Introdução
A estatística tem sua origem na Antiguidade, juntamente com o próprio homem. Na Roma Antiga já havia registros de nascimentos e óbitos, na própria Bíblia e na história de Jesus Cristo são descritos métodos de quantificação dos registros de nascimentos (CASTRO, 1949). Pode-se dividir a história da Estatística em dois grandes períodos, o primeiro é caracterizado por registros sistematizados de assuntos referentes ao estado, com objetivo de fiscalização, desde o regime feudal, no século XVII; em um segundo momento, a Estatística torna-se uma disciplina científica (CASTRO, 1949).
A Estatística está inserida na grade curricular de vários cursos do ensino superior, com o objetivo de desenvolver habilidades, como resolução de problemas, a flexibilidade e a análise crítica dos alunos (MANTOVANI et al., 2009). Utilizando-se de conceitos da matemática, a Estatística tem como finalidade a organização, a redução de dados (estatística descritiva), e inferência sob os dados (Estatística indutiva) por meio de observações (ANGELINA, 1978; VENDRAMINI, 2000).
Existe um desinteresse dos alunos em cursar disciplinas que envolvam metodologias quantitativas e, esta falta de harmonia com os números, vem de uma educação primária. Os afetos negativos dos alunos em relação a Estatística privam na escolha de áreas de atuação (UTTL; WHITE; MORIN, 2013).
No ensino superior, o grande desafio dos docentes é motivar os estudantes para o ensino e a aprendizagem da Estatística, visando criar estratégias, de acordo com o curso, e propor mudanças de atitudes para incentivo na disciplina (VENDRAMINI, 2000). Desta forma, considera-se importante a avaliação das atitudes dos alunos - uma vez que faz parte de respostas que são ativadas por um objeto atitudinal -, a qual pode ser descriminada ou aceita pelo indivíduo. Estudos indicam que, parte do grande desafio da aprendizagem da Estatística é proveniente das atitudes dos alunos (AJZEN; FISHBEIN, 1975; DAMACENA; PETROLL; MELO, 2016; LALAYANTS, 2012; LALONDE; GARDNER, 1993; UTTL; WHITE; MORIN, 2013).
O construto atitudes foi utilizado pela primeira vez em 1918 pelos sociólogos Thomas e Znaniecki, conceituado como um estado individual e determinante para a ação dos sujeitos (ALLPORT, 1935). Para o americano Allport (1935), as atitudes são consideradas um estado mental, instigado pelas experiências, que induz respostas. Na literatura existem diferentes modelos para explicar as atitudes, entre eles o modelo bipartido ou bicomponentes, o modelo multicomponente e o modelo tripartido. No primeiro deles, a atitude é explicada por dois componentes, o afetivo e o cognitivo; no segundo, defende-se que a atitude envolva sentimento, pensamento e ação (NEIVA; MAURO, 2011). E no terceiro modelo, o unidimensional, o fator cognitivo é responsável pelas atitudes, já os componentes afetivos e comportamentais são respostas das crenças individuais (FISHBEIN; AJZEN, 1975).
Eagly e Chaiken (1993) definem as atitudes como uma tendência psicológica em avaliar um objeto, demostrando o agrado ou o desagrado com o mesmo. Neste estudo, o modelo tripartido (cognitivo, afetivo e comportamental) foi utilizado, devido à sua relevância e complexidade em englobar os multifatores supracitados. O modelo proposto por Rosenberg e Hovland (1960) e revisado por Zanna e Rempbel (1988), define que a atitude é composta pelos seguintes fatores: cognitivo, que se trata do conhecimento do objeto; afetivo, sentimentos prós e contra o objeto; e comportamental, que é a ação ou a tendência a uma ação. Em outras palavras, o indivíduo conhecerá (fator cognitivo) o objeto atitudinal (Estatística), logo emitirá uma afeição frente ao objeto, gostar ou não (fator afetivo). Posteriormente, o objeto repercutirá em uma intenção de comportamento, ou até mesmo na ação.
Buscando avaliar as atitudes de universitários, Vendramini e Camilo (2013) construíram a Escala de Atitude frente à Estatística (EAEst). Desenvolvida para a população brasileira, os itens da EAEst foram baseados nos instrumentos SAS (Statistics Attitude Survey), SATS (Survey of Attitudes Toward Statistics) e ATS (Attitude Toward Statistics), que, embora avaliem o mesmo objeto e construto de interesse, não são baseados no modelo tripartido das atitudes (afetivo, cognitivo e comportamental). Desde então, buscou-se melhorar e aprimorar as propriedades psicométricas deste instrumento, a fim de se obter um mecanismo com evidências de validade para a população brasileira, em uma versão reduzida, e baseada em um modelo tripartido das atitudes, com o objetivo de avaliar a atitude frente à Estatística.
