1 Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerado como uma desordem do neurodesenvolvimento que abrange um espectro caracterizado por comprometimentos na interação social e comunicação, bem como pela presença de interesses restritos e comportamentos repetitivos (American Psychological Association [APA], 2013). É heterogêneo em muitas formas, incluindo sua trajetória de desenvolvimento: enquanto a maioria das crianças com um diagnóstico de TEA continua a vivenciar dificuldades sociais substanciais na vida adulta, um subconjunto pode não mais preencher os critérios diagnósticos (Gillberg, Helles, Billstedt, & Gillberg, 2016). Nos casos mais leves, não são identificados atrasos na linguagem, pois nessa área do desenvolvimento as diferenças devem-se às alterações pragmáticas e à fala pedante (Lopes-Herrera & Almeida, 2008) com alterações no padrão da prosódia, que podem interferir na passagem de mensagens importantes para a comunicação humana (Globerson, Amir, Kishon-Rabin, & Golan, 2015; Olivati, Assumpção Junior, & Misquiatti, 2017). Embora alguns parâmetros auxiliem a delinear certas facetas do transtorno, ainda não há consenso sobre uma teoria que poderia ser considerada universal para explicar essa condição. Entretanto, conforme sugerido por Ita Frith (2008), existem "cinco grandes ideias" sobre o Autismo.
A primeira refere-se a uma lacuna na capacidade meta-representacional, denominada "teoria da mente", que impossibilita pessoas com TEA de inferir o estado mental de outras pessoas. Como consequência, pessoas com TEA apresentam muita dificuldade em compreender crenças, emoções, desejos, percepções e intenções das outras pessoas. A segunda grande ideia engloba uma categoria especial de neurônios denominados "neurônios espelho", que estão ativos quando uma ação é desempenhada e observada. A hipótese de sua disfunção propõe uma explicação do déficit nas habilidades sociais em pessoas com TEA. A terceira, denominada "hipótese da motivação social", propõe que as pessoas com TEA não apresentam o impulso social inerente, o que as ajudaria a explorar as oportunidades de aprendizagem necessárias para o desenvolvimento de conhecimentos em cognição social. O quarto ideário, nomeado "fraca coerência central" considera pessoas com TEA com um funcionamento cognitivo diferente, orientado para o detalhe. Dessa forma, essas pessoas tendem a processar a informação localmente em vez de globalmente, o que dificulta a percepção do contexto. Por fim, a quinta refere-se à "hipótese da disfunção executiva", em que pessoas com TEA apresentam problemas associados com funções como planejamento, flexibilidade, inibição e memória de trabalho (Bolis, Balsters, Wenderoth, Becchio, & Schilbach, 2017).
Em termos numéricos, estima-se que a prevalência dos TEA esteja em torno de 1% entre a população adulta (Brugha et al., 2011). No entanto, estudos realizados com a faixa etária infantil referem que uma em cada 59 crianças com oito anos de idade apresenta o diagnóstico do transtorno (Baio et al., 2018).
A literatura internacional afirma que, nas últimas décadas, se tem observado um aumento significativo nos índices do diagnóstico de TEA (Myers et al., 2018). Essa alta acaba por repercutir na demanda desse público nos diversos níveis de ensino, inclusive na procura de jovens com TEA no ingresso à universidade. Entretanto, esse número ainda é pequeno, a se considerar que por volta de um terço desse público frequentou a faculdade nos seis primeiros anos posteriores à conclusão do Ensino Médio na realidade americana (Shattuck et al., 2012). Um fato que chama atenção é que dentre esses estudantes, 38,8% conseguem concluir a graduação (Newman et al., 2011). No entanto, ainda é restrito o número de pesquisas que têm se proposto a compreender as experiências universitárias de estudantes com TEA (Rosa, 2015), particularmente pela perspectiva de si mesmos (Bolourian, Zeedyk, & Blacher, 2018).
No Brasil, dados levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio ([INEP], 2018) nas modalidades de ensino presencial e a distância, apontaram que 754 estudantes com Transtornos do Espectro Autista (378 diagnosticados com Autismo Infantil e 376 com Síndrome de Asperger), foram matriculados na Educação Superior, dentre um total de 39.855 matrículas de estudantes autodeclarados com alguma deficiência (1,9%). Particularizando ao Estado de São Paulo, local onde se insere esta pesquisa, os dados do INEP (2018) indicam que 197 estudantes diagnosticados com TEA realizaram a matrícula; número que vem crescendo quando analisado os mesmos relatórios de anos anteriores.
Em termos normativos, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva ([PNEEPEI], 2008) aponta como público-alvo da Educação Especial, dentre outras categorias, estudantes com Transtornos Globais do Desenvolvimento - que passaram a receber a nomenclatura TEA com a publicação do DSM-5, em 2013. Em relação ao Ensino Superior, essa política sublinha que devem ser garantidas ações transversais que promovam o acesso, a permanência e a participação do seu público. Essas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, os quais devem ser disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão (PNEEPEI, 2008).
