Introdução
A educação brasileira sustenta-se por políticas e legislações (BRASIL, 1996, 2003, 2008), que deliberam sobre os aspectos legais, nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Este artigo aborda a Educação Especial e a Educação Inclusiva, cujas políticas asseguram os direitos, os acessos, os recursos e as ações para a escolarização de pessoas com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, preferencialmente em escolas regulares de ensino, concebendo a garantia na “[...] transversalidade da educação especial desde a Educação Infantil até o Ensino Superior; atendimento educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados de ensino” (BRASIL, 2008, p. 8).
Araújo et al. (2019) salientam que a educação brasileira avança no processo para a educação inclusiva por meio de práticas educativas e pressupostos distintos, tidos como convergentes com as garantias dos estudantes. Desse modo, ao se considerar, neste estudo, a Educação Especial e a Educação Inclusiva como indissociáveis ao processo de ensino, destacam-se que determinadas ações pedagógicas necessitam da compreensão de algumas orientações referentes ao modo como se organiza o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Para tanto, recorreram-se às Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado – Resolução n. 4/2009 – (BRASIL, 2009), ao deliberar que o AEE se realize, prioritariamente, na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) da própria escola ou em outra escola de ensino regular e no Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE), em turno inverso à escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns.
O AEE específico na área da deficiência visual, aqui discutido, conforme Instrução n. 020/2010 (PARANÁ, 2010), é organizado e presta atendimento a alunos cegos, de baixa visão ou outros acometimentos visuais. A Instrução n. 025/2018 (PARANÁ, 2018) estabelece os critérios de organização e funcionamento do CAEE para a área da deficiência visual. Essa instrução assegura aos estudantes a participação em atendimentos de acordo com suas necessidades, tais como: ensino do sistema braile; ensino das técnicas do cálculo do soroban, orientação e mobilidade em contextos escolares e não escolares; práticas educativas para uma vida independente; ensino do uso e funcionalidade de recursos ópticos e não ópticos; uso de tecnologias assistivas; usabilidade e funcionalidade da informática acessível; orientação e trabalho colaborativo entre professor especialista e professor da escola comum (PARANÁ, 2018).
O atendimento que versa sobre orientação e trabalho colaborativo entre professor especialista e professor da escola comum parte do pressuposto de que a interação possibilita novos aprendizados. Vygotsky (1991) conceituou a linguagem como um instrumento lógico e analítico do pensamento, pois todo desenvolvimento cognitivo se dá por meio da interação social com o outro e com o meio; assim, a partir do conhecimento do outro se aumentam as capacidades para o processo de aprendizagem. A interação entre profissionais da educação é uma das atribuições de professores de AEE, na área da deficiência visual, tendo em vista “[...] orientar os professores do ensino comum quanto às necessidades dos estudantes e os desafios que estes vivenciam no ensino comum” (PARANÁ, 2018, p. 6). Tal orientação se faz necessária, uma vez que temas voltados à Educação Especial ainda não são expressivos nos currículos de licenciatura e, muitas vezes, não oferecem conhecimentos ao docente para a atuação na área.
Oliveira e Prieto (2020) constataram que, na atuação de professores das SRM e ensino regular, há distanciamentos, de forma a interpor dificuldades substanciais nas práticas pedagógicas. Para que isso seja evitado, Souza e Mendes (2017) ressaltam que a formação docente deve ser mais consistente, capaz de suprir as demandas e as necessidades dos estudantes público-alvo da Educação Especial, bem como as interações entre os professores de AEE e os de ensino regular.
Estudos conduzidos sobre o tema (ARAÚJO et al., 2019; KASSAR; REBELO, 2018; OLIVEIRA; PRIETO, 2020) apontam para a necessidade de instrumentalizar as instituições escolares para a ampliação de atendimentos, a investir na formação dos professores e em suas interações e aproximações para que o processo seja mais inclusivo. Também relatam a viabilidade de suprir as necessidades dos estudantes com deficiência visual e desenvolver, em cada profissional, outros olhares, rompendo com a visão da deficiência, a fim de perceber as potencialidades dos estudantes para novas ações pedagógicas, de maneira mais colaborativa e interdisciplinar.
