Introdução
As plantas constituem a maior parte da biomassa e contribuem de forma expressiva para o equilíbrio ecológico do planeta. O conhecimento acerca das plantas tem beneficiado a humanidade de diversas maneiras, seja por meio da identificação de espécies e seu cultivo para a produção de alimentos, utensílios e fármacos, seja por meio da elucidação de suas relações ecológicas, seu metabolismo e dos mecanismos que regulam e sustentam a vida na Terra (NABORS, 2012).
No entanto, a interação entre a humanidade e as plantas parece estar sendo reduzida gradativamente, com o avanço da urbanização e da tecnologia. Tal distanciamento do mundo natural apresenta consequências diretas que refletem nos hábitos e na cultura da sociedade contemporânea. Salantino e Buckeridge (2016, p. 178), em seu artigo intitulado “De que te serve saber botânica”, mencionam que:
[...] no mundo urbanizado em que vivemos a maioria das folhas, frutos, sementes e raízes com as quais temos contato chegam até nós no supermercado. Muitos de nós não se dão conta de que reconhecemos essas partes da planta. Mas ao ver, por exemplo, uma bela mandioca na gôndola do supermercado, o processo de semiose não nos leva no sentido de imaginar a planta que produz aquela raiz, mas sim um prato de mandioca frita. Ao tomar uma cerveja, não idealizamos a planta de cevada e do lúpulo; tampouco pensamos numa planta de guaraná ao tomar o refrigerante. Isso sugere que em um ambiente altamente urbanizado a oferta dos produtos industrializados, ainda que seus rótulos muitas vezes representem desenhos ou esquemas da planta que origina o tal produto, deve ter um papel fundamental no processo de estabelecimento da cegueira botânica.
Especialmente nas grandes cidades, caminhamos pelas ruas, praças, parques, às vezes cercados por árvores, arbustos e vegetação diversa e não nos atentamos a percebê-las e reconhecê-las como seres vivos em lugar de objetos inanimados. Estaríamos cegos frente às plantas?
O conceito de cegueira botânica foi proposto originalmente por Wandersee e Schussler (1999) e inclui em sua definição: (a) a incapacidade de reconhecer a importância das plantas na biosfera e no cotidiano; (b) a dificuldade em perceber os aspectos estéticos e biológicos exclusivos das plantas; e, (c) a ideia de que as plantas sejam seres inferiores aos animais, portanto, não merecedoras de atenção equivalente.
Este conceito, afora sua aplicação nas relações cotidianas entre pessoas e plantas, se aplica diretamente na forma como a botânica é ensinada nas escolas. A este respeito, os estudos mencionam diversas limitações, tais como: a subvalorização da área dentro do ensino de ciências; a inexistência de abordagem pelos professores por falta de tempo, conhecimento ou inclusive aversão ao assunto; o ensino voltado para a memorização de nomenclaturas; o conteúdo descontextualizado da realidade; as aulas resumidas a meras transmissões orais que muitas vezes não possibilitam a discussão em sala; o uso de materiais pouco atrativos e a carência de materiais, principalmente visuais (ARRAIS; SOUZA; MASRUA, 2014; ROCKENBACH et al., 2012; SOUZA; KINDEL, 2014).
Observando as limitações verificadas nos estudos citados, pode-se considerar que o processo de ensino-aprendizagem da botânica é afetado negativamente e, com relação às perdas envolvidas nesse contexto, Salantino e Buckeridge (2016, p. 181) enfatizam:
Em última análise, todos perdemos: a) perdem os alunos, pois acabam tendo um ensino de biologia mutilado; b) perde a sociedade, pois a plena formação em ciências é importante para os profissionais e cidadãos em geral, principalmente na época atual, na qual questões como mudanças climáticas e ambientais exigem forte conscientização e colaboração de toda a humanidade; c) perde a ciência, pois a bagagem de conhecimentos oriunda dos ensinos fundamental e médio influi sobremaneira na atitude e tomada de decisões dos pesquisadores.
