Introdução
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a proporção de pessoas com distúrbios de ansiedade tem crescido ao redor do mundo, principalmente em países de renda baixa. A estimativa aponta que a proporção média mundial de pessoas com ansiedade era de 3,6% em 2015. Este problema é especialmente relevante no Brasil, em que a proporção de pessoas com ansiedade era quase três vezes superior à média global (WHO, 2017).
A ansiedade pode ser definida como apreensão, tensão ou inquietação pela antecipação do perigo, cuja fonte é amplamente desconhecida ou não reconhecida (ALLEN; LEONARD; SWEDO, 1995). Trata-se de um dos comportamentos mais correlacionados com as doenças psicossomáticas, as quais desencadeiam muitas outras doenças com origem nos fatores emocionais (SALLES; SILVA, 2012).
Dessa forma, fica evidente que os transtornos de ansiedade contribuem significativamente para a perda de saúde, sendo possivelmente a segunda causa mais comum de incapacidade no mundo. Em termos econômicos, a ansiedade afeta negativamente o paciente, o sistema de saúde e, principalmente, o mercado de trabalho na sociedade em geral (WADE, 2012).
A vida no meio universitário é um ambiente repleto de incertezas e os problemas emocionais dos estudantes universitários são ainda maiores do que os da população em geral (IBRAHIM et al., 2013). Muitos universitários apresentam sintomas de ansiedade durante o curso, gerados a partir de inúmeros fatores, como a decepção entre as expectativas geradas no início do curso e a realidade ao se iniciar (IGUE; BARIANI; MILANESI, 2008). Assim como em relação aos alunos do último ano, que enfrentam uma difícil transição entre o ambiente universitário e o mercado de trabalho (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2003). Esse fato é evidenciado pelo estudo de Baldassin et al. (2008), que identificaram que 38,20% dos alunos do curso de Medicina apresentavam distúrbios psicológicos.
Nesse contexto, fica evidente que é essencial compreender os aspectos relacionados ao surgimento de transtornos de ansiedade no ambiente universitário e propor mecanismos para mitigação dos impactos negativos aos discentes. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é verificar o nível de ansiedade em estudantes de uma Universidade Estadual do interior do Paraná e avaliar como a ansiedade pode afetar as habilidades sociais dos alunos. A hipótese estabelecida é fundamentada pela American Psychiatric Association (APA, 2014) e Borba, Hayasida e Lopes (2019), os quais apontam que questões psicológicas podem afetar a capacidade de se relacionar com outras pessoas, dificultando as relações sociais. Para cumprir o objetivo proposto este texto está organizado em cinco seções, quais sejam Introdução; A economia comportamental - que realiza revisão da literatura sobre a relação da economia comportamental com as habilidades sociais -, Metodologia - que apresenta os procedimentos metodológicos aplicados neste artigo -, Resultados e discussão - que apresenta e analisa as estimativas obtidas neste trabalho - e, Considerações finais - que sumariza os principais resultados encontrados.
A economia comportamental
As relações sociais entre os indivíduos geram inúmeros tipos de conflitos e investigar a melhor forma de organização social é uma tarefa que deve ser enfrentada multidisciplinarmente. Nesse sentido, significativo avanço da economia no entendimento do comportamento dos indivíduos ocorreu em um trabalho seminal publicado em 1976, por Gary Becker, o qual explica que seu interesse nessa temática se iniciou em seus estudos de doutorado que buscava entender como a teoria econômica poderia auxiliar na compreensão da discriminação racial (BECKER, 1976).
Subsequentemente, Becker (1976) aplicou os fundamentos econômicos para analisar à fertilidade, educação, usos do tempo, crime, casamento, interações sociais e outros problemas que antes eram analisados quase que exclusivamente no âmbito sociológico, concluindo que a abordagem econômica é aplicável a todo comportamento humano. Segundo o autor, a abordagem econômica do comportamento humano não era nova, pois o próprio Adam Smith (2007) já havia utilizado para entender o comportamento político dos agentes. Becker (1976) pondera que os agentes econômicos são racionais e possuem preferências estáveis e, dessa forma, a teoria econômica, aliada com as contribuições interdisciplinares, pode aprimorar as relações sociais entre os indivíduos.