Em relação ao trabalho colaborativo entre o professor de AEE, na área da deficiência visual, e o professor de Ensino Regular, especificamente na área da Matemática, alguns estudos (MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011; THESING; COSTAS, 2019) alertam sobre as necessidades da interação entre esses profissionais, a compreender o planejamento, a organização e a execução das ações pedagógicas voltadas para o processo de ensino a estudantes com deficiência visual. Tais profissionais apresentam algumas inquietações no sentido de perceber dificuldades significativas no processo de aprendizagem de seus estudantes. Por essa razão, tornam-se cruciais as interações, para que os profissionais da educação avancem para a efetivação de uma educação inclusiva, com a apropriação do conhecimento científico por todos que adentram a escola e com professores mais qualificados.
Nessa direção, questiona-se acerca da abordagem em que ocorre a interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular no processo de ensino de Matemática para estudantes cegos, de maneira que as suas especificidades, em função da deficiência, sejam atendidas com vistas à aprendizagem dos conceitos ensinados e a seu desenvolvimento. Desencadeia-se como problema de pesquisa a pergunta: De que maneira acontece a interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular nos processos de ensino e de aprendizagem de Matemática a estudantes cegos?
Neste estudo se objetiva analisar as ações pedagógicas realizadas no ensino de Matemática a estudantes cegos a partir da interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular.
Os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural levam ao entendimento de que a escola é um espaço mediador para a aprendizagem e o desenvolvimento, em situações formais de ensino e de aprendizagem. Nesse processo, Vygotsky (2019) afirma que as pessoas estão imersas no mundo da linguagem e, por meio dela, fazem registros contínuos atinentes ao mundo que as cercam. À medida que a pessoa, no caso do cego, é atendida, internaliza a linguagem e se apropria do conhecimento trabalhado. Nesse espaço organizado que é a escola, o professor é um dos elementos fundamentais na interação. Ele determina a qualidade da interação que direciona a apropriação do conhecimento científico pelos alunos e a transferência para as funcionalidades na vida cotidiana.
No pressuposto Histórico-Cultural, o professor interage, por meio de signos e instrumentos, a fim de orientar e elaborar situações de aprendizagem que facilitem as abstrações e as generalizações dos alunos. A interação com outras pessoas e a ação do aluno sobre o objeto de conhecimento auxiliam a estabelecer novas generalizações. Dessa forma, o professor aponta a direção e explicita significados em torno dos quais os alunos aprendem.
Nessa perspectiva, este estudo analisa ações pedagógicas realizadas no ensino de Matemática a estudantes cegos a partir da interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular. Ao se considerar a importância da interação entre o professor especializado na área da deficiência visual e o professor da rede regular de ensino, busca-se o processo inclusivo como possibilidade para a aprendizagem de estudantes com deficiência visual.
Pretende-se, com os resultados deste estudo, contribuir e ampliar as ações pedagógicas alicerçadas na interação de professores para os processos de ensino e de aprendizagem de estudantes com deficiência visual matriculados em escolas regulares de ensino que prestam atendimento no Centro de Atendimento Educacional Especializado, área da deficiência visual (CAEE-DV). Busca-se ainda possibilitar novas reflexões a professores e pesquisadores da área da Educação Especial e da Educação Inclusiva, conduzindo-os para o desenvolvimento de novas ações pedagógicas e de pesquisas em relação à temática, com seus novos desdobramentos possíveis.