Por outro lado, vale destacar que os fatores que interferem na ação docente dependem também de políticas públicas mais eficientes voltadas para a educação, fato que envolve as limitações e as possibilidades de superação dos professores. Destaca-se ainda a importância do conhecimento científico dos docentes, da sua prática e reflexão pedagógica, da interação com os discentes, da metodologia utilizada e das tecnologias e informações da formação continuada dos professores (DOMINGUINI et al., 2012).
Figueiredo (2009) e Figueiredo, Coutinho e Amral (2012) sugerem que o ensino de botânica tome por base o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) sustentando a necessidade de formação de um novo perfil de educador preocupado com a pesquisa didática, com a interação entre ensino, cidadania e desenvolvimento sustentável, além da adequação de materiais didáticos. A abordagem CTS no ensino de botânica apresentaria caráter interdisciplinar e contextualizado, abrangendo, além dos conteúdos programados para estudo, outros aspectos do cotidiano, curiosidades e aplicações, o que proporcionaria, segundo os autores, “um afetivo e efetivo enriquecimento teórico-prático” (FIGUEIREDO; COUTINHO; AMRAL, 2012, p. 496).
Nessa direção, Wandersee e Schussler (2001) sustentam que uma educação precoce, interativa, bem planejada, significativa e consciente (tanto científica quanto social) sobre as plantas, aliada a uma variedade de experiências pessoais, pode ser a melhor maneira de superar o que atualmente entendemos por cegueira botânica, no âmbito da hipótese cultural do problema.
Embasada por estes argumentos, nesta pesquisa descrevemos os resultados de uma análise bibliográfica que visou verificar as contribuições que o ensino de botânica pode dar para a superação da cegueira botânica.
Metodologia
Foi realizado um levantamento no Portal de Periódicos Capes/MEC (2017) no intuito de identificar produções científicas acerca do ensino de botânica e da cegueira botânica. Utilizando-se de busca avançada, foram definidas na ferramenta de pesquisa: a data de publicação: últimos 20 anos (1997-2017); o tipo de material: artigos (e também resumos); e os termos, em português: “cegueira botânica”; “ensino de botânica”; “cegueira botânica e ensino de botânica”; e em inglês: plant blindness, botany teaching, e “plant blindness and botany teaching”. Tendo em vista que o termo “cegueira botânica” foi cunhado em 1999 (WANDERSEE; SCHUSSLER, 1999), salienta-se que, neste lapso de tempo de aproximadamente 2 anos (1997-1998), foram consideradas somente as publicações que apresentavam a ocorrência do termo “ensino de botânica”.
Os resultados encontrados foram compilados em uma planilha na qual foram especificadas, para fins de organização, as seguintes informações: autor, ano, título, periódico, link para consulta e assunto abordado.
Após a leitura dos resumos, foram desconsideradas as publicações cujos conteúdos traziam assuntos sem relação direta com o ensino de botânica, por exemplo: conservação de espécies, fisiologia humana, anatomia e produção vegetal, análises bioquímicas, imunologia, ecologia política, agronomia, medicina, entre outros. Além disso, foram considerados na construção da amostra final apenas as publicações de resumos e artigos, estes que foram posteriormente analisados e sistematizados em categorias representativas. Para o estabelecimento das categorias, foram utilizados os procedimentos de análise temática de conteúdo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), divididos em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação.
Resultados
Considerando todas as palavras-chaves averiguadas na base de dados, obteve-se como resultado um total de 144 publicações (quadro 1). Foram encontrados registros para todas as palavras-chave, sendo plant blindness a de maior ocorrência de resultados (80), enquanto a combinação “cegueira botânica e ensino de botânica” apresentou a menor quantidade de publicações (01). Algumas publicações apareceram mais de uma vez na mesma busca, havendo repetições em “ensino de botânica”, plant blindness e botany teaching, e neste caso, foi considerado apenas um registro.