Contudo, os agentes nem sempre mostram comportamentos racionais e, muitas vezes, são influenciados por lembranças, sentimentos, medos, ou seja, questões vinculadas a estados psicológicos (SAMSON, 2015). Em outras palavras, além de decisões racionalizáveis, os seres humanos possuem preferências sociais, como aquelas expressas na confiança, altruísmo, reciprocidade e justiça, que carecem de ser coerentes com as normas sociais (SAMSON, 2015).
Nesse contexto, como já mencionado, os fundamentos econômicos devem ser complementados sobre o ponto de vista multidisciplinar. Segundo Samson (2015), a Economia Comportamental implementa conceitos da Psicologia na racionalidade utilitarista da Teoria Econômica para obter melhores resultados sobre as análises dos problemas econômicos. Diversos problemas econômicos podem ser melhores interpretados com o auxílio da Economia Comportamental, como na área de finanças comportamentais, escolhas intertemporais de consumo e até mesmo nas relações de trabalho, além de características técnicas como capital humano, a capacidade de manter boas relações interpessoais é fundamental para o bom desempenho no emprego e, consequentemente, para a sobrevivência no mercado de trabalho.
Em relação às características essenciais para ‘sobreviver’ no mundo contemporâneo, a habilidade social é uma das mais relevantes. Muitos autores mencionam a importância das habilidades sociais desde o início da vida do ser humano, como Smith (2005) exemplifica que uma criança muito nova não possui autocontrole, quando está com raiva, medo ou fome sempre faz manifestar seus anseios por meio da violência, chamando a atenção de seus pais. Inicialmente, por se encontrar em um ambiente que tende a estar a seu favor, nenhuma consequência grave irá afetá-la. Entretanto, Smith (2005) complementa que ao obter uma idade suficiente para ir à escola, a criança descobre que essa parcialidade não existe e, naturalmente, descobre que para evitar o ódio e desprezo de seus pares, faz-se necessário controlar não apenas a raiva, mas todas as outras paixões, surgindo a essencialidade do autocontrole.
Nesse contexto, Smith (2005) pontua que as qualidades mais úteis ao ser humano são (i) a razão e compreensão superiores, que permite descobrir as consequências resultantes das ações e (ii) o autocontrole, que eleva a capacidade de suportar o desprazer presente a fim de elevar o prazer futuro. O resultado da razão e compreensão superior e do autocontrole é a prudência, que é, de todas as virtudes, a mais útil para o indivíduo. Em relação ao desenvolvimento dessas características, a psicologia possui bons mecanismos de estímulo ao desenvolvimento do autocontrole e da força de vontade, sendo uma vertente dos estudos da Economia Comportamental (SAMSON, 2015).
Segundo Rick e Loewenstein (2015), a literatura existente sobre a força de vontade mostrou de forma consistente que agir contra o ímpeto imediato da motivação emocional implica mais do que uma avaliação puramente racional, mas requer, também, o emprego de um recurso limitado comumente designado como força de vontade.
Nesse abrangente campo de estudos que envolve a Economia Comportamental, deve-se colocar os holofotes às vivências acadêmicas e as expectativas dos universitários, principalmente nos anos iniciais e finais do curso. Para Igue, Bariani e Milanesi (2008), as expectativas geradas nos alunos no início do curso quanto às vivências representam um dos fatores determinantes no processo de integração ao ensino superior, a decepção entre as expectativas iniciais e o que a instituição realmente oferece pode se constituir em uma fonte de desânimo, decepção, acarretando em mal desempenho do discente.