Para a avaliação de aspectos latentes são necessários instrumentos que avaliem efetivamente o construto, que sejam adequados para o uso, e que haja veracidade em seus itens, que devem ser compatíveis aos traços latentes dos indivíduos (PACICO; HUTZ, 2015), isto é, os itens devem provocar respostas que sejam correspondentes com conteúdo latente do funcionamento psíquico dos sujeitos (AMBIEL; CARVALHO, 2017). Os instrumentos utilizados para avaliação de aspectos psicológicos devem apresentar baixo nível de erro, para ser considerados preditores de comportamentos (AMBIEL; CARVALHO, 2017).
Levando em conta que os instrumentos devem apresentar evidências de validade para uso. Considera-se importante destacar que a validade não é considerada categórica dicotômica (ter ou não ter) mas sim um dimensional contínuo que envolve a quantidade de evidências para a qualidade do instrumento (AMBIEL; CARVALHO, 2017).
Diante disto, este estudo objetivou buscar novas evidências de validade da consistência interna para a EAEst, versão 2016. As hipóteses desta pesquisa foram: (a) o instrumento EAEst é unidimensional formado por três componentes (cognitivo, afetivo, comportamental); (b) cada componente da EAEst apresenta evidências de validade de fidedignidade.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 277 universitários dos sexos feminino e masculino, com idades entre 18 e 54 anos (M = 24,1 e DP = 5,8), matriculados em instituições de ensino superior e de diferentes áreas de conhecimento. Como critério de inclusão, era necessário que estivessem cursando ou já tivessem cursado a disciplina de Estatística.
Instrumentos
Os estudantes responderam ao Questionário de Identificação, que conta com itens como idade, sexo, semestre e período da graduação. A Escala de Atitude frente à Estatística (EAEst) informatizada, construída por Vendramini e Camilo (2013) e adaptada por Camilo (2016), composta por 24 itens likert de 5 pontos, variando de 1 (Discordo Fortemente) a 5 (Concordo Fortemente), avalia a atitude de alunos frente à Estatística, e é composta por três fatores, cognitivo, afetivo e comportamental, sendo cada fator composto por oito itens de sentido positivo e negativo.
O fator cognitivo mede conhecimento de estatística, dos universitários, representados por itens como "Eu tenho facilidade para entender textos com informações estatísticas". O fator afetivo avalia a forma com que os sujeitos experienciam afetivamente a estatística e contém itens do seguinte formato "O sentimento que tenho com relação à Estatística é bom". No que se refere ao fator comportamental, os itens avaliam a intenção e ação do comportamento do estudante frente à estatística, um item deste fator é "Eu estudo / estudarei Estatística para ter uma formação profissional mais completa". O tempo de aplicação foi de aproximadamente 15 minutos.
Os índices de ajustes indicaram um nível de aceitabilidade para o instrumento, com o Comparative Fit Index (CFI = 0,91), Parsimonious Normed Fit Index (PNFI = 0,74), Root-Mean Square Error of Approximation (RMSE = 0,08), Non-Centrality Parameter (NCP = 255,3). Por meio do alfa de Cronbach (α) foi verificada a confiabilidade para a consistência interna dos três fatores, cognitivo (α = 0,894), afetivo (α = 0,918) e comportamental (α = 0,900) das atitudes (CAMILO, 2016).
Procedimentos
A pesquisa ocorreu após a autorização das instituições, que assentiram com a coleta de dados. Posteriormente, houve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (USF). Os instrumentos foram aplicados eletronicamente por meio de um sistema informatizado de domínio público denominado LimeSurvey, versão 1.91. Esse sistema permite a utilização da internet para a aplicação de instrumentos de pesquisa, sendo necessário disponibilizar aos participantes, o link de acesso. Para o desenvolvimento desta pesquisa o sistema LimeSurvey ficou alocado em um servidor da universidade, com possibilidade de acesso pela internet aos participantes.
Para a pesquisa, o participante, ao acessar o questionário, poderia desistir de responder a pesquisa com sua conclusão parcial, sendo este descartado. Ainda, a pesquisa foi dividida em diferentes telas para os participantes, e após avançar para a tela seguinte não era possível voltar para a anterior, sendo informado qual o percentual de conclusão do teste.
