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Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Campinas)

versão impressa ISSN 1414-4077versão On-line ISSN 1982-5765

Avaliação (Campinas) vol.27 no.2 Sorocaba maio/ago 2022

https://doi.org/10.1590/s1414-40772022000200002 

Articles

Expansão e qualidade da educação superior: um balanço das metas 12, 13 e 14 do Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024

Expansion and quality of higher education: a balance of goals 12, 13 and 14 of the National Education Plan - PNE 2014-2024

Renata Ramos da Silva Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-7461-6698

João Ferreira de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-4135-6340

11 Universidade Estadual de Goiás, Inhumas, GO, Brasil, renata.ramos@ueg.br

2 2Universidade Federal de Goiás, Anápolis, GO, Brasil, joao.jferreira@gmail.com


RESUMO

Este texto analisa a evolução das metas 12, 13 e 14 do Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024 que tratam da educação superior (graduação e pós-graduação). Esta investigação corresponde ao período de 2012 a 2018 e possui como referência dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”, com base no Censo da Educação Superior do Inep, Pnad/IBGE e PnadC 2016 e 2018. Os resultados indicam que as metas 13 e 14, voltadas à pós-graduação, estão parcialmente cumpridas, enquanto a meta 12, embora registre crescimento, está longe de ser alcançada, sobretudo em termos das taxas líquida e bruta de matrículas, assim como no tocante à expansão das matrículas no segmento público. Destaca-se ainda que a crise econômico-política e, especialmente, as políticas econômicas de austeridade que estão impactando negativamente a manutenção e expansão da pós-graduação, assim como pesquisa básica e tecnológica, podem agravar o cumprimento dessas metas

Palavras-chave: educação superior; plano nacional de educação; expansão da educação superior

ABSTRACT

This text analyses the evolution of goals 12,13 and 14 of National Education Plan PNE 2014-2024, which deals with college education (graduation and post-graduation courses). This research corresponds to the period from 2012 to 2018 and has as reference data produced inside the research “Expansion and quality of college education inside the context of National Education Plan (PNE 2014-2024): tensions, limits and perspectives”, with basis on Inep Colllege Education census, Pnad/IBGE and PnadC 2016-2018. The results indicate that goals 13 and 14, turned to post-graduation, are partially fulfilled, while goal 12, although registering growth, is far from being reached, mainly in terms of liquid and gross taxes of registration as well as concerning to expansion of registrations in public segment. It still stands out that economic-political crisis and, especially the austerity economic politics are impacting in a negative way the maintenance and expansion of post-graduation, as well as basic and technological research, can aggravate the accomplishment of these goals.

Keywords: college education; national education plan; expansion of college education.

1 Introdução

Passados sete anos da aprovação do Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014), faz-se necessário analisar suas metas, considerando tratar-se de um plano fundamental para fazer avançar o direito à educação de qualidade para todos, no Brasil, ponderando os diferentes níveis e modalidades de educação. Nesse contexto, o propósito deste artigo é contribuir com a análise e discussão da evolução das metas 12, 13 e 14 do PNE 2014-2024, que tratam da educação superior (graduação e pós-graduação).

A análise proposta corresponde ao período de 2012 a 2018, tendo como referência os dados produzidos pela pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”, com base no Censo da Educação Superior do Inep, Pnad/IBGE e PnadC 2016 e 2018/4 Trimestre. A referida pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As metas 12, 13 e 14 tratam da expansão e qualidade das matrículas da graduação e da pós-graduação no Brasil, o que é fundamental se considerarmos a importância da perspectiva do direito e da universalização da educação superior, bem como da formação pós-graduada para o exercício da cidadania crítica numa sociedade democrática e para o desenvolvimento econômico e social do país em um contexto de globalização econômica e da centralidade e avanço do conhecimento científico e tecnológico.

Este balanço, ainda inconcluso, dá-se em um tempo de crise econômica e política do Brasil, em que o PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014) foi deixando de ser a referência para a discussão, proposição e materialização das políticas de educação (DOURADO, 2019; OLIVEIRA, 2018; AMARAL, 2016). Observa-se, a partir de 2014, que as políticas, programas e ações, visando ao cumprimento das metas do PNE 2014-2024, vêm sofrendo severa descontinuidade, especialmente devido à crise econômica e política que resultou no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Já no governo de Michel Temer, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº 95 (BRASIL, 2016), que congelou os valores aplicados pelo Poder Executivo nas chamadas despesas primárias até o ano de 2036. Esta decisão tem prejudicado não só o PNE 2014-2024, mas, também, poderá inviabilizar os dois futuros planos nacionais de educação.

Na perspectiva de contribuir para o monitoramento e avaliação do PNE 2014-2024 (AZEVEDO; CARVALHO, 2021; CARVALHO, 2018), o texto está estruturado em duas partes. Na primeira, buscamos resgatar a presença do PNE na Constituição Federal de 1998, dada sua importância para o avanço e efetivação do direito à educação. Na segunda parte, examinamos as metas 12, 13 e 14 do PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014), que tratam mais especificamente da expansão e qualidade da educação superior, em termos de elevação das matrículas na graduação, oferta e expansão das matrículas no segmento público, ampliação da proporção de mestres e doutores do corpo docente no conjunto do sistema de educação superior e, ainda, elevação das matrículas na pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). O intuito na análise dessas metas é evidenciar seus avanços, limites e perspectivas.