Termo | Número de artigos | Observações |
---|---|---|
Cegueira botânica | 02 | |
Ensino de botânica | 09 | + 3 repetidos |
Cegueira botânica e ensino de botânica | 01 | |
Plant blindness | 80 | + 7 repetidos |
Botany teaching | 43 | + 2 repetidos |
Plant blindness and Botany teaching | 09 | |
TOTAL | 144 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Deste total, 76 publicações foram desconsideradas por não apresentarem relação direta com o ensino de botânica ou não se tratar de resumos e artigos. Dentre as 68 publicações selecionadas, havia 11 que se repetiam, sendo 7 delas aparecendo 3 vezes, 3 aparecendo 2 vezes e 1 aparecendo 4 vezes, totalizando 20 artigos repetidos. As 48 publicações restantes foram analisadas.
Pode-se perceber, com relação a ocorrência de publicações a partir das palavras-chave nos referidos períodos pesquisados, que apenas 6 publicações apareceram no período compreendido pela primeira década (entre 1997-2007). As demais 62 publicações concentraram-se entre 2008 e 2017, principalmente no ano de 2015.
Além disso, após a leitura seletiva dos textos, verificação de títulos, resumos e marcação de trechos, emergiram quatro categorias, sendo elas: (1) Metodologia - agrupando pesquisas nas quais são descritas alternativas metodológicas para o ensino de botânica e superação da cegueira botânica; (2) Concepção - englobando trabalhos nos quais são relatadas concepções de discentes e docentes a respeito da botânica e biodiversidade; (3) Currículo - reunindo os trabalhos que descrevem e discutem as formas como se apresenta a botânica nos currículos escolares; e, (4) Integração - categoria que reúne as publicações que abordam de forma integrada duas ou mais das categorias anteriores, além de apresentarem outras considerações (quadro 2).
Categorias | Número de artigos |
---|---|
Metodologia | 36 |
Concepção | 08 |
Currículo | 01 |
Integração | 03 |
TOTAL | 48 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Com relação ao período de tempo, para a categoria Metodologia, 5 publicações são datadas na primeira década enquanto que 31 são do período de 2008 a 2017. Todas as publicações agrupadas na categoria Concepção estão distribuídas na segunda década, assim como a da categoria Currículo. Da categoria Integração, 2 publicações são da primeira década e 1 da segunda década pesquisada. Uma vez definidas as quatro categorias descritas acima, a análise pormenorizada dos artigos permitiu identificar, em cada uma delas, subcategorias. O estabelecimento dessa subdivisão procurou dar conta da heterogeneidade relativa dos conjuntos formados, ressaltando nuances e diferenças (ao mesmo tempo em que similaridades) entre os trabalhos que os constituem. O resultado final desse exercício de classificação, encontra-se expresso no quadro 3.
Categoria | Subcategoria | Referência |
---|---|---|
Metodologia | Abordagem com base em concepções alternativas | Ben; Elia (1998) |
Recursos didáticos | Clary; Wandersee (2011, 2013); Gimma; Burgess (2014); Link-Pérez; Carl (2016); Matos et al. (2015); Nascimento et al. (2017); Silva; Feletti; Oliveira (2017); Silva et al. (2011) | |
Uso de tecnologias da informação e comunicação | Allen (2003); Hemingway; Adams; Stuhlsatz (2015); Hershey (2005); March (2012); Snyder et al. (2012) | |
Abordagem interdisciplinar | Clary; Wandersee (2008); Çil (2015); Flannery (2007); Uchôa et al. (2016) | |
Jardinagem e construção de jardim didático | Cornwall (2009); Oliveira; Albuquerque; Silva (2012) | |
Educação ambiental | Dunkley (2016); Gambino; Davis; Rowntree (2009) | |
Abordagem com foco no desenvolvimento vegetal | Digiovanni; Digiovanni; Henley (2010) | |
Abordagem a partir de espaços não-formais de ensino, de exploração dos sentidos humanos, de identificação de espécies, de fotografia e herborização | Faria; Jacobucci; Oliveira (2011); Palmberg et al. (2015); Pollock et al. (2015); Rissi; Cavassan (2013); Wiegand; Kubisch; Heyne (2013); Wyner (2016) | |