Nesse aspecto, o CAEE-DV objetiva “[...] possibilitar o desenvolvimento integral das pessoas com deficiência visual, garantindo a oferta do Atendimento Educacional Especializado – AEE” (PARANÁ, 2018, p. 2). Dele participam pessoas da comunidade que precisam de atendimento específico às suas necessidades pessoais, assim como estudantes com deficiência visual, cegueira ou baixa visão, associada ou não a outras deficiências, matriculados no ensino comum, que necessitam de atendimentos especializados, a acontecer em contraturno de escolarização regular.
A partir dos fundamentos da Lei n. 13.146/15 (BRASIL, 2015), é salutar refletir sobre o processo de organização do CAEE, bem como das escolas de rede regular de ensino e a sociedade, de modo geral, acerca da relevância da acessibilidade como direito a pessoas com deficiência. Apesar dos avanços referentes à inclusão, ainda se encontram muitas barreiras urbanísticas, transportes, arquitetônicas, comunicação, tecnológicas e atitudinais que, muitas vezes, impedem a acessibilidade e a inclusão dessas pessoas.
A acessibilidade é um dos requisitos para a inclusão, consequentemente, à cidadania. Entende-se por cidadania a possibilidade de o indivíduo participar de forma interativa da sociedade em que está inserido. A escola se preocuparia com a cidadania e, no caso das pessoas com deficiência, a questão seria trabalhada com mais cuidado, porque necessitam de conhecimentos relativos a seus próprios direitos. Vygotsky (1991) postula que o ensino comprometido com a aquisição do conhecimento elaborado é um dos instrumentos para o desenvolvimento da cidadania.
Delineamento metodológico
Este estudo constitui-se em uma abordagem qualitativa do tipo descritivo-exploratório. Segundo Gil (2017), as pesquisas descritivas são respaldadas na descrição das características de populações ou fenômenos previamente definidos; enquanto que as pesquisas exploratórias proporcionam maior proximidade com o problema para explicitá-lo. As pesquisas descritivas, ao propiciarem uma nova visão do problema, se aproximam das pesquisas exploratórias. Como estratégia de pesquisa, optou-se pela pesquisa documental, uma vez que se utilizam de registros escritos realizados por professores sobre as ações na interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular, assim como os diálogos em grupo de interação no aplicativo Whatsapp, como, também, instrumento para a coleta de dados. Usou-se o aplicativo em função de os professores apontarem ser um meio mais rápido e acessível de comunicação e interação a todos os participantes.
As etapas desenvolvidas na pesquisa documental, conforme orienta Gil (2017), são: (i) solicitação de autorização para o acesso aos documentos; (ii) escolha dos documentos para a preparação do material para análise; (iii) leitura do material selecionado; (iv) estabelecimento de categorias para análise; e (v) análise e interpretação dos resultados obtidos. Realça-se que a pesquisa faz parte do projeto Linguagem, Letramento e Diversidade, aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá onde o projeto está registrado com CEEA 564791160.0000.0104.
Após as devidas autorizações, os dados foram coletados em um CAEE-DV de uma instituição não governamental, conveniada com a Secretaria de Estado da Educação, que atende pessoas com deficiência visual. O CAEE-DV está localizado em uma cidade do interior da região Centro-Oeste do Estado do Paraná-Brasil. Utilizaram-se para as análises os dados extraídos das fichas de registro do serviço itinerante, durante o ano de 2019. Esse serviço se constitui de visitas regulares empreendidas pelo profissional que atua na Educação Especial nos colégios de Ensino Regular. As fichas, uma para cada aluno atendido pelo CAEE-DV, são utilizadas pelo profissional para registrar as ações pedagógicas efetuadas entre professores especialistas e a escola regular durante a orientação e o trabalho colaborativo. Analisaram-se, também, os diálogos entre os professores de Matemática e uma profissional da Educação Especial, recolhidos por meio do aplicativo Whatsapp, os quais, ao serem registrados mediante textos, foram impressos para análise, e, ao serem registrados por meio de áudios, foram transcritos integralmente e impressos.