2 A Constituição Federal de 1998 e os planos nacionais de educação: O PNE 2014-2024 em perspectiva

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), resultado de expressiva participação social durante o processo de redemocratização política e na ocasião da Constituinte, materializou em seu conteúdo avanços na definição e estabelecimento de direitos sociais, com o objetivo de resguardar o estado democrático de direito. Dentre essas conquistas sociais, que estão previstas no art. 6º, encontra-se a educação, que passa a ser concebida como direito de todos e dever do Estado (art. 205).

Além disso, a Constituição Federal (CF) de 1988 estabeleceu os princípios basilares em que o ensino deverá ser ministrado (art. 206), os deveres do Estado para com a oferta educacional (art. 208) e instituiu, ainda, dentre outros aspectos relacionados à educação, as competências e atribuições de cada ente federado no que diz respeito à oferta educacional e a seu financiamento (art. 211 e 212). Contudo, passados mais de 30 anos de sua promulgação, observa-se que os princípios e definições constitucionais relacionados à educação nela estabelecidos não foram inteiramente garantidos à sociedade brasileira, sobretudo em termos da universalização do direito à educação com padrão de qualidade para todos.

A proposta de um Plano Nacional de Educação, embora já previsto no texto original da CF de 1988, só foi concretizada com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), que, no seu artigo 9º, inciso I, a atribuiu à União a competência de “elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. A LDB ainda definiu que “a União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará ao Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação (PNE), com diretrizes e metas para os dez anos seguintes” (art. 87).

O primeiro plano de educação do país, pós CF/1988, PNE 2001-2010, concretizou-se mediante a aprovação da Lei nº 10.171/2001 (BRASIL, 2001), que o instituiu para um período de 10 anos. Esse plano foi objeto de várias críticas (SAVIANI, 1999; CATANI; CARVALHO, 2003; AGUIAR, 2010; DOURADO, 2010) e encerrou sua vigência sem alcançar resultados que se refletissem na melhoria das condições de oferta e acesso à educação no país, sobretudo devido aos vetos presidenciais, ao aumento de recursos para sua execução e, ainda, a sua falta de priorização na definição das políticas, assim como à ausência de acompanhamento e avaliação das metas e objetivos. Com o seu encerramento, iniciam-se no país as discussões para a proposição de um novo Plano.

A Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009 (BRASIL, 2009), além de prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a 17 anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, constitucionalizou mais claramente o PNE, ao definir no Art. 4º, do caput do art. 214 da CF, que

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: [...] VI -estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto." (BRASIL, 2009).

Essa EC nº 59 definiu ainda que “A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação (Art. 3º, § 3º) e que, obrigatoriamente, o ensino de quatro a 17 anos “deverá ser implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com apoio técnico e financeiro da União” (Art. 6º) (BRASIL, 2009).

Os debates para a apresentação de um novo PNE começaram no ano de 2010 por meio de articulação e participação da sociedade civil mediante a realização de conferências nacionais de educação, de modo que a discussão do assunto se desse em âmbito municipal, estadual e nacional. Todavia, é preciso considerar que, mesmo perante todo esse contexto de discussão e participação, as propostas enviadas pela conferência nacional de educação de 2010 não foram totalmente absorvidas no projeto de lei apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) ao Congresso Nacional.

As discussões para a elaboração de um novo PNE foram fortalecidas por importantes alterações no art. 214 da CF de 1988, por meio da aprovação da EC nº 59/2009, que passou a vigorar com a seguinte redação:

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: [...]I - erradicação do analfabetismo; [...]II - universalização do atendimento escolar; [...] III - melhoria da qualidade do ensino; [...] IV - formação para o trabalho; [...] V - promoção humanística, científica e tecnológica do País; [...]VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 1988)

Por meio de mudança em sua redação, o art. 214 da CF de 1988 passou a estabelecer que o novo PNE deveria possuir vigência decenal, visando a articular o Sistema Nacional de Educação e a conter diretrizes, objetivos, metas e estratégias nos diversos níveis, etapas e modalidades educacionais.

Embora o texto base tenha sido protocolado para tramitação no ano de 2010, a aprovação do novo Plano ocorreu somente quatro anos depois. O PNE 2014-2024 foi instituído pela Lei n. 13.005 em 25 de junho de 2014 contendo 20 metas e 254 estratégias, além de estabelecer as diretrizes para sua execução, monitoramento e avaliação (BRASIL, 2014). O texto final aprovado é o reflexo dos embates e disputas que ocorreram durante o seu período de tramitação.

As vinte metas que compõem o PNE 2014-2024 podem ser divididas em três importantes categorias. A primeira compreende o conjunto das metas que versam sobre a obrigatoriedade, universalização e ampliação da oferta educacional no país, incluindo níveis e modalidades de educação. O segundo grupo compõe as metas relacionadas à formação e valorização dos professores e, por fim, a última categoria compreende o financiamento da educação.