Abordagem feminista | Martin (2011) | |
Incentivo dado ao estudo das plantas durante a formação inicial de professores | Levesley; Jopson; Knight (2012); Steinberg et al. (2015) | |
Defesa das plantas com relação aos estímulos biológicos | Nantawanit; Panijpan; Ruenwongsa (2012) | |
Abordagem a partir de plantas úteis | Pany; Heidinger (2014) | |
Abordagem a partir de plantas nativas | Audet (2005) | |
Aulas práticas | Silva et al. (2015) | |
Concepção | Concepções de alunos sobre biodiversidade | Lindemann-Matthies; Bose (2008) |
Concepções de professores sobre biodiversidade | Dikmenli (2010); Fiebelkorn; Menzel (2013) | |
Saberes docentes e o ensino de botânica | Serrato Rodríguez (2011) | |
Mudanças culturais e a perda dos saberes botânicos | Saynes et al. (2013) | |
Sabedoria das plantas no que diz respeito às suas adaptações evolutivas | Gagliano (2013) | |
Concepções de botânica de alunos e professores | Abrie (2015) | |
Concepções alternativas e científicas de alunos sobre árvores | Thorn et al. (2016) | |
Currículo | Conteúdo botânico no currículo sul africano | Abrie (2016) |
Integração | Análise do ensino de botânica no âmbito do professor, do aluno e do conteúdo | Silva; Cavallet; Alquini (2006) |
Colaborações entre cientistas e professores em prol da alfabetização científica | Lally et al. (2007) | |
História da botânica, concepções de alunos e professores, e estratégias didáticas | Salantino; Buckeridge (2016) |
Fonte: elaborado pelos autores.
Discussão
A discussão se apresenta a seguir conforme a sequência das categorias identificadas, sendo que os artigos classificados como integração, por apresentarem conteúdos que envolvem uma ou mais categorias, encontram-se descritos (diluídos) nas mesmas.
Matos, Maknamara e Matos (2015) relatam uma experiência de produção e aplicação de materiais didáticos por licenciandos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Sergipe (UFS), e neste contexto, abordam aspectos das dificuldades docentes no ensino de botânica no que diz respeito à contextualização dos conteúdos. Estas dificuldades incluem a insegurança que encontram ao ministrar aulas e o preparo de aulas práticas que contextualizem o conteúdo com o cotidiano dos alunos. Como consequência destas dificuldades, os professores evitam o ensino de botânica, deixando tal abordagem para o final do ano letivo.
Muitos professores, ao entenderem a melhoria do ensino apenas no âmbito da inserção e/ou melhoria de metodologias ou recursos didáticos, desconsideram as condições de ensino que podem oportunizar a “apropriação crítica e contextualizada dos conhecimentos, fundamentais à formação emancipatória dos sujeitos” (SILVA; CAVALLET; ALQUINI, 2006, p. 67). Neste sentido, Thorn et al. (2016) relatam que os educadores devem considerar os perfis de conhecimento heterogêneos de seus alunos ao realizar uma prática de ensino.
Salantino e Buckeridge (2016, p. 181) preocupados com as consequências da falta de interesse e conhecimentos botânicos pela sociedade, questionam “[...] até que ponto a ignorância gerada pela cegueira botânica irá influenciar negativamente a tomada de decisões e políticas públicas no Brasil?”
Allen (2003, p. 926), neste sentido, alerta:
O problema é que, se a maioria das pessoas não prestar atenção às plantas e o papel fundamental que elas desempenham na manutenção da vida, a sociedade não estará propensa a concordar que a conservação das plantas está entre as questões mais importantes da humanidade, muito menos apoia a pesquisa e a educação científica sobre plantas. Tudo isso enquanto, segundo estimativas, uma em cada oito espécies de plantas está ameaçada de extinção e a população humana (dependente da planta) continua a crescer.