Assinala-se que o CAEE-DV realiza o serviço itinerante em todos os colégios públicos e particulares que contam com estudantes com deficiência visual matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, sejam cegos ou com baixa visão. Para tanto, utilizou-se como critério de inclusão na pesquisa ser estudante cego devido à necessidade de maiores adaptações no processo de ensino, em consequência, maior interação entre os professores do Ensino Regular e da Educação Especial.
Nas fichas de itinerante, identificaram-se as ações realizadas pelos estabelecimentos. Entre elas, nove reuniões de formação com os professores; três reuniões com equipes pedagógicas; cinco atividades de orientação individual aos professores; oitenta e sete visitas de rotina para suporte das atividades realizadas pelos professores; noventa e quatro interações virtuais decorrentes de dúvidas apresentadas e respondidas por meio do aplicativo Whatsapp. As ações pedagógicas foram divididas em categorias a partir das instruções sobre as atribuições ao professor da Secretaria de Estado da Educação (SEED) para a organização e o funcionamento da sala (PARANÁ, 2018).
Assim, foram consideradas para análises três categorias a partir da interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular: (i) formação sobre a deficiência visual; (ii) atendimentos individualizados com os professores do Ensino Regular; e (iii) orientações e adaptações de materiais para o ensino de Matemática a estudantes cegos.
Os registros de dados coletados foram examinados via análise do conteúdo (BARDIN, 2004; GIL, 2017; SOUSA; SANTOS, 2020). Esta se constitui em um conjunto de instrumentos e procedimentos metodológicos cujas técnicas possibilitam a descrição do conteúdo presente nas fontes consultadas com o aspecto qualitativo em um processo interativo que permite fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção das mensagens. Para isso, as pesquisadoras elaboraram uma explicação lógica do fenômeno estudado considerando o exame das categorias elaboradas e as inter-relações entre essas categorias nas três fases da pesquisa: (i) pré-análise dos dados, mediante a leitura, seleção dos documentos e formulação dos objetivos; (ii) criação das categorias; e (iii) implementação dos resultados, buscando o significado das mensagens, sustentadas sempre pela análise do conteúdo (SOUSA; SANTOS, 2020).
Resultados e discussões
Categoria 1: Formação sobre a deficiência visual
As formações relativas à deficiência visual foram ofertadas aos colégios em diferentes momentos do ano letivo. No início do ano, abordaram-se conhecimentos específicos referentes à deficiência visual. Ao longo do ano, também foram realizadas outras formações, com ênfase nos recursos disponíveis e necessários para os estudantes com deficiência visual, como o uso de softwares e leitores de tela específicos para tais alunos.
Participaram das formações professores de Matemática, de outras áreas do conhecimento e membros das equipes pedagógicas, a destacar que o foco eram os professores de Matemática. Nas formações, apresentaram-se informações sobre a deficiência visual, tais como a patologia e a condição visual de cada um dos estudantes, assim como as ações inclusivas que os professores desenvolvem em relação ao estudante com deficiência visual.
Nos registros realizados pela professora especialista atinentes a tais formações, exaradas nas fichas de itinerante, observou-se que muitos professores do Ensino Regular se preocupam com os processos de ensino e de aprendizagem para os estudantes cegos. Entretanto, sentem-se despreparados ao considerarem uma formação inicial que não promoveu o conhecimento necessário para atuar em turmas com estudantes que apresentam deficiência, seja a visual ou qualquer outra. O desconhecimento de características específicas da deficiência visual desenvolve nos professores diferentes atitudes, como rejeição, aversão, indiferença, medo, superproteção, e atitudes não inclusivas pelos docentes, no momento do ensino. Esse fato implica, conforme apontam Souza e Mendes (2017), na necessidade de uma formação docente consistente.
