participaram de apenas um artigo. Esses achados estão de acordo com uma das principais leis bibliométricas, a chamada Lei de Lotka (1926), fundamentada na premissa básica de que poucos pesquisadores publicam muito e muitos publicam pouco. Também é válido mencionar que os autores que mais contribuíram (n=11) participaram de 33,3% (n=20) do total de artigos (n=60). Além disso, a maioria desses artigos (n=17) é em coautoria, e apenas 15% (n=3) são individuais. Adicionalmente, a investigação revelou que seis autores participaram dos mesmos artigos em coautoria (Nunes et al, 1999; Caiado, & Meletti, 2011). Por sua vez, dois autores fizeram contribuições em artigos individuais (Manzini, 2003, 2011; Caiado, 2002).
Em relação ao gênero dos autores, o estudo revelou que a autoria feminina (n=124) prevaleceu sobre a masculina (n=36), repetindo-se o mesmo padrão nas coautorias (Figura 3).
Observa-se predomínio masculino (n=5) apenas nas autorias individuais (n=6). Nos artigos (n=20) com coautorias mistas - isto é, aqueles em que participaram homens e mulheres - há superioridade feminina (n= 42) em relação à masculina (n=26). Essa preponderância se mantém nos artigos de coautorias femininas (n=32) quando comparados aos de coautorias masculinas (n=2). Esses achados em relação ao gênero das autorias e coautorias confirmam o conhecido fenômeno da segregação vertical na ciência, que confina as mulheres a certos campos científicos, entre eles o da Educação, que é altamente feminizado. (Schiebinger, 2001). Igualmente relevante é a supremacia das coautorias (n=54) sobre as autorias individuais (n=6) observadas em todo o período analisado (1999-2017), denotando que, no campo da Educação Especial, o trabalho intelectual coletivizado é uma consequência inevitável da interdisciplinaridade da área e da crescente especialização dessa área de conhecimento, um padrão diferente do que tem sido observado nas demais áreas das Ciências Humanas e Sociais, nas quais ainda tem predominado a autoria individual, embora esse cenário já venha apresentando mudanças, conforme evidencia o estudo de Soares, Souza e Moura (2010).
3.3 Caracterização dos artigos quanto ao tipo de revisão e à questão de pesquisa
Para realizar estudos que visam mapear um campo de conhecimento, existem diversos métodos, os quais têm recebido as mais variadas denominações: levantamento bibliográfico, revisão de literatura, estado da arte, estado do conhecimento, estado da questão, revisão narrativa, revisão integrativa, revisão sistemática, metanálise, entre outros (N. S. de A. Ferreira, 2002; Nóbrega-Therrien, & Therrien, 2004; romanovsky, & Ens, 2006; Rother, 2007). Como referem André, Simões, Carvalho e Brzezinski (1999, p. 308), tais estudos consistem em um "balanço do conhecimento, baseado na análise comparativa de vários trabalhos, sobre uma determinada temática".
De acordo com Vosgerau e Romanowski (2014, p. 175), esses diferentes tipos de revisão podem ser agrupados em estudos de mapeamento, que servem ao pesquisador como "uma referência para justificar a lacuna que a pesquisa pretende investigar" e têm como "finalidade principal levantar indicadores que fornecem caminhos ou referências teóricas para novas pesquisas", e as revisões que avaliam e sintetizam o conhecimento, que buscam "identificar as condições em que determinadas evidências ocorrem e a possibilidade de identificação de padrões de ocorrência." As autoras comentam que esse tipo de estudo teve origem na área de ciências da saúde e seguem indicações definidas pelo centro de referência UK Cochrane Center - que possui representação em 51 países e regiões inclusive no Brasil (Cochrane Brazil, n.d.) - e que inspirou, nos anos 2000, a Campbell Collaboration (n.d.) a propor diretrizes para atender às necessidades de pesquisadores que buscam evidências que possam auxiliar não só as intervenções em saúde, mas também as intervenções sociais.
Desse modo, os artigos analisados (n=60) foram caracterizados quanto ao tipo de revisão (n=12), de acordo com a denominação dada pelos autores (Figura 4).