Parece haver um consenso entre diversos autores no que diz respeito às problemáticas do ensino de botânica. Suas causas envolvem, por exemplo, o desinteresse pelo tema, a abordagem excessivamente teórica e a falta de aulas práticas e de materiais didáticos facilitadores (ABRIE, 2015; MATOS et al., 2015; NASCIMENTO et al., 2017; PANY; HEIDINGER, 2014; SALANTINO; BUCKERIDGE, 2016). Salantino e Buckeridge (2016, p. 179), afirmam:
A consequência da cegueira botânica (ou como, admitem alguns, o zoocentrismo e a negligência botânica) é que o ensino de Biologia, no Brasil e em outros países, encontra-se num círculo vicioso. Muitos professores tiveram formação insuficiente em botânica, portanto não têm como nutrir entusiasmo e obviamente não conseguem motivar seus alunos no aprendizado da matéria.
Visto que é elevado o número de pesquisas que apontam para a defasagem do processo de ensino e aprendizagem de botânica na educação básica, diversas iniciativas vêm sendo realizadas no intuito de inovar as práticas de ensino revelando a natureza circundante aos estudantes e, com isso, diminuindo a cegueira botânica instituída (MARTÍNEZ RETAMERO, 2016; NASCIMENTO et al., 2017; PÉREZ et al., 2014).
As alternativas desenvolvidas para melhoria do ensino vão desde a proposição de diferentes estratégias e abordagens até a escolha de conteúdos que possam ser mais agradáveis e contextualizados, tais como plantas utilizadas no cotidiano, plantas nativas e invasoras, formas de defesa das plantas, identificação da biodiversidade, entre outros. O interesse pela natureza e as experiências de contato e observação de espécies cotidianas comuns são fatores que podem promover o interesse pelo estudo das plantas, por questões ambientais relacionadas à biodiversidade e ao desenvolvimento sustentável (PALMBERG et al., 2015; POLLOCK, et al., 2015). A necessidade de um currículo contextualizado e conectado às diferentes realidades e de uma abordagem interdisciplinar são alguns dos exemplos citados por Nascimento et al. (2017). Enfatiza-se, além disso, que a melhoria do ensino de ciências pode se dar a partir de iniciativas simples, como realização de aulas práticas dentro da sala ou usando os espaços verdes da escola (SILVA et al., 2015).
Nantawanit, Panijpan e Ruenwongsa (2012) constataram que os alunos pensam que o estudo dos animais é mais interessante do que o das plantas, pois acreditam que elas sejam inferiores, passivas e incapazes de responder a desafios externos. A partir disso, desenvolveram uma unidade de aprendizagem de abordagem construtivista baseada na defesa das plantas, denominada Fighting Plant Learning Unit (FPLU), que se concentra nas respostas de defesa das plantas aos estímulos biológicos. Os autores verificaram que a partir de uma participação ativa, os alunos desenvolveram uma melhor compreensão conceitual dos mecanismos de defesa das plantas e que suas perspectivas e apreciação das plantas como organismos incapazes foram favoravelmente alteradas.
No intuito de questionar e transformar os paradigmas de gênero na construção do saber científico, Martin (2011) aponta para uma abordagem ecofeminista para ensinar a botânica no âmbito do ensino superior. A autora descreve o ecofeminismo a partir de uma perspectiva que relaciona o feminismo, a ecologia e a espiritualidade, propondo uma visão de mundo holística, libertadora e não fragmentada da natureza e dos indivíduos. A autora relata que mesmo que a pedagogia da ciência feminista seja um campo emergente e em desenvolvimento, o currículo deve buscar revelar aspectos da vida das mulheres na ciência, visto que nossa sociedade tende a ser patriarcal e, portanto, disciplinas das ciências refletem essa tendência social.