Uma professora, em uma das formações, declarou: “Eu achei estranho, no primeiro dia de aula, que o aluno não acompanhava o que eu escrevia no quadro. Aí eu percebi que ele não enxergava”. Essa fala evidencia um problema existente no processo de interação, pois as formações nos colégios não aconteceram antes do início das aulas; dessa forma, surge o questionamento sobre como os professores seguem para a sala de aula sem as informações necessárias da escola sobre ter um aluno cego matriculado entre os alunos. A afirmação da professora mostra a necessidade não apenas de conhecimento a respeito da Educação Especial, como também da comunicação e interação pela equipe pedagógica sobre a matrícula de um aluno com deficiência na sala de aula. Ressalta-se ainda, de acordo com a professora na continuidade do seu relato, que a família comunicou a escola sobre a deficiência do aluno no ato da matrícula, o que salienta a lacuna de informações.
No tocante à inclusão de estudantes cegos nas salas de aula, constataram-se divergências entre os professores. Alguns manifestaram que a inclusão oportuniza melhor aprendizagem. Outros manifestaram opiniões contrárias, a deixar subentendido serem favoráveis ao ensino segregado a esses estudantes, conforme o discurso de uma das professoras:
A realidade é difícil, não temos preparação para isso [...] lá no CAEE-DV, vocês atendem os alunos individualmente, não é como aqui, na sala de aula, que temos que dar conta de 42 alunos e mais um aluno cego [...] o barulho da máquina braile atrapalha todos os outros alunos.
Os direitos ao acesso, permanência e apropriação do conhecimento pelas pessoas com deficiência estão legitimados. Frente a tal problema encontrado, é necessário considerar os anseios, os medos e as dificuldades dos professores e oferecer-lhes o apoio de que necessitam para o desenvolvimento de um ensino inclusivo. Araújo et al. (2019), Kassar e Rebelo (2018) e Oliveira e Prieto (2020) discutem sobre esse tema no sentido de promover, entre os professores, um olhar diferente para o ensino das pessoas com deficiência, a ocorrer por meio do trabalho colaborativo entre os profissionais da Educação Especial e os do Ensino Regular, em processos de interações adequadas.
Não foram observados, nas fichas de itinerante, registros de orientações de modo colaborativo sobre a elaboração do planejamento e a organização da prática pedagógica para o ensino de Matemática aos estudantes com deficiência visual, segundo orientam Thesing e Costas (2019). Porém, no documento elaborado no CAEE-DV e entregue a cada um dos professores, informava-se acerca da necessidade de se solicitar materiais adaptados a serem utilizados com antecedência de, ao menos, uma semana para que os estudantes cegos tivessem acesso em sala de aula e acompanhar as explicações dos professores.
Outro ponto levantado pelos professores, no momento das formações, estava relacionado ao fato de os estudantes cegos não contarem com um professor para acompanhá-los, como acontece com outras deficiências, como, por exemplo, aqueles com comprometimento motor, que contam com um professor de apoio na comunicação alternativa.
Pontua-se que os registros de dados ora relatados permitem afirmar que a formação do professor é um dos fatores que intervêm no processo de apropriação do conhecimento, uma vez que impossibilita criar situações de aprendizagem que facilite as generalizações, como postula a Teoria Histórico-Cultural.
Categoria 2: Atendimentos individualizados com os professores do ensino regular
Discorrem-se, nessa categoria, sobre os atendimentos individuais realizados nos colégios pela professora especialista em Educação Especial, assim como as orientações solicitadas pelos professores de Matemática do Ensino Regular no aplicativo Whatsapp.
Uma professora de Matemática solicitou à professora especialista orientações sobre como fazer uso do soroban para ensinar as operações aos seus alunos. O soroban é um ábaco japonês adaptado para o desenvolvimento de operações matemáticas em alunos cegos (BRASIL, 2012). Nesse trabalho, a professora especialista explicou sobre como registrar números no soroban e como realizar as operações fundamentais de adição, subtração, multiplicação e divisão.