Verificou-se que 30% (n=18) dos artigos não identificaram o tipo de revisão adotada. Além disso, em outros artigos (n=9), os estudos foram classificados como "análise de conteúdo" e "análise bibliométrica" (n=2), evidenciando equívoco entre o tipo de revisão e os métodos e técnicas utilizados para a categorização e análise dos dados.
Destacam-se, na Figura 4, a revisão sistemática (n=11) e a revisão bibliográfica sistematizada (n=2) - assim denominada pelos autores, embora na descrição desse método verificou-se que é semelhante à revisão sistemática, - que representaram juntas 21,6% (n=13) do total de artigos. De acordo com Rother (2007, p. 5), esse tipo de revisão é planejado para "responder a uma pergunta específica e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente os estudos, e para coletar e analisar os dados desse estudo incluídos na revisão". Na visão da autora, os trabalhos que utilizam esse tipo de método são considerados "originais, pois, além de utilizar como fonte dados da literatura sobre determinado tema, são elaborados com rigor metodológico".
Por sua vez, a revisão integrativa foi identificada em 6,6% (n=4) do total de artigos (Silva, & Carvalho, 2017; Lucisano, Novaes, Sposito, & Pfeifer, 2017; R. Q. Oliveira, S. M. B. de Oliveira, N. A. de Oliveira, Trezza, Ramos, & Freitas, 2016; Xavier, Araújo, Reichert, & Collet, 2013). Conforme estabelecem Mendes, Silveira e Galvão (2008, p. 759) - autoras citadas como fundamentação metodológica nesses quatro artigos - esse tipo de método tem como finalidade "reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado".
Outro aspecto relacionado ao tipo de revisão refere-se à questão de pesquisa que deve estar presente e ser claramente articulada aos objetivos da pesquisa, constituindo-se em um dos ingredientes-chave que orientam a metodologia desses estudos, além de informar sobre a busca e a seleção da literatura relevante para nortear as análises subsequentes. Contudo, a pesquisa revelou que apenas 16,6% (n=10) dos artigos analisados (n=60) delimitaram o problema de pesquisa de maneira clara e específica. Nos demais 83,3% (n=50), não constou a questão de pesquisa. Nas revisões integrativas, a formulação de uma questão de pesquisa que apresente relevância para a área de conhecimento investigada constitui-se em um elemento essencial para a condução de uma revisão bem elaborada (Mendes et al., 2008). Contudo, a metade das revisões integrativas (n=2) e 60% (n=9) dos artigos de revisão sistemática (n=15) não formularam a questão de pesquisa. Esses achados sugerem a importância de se conhecer com profundidade os métodos de revisão e metanálises, evitando a realização de estudos que apresentem falhas e limitações em sua condução.
3.4 Fontes de informação, estratégias de busca, seleção e inclusão dos estudos
Em relação às fontes de informação, o guia de redação Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analysis, do grupo Prisma (n.d.), recomenda que é necessário descrever todas as fontes de informação utilizadas na coleta de dados, detalhando as coberturas das bases consultadas e a data de realização da última busca, uma vez que o valor da revisão sistemática depende do que foi feito, do que foi descoberto e da clareza do relato.
A Figura 5 apresenta as fontes de informação (n=53) utilizadas nos artigos (n=60). Os resultados obtidos na pesquisa mostraram que 11,7% (n=7) do total de artigos não especificaram as fontes de informação utilizadas na revisão. Em contrapartida, nos 88,3% (n=53) artigos restantes foram identificados diversas bases de dados (Figura 5). É válido esclarecer que mais de uma base de dados pode ter sido utilizada na realização de uma revisão, o que justifica o total de fontes de informação (n=134) utilizadas nos artigos analisados (n=60).
Verificou-se ainda que, dentre essas fontes de informação, 58,5% (n=31) são nacionais - a biblioteca eletrônica SciELO foi a mais utilizada (n=12) - enquanto 41,5% (n=22) são fontes internacionais. A análise do perfil dessas bases de dados indicou que entre as nacionais figuram, por exemplo, bases de dados de teses e de dissertações de órgãos governamentais federais (CAPES, IBICT, INEP, CNPq); de instituições de Ensino Superior (UFSCAR; UERJ, USP, Unesp, FGV); periódicos científicos (RBEE, REE-Revista Educação Especial, Revista Benjamin Constant, AMAE Educando), associação científica (ANPEd). Entre as bases internacionais, as mais utilizadas foram: LILACS (n=9) e PUBMED (n=9). Além disso, bases internacionais disponíveis em sistemas de informação científica nacionais, tais como o Portal de Periódicos da CAPES e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), também foram mencionadas nos artigos analisados.