No ano de 2012, foi publicada a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, conhecida como Lei Berenice Piana e regulamentada pelo Decreto nº 8.368, de 2 de dezembro de 2014, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Desde sua promulgação, para efeitos legais, esse grupo social passou a ser designado como pessoa com deficiência (Decreto nº 8.368, 2014). O respaldo legal vem buscando suprimir eventuais contratempos vivenciados por estudantes com TEA nos diversos níveis de ensino, inclusive no superior. O ingresso no Ensino Superior é marcado por várias mudanças, que vão desde a configuração das práticas educacionais até as vivências entre estudantes e, considerando-se as características singulares desses estudantes, esse grupo pode estar enfrentando desafios sociais, emocionais, de vida independente, autodefesa e comunicação, tanto dentro quanto fora da sala de aula (Adreon & Durocher, 2007).
Na leitura desses dados, é possível inferir que as políticas públicas que têm orientado e valorizado práticas educacionais inclusivas acabam por promover um acesso mais acentuado de estudantes com TEA a níveis mais elevados de ensino. Com isso, observa-se a necessidade de refletir sobre a possibilidade de uma modificação nos ideais, nos valores, nas velhas crenças e nas práticas dirigidas a esse grupo social. Um olhar transformador sobre as diferenças, constitutivas do sujeito, pode pautar-se no respeito à diferença humana, com atenção na revisão das suas idiossincrasias, ou seja, o que muitas vezes é tido como estranho e anormal deve ser visto como uma diferença em um rol de tantas outras, por exemplo. Diante dessas considerações, este texto procura relatar os achados de uma pesquisa que objetivou descrever a experiência acadêmica de seis estudantes, com diagnóstico de TEA, regularmente matriculados em uma universidade pública no estado de São Paulo.
2 Método
Esta seção aborda os participantes da pesquisa, os instrumentos e os procedimentos de coleta e análise de dados.
2.1 Participantes
É oportuno mencionar que as ações de pesquisa delineadas foram aprovadas em Comitê de Ética e estão cadastradas na Plataforma Brasil, sob o Protocolo CAAE 48308815.0.0000.5398. No início do estudo, os participantes receberam informações a respeito da pesquisa e, para firmar a participação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado de acordo com a Resolução CNS 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
A amostra foi então constituída de seis estudantes de uma universidade pública do Estado de São Paulo, autodeclarados com Transtornos do Espectro Autista, por ocasião da matrícula inicial ou em curso. A seleção da amostra ocorreu por meio de consulta ao sistema institucional de cadastro da Graduação. O contato com esse público foi autorizado pelas instâncias responsáveis na universidade e ocorreu via e-mail ou telefone.
Na intenção de confirmação diagnóstica, recorreu-se à aplicação da escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA). A escala ATA (Assumpção Júnior, Kuczynski, Gabriel, & Rocca, 1999) é composta por 23 subescalas, cada uma das quais dividida em diferentes itens. É considerada uma prova estandardizada que fornece o perfil da conduta da pessoa, embasada em diferentes aspectos diagnósticos dos TEA. Pode ser aplicada a partir dos dois anos de idade. A escala é pontuada com base nos seguintes critérios: cada subescala da prova tem um valor de 0 a 2; pontua-se zero, nos casos em que não houver a presença de nenhum item; 1, se houver apenas um item; e 2, se houver mais de um item. Realiza-se a soma aritmética dos pontos obtidos, sendo nota de corte o valor 23, o que é indicativo de que a pessoa pode apresentar TEA. A escala não possibilita verificar graus do TEA, embora seja possível identificar o perfil da sintomatologia. O Quadro 1 permite visualizar as informações referentes à caracterização dos participantes.
Participante | Sexo | Idade | Idade que obteve o diagnóstico | Curso | Tempo de curso até a entrevista | Pontuação na ATA |
---|---|---|---|---|---|---|
P1 | M | 30 | 28 | Engenharia Industrial Madeireira | 12 anos | 27 |
P2 | F | 22 | 19 | Ciências Biológicas | 4 anos | 35 |
P3 | M | 26 | 18 | Biologia Marinha | 2 anos | 36 |
P4 | M | 24 | 21 | Engenharia Mecânica | 6 anos | 11* |
P5 | M | 37 | 7 | Matemática | 4 anos | 35 |
P6 | M | 23 | 13 | Ciências sociais | 4 anos | 35 |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa.
*Apesar da pontuação inferior à exigida pela nota de corte, P4 foi incluído pois apresentou laudo médico com o diagnóstico de TEA no ato da entrevista.
2.2 Instrumentos
Os instrumentos utilizados na pesquisa foram:
Ficha de caracterização da amostra: elaborada especialmente para a realização do estudo; esse material era composto por questões de identificação pessoal, tais como data de nascimento, idade, gênero, curso, ano de ingresso, dentre outras.
Roteiro norteador de entrevista: para a coleta de dados, foi utilizado um roteiro norteador de entrevista, adaptado dos estudos realizados por Branco (2015) e Silva (2016) que visava averiguar diversos aspectos referentes à vivência universitária de acordo com a percepção de pessoas com deficiência que frequentam essa modalidade de ensino.