Há no PNE 2014-2024 a previsão de que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios atuarão em regime de colaboração, tendo em vista o alcance das metas e suas estratégias, determinando que cada ente federado deverá elaborar seus correspondentes planos locais de acordo com as diretrizes, metas e estratégias nele estabelecidas. Foi também criado pela lei do PNE o Sistema Nacional de Educação (SNE), que ainda não foi regulamentado por lei específica - o que deveria ter ocorrido até junho de 2016 - a fim de garantir que o cumprimento ocorresse mediante articulação e definição de processos e ações conjuntas entre os entes federados.

Das 20 metas que compõem o PNE 2014-2024, três delas tratam especificamente da educação superior (graduação e pós-graduação), quais sejam, as metas 12, 13 e 14. No próximo item iremos analisar e discutir a evolução dos indicadores previstos nessas metas no período de 2012 a 2018, tecendo considerações, sobretudo, quanto aos avanços, desafios e perspectivas para o êxito e alcance do que está por elas determinado para a educação superior do país até o final da vigência do Plano. Nessa direção, as categorias de análise centrais são: a expansão, a interiorização, a qualidade da educação superior e a relação público-privado nesse nível de educação, considerando o atual cenário político econômico do país. É fundamental ressaltar os desafios da meta 12, uma vez que os indicadores evidenciam que essa meta é a que possui os desafios mais expressivos no que diz respeito ao processo de democratização do acesso à educação superior no Brasil.

3 As metas 12, 13 e 14 do PNE 2014-2024 para a educação superior: avanços, limites e perspectivas

Como já exposto, tanto o processo de tramitação, quanto o de aprovação do PNE 2014-2024 foram permeados por conflitos e tensionamentos pela dualidade de concepções de educação, Estado e fundo público em debate. Segundo Dourado (2016, p. 21), essas “disputas de concepção acerca da relação sociedade e educação; público e privado; qualidade, avaliação e regulação; diversidade e educação [...], se intensificaram no processo de sua materialização”. Nesse contexto de tramitação, aprovação e, principalmente, na fase de vigência do Plano, a agenda da educação superior tem sido objeto de muitas disputas e ações por parte do governo para torná-la ainda mais flexível e com maior participação do segmento privado (AGUIAR, 2019; CARVALHO, AMARAL, 2020; MANCEBO, SILVA JUNIOR, CARVALHO, 2018; MOREIRA, CARVALHO, 2020; ASSIS, CARVALHO, COSTA, 2019).

A seguir, analisaremos, pois, as metas 12, 13 e 14 do PNE 2014-2024, considerando seus avanços, limites e perspectivas. Nessa avaliação, é importante também considerar as estratégias previstas em cada meta, bem como a crise econômica e as transições políticas impactantes no período. O exame das estratégias requer, no entanto, uma análise mais ampla das políticas, programas e ações implementadas na vigência do Plano até aqui, o que se torna tarefa difícil nos limites de um texto desta envergadura.

a) Meta 12 do PNE

Ao final de todo o processo no Congresso Nacional e sanção do projeto o transformou em Lei do PNE 2014-2024 (Lei nº 13.005/2014), sem qualquer veto da presidente da República Dilma Rousseff. Sua meta 12 prevê a elevação da “taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público” (BRASIL, 2014). Essa meta possui como principal prerrogativa a expansão da educação superior no país, assegurada a qualidade da oferta, o que se configura um ponto de tensão e de alterações no modo de regulação desse nível de educação (ASSIS, CARVALHO, COSTA, 2019; COSTA, GOMES;CARVALHO, 2020; CARVALHO, ANDERI, 2020).

Além do conteúdo audacioso previsto no seu texto principal, que é elevar a taxa bruta de matrícula da educação superior no Brasil para 50% e a taxa líquida para 33%, garantindo a qualidade da oferta e determinando que 40% da nova expansão seja promovida por matrículas púbicas, a meta 12 foi aprovada contendo 21 estratégias, sendo sete delas também vinculadas à expansão, como destacado a seguir.

12.2) ampliar a oferta de vagas, por meio da expansão e interiorização da rede federal de educação superior, da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e do sistema Universidade Aberta do Brasil, considerando a densidade populacional, a oferta de vagas públicas em relação à população na idade de referência e observadas as características regionais das micro e mesorregiões definidas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, uniformizando a expansão no território nacional; [...]12.5) ampliar as políticas de inclusão e de assistência estudantil dirigidas aos (às) estudantes de instituições públicas, bolsistas de instituições privadas de educação superior e beneficiários do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES de que trata a Lei n.º 10.260, de 12 de julho de 2001, na educação superior, de modo a reduzir as desigualdades étnico-raciais e ampliar as taxas de acesso e permanência na educação superior de estudantes egressos da escola pública, afrodescendentes e indígenas e de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, de forma a apoiar seu sucesso acadêmico; [,,,] 12.6) expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES [...], com a constituição de fundo garantidor do financiamento, de forma a dispensar progressivamente a exigência de fiador; [...] 12.12) consolidar e ampliar programas e ações de incentivo à mobilidade estudantil e docente em cursos de graduação e pós-graduação, em âmbito nacional e internacional, tendo em vista o enriquecimento da formação de nível superior; [...] 12.13) expandir atendimento específico a populações do campo e comunidades indígenas e quilombolas, em relação a acesso, permanência, conclusão e formação de profissionais para atuação nessas populações; [...] 12.18) estimular a expansão e reestruturação das instituições de educação superior estaduais e municipais cujo ensino seja gratuito, por meio de apoio técnico e financeiro do Governo Federal, mediante termo de adesão a programa de reestruturação, na forma de regulamento, que considere a sua contribuição para a ampliação de vagas, a capacidade fiscal e as necessidades dos sistemas de ensino dos entes mantenedores na oferta e qualidade da educação básica; [...] 12.20) ampliar, no âmbito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES [...] e do Programa Universidade para Todos - PROUNI [...], os benefícios destinados à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais ou a distância, com avaliação positiva, de acordo com regulamentação própria, nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação. (BRASIL, 2014, p. 21-22)