De acordo com Vygotsky (2001), o professor utiliza de signo e instrumentos mediadores para o ensino; nesse caso, o soroban é o instrumento utilizado para que os estudantes cegos aprendam e desenvolvam com a intervenção sistematizada do professor a partir dos signos próprios.
Outra orientação solicitada por uma professora dizia respeito ao ensino de frações para o estudante cego. Os relatos da professora especialista indicam a necessidade do conhecimento sobre o código braile. Há algumas diferenças nos registros de conceitos matemáticos escritos à tinta e em braile. A representação de frações é uma delas. Na escrita à tinta, as frações são representadas por meio de um traço; o numerador da fração é registrado na parte superior ao traço e o denominador na parte inferior. Em braile, a escrita é linear, ou seja, a fração é representada na mesma linha. Registra-se o numerador, em seguida o símbolo para fração, depois o denominador. Além das frações, outros conceitos matemáticos também são representados por notações não lineares, como potências, por exemplo. Essa diferença de registro também é constatada no uso de softwares e os leitores de tela específicos para os estudantes com deficiência visual.
Assim como foi destacada a importância de o professor do ensino regular ter conhecimentos sobre o soroban, também é relevante conhecer as características do código braile e as ferramentas tecnológicas que o estudante cego utiliza para a aprendizagem. Nos registros de itinerante, encontram-se informações de que a professora especialista orientava os professores sobre o código braile que os estudantes necessitavam aprender à medida que novos conceitos eram introduzidos.
A avaliação também foi assunto discutido nos atendimentos individuais solicitados por professores. Haviam relatos de pedagogos afirmando ser comum os professores encaminharem os estudantes cegos para realizar as avaliações na sala da equipe pedagógica. Tal ação era justificada pelo fato de que a máquina braile fazia muito barulho, e atrapalhava os demais estudantes. A orientação dada pela professora especialista era de que, dentro do possível, a avaliação do estudante cego acontecesse na própria sala de aula, uma vez que é o professor da disciplina o responsável por ensinar os conceitos, assim como avaliar o processo de aprendizagem. Na realidade, somente o professor da disciplina faria as intervenções necessárias, junto ao estudante, no momento da avaliação. Observase que, para que se assegure a inclusão, os alunos, independente da linguagem ou do instrumento utilizados, devem ter acesso aos conhecimentos, junto aos demais, que os conduzam às abstrações e generalizações.
Outro registro relacionava-se à queixa de os estudantes cegos sobre o professor fazer uso constante de avaliação oral. Orientou-se para que o professor consultasse o estudante sobre a sua preferência pelo tipo de avaliação, se oral ou escrita e, no caso da avaliação escrita, que encaminhasse com antecedência para a transcrição braile, de modo que o estudante a tivesse em mãos no mesmo dia em que os demais estudantes a realizassem.
Apesar das dificuldades do atual contexto histórico, ao se experimentarem várias transições sociais, a inclusão educacional, mesmo com as diversas contradições manifestadas nos discursos das professoras, deveria ser vista como parte do processo de democratização do ensino. A luta pela inclusão é necessária para a não eliminação de ninguém do sistema educacional e para a obtenção de avanços que levem as pessoas com deficiência, definitivamente, à inclusão nas salas regulares.
Categoria 3: Orientações e adaptações de materiais para o ensino de Matemática a estudantes cegos
A respeito das orientações sobre adaptações no processo de ensino de Matemática, em reuniões realizadas, a professora especialista da Educação Especial solicitou aos professores que o material a ser adaptado fosse enviado, ao menos com uma semana de antecedência, para que as adaptações fossem efetuadas em tempo hábil para o estudante tê-las em mãos no momento da explicação do conteúdo pelo professor.
Os professores solicitaram, via mensagens por Whatsapp, informações relativas ao uso de filmes em sala de aula, uso de caça-palavras, cartas enigmáticas, como ensinar simetria, entre outras, as quais foram respondidas pela professora especialista. Algumas das adaptações realizadas pela professora foram registradas por meio de fotografias, disponíveis no material consultado (figuras 1, 2, 3, 4 e 5).