A integração da ciência botânica com outras áreas do saber tais como química e artes são descritas por Çil (2015) e os resultados obtidos indicaram que a integração de plantas com várias disciplinas pode superar o problema da cegueira botânica, além de proporcionar aos alunos oportunidades para aprender alguns conceitos da botânica, ajudando-os a entender a relação entre as plantas, outras disciplinas escolares e o cotidiano.
Uchôa et al. (2016), no intuito de aprimorar e buscar alternativas contextualizadoras ao ensino de química, relatam a possibilidade de utilização de plantas ornamentais como indicadores naturais ácido-base. Os autores propõem que a partir desta prática a interdisciplinaridade está contemplada desde os procedimentos de extração até a explicação da mudança de cor, envolvendo conceitos e procedimentos da química analítica, da química orgânica, da físico-química, de produtos naturais e dos conhecimentos botânicos das espécies envolvidas, proporcionando aos alunos de diferentes níveis de ensino grande quantidade de detalhes e informações.
No que tange às aproximações e diálogos interdisciplinares, ainda, Clary e Wandersee (2008) desenvolvem uma proposta didática que enfatiza o uso de espécimes locais para integrar geologia, biologia e ciência ambiental envolvendo o conceito de fósseis marcadores no estudo de organismos fossilizados, seus paleoambientes e mudanças subsequentes na Terra. Os autores relatam que o uso de espécimes locais traz o contexto local para a sala de aula de ciências, e pode servir de introdução para aprender sobre o significado dos ambientes no tempo geológico e sobre as mudanças evolutivas das diferentes formas de vida durante a história da Terra.
Nesta mesma ideia, Clary e Wandersee (2011) indicam em Our Human-Plant Connection o papel do professor enquanto ajudante no combate à cegueira botânica e mencionam que é relativamente fácil incorporar plantas em um currículo e que na web existem inúmeros recursos para professores, sugerindo um site na internet no qual podem ser encontradas informações e imagens diversas envolvendo botânica, arte, medicina, sociedade, história, política, religião e comércio, denotando aí a potencialidade de abordagens interdisciplinares no ensino de botânica.
Ainda no caminho de abordagem baseada em contextos locais, Oliveira, Albuquerque e Silva (2012) apresentam a construção de um jardim com espécimes regionais no ambiente escolar para ser utilizado como ferramenta didática. Os autores acreditam que esta seja uma possibilidade de atrelar o conhecimento prescritivo e descritivo ao prático e cotidiano, no intuito de melhorar os níveis de aprendizado dos alunos, formando cidadãos capazes de utilizar conhecimentos adquiridos na sua realidade cotidiana.
Em estudo que objetivou conhecer o entendimento de professores sobre espaços não-formais de educação e sua utilização e valorização a partir do ensino de botânica, Faria, Jacobucci e Oliveira (2011), relatam a elaboração de uma atividade realizada em um museu, intitulada Chá dos sentidos, que buscou explorar os sentidos humanos com o uso de infusões de plantas medicinais. As autoras mencionam que “trabalhar com plantas aromáticas e/ou de uso na medicina popular, nos facilita provocar uma aproximação com os vegetais, pois sabemos que tais plantas são representativas na vida da maioria das pessoas” (FARIA; JACOBUCCI; OLIVEIRA, 2011, p. 89).
Lally et al. (2007) ao tratarem sobre o engajamento público em prol de uma necessária alfabetização científica, relatam que os cientistas têm buscado envolver o público em seus trabalhos. Visando responder à demanda de uma força de trabalho e de uma cidadania cientificamente alfabetizadas, os autores compartilham sua visão e acreditam que uma parceria entre cientistas e professores seja uma estratégia eficaz no que diz respeito à capacidade dos cidadãos de avaliar criticamente os problemas que surgem como resultado do desenvolvimento da agricultura, medicina e ciência ambiental.