Várias das políticas em curso, à época, foram destacadas e reforçadas nas estratégias de expansão, a exemplo da expansão e interiorização da rede federal de educação superior por meio de universidades e institutos federais, do sistema Universidade Aberta do Brasil, da inclusão e assistência estudantil, da implementação de cotas nas IES públicas, da ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e do Programa Universidade para Todos (ProUni), do incentivo à mobilidade estudantil e docente, do atendimento específico às populações do campo e comunidades indígenas e quilombolas, da expansão e reestruturação das instituições de educação superior (IES) estaduais e municipais.

Como se vê, essas estratégias apresentam propostas desafiadoras, pois discorrem sobre o acréscimo de vagas da rede pública federal (estratégia 12.2) com ênfase na interiorização e atendimento à população do campo e comunidades indígenas e quilombolas (estratégia 12.13); ampliação das políticas de assistência e mobilidade estudantil (estratégia 12.5, 12.6 e 12.12); estímulo à expansão e reestruturação das IES estaduais e municipais (estratégia 12.18); e, ampliação de programas de financiamento público a estudantes da iniciativa privada (estratégia 12.20).

A taxa bruta e taxa líquida previstas no conteúdo da meta 12 são indicadores que permitem mensurar o nível de acesso à educação superior de um país ou de uma determinada localidade. Esses indicadores são obtidos a partir de cálculos que envolvem duas variáveis, o número de matrículas e o quantitativo da população em idade educacional para esse nível; para a educação superior, o padrão de referência é a população de 18 a 24 anos. O PNE 2014-2024 estabeleceu como base para o diagnóstico inicial de suas metas, os dados do Censo da Educação Superior mais recentes disponíveis no ato de sua aprovação, ou seja, os dados referentes ao ano de 2012. Assim, parte das análises a serem realizadas sobre a evolução das metas neste estudo contemplará o período de 2012 até 2018.

Os dados da tabela 01 apresentam o quantitativo de matrículas na educação superior do país, por categoria administrativa, do ano de 2012 a 2018. No ano de 2014, o país possuía 7.828.013 alunos matriculados. De acordo com os dados das tabelas 2 e 3, nesse ano, essas matrículas representavam 34,5% de taxa bruta e 17,3% de taxa líquida. Esses dados mostram o imperativo desafio que se apresentava ao país no que diz respeito à obtenção de 50% de taxa bruta e 33% de taxa líquida no ano de 2024; seria necessário um importante incremento de novos estudantes matriculados nesse nível de educação para o alcance do previsto por essa meta (CARVALHO; AMARAL, 2019; CARVALHO, 2018).

De acordo com CARVALHO (2018), para que o país conseguisse alcançar o patamar de 50% de taxa bruta no ano de 2024, seria necessário o acréscimo de 3.871.797 novas matrículas, isto é, em 2024, o país precisaria contar com 11.699.810 matrículas na educação superior. Para o alcance desse indicador, previsto na meta 12, o percentual de crescimento necessário nas matrículas seria de 49% até o final da vigência do Plano.

A observação da evolução das matrículas na graduação entre 2014 e 2018 sinaliza um panorama de baixo crescimento, tendo em vista a evolução necessária para o alcance da meta 12 do PNE. Nesse período, foram criadas apenas 622.742 novas matrículas, o que corresponde a somente 16,1% do total que seria necessário para o alcance da meta em 2024.

Tabela 1 Evolução de matrículas na graduação no Brasil e regiões - 2012-2018 

Região 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 7.037.688 7.305.977 7.828.013 8.027.297 8.048.701 8.286.338 8.450.755
Norte 546.503 568.337 609.120 647.609 654.944 673.777 691.639
Nordeste 1.434.825 1.521.706 1.646.883 1.694.680 1.703.678 1.746.656 1.799.609
Sudeste 3.226.248 3.329.946 3.557.642 3.618.711 3.611.939 3.705.394 3.755.153
Sul 1.163.671 1.189.713 1.262.929 1.311.201 1.326.539 1.388.211 1.428.909
Centro-Oeste 666.441 696.275 751.439 755.096 751.601 772.300 774.211

Fonte: Censo da Educação Superior 2012-2018. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

As informações estatísticas disponíveis nas tabelas 2 e 3 referem-se aos percentuais de taxa bruta e taxa líquida no Brasil e suas regiões entre 2012 e 2018. Os dados ratificam o cenário de limitado crescimento já apresentado, ilustrado pelo gráfico 01. Nos quatro primeiros anos de implantação do PNE 2014-2024, o percentual de taxa bruta e taxa líquida aumentaram apenas 2,8% e 1,7%, respectivamente, sendo que a ampliação necessária para a obtenção do valor estabelecido para o cumprimento da meta em 2024 seria de 15,5% e 15,6%, nessa mesma ordem.