Nessas adaptações realizadas pela professora especialista, observa-se o uso de materiais simples, de baixo custo, que permitem ao estudante cego o acesso ao conteúdo ensinado por meio de outros canais de recepção da informação diferentes da visão. Assim, ao ensinar conteúdos de Matemática ou quaisquer outros do currículo escolar a estudantes cegos, é relevante que os professores considerem outras formas de acesso diante de suas ações pedagógicas, a perceber que os discentes utilizam dos meios táteis, auditivos ou outros que favoreçam sua aprendizagem. Para Baptista (2011), as ações pedagógicas e as formas de percepção sobre como aplicá-las a estudantes com deficiência são apenas o começo para uma educação inclusiva.
Estudos já realizados (ALVARISTO et al., 2020; MAMCASZ-VIGINHESKI et al., 2019; VIGINHESKI et al., 2014) demonstram que as ações pedagógicas inclusivas se iniciam em sala de aula, a propor algumas adaptações de materiais voltadas para o ensino de Matemática a estudantes cegos, assim como a mediação entre o professor e o estudante durante os processos de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem do conteúdo trabalhado.
Em consonância com Vygotsky (2019), a psicologia da cegueira deve ser aquela que a supere por meio de compensações, pois o desenvolvimento da pessoa cega não pode centrar apenas naquilo que falta. Na concepção do teórico, a educação não deve se apoiar somente nas forças naturais do desenvolvimento, mas, também, em como estimular o desenvolvimento para que aconteça a superação para o processo de desenvolvimento do estudante cego. Os materiais elaborados foram para esse fim.
Os pesquisadores Alvaristo et al. (2020) versam sobre um material didático denominado Gráfico em Pizza Adaptado, cujas ações pedagógicas aplicadas a estudantes cegas que participaram de seu estudo promoveram:
[...] a autonomia para as estudantes construírem gráficos em setores permitiu o manuseio com facilidade do material, assim como possibilitou a identificação das peças por meio da percepção tátil; trouxe, ainda, contribuições para o ensino inclusivo de Matemática, a permitir a participação dos estudantes com deficiência visual no processo de ensino e aprendizagem, promovendo a apropriação dos conhecimentos matemáticos (ALVARISTO et al., 2020, p. 119, tradução nossa).
As pesquisadoras Mamcasz-Viginheski et al. (2019) expuseram alguns jogos adaptados como ação pedagógica para a alfabetização matemática de estudantes cegos e com baixa visão tais como: blocos lógicos adaptados; almofadinhas lógicas a utilizar-se de atributos para o desenvolvimento: texturas (seis tipos diferentes de tecido), tamanhos (pequeno, médio e grande), presença e ausência de elementos como botões e franjas. Outros jogos propostos no estudo foram o quebra-cabeça das quatro cores com texturas; jogos dos critérios confeccionados em matéria EVA e texturas, dentre outros jogos adaptados. Os resultados desse estudo mostram que esses materiais adaptados contribuíram na aquisição dos conceitos matemáticos inicias aos estudantes.
Outro estudo desenvolvido pelas pesquisadoras Viginheski et al. (2014) propôs, no ensino de Matemática a estudantes cegos, o uso do sistema braile, de adaptações por meio de descrição, adaptações em relevo, adaptações a usar texturas, barbantes e EVA; adaptações em braile; adaptações em termoform. O estudo concluiu que tais adaptações foram capazes de possibilitar maiores acessibilidades e inclusões em sala de aula, no ensino de Matemática, a considerar as ações e as mediações dos professores frente ao ensino.