Nessa versão aplicada, as questões foram ordenadas em dez categorias temáticas: 1 - Motivos para o ingresso na Graduação; 2 - Informação sobre a condição de TEA no processo seletivo; 3 - Adaptações realizadas durante o processo seletivo; 4 - Condições de acessibilidade na Graduação; 5 - Relacionamentos no contexto Universitário; 6 - Adaptações no processo de ensino e aprendizagem; 7 - Fatores relacionados à permanência e à conclusão do curso; 8 - Demandas decorrentes do diagnóstico; 9 - Importância do curso de Graduação; 10 - Sugestões de melhoria na Universidade.
2.3 Procedimento de coleta de dados
A coleta de dados deu-se em encontros individuais presenciais, que se iniciavam com a solicitação de preenchimento da ficha de caracterização/identificação, seguida da aplicação da ATA, descrita anteriormente. A aplicação da referida escala foi realizada por meio de questionamentos contidos no instrumento, cujas características relatadas pelos participantes deveriam corresponder ao momento da coleta de dados.
Ainda no mesmo encontro, deu-se prosseguimento às entrevistas, momento que as questões do roteiro norteador foram apresentadas. Todas as entrevistas foram gravadas em arquivos de áudio e tiveram duração média de 90 minutos.
2.4 Procedimentos de análise de dados
Inicialmente, os áudios obtidos foram transcritos em documentos de texto. Na sequência, foi realizada a leitura flutuante dos relatos obtidos nas entrevistas para apreensão inicial do conteúdo e organização do material.
Posteriormente, foram utilizados os procedimentos metodológicos qualitativos, nominado de Núcleos de Significação (Aguiar & Ozella, 2006), para auxiliar na interpretação dos relatos dos participantes, com a finalidade de alcançar o acesso aos processos psíquicos superiores, na interpretação dos sentidos e significados atribuídos a determinados fenômenos. Esse tipo de análise, que se fundamenta na Psicologia Histórico-cultural, parte das palavras inseridas no contexto que lhe atribuem significado, de tal modo que o contexto englobe a narrativa do sujeito, aliado às condições histórico-sociais que o constitui (Aguiar & Ozella, 2013).
A operacionalização da análise ocorreu em respeito aos critérios apontados pelos autores, a saber: a) estabelecimento de pré-indicadores, - que se configuram em palavras, ausências ou incompletudes, selecionadas de acordo com sua importância para compreensão do objetivo da investigação; b) aglutinação desse conteúdo em indicadores (por similaridade, complementaridade ou contraposição); c) elaboração dos núcleos de significação, pelo processo de articulação dos indicadores e seus assuntos organizados e nomeados de acordo com a essência dos conteúdos expressos pelo sujeito (Aguiar & Ozella, 2006). Nesse processo, de procurar interpretar tais conteúdos, foram necessários a interlocução e o olhar atento de dois pesquisadores envolvidos com o estudo.
Como essa abordagem se pauta na análise de axiomas, é pertinente retomar que o sentido de uma palavra depende da compreensão individual da palavra como um todo e da estrutura interna da personalidade. Segundo Vygotsky (1987), "é o agregado de todos os fatores psicológicos que aparecem em nossa consciência como resultado da palavra" (p. 276). Nessa direção, o sentido deixa de ser entendido como o significado estrito da palavra no contexto, para ser considerado como uma unidade psíquica de consciência organizada na processualidade da linguagem (Rey, 2011). Dito de outra forma, ao fazer uso dos Núcleos de Significação, o pesquisador precisa compreender que, para além da dicionarização do conceito, existe uma interpretação própria, singular a cada sujeito.
3 Resultados
Após repetidas leituras dos relatos obtidos nas entrevistas transcritas, estabeleceram-se, em primeiro lugar, os pré-indicadores, seguidos pela aglutinação desse conteúdo em indicadores, sendo finalizado o tratamento pela construção dos núcleos de significação. O Quadro 2 permite observar os pré-indicadores, os respectivos indicadores estabelecidos e os números de participantes que relataram a respeito.