Fonte: Elaborado pelos autores de acordo com os dados das tabelas 2 e 3.

Gráfico 01 Evolução da taxa bruta e taxa líquida no Brasil (2012 a 2018) 

Outro ponto de contradição revelado pelos dados dessas duas tabelas está relacionado à desigualdade regional brasileira quanto ao acesso à educação superior. Fica evidente que as regiões mais pobres do país possuem percentuais de taxa bruta e taxa líquida inferiores à média nacional. Enquanto a taxa bruta do país em 2014 foi de 34,51%, a da região norte foi de 28,69% e, a da região nordeste, a menor do país, foi de apenas 24,98%. Enquanto a elevação da taxa bruta do país de 2014 a 2018 foi de 2,8%, nesse mesmo período, a elevação dessa taxa na região norte foi somente 1,5%.

Tabela 2 Taxa bruta de matrículas na graduação por região - Brasil - 2012 a 2018 

Região 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 30,88% 32,18% 34,51% 35,78% 35,71% 36,11% 37,34%
Norte 25,59% 26,52% 28,69% 30,57% 29,62% 29,82% 30,21%
Nordeste 21,73% 23,21% 24,98% 26,29% 26,19% 26,83% 28,00%
Sudeste 35,58% 36,58% 38,90% 39,83% 40,02% 39,93% 41,21%
Sul 36,10% 37,77% 40,93% 43,02% 43,74% 44,47% 46,66%
Centro-Oeste 37,93% 39,70% 43,34% 43,55% 42,60% 43,42% 44,43%

Fonte: Censo da Educação Superior 2012-2018. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

Os dados referentes à taxa bruta e taxa líquida da região Centro-Oeste ocultam os desafios de acesso à educação superior dos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por incluírem os dados referentes ao Distrito Federal (FERREIRA, MORAES, CARVALHO, 2021). De acordo com os dados apurados pela base de dados utilizada por este estudo, essa unidade federada já possuía em 2014, taxa bruta de 66,2%, a maior do país. Contudo, os demais estados dessa região obtiveram nesse mesmo ano, percentuais de taxa bruta de 33,2%, 38,6% e 35,4%, respectivamente.

Tabela 3 Taxa líquida de matrículas na graduação por região - Brasil - 2012 a 2018 

Região 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 15,62% 16,33% 17,39% 18,16% 18,31% 18,58% 19,10%
Norte 10,54% 11,08% 12,43% 13,52% 13,42% 13,99% 14,34%
Nordeste 10,44% 11,15% 11,96% 12,82% 12,97% 13,48% 14,15%
Sudeste 18,38% 18,98% 19,93% 20,46% 20,73% 20,70% 21,21%
Sul 19,54% 20,59% 22,12% 23,21% 23,65% 23,68% 24,17%
Centro-Oeste 19,80% 20,71% 22,38% 22,79% 22,64% 23,11% 23,70%

Fonte: Censo da Educação Superior 2012-2018. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

Outro aspecto característico da educação superior no país diz respeito a sua alta concentração de oferta pelas IES da rede privada. A tabela 04 mostra que a proporção das matrículas em IES privadas em relação às públicas aumentou durante os quatros primeiros anos de vigência do Plano; elas chegaram a corresponder 75,7% em 2015 e, no ano de 201,8 o percentual foi de 74,4%.

Tabela 4 Evolução de matrículas de graduação no Brasil por categoria administrativa pública e privada. Crescimento absoluto e participação no crescimento - 2014 a 2018 

  2014 2015 2016 2017 2018 Crescimento absoluto 2014-2018 Participação no crescimento 2014-2018
Total 7.828.013 8.027.297 8.048.701 8.286.338 8.450.755 622.742 100,0%
Públicas 1.961.002 1.952.145 1.990.078 2.045.356 2.077.481 116.479 18,7%
Federal 1.180.068 1.214.635 1.249.324 1.306.351 1.324.984 144.916 23,3%
Estadual 615.849 618.633 623.446 641.865 660.854 45.005 7,2%
Municipal 165.085 118.877 117.308 97.140 91.643 -73.442 -11,8%
Privadas 5.867.011 6.075.152 6.058.623 6.240.982 6.373.274 506.263 81,3%
% Privadas 74,9 75,7 75,3 75,3 74,4 - -

Fonte: Censo da Educação Superior 2012-2018. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

Além da elevação da taxa bruta e da taxa líquida, a meta 12 do PNE 2014-2024 ainda determinou que 40% da nova expansão estabelecida para se alcançar em 2024 seja em matrículas públicas. Esse é um importante indicador que, se considerado pelas políticas públicas governamentais, garantiria a expansão da rede pública no país. Renata Carvalho (2018) também estimou qual seria a ampliação de matrículas públicas necessárias para a concretude dessa meta em 2024. Segundo essa autora, seria necessária a criação de 1.548.719 novas matrículas públicas no país para atender o determinado de expansão da rede pública. Contudo, de acordo com os dados da tabela 4, foram criadas apenas 116.479 novas matrículas públicas nos quatro primeiros anos do Plano, o que representa apenas 7,5% do total necessário para cumprir a meta em 2024.