Na primeira tela foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, adaptado para o formato eletrônico. Após avançar a tela da pesquisa, o participante dá seu consentimento livre e esclarecido para participar como voluntário da pesquisa (assinatura eletrônica), e é informado que uma segunda via do termo pode ser impressa e arquivada por ele. Os dados dos participantes foram coletados pelo questionário do perfil do aluno, apresentado na segunda tela. Posteriormente, correspondia à EAEst versão 2016. Os dados foram salvos em planilha eletrônica e, posteriormente, exportados para o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) (NORUSIS, 1993), para a realização das análises estatísticas.
Resultados e discussão
Por meio da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), foi atestado a hipótese de um modelo unidimensional, na qual os fatores afetivos, cognitivos e comportamentais são explicados pelas atitudes (figura 1), conforme proposto por Rosenberg e Hovland (1960) e revisto por Zanna e Rempel (1988). O diagrama também indicou que os fatores das atitudes explicam os itens do instrumento.
Com a AFC foi verificado que, no fator cognitivo, os itens 12, 13 e 15 indicaram melhores cargas fatoriais, acima de 0,80. Porém, os outros itens do fator também apresentaram cargas satisfatórias. No fator afetivo, os itens 1, 3 e 4, 18 apresentaram as melhores cargas, acima de 0,70. Contudo, os outros itens do fator também indicaram cargas satisfatórias acima, ou igual, a 0,60, exceto o item 8, que apresentou uma carga insatisfatória, igual a 0,05, item este que apresentou uma melhor carga para o fator cognitivo de 0,70.
No fator comportamental, os índices variaram de 0,52 a 0,74, indicando boas cargas fatoriais entre item e fator. Embora o instrumento tenha apresentado boas cargas fatoriais, de modo geral, foram encontrados erros de medidas entre itens, com itens que compartilham aspectos relacionados. Exemplo disso, são os itens 12 e 13 do fator cognitivo, que apresentam correlação entre o e 4, e 5 de 0,43, isto é, 0,43 da covariância é explicada por ambos os itens.
Para a aceitabilidade de ajuste do modelo proposto foram verificados os seguintes índices: índice χ2/g.l.; índice de ajuste comparativo (Comparative Fit Index, CFI); índice de ajuste normado de parcimônia (Parsimonious Normed Fit Index, PNFI); raiz do erro quadrático médio de aproximação (Root-Mean Square Error of Approximation, RMSEA); discrepância populacional estimada (Estimated Population Discrepancy, F0); e estimativa do parâmetro de não centralidade (Non-Centrality Parameter NCP) (HAIR et al., 2009).
Os índices de ajustes da AFC evidenciaram um nível de aceitabilidade no índice absoluto, onde o χ²/df Qui - quadrado por grau de Liberdade -, apresentou o índice de 3,104, um valor aceitável de acordo com Hair, Ringle e Sarstedt (2011). O índice relativo, índice de ajuste normado NFI, foi igual a 0,849, nível de adequação aceitável. No índice de ajuste comparativo CFI, apresentou uma inadequação, onde o modelo foi igual a 0,891, inaceitável, porém próximo de 0,90. O Índice de Bondade de Ajuste Parcimônia evidenciou um modelo aceitável, igual a 0,717. A raiz quadrática média do erro de aproximação apresentou o modelo igual a 0,087, ou seja, bem próximo a um bom ajuste (HAIR; RINGLE; SARSTEDT, 2011).
Por intermédio do alfa de Cronbach (α) foi verificado a consistência interna do instrumento, indicando índices satisfatórios, como verificados na tabela 2. O α de todos os componentes foi de 0,90. Porém, podemos verificar que o fator afetivo foi o que apresentou o menor índice, α= 0,44. Os resultados confirmaram a segunda hipótese desta pesquisa, que a EAEst é uma escala fidedigna.
Índice | Estatística | Modelo | Nível de aceitabilidade |
---|---|---|---|
Absoluto | χ2/df | 3,104 | < 1 Muito bom |
1-2 Bom | |||
2-5 Aceitável | |||
> 5 Inaceitável | |||
Relativo | NFI | 0, 849 | 1 Perfeito |
> 0,90 Muito Bom | |||
0,80-0,90 Aceitável | |||
CFI | 0,891 | < 0,80 Inaceitável | |
> 0,95 Muito bom | |||
0,90-0,95 Aceitável | |||
< 0,90 Inaceitável | |||
Parcimônia | PNFI | 0,717 | > 0,80 Muito bom |
0,60-0,80 Aceitável | |||
< 0,60 Inaceitável | |||
Discrepância populacional | NCP | 490,172 | Quanto menor é melhor |
F0 | 1,776 | Quanto menor é melhor | |
RMSEA | 0,087 | < 0,05 Muito bom | |
0,05-0,08 Bom | |||
>0,08 Inaceitável |
Fonte: adaptado de Hair, Ringle e Sarstedt (2011).