A consistência metodológica de um artigo de revisão também é dada pelo rigor na execução das etapas de estratégias de busca, seleção e estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos. O cumprimento desses requisitos foi examinado no corpus de análise (n=60) mediante a verificação de cinco itens: justificativa da escolha da base de dados, descrição das estratégias de busca, termos de busca ou descritores utilizados, delimitação do período de análise e data da coleta dos dados. Os resultados obtidos apontaram que 53,7% desses cinco critérios foram atendidos (n=161), e os restantes 46,3% (n=139) não estiveram presentes na descrição do processo de coleta de dados. Esses achados sinalizam que as estratégias de busca, seleção e inclusão dos estudos sejam ao mesmo tempo específicas e sensíveis para a recuperação de todos os artigos e a descrição suficientemente clara de forma a permitir a reprodutibilidade das metodologias utilizadas nas revisões. Como referem Mendes et al. (2008, p. 761), a validade interna da revisão depende da seleção dos estudos constituindo-se em um "indicador para atestar a confiabilidade, amplitude e poder de generalização das conclusões da revisão".
3.5 Tipologia dos documentos e períodos de análise abrangidos nas revisões
O corpo de documentos investigados em uma revisão cobre todo o tipo de material relevante que é escrito e publicado sobre um tema: artigos de periódicos científicos - e suas diversas tipologias: originais, ensaios, resenhas, revisões, relatos de pesquisa - livros e capítulos de livros, teses e dissertações, trabalhos publicados em anais de eventos científicos, entre outros.
Nos artigos analisados (n=60), verificou-se que 13,3% (n=8) não especificaram que tipo de documento foi analisado. Nos demais artigos (n=52), foram identificados sete tipos de documentos (Figura 6), sendo o corpus de análise de alguns artigos composto por mais de um tipo documental. Também houve casos em que os autores do estudo não especificaram as quantidades individuais de cada tipo de documento analisado.
Dentre o total (n=2.306) de documentos utilizados nas revisões, verificou-se que predominaram os artigos científicos com 50,4% (n=1.163). No entanto, quando somados os trabalhos de obtenção de titulação acadêmica, isto é, as teses (n=256), as dissertações (n=266), as monografias (n=142) e as dissertações e teses (n=48), estes representaram 49,6% (n=1.143) do total. Outro aspecto destacado na Figura 6 refere-se ao número máximo e mínimo de cada tipo documental analisado nas revisões. Os resultados obtidos mostraram que, em alguns casos, o total de documentos revisado foi muito baixo, sugerindo que o texto mais se aproxima de um ensaio teórico, ou, então, de uma revisão narrativa, isto é, aquela em que, segundo Rother (2007, p. 5), a metodologia "não permite a reprodução dos dados e nem fornecem respostas quantitativas para questões específicas", isto é, a busca e a seleção dos estudos não esgotam as fontes de informação e estão sujeitas à subjetividade dos autores.
Podem ser citados como exemplos desse perfil os artigos que revisaram: a) quatro artigos; b) quatro textos avulsos compilados de livros e revistas; c) cinco trabalhos em eventos; d) cinco artigos e uma monografia; e) sete dissertações e duas teses. Portanto, é válido argumentar que, antes de iniciar um estudo de revisão, é recomendável realizar uma busca prospectiva visando dimensionar o tamanho da amostra para evitar que a qualidade dos achados seja diminuída com resultados pouco precisos e que não permitem generalizações.
Para além dessas sugestões, pondera-se que os estudos de revisão da RBEE com esse perfil apontam importantes lacunas existentes na literatura científica sobre o assunto, ao mesmo tempo que contribuem para a identificação de novos temas de pesquisa, de modo a estimular a realização de futuros estudos sobre as temáticas investigadas.