Já em relação aos alunos dos últimos anos, segundo Del Prette e Del Prette (2003), a transição do ambiente universitário para o mercado de trabalho não é uma tarefa fácil para muitos estudantes e a importância de competências interpessoais na formação superior tem ganhado espaço nos cursos de graduação. Nesse sentido, ainda segundo os autores, é essencial que a formação de terceiro grau tenha como escopo, além da capacidade analítica e instrumental, o desenvolvimento de competência social dos alunos. Para Gondim (2002), enfatizar uma formação generalista e ampliar as possibilidades de experiências práticas durante o curso superior são formas alternativas para atender à exigência de um perfil multiprofissional, assim, proporcionando maturidade pessoal e identidade profissional, características necessárias para atuação em situações de imprevisibilidade, realidade das atuais organizações.
Metodologia
O objetivo deste trabalho é verificar o nível de ansiedade em estudantes universitários e avaliar como a ansiedade pode afetar as habilidades sociais dos alunos. Para tanto, aplicou-se um questionário contendo 38 questões, além de questões relacionadas a caracterização básica dos alunos. Destaca-se que este instrumento de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética n° 8123 da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), registrado pelo Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 97657018.3.0000.8123.
O questionário para coleta de dados primários foi construído para avaliar questões relacionadas ao perfil de consumo dos estudantes (1 a 8), percepção do aluno em relação ao curso e ao mercado de trabalho (9 a 14), habilidades sociais dos discentes (15 a 21), nível de ansiedade dos alunos (22 a 28) e perguntas sobre as características da personalidade (29 a 38). Todas aplicadas em contexto de tempo limitado de aplicação.
O presente estudo é uma parte de um estudo maior, por isso, limitou-se a utilizar as questões relacionadas apenas sobre às habilidades sociais e ao nível de ansiedade dos alunos (15 a 28), além das questões de identificação como idade, curso, sexo, período do curso e se o aluno já possui alguma formação superior prévia. O questionário foi aplicado em 451 alunos dos cursos de Ciências Econômicas, Administração e Ciências Contábeis, de um Universo total de 816 alunos matriculados nesses cursos, no ano de 2018. O questionário foi aplicado pessoalmente em forma digital, na própria sala de aula na presença dos professores, tendo garantido o caráter de sigilo das informações prestadas, uma vez que o questionário não permite identificação dos alunos. As instruções dadas na aplicação dos questionários foram as mesmas para todos os alunos, seguindo um protocolo de orientação e aplicação.
As questões sobre ansiedade permitem a construção de um indicador de sinalização de ansiedade, o qual aponta se o aluno possui improvável, possível ou provável ansiedade, construída por meio da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale - HADS) - que foi traduzida e validada por Botega et al. (1995), e que visa detectar graus leves de transtornos afetivos em ambientes não psiquiátricos (BERGEROT et al., 2014). Inicialmente, a HADS foi desenvolvida para identificar sintomas de ansiedade e de depressão em pacientes de hospitais clínicos não-psiquiátricos, sendo depois utilizada em outros tipos de pacientes (BRADY et al., 2005), em pacientes não-internados (BRANDBERG et al., 2004) e em indivíduos sem doença (ANDREWS; HEJDENBERG; WILDING, 2006). Ela é constituída por 14 itens de múltipla escolha, dos quais sete são voltados para avaliação da ansiedade (HADS) e sete para depressão (HADS-D). Cada item pode ser pontuado de 0 a 3, atingindo-se máximo de 21 pontos em cada subescala (BERGEROT et al., 2014). Zigmond e Snaith (1983) recomendaram dois pontos de corte para serem utilizados em ambas as subescalas: casos possíveis recebem pontuação superior a 8 e casos prováveis, superior a 11 pontos. Propuseram ainda um terceiro ponto de corte: distúrbios graves recebem mais de 15 pontos. Um ponto importante que difere a HADS das demais escalas é que para prevenir a interferência dos distúrbios somáticos na pontuação da escala foram excluídos todos os sintomas de ansiedade ou de depressão relacionados a doenças físicas. Nessa escala não figuram itens como perda de peso, anorexia, insônia, fadiga, pessimismo sobre o futuro, dor de cabeça e tontura, etc., que poderiam também ser sintomas de doenças físicas (MARCOLINO et al., 2007). O presente estudo avaliou apenas as perguntas relacionadas à ansiedade, classificando como casos prováveis discentes que receberam pontuação superior a 11 pontos.