A oferta de educação superior pública no país é promovida por IES vinculadas à rede federal, estadual e municipal. Dentre as públicas, as IES federais foram responsáveis por 60,2% da oferta no ano de 2014. Esse percentual de oferta mostrou-se ascendente nos anos seguintes; em 2015, ele foi de 62,2% e, em 2018, chegou a 63,8%. É possível observar que as IES estaduais apresentaram uma tênue expansão nos primeiros quatro anos de implantação do PNE 2014-2024, tendo sido criadas apenas 45.005 novas matrículas. Por sua vez, as IES municipais têm apresentado um cenário de contínua redução de matrículas: no mesmo período ocorreu uma redução de 73.442 matrículas ofertadas no país. Esse cenário de pouco crescimento de oferta da rede estadual e decréscimo de oferta pela rede municipal compromete ainda mais a expansão necessária no que diz respeito às matrículas públicas e torna o desafio posto por essa meta ainda mais exigente para as IES federais.

b) Meta 13 e 14 do PNE

No Brasil, o crescimento da pós-graduação tem sido acentuado desde sua regulamentação com o Parecer Sucupira em 1965 e, posteriormente, com a reforma universitária de 1968. Todavia, intensificou-se a partir do chamado modelo Capes de avaliação, a partir de 1976. Avaliação e fomento, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), constituíram-se nos dois pilares fundamentais para expansão da pós-graduação, para o crescimento do fomento à pesquisa e para o desenvolvimento de carreiras científicas. Os planos nacionais de pós-graduação (PNPG) também tiveram papel fundamental na estruturação e consolidação desse movimento de expansão, especialmente buscando ampliar o padrão de qualidade dessa oferta (CARVALHO, AZEVEDO, 2020; ALVES, CARVALHO, 2014).

Com a aprovação do PNE 2014-2024, duas metas específicas foram estabelecidas para a pós-graduação stricto sensu, as metas 13 e 14. A meta 13 trata de “Elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores” e a meta 14 determina “Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores”

Dentre as três metas para a educação superior previstas no PNE 2014-2024, a meta 13 pode ser considerada a menos exigente, uma vez que os dados do Censo da Educação Superior, referentes ao ano de 2012, mostravam que, das 362.732 funções docentes no país, 256.305 (69,6%) já eram de mestres ou doutores, sendo 115.087 (32,3%) doutores. É preciso considerar, ainda, que o conteúdo da meta 13 não define que ela seja atingida por categoria administrativa e/ou organização acadêmica, porque a meta refere-se a todo o conjunto de docentes que atua na educação superior no Brasil. É uma meta que não se coloca como indutora da melhoria da qualidade da formação do corpo docente que atua nas IES, públicas ou privadas, que ainda não possuem em seus quadros percentuais satisfatórios de mestres e doutores.

A tabela 5, a seguir, traz o percentual de docentes na educação superior com mestrado ou doutorado, por região, no Brasil. Vemos que o crescimento do percentual de docentes com mestrado e doutorado foi constante entre 2012 e 2018, o que indica, de modo geral, a melhoria da titulação do professorado que atua no magistério superior. Em todas as regiões, também houve aumento constante dos mestres e doutores no magistério superior, com maior destaque para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que indica certa redução de assimetrias nessas regionais em termos da titulação dos professores.

Tabela 5 Percentual de docentes na educação superior com mestrado ou doutorado, no Brasil e suas regiões - 2012 a 2018 

  2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 69,6 71,8 73,4 76,3 78,2 80,3 82,2
Norte 58,9 60,8 64,6 68,3 70,5 73,0 75,3
Nordeste 67,1 69,5 71,4 75,0 77,2 79,9 81,6
Sudeste 71,8 74,0 75,4 77,9 79,8 81,8 83,5
Sul 74,0 75,7 76,6 79,1 81,0 82,7 84,6
Centro-Oeste 62,2 65,6 66,8 71,1 72,8 75,0 78,2

Fonte: Censo da Educação Superior - 2012-2018 /Inep. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

É significativo também quando se examina o percentual de docentes na educação superior com doutorado, por região, no Brasil. O crescimento também foi constante no Brasil, considerando o período 2012 a 2018. O crescimento é bastante igualado por região, embora se observe maior destaque nas regiões Norte, Nordeste e Sul. Isto é, considerando somente os indicadores quantitativos de seu conteúdo, a meta 13 foi alcançada no ano de 2015, sobretudo porque não separa as IES publicas das privadas e não trata do regime de trabalho (horista, 20 horas, 40 horas ou 40 horas com dedicação exclusiva - DE).