A definição do período abrangido pelos documentos coletados e analisados também é um critério relevante para a elaboração de uma revisão de qualidade. Por exemplo, no checklist de revisões sistemáticas ou metanálises estabelecido pelo grupo Prisma (n.d.), os anos considerados são elementos que devem ser mencionados, garantindo, assim, a elegibilidade do estudo. Desse modo, é razoável supor que, quando a amostra selecionada possui abrangência temporal longitudinal, a revisão permite identificar construtos teóricos e metodológicos da área; enquanto aquelas que abrangem um período menor fornecem um breve panorama do padrão de comportamento da literatura científica investigada, expondo suas lacunas, identificando temas recorrentes e apontando tendências.
Esses aspectos foram investigados e os resultados mostraram que, em 16,6% dos artigos (n=10), não foi especificado o período de abrangência da amostra selecionada. Nos demais artigos (n=50), esses períodos variaram entre 38 anos - de 1974 a 2011 - até quatro anos (de 2001 e 2004), sendo o maior escore obtido pelos artigos (n=8) cujos períodos de análise cobriram 11 anos. Os demais artigos cobriram períodos entre 20 a 28 anos (n=7), 12 a 18 anos (n=16), 10 a 5 anos (n=17).
3.6 Categorias de análise
Como exposto anteriormente, a pergunta de pesquisa, a definição das fontes de informação, as estratégias de busca, a identificação e a seleção dos documentos a serem revisados são etapas obrigatórias do processo de elaboração das revisões. No entanto, o estabelecimento de categorias de análise e a síntese dos achados são itens de igual importância para assegurar a qualidade dos documentos revisados. Tendo em vista essa problemática, foi realizada a leitura dos textos integrais dos artigos (n=60) visando extrair e sistematizar as categorias de análise utilizadas pelos autores nas revisões realizadas. Os resultados obtidos foram organizados em dois tipos de categorias que estão relacionadas aos métodos e às técnicas adotados nesses estudos: a análise bibliométrica e a análise de conteúdo.
A análise bibliométrica, de acordo com Silva, Hayashi e Hayashi (2011) é fundamentada na premissa da contagem estatística de elementos bibliográficos presentes na literatura científica que se quer analisar, o que implica em produzir indicadores bibliométricos de produção científica, tais como aqueles relacionados às características dos autores (por exemplo, gênero, vinculação institucional, formação acadêmica, produtividade), das autorias (individual ou coautoria, colaboração científica), das publicações (tais como, temporalidade, tipologia, área de conhecimento, classificação de periódicos), bem como indicadores de citações (documentos citados e citantes, idade, vida média e obsolescência da literatura, fator de impacto das publicações) e indicadores de ligação (entre eles, a coocorrência de autorias, de citações e de palavras).
Por sua vez, de acordo com Janis (1982), a análise de conteúdo reúne uma série de operações destinadas a descrever e a classificar qualquer tipo de conteúdo que ocorre em uma comunicação segundo um conjunto de categorias apropriadas. Essa metodologia foi perscrutada por Carlomagno e Rocha (2016), que sintetizaram em cinco regras os aspectos fundamentais a serem seguidos para conduzir uma análise de conteúdo bem-sucedida, quais sejam: a) devem existir regras claras de inclusão e exclusão nas categorias; b) as categorias precisam ser mutuamente excludentes (exclusividade); c) as categorias não podem ser muito amplas (homogeneidade); d) as categorias devem contemplar todos os conteúdos possíveis, e a categoria "outro" precisa ser residual (exaustividade); e) objetividade, sem subjetivismos ("confiabilidade").
Tendo com referência essas metodologias de análise, as categorias extraídas dos artigos analisados foram organizadas de acordo com os indicadores bibliométricos (Tabela 1) e de conteúdo (Tabela 2). Esclarece-se, contudo, que, na caracterização da tipologia dos indicadores, foi utilizada a nomenclatura adotada pelos autores dos artigos.
Indicadores | Tipologia | Total* |
---|---|---|
Corpus analisado | Ano; Local da pesquisa; Agência de fomento; Nível de capacitação (mestrado, doutorado, especialização); Programa de Pós-Graduação e/ou instituição. | 56 |
Tipologia documental | Tipo de documento; artigos (original, relato de experiência, resenha, revisão, etc.), tese, dissertação, monografia, ano, palavras-chave ou descritor; resumo. | 48 |
Autor | Gênero; Formação acadêmica; Área de atuação/conhecimento; Procedência (Países/Regiões); Vinculação institucional (Universidades/Instituições/Órgãos). | 46 |
Autoria | Individual ou coautoria. | 28 |
Periódicos | Títulos; Ano; Estrato Qualis/Capes; Indexação em bases de dados. | 22 |
Orientador e coorientador | Instituição; Área de conhecimento. | 9 |
Fontes de dados | Bases de dados. | 8 |
Referências | Tipo (artigo, livro, capítulo); Ano; Área de conhecimento. | 2 |
Total | 219 |
*Cada artigo pode ter utilizado várias categorias.