Esta percepção dialoga com a proposta de Figueiredo, Coutinho e Amral (2012) para que o ensino de botânica não esteja desvinculado da formação de cidadãos aptos em ciência e tecnologia, objetivo não alcançado adequadamente pelo ensino convencional. A ciência das plantas apresenta-se, para Lally et al. (2007), como uma oportunidade para envolver as pessoas no entendimento das aplicações e implicações da genômica e, em particular, do desenvolvimento do conhecimento genômico e a sua tradução em produtos e experiências. De acordo com Wandersee e Schussler (2001), as colaborações entre cientistas e professores garantem que qualquer esforço tenha o potencial de impactar um número exponencial de sujeitos no âmbito do ensino.
Durante a aplicação de uma oficina com professoras e alunos/as em uma unidade escolar no ano de 2013, Nascimento et al. (2017, p. 312) relatam:
Atualmente, muitas mudanças precisam ser feitas visando à melhoria do ensino de Botânica e a busca por novos recursos didáticos é uma das medidas que podemos utilizar para que essa melhora ocorra. O estímulo é fundamental em um processo de ensino-aprendizagem, tanto para alunos quanto para professores.
Há relatos de vários projetos voltados para a elaboração de recursos para o ensino de botânica, visando aprimorá-lo. Neste sentido, Matos, Maknamara e Matos (2015) destacam a importância das aulas práticas e da adequação e qualidade dos recursos, enfatizando o papel do professor bem como a necessidade de envolvimento deste com seus alunos, no intuito de desenvolver uma prática com base nas suas experiências e conhecimentos prévios, conforme podemos observar no apontamento das considerações:
Somado a estes fatores (estrutura da escola, materiais disponíveis, tempo e contexto da turma), é fundamental ponderar a respeito da necessidade de adequação da proposta ao público que será aplicada. Desse modo, deve haver uma atenção maior por parte do professor ao considerar um recurso em sua proposta pedagógica, pois na maioria das vezes são necessárias algumas adaptações. Estas dependem de vários fatores, dentre eles o nível cognitivo da turma e o contexto sociocultural no qual eles estão inseridos (MATOS; MAKNAMARA; MATOS, 2015, p. 228).
Em estudo que visa identificar as dimensões dos professores, dos alunos, e do conteúdo no ensino de botânica, Silva, Cavallet e Alquini (2006, p. 71) enfatizam a ausência de reflexão para o aprimoramento do ensino no que se refere ao método, ou seja, “a lógica filosófica utilizada no trabalho educativo”, e provocam indagações, tais como: “em que se fundamenta o conhecimento pedagógico dos professores de botânica que media a aprendizagem dos conhecimentos botânicos?”
Em se tratando das concepções de professores no âmbito da biodiversidade, Dikmenli (2010, p. 479) afirma que:
A falta de clareza em relação aos pressupostos, éticas, possibilidades e limitações sobre o esgotamento da biodiversidade faz parte dos problemas da educação (Gayford, 2000). Por estas razões, a biodiversidade tornou-se o ponto focal da pesquisa educacional nos últimos tempos. No entanto, pouca pesquisa é realizada atualmente em estruturas conceituais de professores de biologia sobre os aspectos da biodiversidade. O estudo das estruturas conceituais dos professores de estudantes de biologia é bastante importante desde a perspectiva do desenvolvimento da educação ambiental e da alfabetização científica.
Serrato Rodríguez (2011), em um estudo acerca das concepções dos professores refletidas na prática pedagógica, relata que o conhecimento botânico dos professores coloca maior ênfase nas questões biológicas em detrimento das sociais ou culturais, e questiona: qual o motivo desta situação? Para responder a esse questionamento, o autor afirma que foi necessário referir-se aos aspectos que afetaram a construção desse conhecimento em torno da botânica, ou seja, formação inicial, e constata que a formação de professores de escolas e universidades tem sido um dos fatores que a leva a pensar a botânica apenas a partir do viés disciplinar, deixando de lado outros tipos de relações que existem em torno das plantas.