Tabela 6 Percentual de docentes na educação superior com doutorado, no Brasil e suas regiões - 2012 a 2018 

  2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 32,3 33,8 35,5 36,6 39,0 41,3 43,3
Norte 21,0 22,0 24,3 26,9 29,7 32,2 34,6
Nordeste 29,0 30,6 32,4 34,1 36,5 39,4 41,3
Sudeste 36,1 37,6 39,1 39,5 41,9 44,1 45,6
Sul 33,0 34,5 36,2 37,6 40,6 42,7 45,6
Centro-Oeste 27,4 29,3 31,0 33 34,6 36,9 39,3

Fonte: Censo da Educação Superior - 2012-2018 /Inep. Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

Todavia, é preciso considerar que a meta 13 do PNE não estabelece, em seu conteúdo, que ela deva ser observada ou cumprida por cada um dos entes federados, por categoria administrativa ou por instituição. Os indicadores com previsão de serem alcançados por essa meta são determinados para o “conjunto do sistema de educação superior” (BRASIL, 2014, p. 22). Esse caráter geral estabelecido pela meta 13 não se torna indutor da melhoria da qualidade para estados ou IES que ainda possuem em seus quadros a atuação de altos percentuais de professores titulados como especialistas. Os dados gerais sobre a titulação das funções docentes que atuam no Brasil ocultam as contradições no que diz respeito à titulação entre as IES públicas e privadas, regime de trabalho e outras diferenças regionais.

Assim, o proposto pela meta 13 precisa ser considerado também por seu caráter qualitativo e não somente por seu aspecto quantitativo, visto que os percentuais a serem alcançados e os desafios nela contidos precisam ser contextualizados e associados a outros elementos que são de fundamental importância para a garantia da expansão com qualidade socialmente referenciada, tais como: regime de trabalho, remuneração, carreira, condições de trabalho, condições para o exercício da pesquisa e extensão e etc.

Embora o desafio proposto pela meta 13 seja nacional, faz-se oportuno fazer apontamentos mais pormenorizados sobre ela, principalmente considerando as contradições existentes quanto à categoria administrativa público e privada, a organização acadêmica e a análise de suas diferenças regionais, uma vez que esses elementos estão vinculados a condições distintas no Brasil. A observação das entrelinhas dessas questões expõe dilemas que ficam negligenciados quanto a titulação e formação do corpo docente do país, que precisam ser evidenciadas numa análise mais pormenorizada.

Para exemplificar essas contradições, no ano de 2014, que marca o início da vigência do PNE 2014-2024, dos 383.386 docentes em exercício na educação superior do país, 42,5% deles, ou seja, 163.113 eram em IES públicas, enquanto 57,4%, isto é, 220.273 atuavam na rede privada. Quando se aprecia essa mesma proporção no que diz respeito às matrículas, observa-se que as instituições privadas ofertaram, nesse mesmo ano, 74,9% dessas, revelando que ofertam um maior percentual de matrículas com um menor percentual de docentes.

Pormenorizando a análise dos dados, é preciso considerar que no ano de 2014 existiam 134.494 funções docentes com título de doutor no país; dessas, 90.963, o que corresponde a 67,6%, eram em IES públicas. Continuando a exemplificação, nesse mesmo ano, havia 102.371 docentes doutores que atuavam em universidades no Brasil e, desse total, apenas 18.533, o que equivale a 18,1%, eram docentes em universidades privadas. Quando a proporção quantitativa proposta no conteúdo da meta 13 é examinada de forma mais detalhada, as contradições quanto ao teor dessa meta se tornam evidentes: o cenário se altera e as desigualdades quanto à titulação do corpo docente das IES no Brasil tornam-se mais perceptíveis.

É preciso considerar, ainda, que as nove estratégias dessa meta possuem pouca articulação com o seu conteúdo principal. Essas estratégias estão relacionadas à elevação da qualidade desse nível educacional mediante à realização de processos avaliativos; a de nº 13.1, por exemplo, estabelece “aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), de que trata a Lei no 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão” (BRASIL, 2014).

Vinculada à meta 13, o PNE 2014-2024 instituiu a meta 14, que também está relacionada à formação na pós-graduação stricto-sensu; contudo, ela está conexa à elevação das matrículas para a ampliação da titulação de mestres e doutores no país. A meta 14 objetiva “elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores” (BRASIL, 2014). Desse modo, considerando o teor proposto por essa meta e os dados de 2018 acerca da quantidade de mestres e doutores titulados no país, contidos nas tabelas 7 e 8, é possível afirmar que a meta 14 do PNE 2014-2024 está muito próxima de ser cumprida. Para que isso aconteça, faz-se necessário titular mais 2.106 novos doutores, anualmente, até 2024 para o atendimento do proposto por essa meta.

Tabela 7 Número de títulos de mestrado concedidos no Brasil e suas regiões - 2012 a 2018 

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 47.138 51.535 53.212 56.667 59.614 61.147 64.432
Norte 2.050 2.020 2.126 2.448 2.728 2.887 3.334
Nordeste 8.301 9.605 10.090 10.597 10.863 11.328 12.630
Sudeste 23.480 25.211 25.694 27.193 28.791 28.874 29.762
Sul 9.949 10.756 11.046 11.972 12.450 13.312 13.595
Centro-Oeste 3.358 3.943 4.256 4.457 4.782 4.746 5.111

Fonte: GeoCapes - Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

O número de títulos de mestrado concedidos no Brasil no período de 2012 a 2018 teve aumento constante, conforme apresentam os dados da tabela 7. O crescimento foi maior, no entanto, no mestrado profissional. Quando se observa o crescimento no número de títulos de mestrado por região no mesmo período, vemos que as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste registraram importante crescimento.