Indicadores | Pré-indicadores e número de participantes | |
---|---|---|
1 | Experiências no Ensino Básico sob a condição de TEA | Boas notas (5); dificuldade com interação social (4); dificuldade de concentração (2); dificuldade de aprendizagem (2); era muito fechado (2); certificado pelo ENEM (2); dificuldade em uma disciplina (2); muitas faltas (2); mudança de escolas (2); dificuldade de comunicação (1); notas ruins (1); nunca me encaixei (1). |
2 | Bullying | Me zoaram (3); Me chamaram de retardado (2); Me isolaram (3). |
3 | Importância do curso | Sempre gostei da área (5); Segui escolha de colegas (2); Realizar o sonho (2); Aproximar da normalidade (1). |
4 | Ingresso na graduação e TEA | Não tive adaptações (6); Não tinha o diagnóstico (3); Não queria que soubessem (2); Não gosto de trote (2); Não sabia que Asperger era deficiência (1); Não me perguntaram nada (1); Fiquei desnorteado (1). |
5 | Barreiras de acessibilidade na Universidade | Barreira de informação (6); Não tive ajuda (5); Tinha grupo de acessibilidade (3); Faltam profissionais capacitados (3); Não tinha grupo de acessibilidade (2); Campus não é acessível (2); Não solicitei (2); Falaram que não existia (1); Prédio é acessível (1). |
6 | Luta pela permanência na Universidade | Mesmo critério de ensino e avaliação (6); Como aluno normal (6); Dependências (5); Meus pais me ajudam (4); Dificuldade de aprendizagem (3); Faltas (2); Falta de acompanhamento (1); Jubilar (1). |
7 | Despreparo dos professores | Mau julgamento (5); Foram avisados (3); Me humilhou (2); Não compreendem (2); Falou que não tenho capacidade (1); Atestado de como agir (1); Não tem o que fazer (1); Ação de bullying contra mim (1); Desprezavam o que eu perguntava (1). |
8 | Complicadores relacionados à condição do TEA | Dificuldade com interação social (6); Dificuldade em manter amizades (5); Dificuldade com concentração (4); Comportamento estranho (3); Perseguição (3); Atividade cerebral muito intensa (2); Movimentos estereotipados (2); Dificuldade em lidar com mudança (2); Não tenho empatia (2). |
9 | Fatores socioemocionais | Brigas (4); Postura das pessoas (4); Forçam sair da Universidade (3); Mascarar (3); Crises (2); Sempre fui fechado (2); Me senti normal (2); Gordinho (2); Não aguentei (2); Inferno (2); Não queriam aceitar (1); Nunca me encaixei (1); Traumatizada (1); Fiquei apavorado (1). |
10 | Sugestões de melhoria na Universidade | Professor que tivesse mais afinidade (1); Mais empatia e paciência de professores (1); Acesso claramente às matérias (1); Orientação dos dois lados (1); Entender a dificuldade do aluno (1); Conscientização (1). |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa.
Legenda: ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
A partir dos indicadores apresentados no Quadro 2, foram construídos três núcleos de significação, de acordo com seus respectivos conteúdos, que se encontram dispostos no Quadro 3.
Núcleos de significação | Indicadores que o compõem |
---|---|
Ensino Básico: heterogeneidade acadêmica e experiências interacionais pobres | Indicador 1 - Experiências no Ensino Básico. Indicador 2 - Bullying. Indicador 7 - Despreparo dos professores. Indicador 8 - Complicadores relacionados à condição do TEA. Indicador 9 - Fatores socioemocionais. |
Controvérsias entre o interesse pela graduação e o despreparo do contexto universitário | Indicador 2 - Bullying. Indicador 3 - Importância do curso. Indicador 4 - Ingresso na graduação e TEA. Indicador 5 - Barreiras de acessibilidade na Universidade. Indicador 6 - Luta pela permanência na Universidade. Indicador 7 - Despreparo dos professores. Indicador 9 - Fatores socioemocionais. |
Necessidades de mudança no âmbito singular e social | Indicador 2 - Bullying. Indicador 8 - Complicadores relacionados à condição do TEA. Indicador 9 - Fatores socioemocionais. Indicador 10 - Sugestões de melhoria na Universidade. |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos dados da pesquisa.
Destarte, os relatos dos participantes foram classificados em três núcleos de significação, que organizaram de forma temática os principais pontos abordados nas entrevistas, a saber: 1) Ensino Básico: heterogeneidade acadêmica e experiências interacionais pobres; 2) Controvérsias entre o interesse pela graduação e o despreparo do contexto universitário; 3) Necessidades de mudança no âmbito singular e social.
No primeiro núcleo de significação - Ensino Básico: heterogeneidade acadêmica e pobres experiências interacionais -, os relatos englobam, em sua maioria, facilidades quanto ao conteúdo acadêmico no Ensino Básico (cinco dos seis participantes não apresentaram dificuldades marcantes com a aprovação, obtendo conceitos bastante satisfatórios na maior parte das disciplinas curriculares). Entretanto, dentre estes cinco participantes, quatro relataram embaraços em áreas específicas (tais como matemática e artes), necessitando de reforços (dois participantes) ou sendo retidos em algumas disciplinas cursadas (dois participantes). Com relação ao fator presença nas aulas, três dos seis participantes relataram grandes problemas com faltas, devido às dificuldades de interação social. Isso foi mencionado por todos os participantes e se tornou, inclusive, motivo da obtenção da conclusão do Ensino Médio a distância para dois participantes (P2 e P6). O relato de P4 permite observar alguns desses aspectos: "[...] ensino fundamental eu ia bem. Mas assim, sempre tinha essa parte de dificuldade em interação social. Só que assim, o aluno tira nota boa, não dá trabalho, por que a escola vai se preocupar?".
O segundo núcleo de significação - Controvérsias entre o interesse pela graduação e o despreparo do contexto universitário - permitiu refletir sobre as nuances que estudantes universitários com TEA podem vivenciar no contexto acadêmico, após ao ingresso na graduação, nos termos de P2: "[...] eu tava fazendo uma coisa pensando em posteriormente trabalhar com botânica, ou com etnobotânica que era meu sonho, mas eu não tava conseguindo concluir o curso lá por causa do bullying. Se eu tivesse só o bullying mas conseguisse levar as matérias eu continuaria. Mas eu não conseguia nenhum dos dois".