Já as questões de habilidade social foram construídas com base no trabalho de Del-Prette, Del Prette e Barreto (1998). As questões são denominadas pelos autores como fatores essenciais para a conversação e desenvoltura social, as quais retrataram situações sociais de aproximação com risco mínimo de reação indesejável, as quais demandam, principalmente, o ‘traquejo social’ na conversação e supõe conhecimento das normas de relacionamento cotidiano.
Dessa forma, foi construído um indicador que aponta para provável ansiedade dos alunos, o qual foi explorado por meio de técnicas de análise quantitativa e correlacionado com as habilidades sociais dos alunos por meio do coeficiente de correlação de Pearson, que é uma medida de associação linear entre as variáveis (FIGUEIREDO FILHO; SILVA JUNIOR, 2009). O coeficiente de Pearson varia de -1 a 1, onde, o sinal indica a direção do relacionamento e o valor demonstra a força da relação entre as variáveis, portanto, ainda segundo Figueiredo Filho e Silva Junior (2009, p. 12), uma correlação perfeita (-1 ou 1) “indica que o escore de uma variável pode ser determinado exatamente ao se saber o escore da outra.” Sendo assim, uma correlação de valor zero indicará o contrário, ou seja, que não existe relação linear entre as variáveis.
Resultados e discussão
Com o objetivo de oferecer um panorama geral sobre os dados utilizados por este estudo, a Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas da amostra utilizada.
Variável | Todos | Improvável | Possível | Provável |
---|---|---|---|---|
Masculino (%) | 0,49 | 0,62 | 0,53 | 0,38 |
Feminino (%) | 0,51 | 0,38 | 0,47 | 0,62 |
Idade (anos) | 21,64 | 22,15 | 21,54 | 21,42 |
Curso de Economia (%) | 0,10 | 0,15 | 0,11 | 0,07 |
Curso de Administração (%) | 0,44 | 0,43 | 0,45 | 0,45 |
Curso de Contábeis (%) | 0,45 | 0,42 | 0,44 | 0,48 |
Alunos do 1º Ano (%) | 0,29 | 0,28 | 0,33 | 0,26 |
Alunos do 2º Ano (%) | 0,27 | 0,31 | 0,26 | 0,25 |
Alunos do 3º Ano (%) | 0,26 | 0,23 | 0,25 | 0,28 |
Alunos do 4º Ano (%) | 0,19 | 0,18 | 0,16 | 0,21 |
Alunos Graduados (%) | 0,09 | 0,10 | 0,08 | 0,08 |
Autoridade (%) | 0,29 | 0,15 | 0,28 | 0,38 |
Elogio (%) | 0,31 | 0,11 | 0,31 | 0,41 |
Favor (%) | 0,13 | 0,04 | 0,10 | 0,20 |
Observações (n) | 451 | 112 | 138 | 201 |
Fonte: elaborado pelos autores (2020)
A partir dos dados visualizados na Tabela 1 é possível observar que o questionário foi aplicado em 451 estudantes de ensino superior dos cursos de Economia (10%), Administração (44%) e Ciências Contábeis (45%) de todos os períodos, ou seja 1° (29%), 2° (27%), 3° (26%) e 4°(19%). Alguns alunos matriculados nestes cursos já haviam concluído outro curso de ensino superior (9%). Conforme abordado na seção metodológica, as questões relativas à ansiedade foram utilizadas para construir um indicador de provável ansiedade, que sinaliza se o estudante apresenta indícios de ansiedade e os classifica em ansiedade improvável, possível e provável, sendo a ‘ansiedade possível’ inconclusiva. Além das questões relacionadas a característica da amostra, foram selecionadas três perguntas que investigam as habilidades sociais dos discentes, nominadas como, autoridade, elogio e favor. Inicialmente, observa-se que existem diferenças substancias entre os alunos do sexo feminino e masculino, conforme evidenciado na Tabela 2.