Indicadores | Tipologia | Total* |
---|---|---|
Objetivos/Resultados | Sem especificação. | 24 |
Participantes/Amostra | Crianças, adolescentes, adultos; pais; funcionários; docentes; profissionais; faixa etária; diagnóstico; tipo de deficiência. | 18 |
Tipos de pesquisa | Estudos experimentais; exploratória; descritiva; explicativa; intervenção; avaliação. | 16 |
Temáticas | Diversas. | 16 |
Tipos de Abordagem | Qualitativa, quantitativa, quali-quantitativa; etnográfica. | 14 |
Desenho experimental | Longitudinal, transversal qualitativo, transversal quantitativo; correlacional; intrassujeitos; sujeito único. | 14 |
Delineamento da pesquisa | Pesquisa bibliográfica; levantamento, revisão de literatura, resenha, relato de experiência ou de pesquisa. | 11 |
Método/Metodologia | Sem especificação. | 11 |
Natureza do estudo | Teórico /ensaio; prático/empírico. | 8 |
Procedimentos de coleta de dados | Entrevistas; questionários; história de vida; fichas de registro de observação; vídeo gravações; escalas; testes. | 6 |
Variáveis | Dependente; independente. | 3 |
Procedimentos de análise de dados | Análise documental; análise de conteúdo; análise epistemológica. | 3 |
Total | 144 |
Fonte: Elaboração própria.
*Cada artigo pode ter utilizado várias categorias.
Observa-se na Tabela 1 que 25,6% (n=56) das categorias utilizadas nos artigos foram baseadas no indicador relacionado ao corpus de pesquisa, e 21,9% (n=48) no indicador de tipologia documental. Juntos, os indicadores de autor e de autoria (n=74) representam 33,8% do total superando os demais. Nas análises bibliométricas, esses indicadores permitem avaliar a produção e a produtividade dos autores, a colaboração científica nacional e internacional por meio do estudo das autorias e coautorias, e, também, para realizar estudos de impacto da produção científica, mediante a contagem de citações recebidas pelos autores. A elaboração, a produção e a análise de tais indicadores bibliométricos permitiram aos autores dos artigos de revisão identificar a evolução da produção científica na área de Educação Especial.
A Tabela 2 apresenta as categorias de análise baseadas em indicadores de conteúdo.
Os resultados da Tabela 2 mostram que os objetivos/resultados das pesquisas foram os indicadores de conteúdo mais utilizados nas revisões com 16,6% (n=24). Junto aos indicadores de temáticas (n=16), ambos totalizaram 27,7%, sugerindo que essas categorias de análise fornecem importantes elementos para avaliar criticamente como os trabalhos revisados podem contribuir para apontar lacunas e possíveis sugestões para a solução de problemas identificados no campo da Educação Especial.
Por sua vez, com 12,5% (n=18) do total, os indicadores sobre os participantes ou amostra da pesquisa podem servir de parâmetros importantes para identificar lacunas ou pontos de saturação na seleção de populações-alvo dos estudos revisados.
Os demais indicadores de conteúdo representaram 59,7% (n=86) e estão relacionados à caracterização das pesquisas revisadas quanto à natureza e à abordagem, e aos procedimentos de coleta e de análise de dados. A sumarização e a análise dessas categorias podem indicar se o perfil metodológico das pesquisas realizadas na Educação Especial é suficiente para identificar as demandas relacionadas aos diferentes tipos de atendimento, produtos e serviços realizados nesse campo de conhecimento.
3.7 Temáticas
A Figura 7 apresenta as temáticas (n=28) identificadas nos artigos analisados.