Na análise desse núcleo, há outros elementos a serem destacados. Três (P1, P2 e P4) dentre os seis participantes obtiveram o diagnóstico de TEA quando já estavam na graduação; desse modo, houve identificação tardia da sua condição. Nesses casos, as dificuldades acadêmicas (P1, P2 e P4) e emocionais (P2 - "crises de ansiedade" e P4 - "depressão"), culminaram na busca por respostas com profissionais externos à Universidade, que foram explicadas com a obtenção do diagnóstico. Quando a par da situação, os três participantes procuraram suporte dos professores e da equipe técnica da graduação.
P1 fez o pedido de dilação do prazo para conclusão de curso, devido ao fato de que faltava aprovação em 15 disciplinas e já estava prestes a jubilar. Após algumas dificuldades burocráticas a esse respeito, inclusive a necessidade de recorrer à Reitoria para obtenção do benefício, conseguiu a extensão de prazo para a integralização dos créditos. P1 cursava, no ato da entrevista, pela terceira vez a última dependência restante para a conclusão da graduação em Engenharia Industrial Madeireira.
Após o recebimento do diagnóstico, P2 relatou que sua mãe se dirigiu até a universidade e informou a sessão de graduação sobre a sua condição. Segundo ela, todos os professores do curso de Ciências Biológicas estavam cientes da situação; entretanto, não foram apresentadas soluções para que pudesse conseguir aprovação nas dez disciplinas em que apresentava dependência. O seguinte trecho procura ilustrar a importância da conclusão do curso para P2: "Era tudo que eu queria. Tanto que com todas as dependências eu insisti por 4 anos. Eu fiz de tudo. Eu pesquisei formas de aprendizado, tentei é... tentei procurar outros tipos de terapia. Comecei a fazer exercícios físicos, assim. Tudo que você imagina que eu pudesse fazer pra tentar concluir esse curso eu tentei". Quando questionada se houvera apoio oferecido pela instituição, a resposta foi: "Da universidade não".
Cursando Engenharia Mecânica, P4 contou com apoio multidisciplinar de uma equipe de profissionais externa à universidade para progredir academicamente. Os profissionais interviram junto à seção técnica da graduação, orientando sobre como as práticas pedagógicas poderiam ser ajustadas para favorecer a aprendizagem do aluno. Entretanto, P4 relatou que as orientações se esgotaram no plano teórico. Relatou, ainda, que, por sua vontade, não divulgaria o diagnóstico mesmo que isso o impedisse de obter os benefícios legais a que tem direito: "Então, muitas vezes pra não ter atrito com o professor, eu acabei, eu também acabei escondendo um pouco isso da academia".
Outro importante aspecto a ser destacado refere-se às barreiras de acessibilidade enfrentadas na trajetória acadêmica, dentre as quais sobrepõe-se à falta de serviços e os auxílios prestados a esse público, relatado por todos os participantes. Para P2, por exemplo: "A única coisa que assim, os professores não disponibilizavam muito o material, não tinha uma apostila. Muitos não disponibilizam o slide e... isso eu encontrei dificuldade". P6, ainda com respeito às informações passadas por professores, assinalou: "Eles não te oferecem nada, não falam nem do grupo de pesquisa deles".
O terceiro e último Núcleo de Significação - "Necessidades de mudança no âmbito singular e social" - reuniu considerações a respeito de transformações no contexto em decorrência de particularidades dos estudantes com TEA (frente às dificuldades com as habilidades sociais, concentração e funcionamento executivo/planejamento) e, igualmente, de questões relativas aos professores e aos colegas de classe. P6, matriculado no curso de Ciências Sociais, discorreu sobre isso: "Falta preparo deles e pra mim; orientação dos dois lados. Como que eu vou interagir?".
Os relatos que indicavam dificuldades de interação no âmbito singular foram associados pelos participantes a dificuldades em detectar os estados mentais de seus interlocutores. P3 mencionou em relação ao comportamento alheio: "Que às vezes eu não entendo. Eu não, eu não tô percebendo as coisas". P4, por sua vez, relatou ausência no comportamento de "empatia". Já no que diz respeito às habilidades cognitivas, P2 e P5 discorreram sobre a dificuldade em se organizar quanto ao conteúdo a ser estudado para as provas; e P1, P2, P5 e P6 relataram déficits de concentração durante as aulas. Sobre esse tópico, P2 descreveu: "Não, praticamente (com) nenhum professor eu consegui aprender. Porque era tudo em slide e era muito rápido e eu não conseguia me concentrar ou na fala ou na imagem do slide ou anotar". Além disso, um fator mencionado por P4 referiu-se ao fato de ser "lerdo para escrever". Para ele, um tempo extra para fazer provas seria essencial.
No que concerne às adaptações ou ajustes necessários no contexto universitário, os relatos apontaram principalmente para a mudança de postura por parte dos professores que, segundo os participantes, poderiam compreender melhor as peculiaridades de cada estudante e oferecer auxílio mais pontual no acesso ao conteúdo ministrado nas disciplinas.