Escala HAD | Feminino (%) | Masculino (%) | Total (%) |
---|---|---|---|
Improvável | 19 | 32 | 25 |
Possível | 28 | 33 | 31 |
Provável | 53 | 35 | 45 |
Fonte: elaborado pelos autores (2020)
É possível observar que, da amostra utilizada, 45% apontou ter provável ansiedade, o que é uma questão preocupante, dado que a ansiedade afeta negativamente o desempenho dos alunos na Universidade (JANUARY et al., 2018; BORBA; HAYASIDA; LOPES, 2019; GOMES et al., 2020). Esse resultado se assemelha às evidências de um estudo realizado com universitários do interior paulista, em que 39,9% dos alunos entrevistados apresentaram escore de classificação para caso suspeito de transtorno de humor, de ansiedade e de somatização, quando avaliados por um questionário semiestruturado e pelo Self-Reporting Questionnaire (GOMES et al., 2020). Já no trabalho de Ibrahim et al. (2013), que realizou uma revisão sistemática sobre o assunto, foi relatado que os universitários apresentam taxas mais altas de depressão que a população geral, com média ponderada de 30,6%. A maioria dos estudos têm apontado que a prevalência de depressão ou ansiedade em universitários é em média 35% (MAYER et al., 2016; JANUARY et al., 2018; SANTOS et al., 2017), média um pouco menor quando comparada ao presente estudo.
Isso ocorre porque a rotina dos estudantes universitários pode levar à morbidades psicológicas devido a uma série de fatores, como a pressão gerada no meio acadêmico, a grande quantidade de tempo necessária às atividades acadêmicas e às cobranças referentes a essas atividades (ELANI et al., 2014), preocupação com a própria saúde (BORST; FRINGS-DRESEN; SLUITER, 2015), preocupações financeiras (WEGE et al., 2016), exposição ao sofrimento dos pacientes, no caso de estudantes da área da saúde (BERTMAN, 2016), a indisponibilidade de tempo dedicado ao lazer, abuso e maus-tratos a estudantes (COOK et al., 2014), insegurança em relação ao ingresso no mercado de trabalho, além da própria autocobrança (PORCU; FRITZEN; HELBER, 2001).
Além disso, o sofrimento psicológico entre os estudantes pode influenciar negativamente seu desempenho acadêmico e qualidade de vida (PILLAY; RAMLALL; BURNS, 2016) podendo contribuir para o abuso de álcool e substâncias, diminuição da empatia e desonestidade acadêmica (IP et al., 2016).
Adicionalmente, observa-se que a diferença entre os sexos é substancial, uma vez que 53% das mulheres no presente estudo, possuem provável ansiedade, contra apenas 35% dos homens. Conforme evidencia Fernandes et al., (2018), a maior prevalência de ansiedade nas mulheres pode ocorrer pela combinação de fatores biológicos, sociais e culturais.
Da mesma forma, Gomes et al. (2020) encontraram maiores índices de transtornos mentais em mulheres universitárias (43,7%), bem como outros estudos (MIRANDA; REIS; FRETIAS, 2017; OLIVEIRA; DUARTE, 2004), os quais mostraram maiores níveis de ansiedade em mulheres. Essa diferença é explicada, por esses autores, ao fator biológico, também ao nível alto de expectativas éticas que envolve o comportamento feminino, já que a cultura é mais permissiva com os homens e mais restrita com as mulheres. Um outro fator explicativo poderia ser a afirmação pessoal e busca de independência econômica, requisitos importantes na personalidade da mulher no limiar do novo milênio, que implicaria em comportamentos competitivos, estressantes e conflitantes Além disso, um outro fator que pode ser levado em conta, é que na maioria das mulheres se encontra o projeto de constituição de uma família, o que significa, para a maior parte, uma dupla jornada de trabalho, a jornada fora de casa e a dentro de casa, situações que podem ocasionar tensões (MIRANDA; REIS; FRETIAS, 2017).