O aumento dos títulos de doutorado também tem crescido conforme indicam os dados da tabela 8. Esse crescimento ainda pode ser observado nos títulos de doutorado concedidos por região de 2012 a 2018. Aqui há um forte domínio das regiões Sudeste, Sul e Nordeste, onde se concentra o maior número de programas com doutorado. Embora pouco expressivo, o aumento nas regiões Norte e Centro Oeste é considerável.

Tabela 8 Número de títulos de doutorado concedidos no Brasil e suas regiões - 2012 a 2018 

  2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Brasil 13.912 15.650 17.286 18.996 20.603 21.591 22.894
Norte 264 281 326 415 485 526 617
Nordeste 1.798 2.134 2.497 2.742 2.956 3.248 3.523
Sudeste 8.807 9.643 10.307 11.262 11.917 12.273 12.729
Sul 2.421 2.762 3.211 3.595 4.148 4.339 4.638
Centro-Oeste 622 830 945 982 1.097 1.205 1.387

Fonte: GeoCapes - Dados produzidos no âmbito da pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no contexto do PNE 2014-2024: Tensões, limites e perspectivas”.

Considerações finais

As metas 12, 13 e 14 do PNE 2014-2024 tratam de elevar as matrículas da graduação e da pós-graduação na educação superior, assim como de ampliar o número de titulados. Nessa direção, é fundamental, no entanto, assegurar a qualidade da oferta nesse processo de expansão, bem como garantir que o segmento público participe efetivamente dessa expansão, especialmente na graduação, uma vez que este setor é predominante na oferta de mestrados e doutorados de qualidade acadêmica reconhecida. Outro ponto mais recente que merece atenção é o da intensificação da oferta dos cursos de graduação e pós-graduação totalmente a distância, tendência intensificada a partir da flexibilização da legislação federal nos últimos anos e do ensino remoto decorrente da pandemia do Corona Vírus, a partir do ano 2020.

Além disso, as políticas de congelamento ou cortes de recursos orçamentários para as IES públicas já vêm impactando na expansão da pós-graduação e no fomento à pesquisa. Em tempos de globalização econômica, da chamada economia do conhecimento e dos desafios globais decorrentes das questões do aquecimento global, desemprego em massa, aumento da pobreza, negacionismo científico, crescimento de fake news, ataques à democracia e ao estado democrático de direito, diferentes formas de conservadorismo e autoritarismo etc., a formação em nível superior, na graduação e pós-graduação, torna-se vital para o desenvolvimento econômico e social do país.

Os dados mostram que, em que pese o crescimento das taxas líquida e bruta, a meta 12 dificilmente será cumprida até 2024 (CAMPANHA, 2021). Além disso, a participação da rede pública na expansão das matrículas na educação superior, embora tenha crescido sobretudo no período de implementação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), implementado a partir de 2008, voltou a diminuir, se comparado com a expansão das matrículas em IES privadas, notadamente via cursos de educação a distância. Para cumprir essa meta até 2024 seriam necessários esforços que resultassem em um aumento muito mais intenso do que o observado a partir de 2014. Assim, o Brasil deve encerrar este decênio com taxas de atendimento muito abaixo da maior parte dos países da América do Sul ou mesmo da América Latina, que já giram em torno de 30% da população de 18 a 24 anos. Outro ponto de destaque é a excessiva concentração das matrículas na rede privada, que detém cerca de 75% das matrículas. Observa-se que as matrículas criadas no segmento público estão bem abaixo dos 40% esperados em termos de novas matrículas.

De modo geral, as metas 13 e 14 estão parcialmente cumpridas, conforme dados examinados e outros estudos realizados (CAMPANHA, 2021; BRASIL. Inep, 2020). Na meta 13 verifica-se que o percentual de docentes em exercício na educação superior com mestrado e doutorado já ultrapassou os 75% no total, sobretudo na rede pública. O percentual de doutores também já foi ultrapassado no total e na rede pública. A meta não distingue o público do privado e é exatamente neste último segmento que os problemas são maiores, principalmente em termos da quantidade de doutores em exercício. Além disso, a meta não destaca o regime de trabalho, o que marca ainda mais a distinção entre o público e o privado. Na rede pública predomina o contrato de 40 horas em regime de dedicação exclusiva, enquanto no setor privado os contratos são, em geral, em tempo parcial ou horistas.

Por sua vez, na meta 14 observa-se que tem sido crescente o número de mestres titulados, já ultrapassando os 60 mil mestres por ano e próximo de ultrapassar os 25 mil doutores por ano. A grande maioria desses mestres e doutores têm sido formados em programas de pós-graduação de universidades e outras IES públicas. Esse quadro, no entanto, pode ser alterado, dada a crise no financiamento das universidades federais e a redução acentuada dos recursos para Capes e Cnpq a partir de 2016, que certamente impactarão a manutenção e expansão da pós-graduação, a oferta de bolsas docentes e discentes e o fomento à pesquisa. Mantidas as políticas econômicas de austeridade, sobretudo implementadas a partir da EC nº 95/2016, a situação da manutenção e crescimento da pós-graduação e da pesquisa no Brasil deve agravar-se, de modo a interferir negativamente na formação pós-graduada, na qualidade da oferta e na geração de conhecimento novo, tão necessários ao desenvolvimento econômico e social do País.

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Recebido: 05 de Agosto de 2021; Aceito: 10 de Junho de 2022; Revisado: 22 de Junho de 2022

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