Quanto aos colegas de classe, P2 mencionou: "uma conscientização de que esses alunos autistas ou mesmo outros são pessoas. Eu considero pessoas normais que tem algumas peculiaridades e que você pode estabelecer relações de amizades com eles e tudo mais. Eu acho que é isso". Isso revela que esses alunos se mostram abertos e querem estabelecer interações sociais dentro do contexto de convivência comum.
4 Discussão
No que concerne à inserção de crianças com TEA na rede de ensino básico comum, estudos têm apontado diversas áreas relacionadas às habilidades sociais, demonstrando resultados bastante inferiores quando comparados aos pares com desenvolvimento típico. Dentre tais fatores, citamos: o desengajamento e isolamento no recreio (Frankel, Gorospe, Chang, & Sugar, 2011); menor propensão a ter amizades recíprocas (Bauminger, Solomon, & Rogers, 2010); maior probabilidade de ser rejeitado (Locke, Kasari, Rotheram-Fuller, Kretzmann, & Jacobs, 2013); e maior chance de ter relações de pior qualidade (Calder, Hill, & Pellicano, 2012). Tais fatores corroboram os achados deste estudo, que enfocaram as dificuldades com as interações sociais no Ensino Fundamental, permanecendo muitas delas até o nível superior. Entretanto, o estudo de Locke, Williams, Wendy, & Kasari (2017) destacou que existem casos de crianças com TEA que são socialmente bem-sucedidas nas escolas (embora a maior parte da literatura enfoque no outro viés). Dentre os aspectos que foram associados ao sucesso nas relações sociais, o estudo mencionou a gravidade dos sintomas e a interação mediada por um adulto, indicando a importância de intervenções pontuais.
No entanto, metade da amostra investigada só obteve diagnóstico mais tardiamente. Um dos participantes (P4) refere que esse fato pode ter influência em função do seu bom desempenho escolar, tanto conceitual como comportamental, mascarando a sua condição, nessa etapa do desenvolvimento. Em outras palavras, tais aspectos possivelmente contribuíram para não alertar os professores para o TEA, uma vez que destoava da sintomatologia trivialmente popularizada do transtorno.
Cabe mencionar que o diagnóstico tardio vem sendo foco de estudos científicos e tem demonstrado aplicações positivas quanto ao seu conhecimento por parte do indivíduo com TEA (Olivati & Leite, 2017), de modo que são relatados sentimentos de alívio com a confirmação do diagnóstico, tendo em vista que alguns aspectos do passado que não tinham explicação passaram a fazer sentido (tais como intimidação na universidade, dificuldades com emprego, ansiedade persistente e problemas com amizades e relacionamentos amorosos) (Hickey, Crabtree, & Stott, 2017).
Em relação ao desempenho acadêmico dos participantes com TEA no transcurso da Educação Básica, foi verificado que apenas um dos seis participantes apresentou dificuldades significativas com o desempenho escolar: "Pra falar a verdade eu acho que nem aprendia [...], eu fazia as matérias, mas de uma forma mecânica". Para os demais, esse não foi considerado um problema, pois os relatos enfocaram inclusive a facilidade em obter boas notas sem a necessidade de muito esforço. Contudo, foram identificadas dificuldades pontuais em algumas áreas de concentração (tais como matemática, física e artes). É possível verificar, portanto, que os participantes com TEA apresentaram um perfil diversificado, com áreas específicas de fraquezas e fortalezas, corroborando os achados de Keen, Webster e Ridley (2016).
Isso posto, é possível inferir que se o sistema educacional estivesse mais atento às necessidades especiais e aos aspectos interacionais desse público, ofertando tanto o suporte pedagógico como a proposição de formas alternativas de ensino, favorecendo o estabelecimento de trocas interacionais, tais alunos poderiam se beneficiar significativamente com a inclusão no ensino regular. Esse é um importante assunto a ser considerado em concordância aos preceitos da educação inclusiva, especialmente tendo em vista que existem relatos de que crianças com TEA que permaneceram nas classes comuns apresentaram melhor desempenho acadêmico do que as que mudaram para as classes de Educação Especial (Kim, Bal, & Lord, 2018), embora a permanência nas escolas ainda seja um desafio devido às barreiras sociais e bullying recorrentes no cotidiano escolar (Rosa, 2015).
As dificuldades com interação social relatadas por todos os participantes mostraram-se como um complicador à permanência na universidade. Essas dificuldades vêm sendo observadas e relatadas na literatura (Gelbar, Shefcyk, & Reichow, 2015; Olivati & Leite, 2017;) e são compatíveis com características diagnósticas dos TEA (APA, 2013). Tais aspectos, relacionados aos déficits pragmáticos da linguagem (Trevisan & Birmingham, 2015) são passíveis de treinamento e intervenção e podem melhorar o perfil comunicativo de adultos com TEA (Ferreira, Teixeira, & Britto, 2010) contribuindo, consequentemente, com o sucesso dessas pessoas em sua experiência universitária.