Escala HAD | Economia (%) | Administração (%) | Contabilidade (%) | Total (%) |
---|---|---|---|---|
Improvável | 37 | 24 | 23 | 25 |
Possível | 33 | 31 | 30 | 31 |
Provável | 30 | 45 | 47 | 45 |
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
Complementarmente, observa-se relevante diferença entre o curso selecionado pelo aluno, tendo Ciências Econômicas apresentado a menor quantidade de alunos com provável ansiedade (30%), enquanto Administração e Ciências Contábeis apresentaram 45% e 47%, respectivamente Tabela 3. De forma semelhante, Gomes et al. (2020), encontraram, em um estudo realizado com diversos cursos de uma universidade paulista do estado de São Paulo, que os alunos do curso de Administração apresentaram maiores índices de transtorno mental quando comparados aos outros cursos testados, como Direito, Ciências da Computação, Enfermagem, Propaganda, Química, Análise de Sistemas, Fotografia e Medicina. Uma outra preocupação ocorre com a saúde psicológica dos discentes ao longo do curso de graduação e a Tabela 4 apresenta informações relacionadas a relação entre a ansiedade e o período cursado pelo aluno.
Escala HAD | 1º Ano (%) | 2º Ano (%) | 3º Ano (%) | 4º Ano (%) | Total (%) |
---|---|---|---|---|---|
Improvável | 24 | 29 | 22 | 24 | 25 |
Possível | 36 | 30 | 29 | 26 | 30 |
Provável | 40 | 41 | 49 | 50 | 45 |
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
Conforme pode ser observado, existe um crescente aumento na proporção de alunos com provável ansiedade, sendo 40%, 41%, 49% e 50%, respectivamente para o 1º, 2º, 3º e 4º período. Esse fato aponta que a Universidade pode estar criando um ambiente que favorece o desenvolvimento da ansiedade nos alunos, o que difere de um estudo de Miranda, Reis e Fretias (2017), no qual encontraram correlação negativa entre o período do curso de Ciências Contábeis e ansiedade, ou seja, alunos no início do curso tinham maior nível de ansiedade que os alunos no final do curso. No entanto, o alto nível de ansiedade ao final do curso é um resultado esperado, dado que os alunos do último ano enfrentam uma difícil transição entre o ambiente universitário e o mercado de trabalho (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2003).
Evidentemente, todas essas questões possuem impacto direto nas habilidades sociais dos discentes, uma vez que as questões psicológicas afetam de forma relevante a capacidade de se relacionar com outras pessoas (APA, 2014; BORBA; HAYASIDA; LOPES, 2019). Nesse sentido, avaliar a relação entre a ansiedade e as habilidades sociais é fundamental. Com o intento de apresentar evidências adicionais, a Tabela 5 sumariza os resultados da questão que avalia a capacidade do aluno abordar uma autoridade.
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
Conforme pode ser observado, 38% dos alunos com provável ansiedade sempre ou quase sempre evitam abordar uma autoridade para iniciar a conversação quando possuem a oportunidade, contra apenas 15% dos alunos com improvável ansiedade. Diante de um cenário de um rápido processo de mudança das organizações, fruto da globalização, e a competição cada vez mais acirrada do mercado de trabalho, somente a competência técnica e o esforço não são suficientes para lidar com essas alterações, dando destaque a novas competências, principalmente, as interpessoais e sociais (MORENO-JIMENEZ et al., 2014). Dessa forma, a importância das Habilidades Sociais é cada vez mais aceita no âmbito das organizações, como as competências para trabalhar em equipe, falar em público, resolver problemas, tomar decisões, comunicar-se de forma empática e assertiva. Ou seja, a dificuldade de se relacionar dos acadêmicos, pode influenciar de forma negativa tanto a vida profissional, como a vida pessoal (BORBA; HAYASIDA; LOPES, 2019; LOPES et al., 2017).