Reily (2004) discorre sobre algumas formas de adaptações que proporcionam aos estudantes cegos igualdades de condições em relação aos outros estudantes no processo de ensinar e aprender Matemática, tais como:
[...] bolinhas de plastilina (massinha) para fazer pontos de referência sobre a mesa do aluno; manipulação das formas essenciais da figura recortadas em EVA (material emborrachado) ou em papelão; pintura com tintas texturadas em graus que vão do fino ao grosso, variando entre as arenosas, as aveludadas, as craqueladas (REILY, 2004, p. 38).
Os demais estudos acerca do tema (OLIVEIRA; PRIETO, 2020; THESING; COSTAS, 2019) discutem a respeito da importância das ações pedagógicas do professor do AEE e do professor de Ensino Regular nos processos de ensino e de aprendizagem de estudantes com deficiência. De modo geral, apontam distanciamentos entre as áreas e sugerem maior interação e aproximação entre os profissionais de educação, a sanar muitas dificuldades apresentadas pelos estudantes com deficiência, relacionar o processo de ensino e aprendizagem, bem como ampliar a perspectiva da educação inclusiva nos ambientes escolares.
Frente às análises realizadas, considera-se de crucial importância a interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular nos processos de ensino e de aprendizagem dos estudantes com deficiência visual. No entanto, constataram-se alguns problemas nessa interação relacionados ao modelo adotado no cenário estudado nesta pesquisa. O CAEE-DV funciona em uma instituição conveniada com o governo do Estado, e atende estudantes matriculados em diversos colégios jurisdicionados ao Núcleo Regional de Educação da região Centro-Oeste do Paraná. Os itinerantes acontecem semanalmente, porém as necessidades do professor de Ensino Regular não são atendidas em tempo real, porque o professor especialista não consegue estar no colégio no momento em que a dificuldade surge em situação de aprendizagem.
Em outros municípios, há, em alguns colégios, as SEM para a área da deficiência visual, também a atender demandas de outros colégios, a gerar o mesmo problema. Considera-se como pertinente, em uma situação ideal, um professor especialista em cada colégio no qual haja estudante cego matriculado, para que as necessidades, tanto do professor, como do estudante, sejam atendidas em tempo real, não somente na disciplina de Matemática, mas em todas as disciplinas, em todas as atividades escolares em que o estudante com deficiência estiver presente.
Outro fator importante é a formação docente. É necessário intensificar as ações para que os professores tenham formação inicial e continuada consistente no que tange à inclusão de estudantes com deficiência, para que possam, de fato, ensinar de forma inclusiva. Além da formação, outras questões também precisam ser revistas, como o número de alunos em sala de aula.
Considerações finais
Este estudo analisou as ações pedagógicas realizadas no ensino de Matemática a estudantes cegos a partir da interação entre professores na Educação Especial e no Ensino Regular. Utilizaram-se como materiais de análise os registros do serviço itinerante efetuados por uma professora especialista em Educação Especial no acompanhamento do processo de escolarização de cinco estudantes cegos, matriculados no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em colégios públicos do município investigado, o que seria considerado como uma limitação do estudo a sua não representatividade total. Não obstante, as análises aqui empreendidas proporcionam a visão de uma das possibilidades sobre como acontece a interação entre a Educação Especial e o Ensino Regular na questão da educação dos estudantes com deficiência visual. Faz-se necessário o desenvolvimento de outros estudos a ter como local as SRM que atendem a população descrita, no sentido de complementar as análises ora apontadas.
Os resultados encontrados permitem inferir sobre a importância da interação entre os professores especialistas e os professores de Matemática com vistas à promoção da inclusão dos estudantes cegos no cenário educacional, a garantir-lhes o acesso ao conhecimento e ao seu desenvolvimento. Por meio da interação, é possível os professores planejarem juntos as ações educacionais, e atender as necessidades desses estudantes.
A interação se faz necessária entre os professores, para que se adote uma postura mais segura diante dos alunos com deficiência visual, e minimize a discriminação por meio da apropriação do conhecimento que se acredita ser um instrumento para a inclusão da pessoa com deficiência à escola e à sociedade.