É importante considerar que as dificuldades relacionadas à prosódia (Globerson et al., 2015; Olivati, Assumpção Junior, & Misquiatti, 2017), alterações na comunicação gestual (de Marchena et al., 2019), nas habilidades semânticas e pragmáticas (Trevisan & Birmingham, 2016), na compreensão metafórica de algumas frases e expressões e a fala incessante sobre um assunto favorito (Klin, 2006), podem interferir no estabelecimento de relações sociais e, embora não se deva generalizar tais características, todos os estudantes devem ser contemplados em suas singularidades em uma proposta educacional que se adjetiva como inclusiva. Em relação a isso, podemos refletir que o bullying, presente nos relatos de todos os participantes e observados nos três núcleos de significação, pode estar mais relacionado ao estigma e à rejeição social associados a uma dada condição de deficiência (incapacidades) e não às características particulares do TEA em si (McLeod, Meanwell, & Hawbaker, 2019).
Outro fator importante identificado nas entrevistas refere-se às dificuldades de aprendizagem associadas às habilidades organizacionais (P2 e P4) e atencionais (P1, P2 e P5). É conhecido pela literatura que a flexibilidade cognitiva é uma das áreas de funcionamento executivo que representa desafios na aprendizagem de estudantes com TEA. A adaptação mental é dificultosa e, portanto, eles podem apresentar dificuldade em transitar de um conceito para outro, o que pode dificultar a manutenção da atenção e complicar a leitura e a compreensão dos conteúdos curriculares expressos no Ensino Superior. Infere-se, portanto, que a falta de foco atencional em determinado objeto ou situação, associada aos problemas com a velocidade na execução de tarefas de sala de aula, pode levar à dificuldade de apropriação de conceitos, como observado por Gobbo e Shmulsky (2014), indo de acordo com os relatos de P2 e P4. Diante da identificação de tais demandas especiais, é oportuno resgatar que o próprio Estado regulamenta a garantia de um sistema educacional e igualitário em todos os níveis, prevendo a modificação e os ajustes metodológicos no ensino (Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011).
No tocante às questões de acessibilidade, todos os participantes indicaram a barreira da informação como o principal aspecto encontrado em suas respectivas unidades universitárias. O estudo realizado por Pereira, Lima e Oliveira (2016), em uma Universidade Federal, analisou a forma com que o acesso à informação pode auxiliar a pessoa com deficiência, no acesso e na permanência no Ensino Superior. Os achados preliminares corroboram as afirmações dos participantes deste estudo, considerando-se que os autores entendem esse aspecto como estando longe de ser o ideal. Acrescentam que podem ser encontrados pelo menos três tipos de informações: as que são disponíveis à comunidade acadêmica, por meio dos livros e artigos científicos - encontradas nas bibliotecas; o conteúdo informacional passado em sala de aula pelos professores, por meio de debates com os colegas; e, por fim, o conjunto de informações veiculado pela Universidade sobre seus setores, serviços, direitos e deveres dentro da unidade (Pereira, Lima, & Oliveira, 2016) deve utilizar de formas mais variadas possíveis, ajustando-se às singularidades dos alunos; deve, assim, estar em formatos acessíveis a eles.
Ficou evidente nos relatos dos participantes a necessidade de professores mais capacitados e aptos a lidar com as diferenças, mesmo tendo se passado mais de 20 anos da promoção da educação inclusiva no cenário brasileiro. Esse aspecto foi igualmente observado em estudos semelhantes (Costa & Marin, 2017; Souza, Santos, Teodoro, & Fabiano, 2018), embora já seja constatada a existência de assistência colaborativa por parte dos professores, o que impacta de forma positiva o processo de participação do estudante universitário com TEA (Donati & Capellini, 2018). Outro fator importante a ser considerado é que todos os participantes preferiram ocultar o diagnóstico - devido ao receio dos julgamentos - de serem considerados como "coitadinho e pobrezinho" (P5) ou de serem vistos "com um olhar de dando uma desculpinha porque ele é autista" (P6), o que pode inviabilizar a implementação de suportes na esfera educacional (Anderson, Carter, & Stephenson, 2018). É oportuno mencionar que os professores, por desconhecimento, muitas vezes enfrentam desafios no relacionamento com tais alunos, de modo que encontram dificuldades do estudante para atender às demandas do curso e observam a presença de comportamentos considerados como antiéticos, arrogantes e agressivos (Donati & Capellini, 2018) e merecem, portanto, uma atenção especial.
A preferência no velamento do diagnóstico, mencionada por todos os participantes, já apareceu em relatos de pesquisas científicas (Anderson, Carter, & Stephenson, 2018; Gelbar, Shefcyk, & Reichow, 2015). Dessa forma, é improvável que os indivíduos com TEA divulguem sua condição aos pares, com receio de afastamento ou retaliação por parte deles, muito em decorrência dos mitos que envolvem o transtorno - como que sujeitos nessa condição não gostam de fazer amizades, são esquisitas, agressivas - indo até aqueles que a classificam erroneamente como doença. Isso indica que há muito que se debater sobre o TEA ou outras deficiências em uma esfera educacional responsável pela formação de futuros profissionais. A universidade deve ter o compromisso na formação acadêmica daqueles que serão os profissionais do futuro e, assim, cabe à instituição possibilitar que a ideia de homem plural seja algo a ser considerado e respeitado, rompendo com a lógica de sujeito único.