Componente Cognitivo | ||||
---|---|---|---|---|
Item | Média se excluído | Variância se excluído | Correlação item-total | Alfa se excluído |
eEAEst_02 | 22,43 | 40,014 | 0,669 | 0,907 |
eEAEst_05 | 22,99 | 38,808 | 0,767 | 0,899 |
eEAEst_07 | 22,75 | 40,117 | 0,670 | 0,907 |
eEAEst_12 | 22,73 | 36,568 | 0,848 | 0,891 |
eEAEst_13 | 22,91 | 36,991 | 0,796 | 0,896 |
eEAEst_15 | 22,79 | 37,195 | 0,778 | 0,897 |
eEAEst_16 | 22,86 | 39,793 | 0,643 | 0,909 |
eEAEst_20 | 23,03 | 40,217 | 0,577 | 0,915 |
Componente cognitivo | 0,914 | |||
Componente Afetivo | ||||
eEAEst_01 | 21,99 | 9,478 | 0,716 | 0,157 |
eEAEst_03 | 21,54 | 10,278 | 0,578 | 0,234 |
eEAEst_04 | 21,81 | 9,831 | 0,649 | 0,194 |
eEAEst_06 | 21,65 | 11,229 | 0,386 | 0,323 |
eEAEst_08 | 21,71 | 11,403 | 0,323 | 0,351 |
eEAEst_18 | 22,83 | 19,958 | -0,590 | 0,695 |
eEAEst_22 | 22,90 | 18,011 | -0,430 | 0,632 |
eEAEst_23 | 22,45 | 10,930 | 0,493 | 0,282 |
Componente afetivo | 0,446 | |||
Componente Comportamental | ||||
eEAEst_09 | 24,63 | 25,010 | 0,651 | 0,832 |
eEAEst_11 | 24,73 | 24,776 | 0,670 | 0,830 |
eEAEst_10 | 24,38 | 26,251 | 0,539 | 0,845 |
eEAEst_14 | 24,10 | 26,255 | 0,551 | 0,843 |
eEAEst_17 | 24,81 | 24,762 | 0,677 | 0,829 |
eEAEst_19 | 24,66 | 25,306 | 0,515 | 0,850 |
eEAEst_21 | 24,70 | 26,167 | 0,560 | 0,842 |
eEAEst_24 | 24,42 | 25,187 | 0,632 | 0,834 |
Componente comportamental | 0,856 | |||
Escala total = 0,908 |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Conclusão
Os resultados indicaram evidências de validade interna satisfatória, foi utilizada a AFC, a qual atestou que a escala construída para avaliar as atitudes por meio de um modelo tripartido, de fato mede este construto latente revisado por Zanna e Rampel (1988). Diante disto, pode-se concluir que o instrumento é um recurso que pode ser usado por docentes para mensurar as atitudes dos discentes frente à Estatística, uma disciplina que, muitas vezes, tem uma conotação negativa e de fracasso acadêmico. Mensurando as atitudes, consegue-se elaborar estratégias para auxiliar os alunos a criar formas para o aprendizado da Estatística. Consequentemente, os alunos terão melhor desempenho acadêmico, já que há uma relação entre a atitude positiva e o desempenho acadêmico, de acordo com estudos realizados anteriormente por Camilo (2016), Mantovani e Viana (2008), Sarti e Vendramini (2016), e Vendramini e Camilo (2013). Para realizar uma AFC de forma adequada, os autores Tabachinick e Fidell (1996) consideram que é necessário de 5 a 10 sujeitos por cada item de um instrumento, isto é, a cada item precisa ter, no mínimo, cinco respondentes. Neste caso, a amostra desta pesquisa foi adequada, conforme a teoria. Uma limitação deste estudo é não ter utilizado um outro construto, que avalie semelhanças ou divergências, para evidências de validade externa com outras variáveis, isto é, validade de critério. Porém, em um estudo futuro, pesquisadores podem utilizar este critério metodológico e meta-análises para verificar se existe poder preditivo das atitudes sob o desempenho acadêmico.