Os resultados da Figura 7 permitem observar que, nos estudos de revisão, as temáticas mais focalizadas, com 16,6% (n=10) do total de artigos, estão relacionadas aos Transtornos do Neurodesenvolvimento, assim entendidos aqueles que têm início no período do desenvolvimento, que, em geral, surgem antes de a criança ingressar na escola e são caracterizados por déficits que acarretam prejuízo no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional, conforme definição do DSM-V (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 2014). Desse modo, esses artigos analisaram o Transtorno do Espectro Autista (n=6); o TDAH - Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade /Transtornos de Aprendizagem (n=2); o TDC - Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (n=1) e a Dislexia (n-1).
A produção científica na área de Educação Especial foi a segunda temática mais abordada (n=7) nos artigos de revisão. A rigor essa temática diz respeito ao corpus de artigos (n=60) investigados, uma vez que todos visaram analisar o que é produzido nesse campo de conhecimento. Contudo, esses 11,6% (n=7) não especificaram uma temática específica para ser investigada dentro desse campo, ou seja, o objetivo desses estudos foi revisar a produção científica de uma maneira mais ampla, diferindo apenas na fonte de dados, por exemplo: os artigos publicados na RBEE e em outros periódicos da área, os trabalhos apresentados no GT-15 - Educação Especial da ANPEd.
Entre as temáticas identificaram-se aquelas que trataram dos principais tipos de deficiência, reunindo 26,6% (n=16) do total de artigos, assim distribuídos: deficiência visual (n=5), deficiência física, aí inclusa a paralisia cerebral (n=3); deficiência mental/intelectual incluindo a síndrome de Down (n=5); e a deficiência auditiva (n=3). Além desses, dois artigos não especificaram o tipo de deficiência, referindo-se apenas a "pessoas com deficiência".
As demais temáticas (n=18) que reuniram 41,6% (n=25) do total de artigos obtiveram escores inferiores, sendo objeto de estudo entre três artigos que abordaram, por exemplo, a Classe Hospitalar/Educação Hospitalar (n=3);e um artigo que tratou das Altas Habilidades/Superdotação (n=1), sugerindo a necessidade de mais investigações sobre esses temas.
4 Considerações finais
A pesquisa realizada identificou a ausência de alguns componentes metodológicos importantes nas revisões publicadas na RBEE, tais como equívocos ao classificar o tipo de revisão realizada, ausência de questão de pesquisa, falta de clareza na descrição dos procedimentos metodológicos. A ausência dessas informações pode gerar vieses na pesquisa e comprometer a produção de evidências cientificamente válidas a partir das sínteses de pesquisas realizadas nesses estudos de revisão.
Esse cenário leva-nos a concordar com Vosgerau e Romanowki (2014, p. 184) de que os estudos de revisão na área de Educação embora sejam necessários e fundamentais, "para sintetizar, avaliar e apontar tendências, indicar pontos de fragilidade para favorecer a análise crítica sobre o acumulado da área", ainda carecem de maior aprimoramento na sua execução, conforme demonstram as análises realizadas.
Apesar dessas críticas, se as revisões forem conduzidas de forma apropriada, podem ser muito úteis para informar construtivamente sobre lacunas no conhecimento e inspirar novas pesquisas, principamente quando realizadas por pesquisadores especialistas que possuem um conhecimento aprofundado da área em questão, decidindo sobre quais dados devem ser incluídos e como os resultados devem ser interpretados e aplicados. Igualmente, revisões conduzidas por uma equipe de pesquisadores formada por experts na área do assunto, especialistas em informação e estatísticos potencializa a qualidade do estudo.
Nessa perspectiva, algumas sugestões poderiam contribuir para a mudança desse cenário: atenção e maior rigor para os aspectos metodológicos das revisões por parte dos autores; controle de qualidade dos manuscritos durante o processo de peer review; e normas editoriais para a submissão de artigos de revisão formuladas de modo mais explícito - incluindo também a ampliação do total de páginas para artigos desse tipo que requerem seções metodológicas e de resultados bem detalhadas, e inclusão das referências da literatura revisada na lista final de trabalhos citados, uma vez que a limitação de espaço pode levar os autores a omitir detalhes importantes da pesquisa realizada - a exemplo do que já acontece em outros periódicos científicos.
Finalmente, cada tipo de revisão tem seus pontos fortes e limitações, que devem ser considerados com seriedade pelos autores potenciais. Esperamos que este estudo estimule melhorias futuras em práticas de metanálise de modo a ampliar a qualidade das revisões.