Diante de tais mudanças sugeridas pelos participantes, é importante mencionarmos que já é observada a implementação de programas de inclusão nas universidades públicas do país, tais como o Programa Incluir (2013), que visa a consolidação de núcleos de acessibilidade nas unidades federais de Ensino Superior, os quais respondem pela organização de ações institucionais que garantam a integração de pessoas com deficiência à vida acadêmica, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação (Programa Incluir, 2013). Contudo, essa não foi a realidade encontrada pelos participantes do presente estudo, que, em sua totalidade, relataram a ausência de núcleos de apoio na universidade, talvez em função da natureza administrativa da universidade investigada, que pertence à esfera Estadual, e, portanto, não contemplada no Programa, ou, ainda, por seu caráter multicampi, dificultando o estabelecimento de um núcleo em todas as suas unidades.
De forma geral, o suporte universitário oferecido foi incipiente, e, quando ocorreu, o suporte deu-se em virtude de solicitações individuais dos estudantes. Como exemplo de intervenções a serem propostas por esse contexto, a literatura refere que encontros semanais para planejar atividades sociais em torno dos interesses dos estudantes com TEA, melhorar as habilidades organizacionais, direcionar as habilidades sociais específicas e contar com um mentor durante as atividades sociais aumentaram o número de participações em eventos sociais, em atividades extracurriculares, interações entre pares, melhor desempenho acadêmico e maior satisfação com sua experiência universitária (Ashbaugh, Koegel, & Koegel, 2017). Além disso, a disponibilidade no meio acadêmico de profissionais com competência técnico-científica no trato com estudantes com TEA pode contribuir com a relação instituição de ensino-família, de modo a respeitar as necessidades individuais dos estudantes e oferecer um espaço para acolhimento de suas demandas e de sua família (Costa & Marin, 2017).
5 Conclusão
Muitos dos artigos científicos utilizados para discussão dos resultados aqui apresentados referem-se a publicações da literatura internacional, tendo em vista a ainda restrita opção de estudos realizados com estudantes universitários com TEA em território nacional - embora já sejam encontrados estudos sobre essa temática. Essa é uma informação a ser relevada, especialmente em se considerar o crescente número de estudantes com TEA ingressando nas universidades do país devido às políticas públicas que incentivam essa iniciativa (Martins, Leite, & Lacerda, 2015).
O autismo é frequentemente descrito como uma condição invisível, porque as pessoas que vivem com autismo de qualquer tipo são como as demais, mas não estão em conformidade com as normas sociais. Trazemos aqui um trecho de Baron-Cohen um pesquisador que trabalha com os fatores sociais de estigmatização e isolamento que passam as pessoas com TEA. "Para mim, o ponto de virada foi quando um homem me disse que ter autismo era como ser um peixe de água doce em água salgada. Nesse ambiente, eles são inválidos. No ambiente certo, a deficiência diminui e eles não apenas desabrocham, mas podem realizar seu potencial" (Baron-Cohen como citado em Morgan, 2015, p. 967, tradução nossa). A mensagem é bastante clara - ser diferente não é causa de exclusão social; existem maneiras e meios para as pessoas que vivem com autismo prosperarem em uma sociedade apta a receber a diversidade (Morgan, 2015).
Ao utilizarmo-nos dos Núcleos de significação, foi possível compreendermos os aspectos relacionados pelos participantes às suas trajetórias acadêmicas, bem como a influência do ambiente universitário nessa etapa de vida, à luz de como o sujeito singular se relaciona ao entendimento do próprio homem como ser genérico. Os estudantes com TEA apresentaram relatos importantes sobre dificuldades com as interações sociais, fatores socioemocionais e desafios acadêmicos que impactaram em sua permanência na universidade. O interesse em participar de um curso superior marcado pela persistência diante dos obstáculos sociais, metodológicos e individuais enfrentados demonstram a importância da conclusão do curso para esse público.
Os suportes oferecidos pelas instituições foram deficitários, tanto na identificação das necessidades educacionais especiais quanto na proposição de estratégias facilitadoras que contribuíssem com o sucesso desses estudantes na universidade. Esses resultados demonstram a dificuldade dos profissionais do Ensino Superior em quebrar com uma prática homogênea, ou seja, proverem condições singularizadas. Além disso, as garantias de ajustes curriculares devem ser previstas e aplicadas quando necessárias, desde o ingresso ao término dos cursos, mesmo ciente que o ingresso na universidade pública, no Brasil, é fundamentalmente meritocrático. Em outras palavras, a inclusão educacional no Ensino Superior no país ainda caminha a passos lentos, e não é incomum a comunidade universitária se espantar com a presença de estudantes com deficiência nas salas de aula. Garantir que o estudante com TEA tenha condições igualitárias na sua vivência acadêmica, como qualquer outro estudante, ainda se configura um desafio, pois o que se percebe é que recai ao sujeito a culpa pela sua condição de diferença (negativa), sendo a estranheza perpetuada. Nesse entendimento, muitos sujeitos com TEA, como os participantes deste estudo, optam por manter velado o diagnóstico, mesmo em um contexto que se proclama como plural, a universidade pública.