No que diz respeito ao currículo, Abrie (2016) ao analisar a botânica no currículo sul africano, verificou que, mesmo que o currículo contemple os principais conceitos da biologia vegetal, pouco tempo tem sido destinado para a abordagem exclusivamente centrada nas plantas, comparativamente com o conteúdo com foco na zoologia e nos seres humanos. Como consequência de tal estruturação curricular, o ensino escolar de botânica em tal contexto pode ser insuficiente para a formação de uma base de conhecimentos e habilidades e para o desenvolvimento de valores positivos sobre as plantas.
Consideração semelhante é feita por Lally et al. (2007), os quais afirmam que mesmo que o uso das plantas possua vantagens únicas como ferramentas de ensino e aprendizagem, a botânica está sub-representada nos currículos e livros didáticos do ensino primário e secundário. Ampliando para o ensino de ciências, Silva, Cavallet e Alquini (2006) mencionam que nos currículos escolares brasileiros, a ciência normalmente é discutida sob uma perspectiva internalista, baseando-se na crença de um ideal científico universal e independente da história e contexto de cada civilização.
Considerações finais
A maioria das publicações apresentou em comum a discussão acerca da necessidade de aprimoramento e diversificação do ensino de botânica. Neste sentido, a análise das publicações revelou duas dimensões principais, as quais giram em torno das problemáticas do ensino de botânica e das alternativas metodológicas que emergem deste contexto.
Os trabalhos que versam sobre Metodologia foram os com maior ocorrência, sugerindo a existência de uma ênfase no desenvolvimento de ações práticas e construção de propostas com vistas ao avanço e aprimoramento do ensino de botânica. De modo geral, os estudos indicam que se faz necessário buscar variadas maneiras de incluir as plantas no cotidiano das pessoas de forma contextualizada e crítica visando o reconhecimento e valorização das mesmas, fato essencial para o cuidado e preservação da biodiversidade.
Seja através do uso de diferentes tecnologias, de variados recursos didáticos, da abordagem interdisciplinar ou em espaços não-formais, as vivências práticas contextualizadas com base nas concepções e realidade onde os sujeitos estão inseridos aparecem em muitas das estratégias descritas/publicadas. O papel do professor é abordado como fundamental nesse processo, bem como vinculado à necessidade de uma formação inicial e continuada que contemple a importância das plantas no cotidiano.
Pouco material foi encontrado com relação ao currículo e às concepções docentes, assim como a relação disso com o ensino de botânica. Tal situação pode indicar uma tendência na utilização de diferentes estratégias e recursos como se tais questões fossem por si só resolver o problema da negligência botânica na educação, sem considerar a formulação de políticas educacionais e a própria formação e valorização do educador como processos essenciais para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, visto que tanto estratégias quanto recursos pressupõem o envolvimento dos profissionais da educação.
Os resultados demonstram que sim, a educação é um caminho para a superação da cegueira botânica, não obstante, seja um caminho por vezes árduo de trilhar. Diante de tal contexto, evidenciou-se o professor atuando como elemento catalisador de tal superação bem como, a importância da colaboração entre os diferentes sujeitos da educação e áreas afins na construção de currículos que promovam a visibilidade, conhecimento e valorização das plantas e de estratégias de ensino que envolvam concepções mais atualizadas deste tema. Além disso, se demonstrou ser fundamental o aprimoramento e adequação do ensino da botânica às diferentes realidades, valendo-se de propostas e recursos didáticos adequados aos diferentes contextos históricos, sociais e ambientais no intuito de estreitar as relações entre a sociedade e o conhecimento científico. A cegueira botânica pode ser superada à medida em que os sujeitos do processo educativo reconheçam o espaço no qual estão inseridos como um espaço vivo, e, a partir desta concepção, possam estabelecer relações entre os elementos de seu ambiente e os temas abordados nas aulas. Para tanto, o caminho a trilhar não se limita ao espaço escolar e aos conteúdos específicos da botânica. Ele inclui o incentivo ao estudo, à reflexão e atuação crítica e ao posicionamento dos cidadãos nas questões ambientais e políticas.