De forma sequencial, a Tabela 6 apresenta dados relativos à capacidade de receber elogio. Um bom profissional deve ser capaz de lidar com as mais diversas situações que podem ocorrer em um ambiente de trabalho. Segundo Bolsoni-Silva et al., (2009), Del Prette e Del Prette (2004), iniciar conversações ou falar com outras pessoas, responder e fazer perguntas, trabalhar em grupo, dar e receber feedbacks e críticas, falar em público, entre outros, são atividades essenciais no contexto acadêmicos. Ou seja, as habilidades de comunicação, são umas das mais importantes de serem desenvolvidas e treinadas em universitários para um bom desempenho profissional.
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
Os dados mostram que 31% dos alunos com provável ansiedade se sentem encabulados e não sabem como reagir quando recebem um elogio. Comparativamente, apenas 11% dos estudantes com improvável ansiedade possuem a mesma dificuldade. Essa dificuldade pode refletir negativamente no ambiente de trabalho, visto que um profissional com boas habilidades sociais, possui flexibilidade para lidar com diversas situações. Dessa forma, é importante o acadêmico estar preparado para lidar com as mais diversas situações que podem acontecer em um ambiente de trabalho, a fim de garantir eficiência corporativa (LOPES et al., 2017; BORBA; HAYASIDA; LOPES, 2019). Complementarmente, a Tabela 7 apresenta os dados referentes a capacidade dos alunos pedirem ajuda.
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
Conforme pode ser visualizado, 76% dos alunos com improvável ansiedade nunca ou raramente possuem dificuldade de pedir ajuda a um colega, já em relação aos alunos com provável ansiedade, esse número reduz para 50%, o que retrata a facilidade de relacionamento interpessoal entre os alunos com improvável ansiedade. Os resultados sugerem que esses acadêmicos com provável ansiedade podem ter problemas na vida profissional, uma vez que uma das competências de maior importância para o mercado de trabalho está associada à comunicação e ao relacionamento interpessoal, repertório que constitui um diferencial para o sucesso profissional (BORCHARDT et al., 2009).
Assim, fica claro que as Tabelas apresentadas anteriormente fornecem evidências importantes sobre o impacto da ansiedade nas habilidades sociais dos alunos. No entanto, com o intuito de gerar resultados mais robustos, a Tabela 8 apresenta algumas correlações sobre os dados utilizados verificando o nível de significância estatística.
Ansiedade | ||||
Variáveis | (0 improvável; 1 possível; 2 provável) | Autoridade | Elogio | Favor |
Ansiedade (0 improvável; 1 possível; 2 provável) | 1 | |||
Autoridade | 0.245*** | 1 | ||
Elogio | 0.302*** | 0.243*** | 1 | |
Favor | 0.264*** | 0.248*** | 0.296*** | 1 |
Fonte: elaborado pelos autores (2020). * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001
Nota: a variável se ansiedade está classificada em 0 improvável; 1 possível e 2 provável.
Conforme pode ser observado, todas as correlações apresentadas na Tabela 8 são estatisticamente significantes a um nível de 1%. Dessa forma, é possível afirmar que as habilidades sociais dos alunos, mensuradas por meio da capacidade de abordar uma autoridade, da receptividade de um elogio e da capacidade de pedir ajuda a colegas, estão positivamente correlacionadas com o nível de ansiedade. Isto é, espera-se que alunos com provável ansiedade tenham dificuldades relacionadas às habilidades sociais.
Os resultados encontrados asseveram grande importância do ponto de vista prático, uma vez que mostram que um desempenho insatisfatório do aluno em sala de aula pode se derivar de um desequilíbrio emocional, o qual pode acabar agravado se não houver uma colaboração contínua de toda comunidade acadêmica. Embora a ansiedade possa ser causada por inúmeros fatores individuais, sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais (WHO, 2013), a empatia da comunidade acadêmica em relação aos discentes podem gerar inúmeros benefícios que contribuam para a redução do impacto das consequências da ansiedade nos estudantes universitários.
Assim, fica evidente que embora o comportamento humano seja uma variável subjetiva e difícil de ser captada, abordagens empíricas aliadas a análise de dados podem auxiliar na compreensão dos fenômenos sociais, assim como fundamentado por Becker (1976). Dessa forma, embora esteja sendo muito pouco explorada em verificações empíricas no Brasil, a economia comportamental, fundamentada por Samson (2015), possui grande potencial de auxiliar o aprimoramento dos ambientes de ensino-aprendizagem no país. Ao conhecer estes aspectos, é possível construir ambientes educacionais que favoreçam o aprendizado dos alunos, considerando dificuldades não contempladas no atual modelo de aprendizagem.
Considerações finais
A ansiedade é uma doença que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo, gerando impactos negativos em todas as áreas da vida. O aumento dos problemas relacionados aos transtornos de ansiedade, tornando-se uma das principais doenças que atinge a sociedade contemporânea. No meio acadêmico, diversos estudos mostram os impactos negativos proporcionados pelos transtornos psicológicos aos estudantes e profissionais ao redor do mundo.
Com base nos resultados encontrados neste estudo, foi possível evidenciar que 45% dos discentes entrevistados apresentavam um provável nível de ansiedade. Além disso, observa-se que a ansiedade está negativamente relacionada com as habilidades sociais. Em outras palavras, os alunos categorizados com provável ansiedade apresentaram maiores dificuldades em abordar pessoas revestida de autoridade, receber elogios, pedir um favor para algum colega, todas características relacionadas às habilidades sociais.
Dessa forma, fica evidente que a ansiedade no meio universitário é uma temática de suma importância à toda comunidade, uma vez que se faz necessário mecanismos de mitigação dos efeitos negativos desta doença. Este assunto é especialmente importante no Brasil, uma vez que o país apresenta uma proporção de pessoas com ansiedade muito superior aos demais países do mundo, conforme já relatado. Além disso, conforme os resultados apontam, os transtornos de ansiedade estão relacionados a um nível de habilidade social negativo, que pode impactar negativamente no desempenho acadêmico do discente. Assim, este trabalho proporciona resultados importantes à literatura por apresentar uma realidade empírica de uma universidade do interior do Paraná e correlacionar estes resultados com as habilidades sociais dos alunos.
Dessa forma, fica claro que a docência no ensino superior não deve ser pautada apenas com o objetivo de ensinar um conteúdo teórico ou técnico, vai muito além disso. O aprendizado do aluno está vinculado a fatores econômicos, sociais, demográficos e emocionais. Nesse contexto, a dificuldade de aprendizagem e de inserção no mercado de trabalho pode estar vinculada a problemas relacionados à ansiedade que, ao serem identificados, podem ser tratados, minimizando o impacto na vida dos discentes. Dessa forma, diversas instituições de ensino têm fornecido aos discentes serviços psicológicos gratuitos, de modo a facilitar a identificação de problemas relacionados a ansiedade. Este trabalho fornece embasamentos empíricos importantes para tal ação.
Assim, este resultado ganha notoriedade por ser inovador ao identificar uma relação que pode gerar frutos relevantes na adoção de medidas que objetivem reduzir a ansiedade no meio acadêmico. Em outras palavras, por se tratar de uma doença que afeta significativamente as habilidades sociais dos discentes, comprometendo o desempenho acadêmico e profissional dos alunos, mecanismos de estímulos sociais dentro das Universidade podem mitigar os impactos da ansiedade nos alunos.
Embora importantes resultados tenham sido encontrados, um aprofundamento para este estudo pode ocorrer com a elaboração de diversas estratégias de intervenção como palestras motivacionais, cursos de oratória, mecanismos de aproximação de discentes e docentes e a aplicação de protocolos específicos para o controle de ansiedade, com a posterior verificação do impacto dessas medidas na ansiedade dos alunos.